Posted by : Unknown junho 04, 2014

Capítulo 28


POR ORDEM DO MINISTÉRIO DA MAGIA
Dolores Joana Umbridge (Alta Inquisidora) substituiu Alvo Dumbledore na diretoria da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.
A ordem acima está de acordo com o Decreto Educacional Número Vinte e Oito
Assinado: Cornélio Oswaldo Fudge, ministro da Magia

Os avisos foram afixados por toda a escola da noite para o dia, mas não explicavam como é que todas as pessoas que ali viviam pareciam saber que Dumbledore dominara dois aurores, a Alta Inquisidora, o ministro da Magia e seu assistente júnior para fugir. Por onde quer que Harry andasse no castelo, o único tema das conversas era a fuga de Dumbledore e, embora alguns detalhes tivessem sido alterados nas repetições (Harry ouviu uma segundanista garantir a outra que Fudge estaria agora acamado no St. Mungus com uma abóbora no lugar da cabeça), era surpreendente como o restante da informação era exata. Todos sabiam, por exemplo, que Harry e Marieta eram os estudantes que haviam presenciado a cena na sala de Dumbledore e, como agora Marieta se achava na ala hospitalar, Harry se viu assediado com pedidos para contar a história em primeira mão.
— Dumbledore não vai demorar a voltar — disse Ernesto Macmillan, confiante, ao sair da aula de Herbologia, depois de ouvir com atenção a história de Harry. — Eles não puderam mantê-lo afastado no nosso segundo ano e também não vão poder agora. O Frei Gorducho me disse — e aqui ele baixou a voz conspirativamente, obrigando Harry, Rony e Hermione a se inclinarem para ouvir — que aquela Umbridge tentou voltar à sala de Dumbledore na noite passada depois de terem vasculhado o castelo e a propriedade à procura dele. Não conseguiu passar pela gárgula. A sala do diretor se lacrou para impedir sua entrada — riu Ernesto. — Pelo que contam, ela teve um bom acesso de raiva.
— Ah, tenho certeza de que ela realmente se imaginou sentada lá em cima na sala do diretor — disse Hermione maldosamente, quando subiam a escada para o Saguão de Entrada. — Reinando sobre todos os professores, aquela velha burra, presunçosa e ávida de poder que é...
— Ora, você realmente quer terminar essa frase, Granger? — Draco Malfoy saíra de trás de uma porta, seguido por Crabbe e Goyle. Seu rosto pálido e fino iluminava-se de malícia.
— Receio que vou ter de cortar alguns pontos da Grifinória e da Lufa-Lufa — falou do seu jeito arrastado.
— Só os professores podem tirar pontos das Casas, Malfoy — replicou Ernesto na hora.
— Eu sei que monitores não podem tirar pontos uns dos outros — retrucou Malfoy. Crabbe e Goyle deram risadinhas. — Mas os membros da Brigada Inquisitorial...
— Os o quê? — perguntou Hermione com rispidez.
— Brigada Inquisitorial, Granger — disse Malfoy apontando para um minúsculo "I" no peito, logo abaixo do distintivo de monitor. — Um grupo seleto de estudantes que apóia o Ministério da Magia, escolhidos a dedo pela Profª Umbridge. Em todo o caso, os membros da Brigada Inquisitorial têm o poder de tirar pontos... então, Granger, vou tirar de você cinco por ter sido grosseira com a nossa nova diretora. Do Macmillan, cinco por me contradizer. E cinco porque não gosto de você, Potter. Weasley, a sua camisa está para fora, por isso vou ter de tirar mais cinco. Ah, é, me esqueci, e você é uma Sangue-ruim, Granger, então menos dez por isso.
Rony puxou a varinha, mas Hermione afastou-a, sussurrando: — Não!
— Muito sensato, Granger — murmurou Malfoy. — Nova diretora, novos tempos... agora comporte-se, Potter Pirado... Rei Banana...
Dando boas gargalhadas, Malfoy se afastou com Crabbe e Goyle.
— Ele estava blefando — comentou Ernesto estarrecido. — Não pode ter o direito de descontar pontos... isso seria ridículo... subverteria completamente o sistema monitório.
Mas Harry, Rony e Hermione tinham se virado automaticamente para as gigantescas ampulhetas, dispostas em nichos na parede às costas deles, que registravam o número de pontos das Casas. Naquela manhã, Grifinória e Corvinal estavam disputando a liderança quase empatadas. Enquanto olhavam, subiram algumas pedrinhas, reduzindo seu total nas bolhas inferiores. De fato, a única que parecia inalterada era a ampulheta cheia de esmeraldas da Sonserina.
— Já reparou? — perguntou a voz de Fred.
Ele e Jorge tinham acabado de descer a escadaria de mármore e se reuniram a Harry, Rony, Hermione e Ernesto diante das ampulhetas.
— Malfoy acabou de nos descontar uns cinqüenta pontos — disse Harry furioso; enquanto observavam, viram mais pedrinhas subirem na ampulheta da Grifinória.
— É, o Montague tentou nos prejudicar durante o intervalo — contou Jorge.
— Como assim "tentou"? — perguntou Rony na mesma hora.
— Ele não chegou a enunciar todas as palavras — disse Fred —, nós o empurramos de cabeça no Armário Sumidouro do primeiro andar.
Hermione pareceu muito chocada.
— Mas vocês vão se meter numa confusão horrível!
— Não até o Montague reaparecer, e isso pode levar semanas, não sei aonde o mandamos — disse Fred descontraído. — Em todo o caso... decidimos que não vamos mais ligar se nos metemos ou não em confusão.
— E algum dia vocês ligaram? — indagou Hermione.
— Mas é claro — protestou Jorge. — Nunca fomos expulsos, não é?
— Sempre soubemos onde parar — acrescentou Fred.
— Às vezes ultrapassávamos um dedinho — disse Jorge.
— Mas sempre paramos em tempo de evitar um caos total — completou Fred.
— Mas e agora? — perguntou Rony hesitante.
— Bom, agora... — começou Jorge.
—... com a partida de Dumbledore — continuou Fred.
—... concluímos que um certo caos... — disse Jorge.
—... é exatamente o que a nossa querida diretora merece — disse Fred.
— Pois não deviam! — sussurrou Hermione. — Realmente não deviam! Ela adoraria ter uma razão para expulsar vocês!
