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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 25
A enormidade de sua decisão de não disputar com Voldemort a varinha ainda assustava Harry. Ele não conseguia se lembrar, mesmo em outros momentos, de ter escolhido não agir. Estava cheio de dúvidas, dúvidas que Rony não ajudava sempre que as trazia à tona quando eles estavam juntos.
“E se Dumbledore queria que nós desvendássemos o símbolo em tempo de pegar a varinha?” “E se desvendar o que o símbolo significa o tornasse ‘merecedor’ de obter as Relíquias?” “Harry, se aquela realmente é a Varinha Mestra, como diabos nós devemos acabar com Você-Sabe-Quem?”
Harry não tinha respostas. Havia momentos em que ele se perguntava se teria sido completa loucura não tentar impedir que Voldemort violasse a tumba. Ele não encontrava nem mesmo uma explicação satisfatória para ter decidido não fazê-lo. A cada vez que tentava reconstituir os argumentos internos que tinham levado à sua decisão, eles pareciam mais fracos.
O mais estranho é que o apoio de Hermione o fazia se sentir tão confuso quanto as dúvidas de Rony. Agora forçada a aceitar que a Varinha Mestra era real, ela manteve a posição de que se tratava de um objeto maligno, e que a forma como Voldemort tinha tomado posse dela era repulsiva, e não deveria ser considerada.
— Você nunca poderia ter feito isso, Harry,— ela disse várias vezes. — Você não poderia violar a sepultura de Dumbledore.
Mas a idéia do cádaver de Dumbledore amedrontava Harry muito menos do que a possibilidade de ter entendido mal as intenções do Dumbledore vivo. Ele sentia que ainda estava tateando no escuro; tinha escolhido seu caminho, mas seguia olhando para trás, questionando se não teria interpretado mal os sinais, se não deveria ter seguido outro caminho. De tempos em tempos, a raiva contra Dumbledore ia de encontro a ele novamente, tão poderosa quanto as ondas se batendo contra o penhasco sob a casa, raiva por Dumbledore não ter dado explicações antes de morrer.
— Mas ele está morto?,— disse Rony, três dias depois da chegada à casa. Harry estava olhando fixamente por sobre o muro que separava o jardim do penhasco quando Rony e Hermione o encontraram; ele desejou que não o tivessem feito, pois não tinha vontade de se juntar a eles em sua discussão.
— Sim, ele está, Rony, por favor não comece de novo!
— Olhe para os fatos, Hermione,— disse Rony, falando por cima de Harry, que continuava a mirar o horizonte.— A corça prateada. A espada. O olho que Harry viu no espelho...
— Harry admite que pode ter imaginado o olho! Não é, Harry?
— Sim, poderia,— disse Harry, sem olhar para ela.
— Mas você não acha que imaginou, acha?— perguntou Rony
— Não, não acho,— respondeu Harry.
— Aí está!— disse Rony rapidamente, antes que Hermione pudesse continuar. — Se não era Dumbledore, explique como Dobby sabia que estávamos no porão, Hermione?
— Eu não posso... Mas como você explica que Dumbledore o tenha mandado para nós se ele está dentro de uma tumba em Hogwarts?
— Não sei, poderia ter sido o fantasma dele!
— Dumbledore não voltaria como um fantasma,— disse Harry. Havia pouca coisa sobre Dumbledore de que Harry tivesse certeza nesse momento, mas disso ele sabia.— Ele teria