— Você não está entendendo, Hermione, não é? — perguntou Fred, sorrindo para ela. — Não fazemos mais questão de ficar. Sairíamos agora se não estivéssemos decididos a fazer alguma coisa por Dumbledore primeiro. Então, assim sendo — ele consultou o relógio —, a fase um está prestes a começar. Eu iria para o Salão Principal almoçar, se fosse vocês, para os professores verem que não têm nada a ver com a coisa.
— Nada a ver com o quê? — indagou Hermione ansiosa.
— Vocês verão — respondeu Jorge. — Agora, vão andando.
Fred e Jorge desapareceram na massa crescente de alunos que descia a escadaria para almoçar. Com o ar muito desconcertado, Ernesto murmurou alguma coisa sobre terminar um dever de Transfiguração, e saiu apressado.
— Acho que devíamos sair daqui, sabe — disse Hermione nervosa. — Só por precaução...
— É, vamos — concordou Rony, e os três se dirigiram às portas do Salão Principal, mas Harry mal avistara o céu do dia, com nuvens brancas sopradas pelo vento, quando alguém lhe bateu no ombro e, ao se virar, ele deparou quase nariz com nariz com Filch, o zelador. O garoto recuou vários passos; Filch era melhor visto de longe.
— A diretora quer ver você, Potter — disse malicioso.
— Não fui eu — disse Harry tolamente, pensando no que Fred e Jorge estavam planejando. As bochechas caídas de Filch sacudiram de riso inarticulado.
— Consciência pesada, eh? — exclamou asmático. — Venha comigo. Harry olhou para Rony e Hermione, que pareciam preocupados.
Ele sacudiu os ombros, e acompanhou Filch de volta ao Saguão de Entrada, na direção contrária à maré de estudantes esfomeados.
O zelador parecia estar de excelente humor; cantarolava desafinado em voz baixa enquanto subiam a escadaria de mármore. Quando chegaram ao primeiro andar, disse:
— As coisas estão mudando por aqui, Potter.
— Já reparei — respondeu o garoto com frieza.
— Veja... faz anos que digo a Dumbledore que ele é muito frouxo com vocês — disse Filch, com uma risadinha maldosa. — Suas ferinhas nojentas, vocês nunca soltariam Bombas de Bosta se soubessem que eu tinha poder para arrancar o couro de vocês a chicotadas, não é mesmo? Ninguém teria pensado em jogar Frisbees-dentados nos corredores se eu pudesse pendurar vocês pelos tornozelos na minha sala, não é? Mas quando chegar o Decreto Educacional Número Vinte e Nove, Potter, vou poder fazer tudo isso... e ela pediu ao ministro para assinar uma ordem expulsando o Pirraça... ah, as coisas vão ser diferentes aqui com ela na diretoria...
Era óbvio que Umbridge se esmerara em conquistar Filch, pensou Harry, e o pior era que ele provaria ser uma arma importante; seu conhecimento das passagens secretas e esconderijos provavelmente só perdia para o dos gêmeos Weasley.
— Chegamos — disse ele, olhando de esguelha para Harry enquanto batia três vezes na porta da Profª Umbridge antes de abri-la. — O garoto Potter para vê-la, Madame.
A sala de Umbridge, tão conhecida de Harry por suas muitas detenções, não mudara, exceto por um grande bloco de madeira na escrivaninha em que dizeres dourados informavam: DIRETORA. E também por sua Firebolt e as Cleansweeps de Fred e Jorge que, ele reparou com uma pontada de dor, estavam presas por correntes e cadeados a um grosso gancho de ferro na parede atrás dela.
Umbridge se encontrava sentada à escrivaninha, escrevendo diligentemente em um pergaminho cor-de-rosa, mas ergueu a cabeça e abriu um sorriso ao velos entrar.
— Muito obrigada, Argo — disse ela com meiguice.
— Nem por isso, Madame, nem por isso — respondeu ele, curvando-se até onde seu reumatismo permitia, e saindo de costas.
— Sente-se — disse Umbridge secamente, apontando uma cadeira. Harry obedeceu, e ela continuou a escrever mais algum tempo. Ele ficou observando os horríveis gatos que brincavam ao redor dos pratos por cima da cabeça da diretora, imaginando que novo horror estaria preparando para ele.
— Muito bem — disse Umbridge finalmente, pousando a pena e fazendo uma cara de sapo prestes a engolir uma mosca particularmente suculenta. — Que é que você gostaria de beber?
— Quê? — exclamou Harry, certo de que não ouvira direito.
— Beber, Sr. Potter — disse ela, abrindo mais o sorriso. — Chá? Café? Suco de abóbora?
À medida que oferecia cada bebida, fazia um breve aceno com a varinha e um copo cheio aparecia sobre a escrivaninha.
— Nada, muito obrigado.
— Eu gostaria que você bebesse alguma coisa comigo — disse ela, sua voz assumindo um tom perigosamente meigo. — Escolha uma.
— Ótimo... chá, então — disse o garoto encolhendo os ombros. Ela se levantou e fez uma grande cena para acrescentar o leite, de costas para Harry. Depois, apressou-se a lhe levar a bebida, sorrindo de maneira sinistramente meiga.
— Pronto — exclamou, entregando-a a ele. — Beba antes que esfrie, sim? Bom, Sr. Potter... achei que devíamos ter uma conversinha, depois dos acontecimentos angustiantes de ontem à noite.
Harry continuou calado. Ela se acomodou na cadeira e aguardou. Passado um longo momento de silêncio, falou alegremente:
— Você não está bebendo?
Ele levou a xícara à boca e então, igualmente depressa, tornou a baixá-la. Um dos horríveis gatos pintados atrás da diretora tinha olhos grandes, redondos e azuis como o olho mágico de Olho-Tonto Moody, e acabara de lhe ocorrer o que o bruxo diria se soubesse que ele bebera alguma coisa oferecida por uma inimiga declarada.
— Que foi? – perguntou a nova diretora, que ainda o observava. – Você quer açúcar?
— Não.
Ele tornou a levar a xícara à boca e fingiu tomar um gole, embora mantendo a boca bem fechada. O sorriso de Umbridge se ampliou.
— Muito bem — sussurrou. — Muito bom. Então agora... — Ela se curvou um pouco para a frente. — Onde está Alvo Dumbledore?
— Não faço a menor idéia — respondeu Harry prontamente.
— Beba, beba — incentivou ela ainda sorrindo. — Agora, Sr. Potter, não vamos fazer joguinhos infantis. Sei que o senhor sabe aonde ele foi. O senhor e Dumbledore sempre estiveram metidos nisso juntos desde o começo. Reflita sobre a sua posição, Sr. Potter...
— Não sei onde ele está.
Harry fingiu beber mais um pouco.
— Muito bem — disse ela parecendo descontente. — Neste caso... queira ter a bondade de me dizer o paradeiro de Sirius Black.
O estômago de Harry deu uma volta completa e a mão que segurava a xícara tremeu tanto que a fez vibrar no pires. Ele virou a xícara na boca com os lábios comprimidos, de modo que um pouco do líquido quente escorreu para suas vestes.
— Não sei — respondeu depressa demais.
— Sr. Potter — disse Umbridge —, deixe-me lembrar-lhe que fui eu que quase agarrei o criminoso Black na lareira da Grifinória em outubro. Sei perfeitamente bem que era com o senhor que ele estava se encontrando, e se eu tivesse a menor prova disso nenhum dos dois estaria à solta hoje, juro. Vou repetir, Sr. Potter... onde está Sirius Black?
— Não faço idéia — disse Harry em voz alta. — Não tenho a menor pista.
Os dois se encararam por tanto tempo que Harry sentiu seus olhos lacrimejarem. Então, Umbridge se levantou.
— Muito bem, Potter, desta vez vou aceitar sua palavra, mas este ja avisado: o poder do Ministério está comigo. Todos os canais de comunicação que entram na escola ou saem dela estão sendo monitorados. Um controlador da Rede de Flu está vigiando cada lareira de Hogwarts, exceto a minha, é claro. Minha Brigada Inquisitorial está abrindo e lendo toda a correspondência que entra no castelo e dele sai por via coruja. E o Sr. Filch está observando todas as passagens secretas de entrada e saída para o castelo. Se eu encontrar um fiapo de evidência...
BUUM!
O próprio piso da sala sacudiu. Umbridge escorregou para um lado e se agarrou à escrivaninha para não cair, fazendo cara de espanto.
— Que foi...?
Ela ficou olhando a porta. Harry aproveitou a oportunidade para esvaziar a xícara de chá quase cheia no vaso de flores secas mais próximo. Ouvia gente correndo e gritando vários andares abaixo.
— Volte para o seu almoço, Potter! — ordenou Umbridge, empunhando a varinha e saindo apressada da sala. Harry deu-lhe alguns segundos de dianteira e, então, correu atrás dela para ver a origem de todo aquele estardalhaço.
Não foi difícil saber. Um andar abaixo, reinava um pandemônio. Alguém (e Harry tinha uma boa idéia de quem) aparentemente tocara fogo em uma enorme caixa de fogos mágicos.
Dragões formados inteiramente por faíscas verdes e douradas voavam para cima e para baixo nos corredores, produzindo explosões e labaredas pelo caminho; rodas rosa-choque de mais de um metro de diâmetro zumbiam letalmente pelo ar como discos voadores; foguetes com longas caudas de estrelas de prata cintilantes ricocheteavam pelas paredes; centelhas escreviam palavrões no ar sem ninguém acioná-las; rojões explodiam como minas para todo lado que Harry olhava e, em vez de se queimarem e desaparecerem de vista ou pararem crepitando, quanto mais ele olhava essas maravilhas pirotécnicas mais elas pareciam aumentar em energia e ímpeto.
Filch e Umbridge estavam parados no meio da escada, parecendo pregados no chão. Enquanto Harry assistia, uma das rodas maiores pareceu decidir que precisava de mais espaço para manobrar: saiu rodando em direção a Umbridge e Filch com um ruído sinistro. Os dois berraram de susto e se abaixaram, e a roda voou direto pela janela às costas deles e atravessou os terrenos da escola. Entrementes, vários dragões e um grande morcego roxo que fumegava agourentamente aproveitaram a porta aberta no fim do corredor e escaparam para o segundo andar.
— Depressa, Filch, depressa! — gritou Umbridge. — Eles vão se espalhar pela escola toda se não fizermos alguma coisa: Estupefaça!
Um jorro de luz vermelha projetou-se da ponta de sua varinha e bateu em um dos foguetes. Em vez de se imobilizar no ar, o artefato explodiu com tal força que fez um furo no retrato de uma bruxa piegas no meio de um relvado; ela fugiu bem a tempo, e reapareceu segundos depois no quadro vizinho, onde dois bruxos que jogavam cartas se levantaram rapidamente e abriram espaço para acomodá-la.
— Não os estupore, Filch! — bradou Umbridge furiosa, como se ele fosse o responsável pelo feitiço.
— Pode deixar, diretora! — chiou Filch, que, sendo um aborto, não poderia ter estuporado os fogos nem tampouco os engolido. Ele correu para um armário próximo, tirou uma vassoura e começou a bater nos fogos que voavam; em poucos segundos a vassoura estava em chamas.
Harry já vira o suficiente; abaixou-se e correu para uma porta que ele sabia existir atrás de uma tapeçaria mais à frente no corredor, e ao entrar deu de cara com Fred e Jorge que estavam ali escondidos, ouvindo os gritos de Umbridge e Filch, sacudindo de riso reprimido.
Impressionante — cochichou Harry sorrindo. — Impressionante... vocês levariam o Dr. Filibusteiro à falência, podem crer...
— Falou — sussurrou Jorge, enxugando as lágrimas de riso do rosto. — Ah, espero que ela experimente agora fazê-los desaparecer... eles se multiplicam por dez todas as vezes que alguém tenta.
Os fogos continuaram a queimar e a se espalhar pela escola toda durante a tarde. Embora causassem muitos estragos, particularmente os rojões, os outros professores não pareceram se importar muito com isso.
— Ai, ai — exclamou a Profª McGonagall ironicamente, quando um dos dragões entrou voando em sua sala, emitindo fortes ruídos e soltando chamas.
— Srta. Brown, se importa de procurar a diretora para informá-la que temos um dragão errante em nossa sala?
O resultado de tudo isso foi que a Profª Umbridge passou sua primeira tarde como diretora correndo pela escola para atender aos chamados dos professores, que não pareciam capazes de livrar suas salas dos fogos sem a sua ajuda. Quando a última sineta tocou e todos iam voltando à Torre da
Grifinória com suas mochilas, Harry viu, com imensa satisfação, uma Umbridge desarrumada e suja de fuligem saindo com passos vacilantes e o rosto suado da sala do Prof. Flitwick.
— Muito obrigado, professora! — disse Flitwick na sua vozinha esganiçada. — Eu poderia ter me livrado dos fogos, é claro, mas não estava muito seguro se teria autoridade para tanto.
Sorrindo, ele fechou a porta da sala na cara da Umbridge, que parecia prestes a rosnar.
Fred e Jorge foram heróis naquela noite na sala comunal da Grifinória. Até Hermione se esforçou para atravessar a aglomeração de colegas excitados e dar parabéns aos gêmeos.
— Foram fogos maravilhosos — disse com admiração.
— Obrigado — agradeceu Jorge, ao mesmo tempo surpreso e contente. — Fogos Espontâneos Weasley. O único problema é que gastamos todo o nosso estoque; agora vamos ter de recomeçar do zero.
— Mas valeu a pena — disse Fred, que anotava os pedidos dos colegas aos berros. — Se quiser acrescentar o seu nome à lista de espera, Hermione, custa cinco galeões uma caixa de Fogos Básicos e vinte uma Deflagração de Luxo...
Hermione voltou à mesa em que Harry e Rony estavam sentados, contemplando as mochilas como se esperassem que os deveres de casa fossem saltar de dentro delas e começar a se fazer sozinhos.
— Ah, por que não tiramos a noite de folga? — perguntou a garota, animada, quando um rojão Weasley de cauda prateada coriscou pela janela. — Afinal, as férias da Páscoa começam na sexta-feira, e teremos muito tempo então.
— Você está se sentindo bem? — perguntou Rony, encarando a amiga sem acreditar no que ouvia.
— Por falar nisso — continuou Hermione alegremente —, sabem... acho que estou me sentindo um pouquinho... rebelde.
Harry ainda ouvia os estampidos distantes das bombas fugitivas quando ele e Rony foram se deitar uma hora mais tarde; e enquanto se despia passaram umas estrelinhas pela torre, ainda formando insistentemente a palavra
"COCÔ".
Ele se enfiou na cama, bocejando. Sem óculos, os fogos que passavam de raro em raro pela janela se tornaram borrados, lembrando nuvens cintilantes, belas e misteriosas contra o fundo escuro do céu. Ele se virou para o lado, imaginando como a Umbridge estaria se sentindo em seu primeiro dia no lugar de Dumbledore, e como Fudge reagiria quando soubesse que a escola passara a maior parte do dia num estado de avançada desintegração. Sorrindo com seus botões, Harry fechou os olhos...
Os zunidos e estampidos dos fogos que escaparam para os terrenos da escola pareciam se distanciar... ou, talvez, ele estivesse apenas se afastando dos fogos em alta velocidade...
Caíra exatamente no corredor que levava ao Departamento de Mistérios. Precipitava-se agora em direção à porta preta e simples... tomara que abra... tomara que abra...
Abriu. Ele se viu na sala circular com muitas portas... atravessou-a, pôs a mão em outra porta igual, que abriu para dentro...
Agora se encontrava em uma sala retangular muito comprida, cheia de ruídos mecânicos. Partículas de luz dançavam nas paredes, mas ele não parou para investigar... precisava prosseguir...
Havia uma porta ao fundo... que também se abriu quando ele a tocou... E agora estava em uma sala mal iluminada alta e larga como uma igreja, em que não havia nada exceto prateleiras e mais prateleiras nas paredes, cada uma delas carregada de pequenas esferas empoeiradas de vidro repuxado... o coração de Harry batia rápido de excitação... ele sabia aonde ir... avançou correndo, mas seus passos não ecoavam na enorme sala deserta...
Havia alguma coisa na sala que ele queria muito, muito mesmo... Algo que ele queria... ou mais alguém queria... Sua cicatriz estava doendo...
BANGUE!
Harry acordou instantaneamente, confuso e zangado. O som de risadas enchia o dormitório escuro.
— Irado! — exclamou Simas, cuja silhueta se recortava contra a janela. — Acho que uma daquelas rodas bateu em um rojão, e os dois cruzaram, vem cá ver! Harry ouviu Rony e Dino se levantarem da cama depressa para ver melhor.
Ele continuou quieto e em silêncio enquanto a dor em sua cicatriz diminuía e o desapontamento o invadia. Era como se algo muito bom lhe tivesse sido arrebatado no último instante... desta vez chegara muito perto.
Porquinhos alados e brilhantes cor-de-rosa e prata passavam voando pelas janelas da Torre da Grifinória. Harry permaneceu deitado, ouvindo os gritos de alegria dos colegas da Grifinória nos dormitórios abaixo. Seu estômago deu uma sacudidela nauseante ao se lembrar de que teria Oclumência na noite seguinte.
Harry passou todo o dia com medo do que Snape iria dizer se descobrisse até onde Harry penetrara no Departamento de Mistérios no último sonho. Com um assomo de culpa, deu-se conta de que não praticara Oclumência nem uma vez desde a última aula: acontecera tanta coisa desde que Dumbledore partira; decerto não teria conseguido esvaziar a mente mesmo que tentasse. Duvidava, porém, que Snape aceitasse tal desculpa.
Ele tentou fazer um treino de última hora durante as aulas do dia, mas não adiantou. Hermione não parava de lhe perguntar qual era o problema sempre que ele tentava esvaziar a mente de todos os pensamentos e emoções e, afinal, o melhor momento para isso não era enquanto os professores disparavam perguntas de revisão para os alunos.
Conformado com o pior, ele se dirigiu à sala de Snape depois do jantar. No meio do saguão, porém, Cho veio correndo ao seu encontro.
— Estou aqui — disse Harry, satisfeito de ter uma razão para adiar o seu encontro com Snape, acenando para ela do lado oposto do saguão onde ficavam as ampulhetas. A da Grifinória agora estava quase vazia. — Você está bem? Umbridge não andou lhe perguntando sobre a AD, andou?
— Ah, não — respondeu Cho apressada. — Não, foi só que... bom, eu queria dizer... Harry, eu nunca sonhei que a Marieta fosse contar...
— Ah, bom — respondeu Harry mal-humorado. Ele realmente achava que Cho podia ter escolhido uma amiga com um pouco mais de cuidado; não era muito consolo saber que a Marieta continuava na ala hospitalar e Madame Pomfrey não conseguira obter a mínima melhora com suas espinhas.
— Mas na verdade ela é uma boa pessoa. Só cometeu um erro... Harry encarou-a com incredulidade.
— Uma boa pessoa que cometeu um erro? Ela nos delatou, inclusive a você!
— Bom... nós todos escapamos, não foi? — disse Cho em tom de súplica. — Você sabe, a mãe dela trabalha no Ministério, é realmente difícil para...
— O pai de Rony trabalha no Ministério também! — disse Harry furioso. — E caso você não tenha reparado, ele não tem dedo-duro escrito na cara...
— Isso foi realmente um truque horrível da Hermione Granger — comentou Cho impulsivamente. — Ela devia ter nos avisado que azarou aquela lista...
— Acho que foi uma idéia brilhante — respondeu ele com frieza. Cho corou e seus olhos ficaram mais brilhantes.
— Ah, sim, me esqueci, é claro, foi idéia da sua querida Hermione...
— E não comece a chorar outra vez — preveniu-a Harry.
— Eu não ia chorar! — gritou a garota.
— Então... ótimo. Já tenho muito que agüentar no momento.
— Então que agüente! — concluiu Cho furiosa, dando as costas e indo embora.
Espumando, Harry desceu as escadas para a masmorra de Snape e, embora soubesse, por experiência, que seria muito mais fácil para Snape penetrar em sua mente se ele chegasse cheio de raiva e rancor, não conseguiu fazer nada exceto pensar em mais umas coisinhas que deveria ter dito a Cho sobre Marieta antes de chegar à porta da sala.
— Você está atrasado, Potter — disse o professor friamente, quando o garoto fechou a porta ao passar.
Snape estava em pé de costas para Harry, removendo, como sempre, certos pensamentos e colocando-os cuidadosamente na Penseira de Dumbledore. Deixou cair o último fio prateado na bacia de pedra e se virou para encarar o garoto.
— Então. Praticou?
— Sim, senhor — mentiu Harry, olhando atentamente para uma das pernas da escrivaninha de Snape.
— Bom, logo saberemos, não é? — disse ele suavemente. — Varinha na mão, Potter.
Harry tomou sua posição habitual, de frente para Snape, com a escrivaninha entre os dois. Seu coração estava pulsando acelerado com raiva de Cho e ansiedade quanto ao que o professor estava prestes a extrair de sua mente.
— Quando eu contar três então — disse Snape sem pressa. — Um... dois... A porta da sala se abriu com força e Draco Malfoy entrou depressa.
— Prof. Snape, senhor... ah... me desculpe... Malfoy olhava Snape e Harry meio surpreso.
— Tudo bem, Draco — disse Snape, baixando a varinha. — Potter está aqui para fazer uma aula de reforço em Poções.
Harry não via Malfoy tão alegre desde que Umbridge aparecera para inspecionar Hagrid.
— Eu não sabia — disse ele, olhando enviesado para Harry, que sentia o rosto arder. Teria dado muita coisa para poder gritar a verdade para Malfoy, ou, ainda melhor, para atacá-lo com um bom feitiço.
— Bom, Draco, que foi? — perguntou Snape.
— É a Profª Umbridge, professor, está precisando da sua ajuda. Encontraram Montague, professor, apareceu entalado em um vaso sanitário no quarto andar.
— Como foi que ele se entalou?
— Não sei não, senhor, está um pouco atordoado.
— Muito bem, muito bem. Potter, retomaremos a aula amanha à noite.
Ele se virou e saiu da sala. Malfoy falou silenciosamente para Harry pelas costas de Snape, antes de acompanhá-lo: "Reforço em Poções?"
Fervendo de raiva, Harry guardou a varinha no bolso das vestes e fez menção de sair da sala. Tinha no mínimo mais vinte e quatro horas para praticar; sabia que devia se sentir grato por ter escapado por um triz, embora fosse duro isto ter acontecido às custas de ouvir Malfoy contar para toda a escola que ele precisava de aulas de reforço em Poções.
Estava à porta da sala quando viu uma réstia de luz trêmula dançando no portal. Parou e ficou olhando, aquilo lhe lembrava alguma coisa... então a lembrança lhe ocorreu: parecia um pouco como as luzinhas que vira em sonho na noite anterior, as luzes na segunda sala que atravessara no Departamento de Mistérios.
Ele se virou. A luz vinha da Penseira em cima da escrivaninha de Snape. Seu conteúdo branco-prateado fluía e girava. Os pensamentos de Snape... coisas que ele não queria que Harry visse, se por acaso penetrasse suas defesas... Harry olhou para a Penseira, a curiosidade crescendo... Que era que Snape queria tanto esconder?
As luzes prateadas tremulavam na parede... Harry deu dois passos em direção à escrivaninha, refletindo. Poderiam ser informações sobre o Departamento de Mistérios que Snape estivesse decidido a ocultar dele?
Harry espiou por cima do ombro, seu coração agora batia mais forte e mais depressa que nunca. Quanto tempo levaria para Snape tirar Montague do vaso? Voltaria depois diretamente para a sala ou acompanharia o garoto à ala hospitalar? Com certeza, a segunda possibilidade... Montague era capitão da equipe da Sonserina, o professor ia querer verificar se ele estava bem.
Harry venceu os poucos passos até a Penseira e parou diante dela, contemplando suas profundezas. Hesitou, apurando o ouvido, então, tornou a tirar a varinha. A sala e o corredor além estavam completamente silenciosos.
Ele deu uma batidinha no conteúdo da Penseira com a ponta da varinha. O líquido prateado começou a girar velozmente. Harry se inclinou para a bacia e viu que o líquido se tornara transparente. Estava, mais uma vez, contemplando uma sala de uma janela circular no teto... de fato, a não ser que estivesse muito enganado, estava vendo o Saguão de Entrada.
Sua respiração embaçava a superfície dos pensamentos de Snape... seu cérebro parecia estar em um estado de indefinição... seria loucura fazer o que se sentia tão tentado a fazer... ele tremia... Snape poderia voltar a qualquer momento... mas Harry pensou na raiva de Cho, na cara debochada de Malfoy, e uma ousadia imprudente o dominou.
Ele inspirou um grande sorvo de ar e mergulhou o rosto na superfície dos pensamentos de Snape. Na mesma hora, o chão da sala sacudiu, empurrando Harry de cabeça para dentro da Penseira...
Ele começou a cair por uma escuridão fria, rodopiando vertiginosamente e então...
Encontrou-se parado no meio do Salão Principal, mas as mesas das quatro Casas haviam desaparecido. Em seu lugar, havia mais de cem mesinhas, todas dispostas da mesma maneira, e a cada uma delas se sentava um estudante, de cabeça baixa, escrevendo em um rolo de pergaminho. O único som era o arranhar das penas e o rumorejar ocasional de alguém ajeitando o pergaminho. Era visivelmente uma cena de exame.
O sol entrava pelas janelas altas e incidia sobre as cabeças inclinadas, refletindo tons castanhos, acobreados e dourados na luz ambiente. Harry olhou atentamente a toda volta. Snape devia estar por ali em algum lugar... era a lembrança dele...
E lá estava ele, a uma mesa bem atrás de Harry. O garoto se admirou. Snape adolescente tinha um ar pálido e estiolado, como uma planta mantida no escuro. Seus cabelos eram moles e oleosos e pendiam sobre a mesa, seu nariz aquilino a menos de cinco centímetros do pergaminho enquanto ele escrevia.
Harry se deslocou para as costas de Snape e leu o cabeçalho da prova: DEFESA CONTRA AS ARTES DAS TREVAS – NÍVEL ORDINÁRIO EM MAGIA.
Portanto Snape devia ter uns quinze ou dezesseis anos, aproximadamente a idade de Harry. Sua mão voava sobre o pergaminho; já escrevera pelo menos mais trinta centímetros do que os vizinhos mais próximos, e sua caligrafia era minúscula e apertada. — Mais cinco minutos!
A voz sobressaltou Harry. Virando-se, ele viu o cocuruto do Prof. Flitwick movendo-se entre as mesas a uma pequena distância. O professor passava agora por um garoto com cabelos negros e despenteados... muito despenteados...
Harry se movia tão depressa que, se fosse sólido, teria atirado as mesas pelo ar. Em vez disso, parecia deslizar, como em sonho, atravessar dois corredores e entrar em um terceiro. A nuca do garoto de cabelos negros se aproximou cada vez mais... e ele ia se endireitando agora, descansando a pena, puxando o rolo de pergaminho para perto para poder ler o que escrevera...
Harry parou diante da carteira e contemplou o seu pai com quinze anos.
A excitação explodiu no fundo do seu estômago: era como se estivesse olhando para si mesmo, mas com erros intencionais. Os olhos de Tiago eram castanho-esverdeados, seu nariz era mais comprido do que o de Harry e não havia cicatriz em sua testa, mas ambos tinham o mesmo rosto magro, a mesma boca, as mesmas sobrancelhas; os cabelos de Tiago levantavam atrás exatamente como os do filho, suas mãos poderiam ser as dele e Harry não saberia a diferença; quando o pai se levantasse, os dois teriam quase a mesma altura.
Tiago deu um enorme bocejo e arrepiou os cabelos, deixando-os mais despenteados do que antes. Então, olhando para o Prof. Flitwick, virou-se e sorriu para outro menino sentado quatro mesas atrás.
Com um novo choque de excitação, Harry viu Sirius erguer o polegar para Tiago. Sirius sentava-se descontraído na cadeira, inclinando-a sobre as pernas traseiras. Era muito bonito; seus cabelos negros caíam sobre os olhos com uma espécie de elegância displicente que nem Tiago nem Harry jamais poderiam ter tido, e uma garota sentada atrás dele o mirava esperançosa, embora ele não parecesse ter notado. E duas mesas para o lado — o estômago de Harry se virou gostosamente — encontrava-se Remo Lupin. Parecia muito pálido e doente (a lua cheia estaria se aproximando?), e absorto no exame: ao reler suas respostas, coçara o queixo com a ponta da pena, franzindo ligeiramente a testa.
Isto significava que Rabicho devia estar por ali também... e, sem erro, Harry localizou-o em segundos: um garoto franzino, os cabelos cor de pêlo de rato e um nariz arrebitado. Rabicho parecia ansioso: roía as unhas, olhava fixamente para a prova, arranhando o chão com os dedos dos pés. De vez em quando espiava esperançoso para a prova do vizinho. Harry observou Rabicho por um momento, depois o próprio pai, que agora brincava com um pedacinho de pergaminho. Desenhara um pomo e agora acrescentava as letras "L.E.". Que significariam?
— Descansem as penas, por favor! — esganiçou-se o Prof. Flitwick. — Você também, Stebbins! Por favor, continuem sentados enquanto recolho os pergaminhos. Accio!
Mais de cem rolos de pergaminho voaram para os braços estendidos do Prof. Flitwick, derrubando-o para trás. Várias pessoas riram. Uns dois estudantes nas primeiras mesas se levantaram, seguraram o professor pelos cotovelos e o levantaram.
— Obrigado... obrigado — ofegou ele. — Muito bem, todos podem sair!
Harry olhou para o pai, que riscou depressa as letras que estava desenhando, levantou-se de um salto e enfiou a pena e as perguntas do exame na mochila, atirou-a sobre as costas, e ficou parado esperando Sirius. Harry olhou para os lados e viu de relance, a uma pequena distância, Snape, que caminhava entre as mesas em direção à porta para o Saguão de Entrada, ainda absorto no próprio exame. De ombros curvos mas angulosos, andava de um jeito retorcido, que lembrava uma aranha, e seus cabelos oleosos sacudiam pelo rosto.
Uma turma de garotas separou Snape de Tiago, Sirius e Lupin e, plantando-se entre elas, Harry conseguiu ficar de olho em Snape enquanto apurava os ouvidos para captar as vozes de Tiago e seus amigos.
— Você gostou da décima pergunta, Aluado? — perguntou Sirius quando saíram no saguão.
— Adorei — respondeu Lupin imediatamente. "Cite cinco sinais que identifiquem um lobisomem." Uma excelente pergunta.
— Você acha que conseguiu citar todos os sinais? — perguntou Tiago, caçoando com fingida preocupação.
— Acho que sim — respondeu Lupin sério, quando se reuniram aos alunos aglomerados às portas de entrada para chegar ao jardim ensolarado. —Primeiro: ele está sentado na minha cadeira. Dois: ele está usando minhas roupas. Três: o nome dele é Remo Lupin.
Rabicho foi o único que não riu.
— Eu citei a forma do focinho, as pupilas dos olhos e o rabo peludo — disse ansioso —, mas não consegui pensar em mais nada...
— Como pode ser tão obtuso, Rabicho? — exclamou Tiago impaciente. — Você anda com um lobisomem uma vez por mês...
— Fale baixo — implorou Lupin.
Harry tornou a olhar para trás ansioso. Snape continuava próximo, ainda absorto nas perguntas do exame — mas esta era a lembrança de Snape, e Harry tinha certeza de que se Snape decidisse sair andando em outra direção quando chegasse lá fora, ele, Harry, não poderia continuar a seguir o pai. Para seu profundo alívio, porém, quando Tiago e os três amigos começaram a descer os gramados na direção do lago, Snape os seguiu, ainda verificando as questões da prova e aparentemente sem idéia fixa aonde ia. Mantendo-se um pouco à frente, Harry conseguia vigiar Tiago e os outros.
— Bom, achei que o exame foi moleza — ouviu Sirius comentar. — Vai ser uma surpresa se eu não tirar no mínimo um "Excepcional".
— Eu também — disse Tiago. Enfiou a mão no bolso e tirou um pomo de ouro que se debatia.
— Onde você conseguiu isso?
— Afanei — disse Tiago displicente. E começou a brincar com o pomo, deixando-o voar uns trinta centímetros e recapturando-o em seguida; seus reflexos eram excelentes. Rabicho o observava assombrado.
Os amigos pararam à sombra da mesmíssima faia à beira do lago, onde Harry, Rony e Hermione haviam passado um domingo terminando os deveres, e se atiraram na grama. Harry tornou a espiar por cima do ombro e viu, para sua alegria, que Snape se acomodara na grama à sombra densa de um grupo de arbustos. Estava profundamente absorto em seu exame como antes, o que deixou Harry livre para se sentar na grama entre a faia e os arbustos, e observar os quatro sob a árvore. O sol ofuscava na superfície lisa do lago, à margem do qual o grupo de garotas risonhas que acabara de deixar o Salão Principal se sentara, sem sapatos nem meias, refrescando os pés na água. Lupin apanhara um livro e estava lendo. Sirius passava os olhos pelos estudantes que andavam pelo gramado, parecendo um tanto arrogante e entediado, mas ainda assim bonitão. Tiago continuava a brincar com o pomo, deixando-o voar cada vez mais longe, quase fugir, mas sempre recapturando-o no último segundo. Rabicho o observava boquiaberto. Todas as vezes que Tiago fazia uma captura particularmente difícil, Rabicho exclamava e aplaudia. Passados cinco minutos de repetições desta cena, Harry se perguntou por que o pai não mandava Rabicho se controlar, mas Tiago parecia estar gostando da atenção. Harry reparou que o pai tinha o hábito de assanhar os cabelos, como se quisesse impedi-los de ficar muito arrumados, e que também não parava de olhar para as garotas junto à água.
— Quer guardar isso? — disse Sirius finalmente, quando Tiago fez uma boa captura e Rabicho deixou escapar um viva —, antes que Rabicho molhe as calças de excitação?
Rabicho corou ligeiramente, mas Tiago riu.
— Se estou incomodando — retrucou e guardou o pomo no bolso. Harry teve a nítida impressão de que Sirius era o único para quem Tiago teria parado de se exibir.
— Estou chateado. Gostaria que já fosse lua cheia.
— Você gostaria — disse Lupin sombrio por trás do livro que Ha. — Ainda temos Transfiguração, se está chateado poderia me testar. Pegue aqui... — E estendeu o livro.
Mas Sirius deu uma risada abafada.
— Não preciso olhar para essas bobagens, já sei tudo.
— Isso vai animar você um pouco, Almofadinhas — comentou Tiago em voz baixa. — Olhem quem é que...
Sirius virou a cabeça. Ficou muito quieto, como um cão que farejou um coelho.
— Excelente — disse baixinho. — Ranhoso.
Harry se virou para ver o que Sirius estava olhando.
Snape estava novamente em pé, e guardava as perguntas do exame na mochila. Quando deixou a sombra dos arbustos e começou a atravessar o gramado, Sirius e Tiago se levantaram.
Lupin e Rabicho continuaram sentados: Lupin lendo o livro, embora seus olhos não estivessem se movendo e uma ligeira ruga tivesse aparecido entre suas sobrancelhas; Rabicho olhava de Sirius e Tiago para Snape, com uma expressão de ávido antegozo no rosto.
— Tudo certo, Ranhoso? — falou Tiago em voz alta.
Snape reagiu tão rápido que parecia estar esperando um ataque: deixou cair a mochila, meteu a mão dentro das vestes e sua varinha já estava metade para fora quando Tiago gritou:
— Expelliarmus!
A varinha de Snape voou quase quatro metros de altura e caiu com um pequeno baque no gramado às suas costas. Sirius soltou uma gargalhada.
— Impedimenta! — disse, apontando a varinha para Snape, que foi atirado no chão ao mergulhar para recuperar a varinha caída.
Os estudantes ao redor se viraram para assistir. Alguns haviam se levantado e foram se aproximando. Outros pareciam apreensivos, ainda outros, divertidos. Snape estava no chão, ofegante. Tiago e Sirius avançaram empunhando as varinhas, Tiago, ao mesmo tempo espiando por cima do ombro as garotas à beira do lago. Rabicho se levantara assistindo à cena avidamente, contornando Lupin para ter uma perspectiva melhor.
— Como foi o exame, Ranhoso? — perguntou Tiago.
— Eu vi, o nariz dele estava quase encostando no pergaminho — disse Sirius maldosamente. — Vai ter manchas enormes de gordura no exame todo, não vão poder ler nem uma palavra.
Várias pessoas que acompanhavam a cena riram; Snape era claramente impopular. Rabicho soltava risadinhas agudas. Snape tentava se erguer, mas a azaração ainda o imobilizava; ele lutava como se estivesse amarrado por cordas invisíveis.
— Espere... para ver — arquejava, encarando Tiago com uma expressão de mais pura aversão —, espere... para ver!
— Espere para ver o quê? — retrucou Sirius calmamente. — Que é que você vai fazer, Ranhoso, limpar o seu nariz em nós?
Snape despejou um jorro de palavrões e azarações, mas com a varinha a três metros de distância nada aconteceu.
— Lave sua boca — disse Tiago friamente. — Limpar!
Bolhas de sabão cor-de-rosa escorreram da boca de Snape na hora; a espuma cobriu seus lábios, fazendo-o engasgar, sufocar...
— Deixem ele em PAZ!
Tiago e Sirius se viraram. Tiago levou a mão livre imediatamente aos cabelos.
Era uma das garotas à beira do lago. Tinha cabelos espessos e ruivos que lhe caíam pelos ombros e olhos amendoados sensacionalmente verdes — os olhos de Harry.
A mãe de Harry.
— Tudo bem, Evans? — disse Tiago, e o seu tom de voz se tornou imediatamente agradável, mais grave e mais maduro.
— Deixem ele em paz — repetiu Lílian. Ela olhava para Tiago com todos os sinais de intenso desagrado. — Que foi que ele lhe fez?
— Bom — explicou Tiago, parecendo pesar a pergunta —, é mais pelo fato de existir, se você me entende...
Muitos estudantes que os rodeavam riram, Sirius e Rabicho inclusive, mas Lupin, ainda aparentemente absorto em seu livro, não riu, nem Lílian tampouco.
— Você se acha engraçado — disse ela com frieza. — Mas você não passa de um cafajeste, tirano e arrogante, Potter. Deixe ele em paz.
— Deixo se você quiser sair comigo, Evans — respondeu Tiago depressa. — Anda... sai comigo e eu nunca mais encostarei uma varinha no Ranhoso.
Às costas dele, a Azaração de Impedimento ia perdendo efeito. Snape estava começando a se arrastar pouco a pouco em direção à sua varinha caída, cuspindo espuma enquanto se deslocava.
— Eu não sairia com você nem que tivesse de escolher entre você e a lula-gigante — replicou Lílian.
— Mau jeito, Pontas — disse Sirius, animado, e se voltou para Snape. — Oi!
Mas tarde demais; Snape tinha apontado a varinha diretamente para Tiago; houve um lampejo e um corte apareceu em sua face, salpicando suas vestes de sangue. Ele girou: um segundo lampejo depois, Snape estava pendurado no ar de cabeça para baixo, as vestes pelo avesso revelando pernas muito magras e brancas e cuecas encardidas.
Muita gente na pequena aglomeração aplaudiu: Sirius, Tiago e Rabicho davam gargalhadas.
Lílian, cuja expressão se alterara por um instante como se fosse sorrir, disse:
— Ponha ele no chão!
— Perfeitamente — e Tiago acenou com a varinha para o alto; Snape caiu embolado no chão. Desvencilhou-se das vestes e se levantou depressa, com a varinha na mão, mas Sirius disse: "Petrificus Totalus", e Snape emborcou outra vez, duro como uma tábua.
— DEIXE ELE EM PAZ! — berrou Lílian. Puxara a própria varinha agora. Tiago e Sirius a olharam preocupados.
— Ah, Evans, não me obrigue a azarar você — pediu Tiago sério.
— Então desfaça o feitiço nele!
Tiago suspirou profundamente, então se virou para Snape e murmurou um contra-feitiço.
— Pronto — disse, enquanto Snape procurava se levantar. — Você tem sorte de que Evans esteja aqui, Ranhoso...
— Não preciso da ajuda de uma Sangue-Ruim imunda como ela! — Lílian pestanejou.
— Ótimo — respondeu calmamente. — No futuro, não me incomodarei. E eu lavaria as cuecas se fosse você, Ranhoso.
— Peça desculpa a Evans! — berrou Tiago para Snape, apontando-lhe a varinha ameaçadoramente.
— Não quero que você o obrigue a se desculpar — gritou Lílian, voltando-se contra Tiago. — Você é tão ruim quanto ele.
— Quê? Eu NUNCA chamaria você de... você sabe o quê!
— Despenteando os cabelos só porque acha que é legal parecer que acabou de desmontar da vassoura, se exibindo com esse pomo idiota, andando pelos corredores e azarando qualquer um que o aborreça só porque é capaz... até surpreende que a sua vassoura consiga sair do chão com o peso dessa cabeça cheia de titica. Você me dá NÁUSEAS.
E, virando as costas, ela se afastou depressa.
— Evans! — gritou Tiago. — Ei, EVANS!
Mas Lílian não olhou para trás.
— Qual é o problema dela? — perguntou Tiago, tentando, mas não conseguindo fazer parecer que fosse apenas uma pergunta sem real importância para ele.
— Lendo nas entrelinhas, eu diria que ela acha você metido, cara — disse Sirius.
— Certo — respondeu Tiago, que parecia furioso agora —, certo...
Houve outro lampejo, e Snape, mais uma vez, ficou pendurado no ar de cabeça para baixo.
— Quem quer ver eu tirar as cuecas do Ranhoso?
Mas se Tiago realmente as tirou, Harry nunca chegou a saber. Uma mão agarrou-o com força pelo braço, fechando-se como uma tenaz. Fazendo uma careta de dor, Harry se virou para ver quem o agarrava e deparou, com uma sensação de horror, com um Snape totalmente crescido, um Snape adulto, parado bem ao lado dele, lívi-do de raiva.
— Está se divertindo?
Harry se sentiu erguido no ar; o dia de verão se evaporou à sua volta; flutuou por uma escuridão gelada, a mão de Snape ainda apertando seu braço. Então, com uma sensação de desmaio, como se tivesse dado uma cambalhota no ar, seus pés bateram no piso de pedra da masmorra de Snape, e ele se viu mais uma vez ao lado da Penseira sobre a escrivaninha do bruxo, no escritório atual e sombrio do professor de Poções.
— Então — disse Snape apertando tanto o braço de Harry que a mão do garoto estava começando a ficar dormente. — Então... andou se divertindo, Potter?
— N-não — respondeu Harry, tentando soltar seu braço.
Era apavorante: os lábios de Snape tremiam, seu rosto estava branco, seus dentes arreganhados.
— Um homem divertido, o seu pai, não era? — perguntou Snape, sacudindo-o tanto que seus óculos escorregaram pelo nariz.
— Eu... não...
Snape atirou Harry para longe com toda a força. O garoto caiu pesadamente no piso da masmorra.
— Você não vai contar a ninguém o que viu! — berrou Snape.
— Não — disse Harry, pondo-se em pé o mais longe do professor que pôde. — Não, claro que...
— Fora daqui, fora daqui, nunca mais quero ver você na minha sala!
E quando Harry se precipitava em direção à porta, um frasco de baratas mortas estourou por cima de sua cabeça. Ele puxou a porta com força e voou pelo corredor afora, parando apenas quando já estava a três andares de distância de Snape. Ali encostou-se na parede, arquejando e esfregando o braço machucado.
Não tinha o menor desejo de voltar à Torre da Grifinória tão cedo, nem de contar a Rony e Hermione o que acabara de ver. O que o fazia sentir-se horrorizado e infeliz não era Snape ter gritado nem atirado frascos; mas saber o que era ser humilhado em público, saber exatamente como Snape se sentira quando seu pai o atormentara, e a julgar pelo que acabara de presenciar, seu pai fora tão arrogante quanto Snape sempre o acusara de ser.

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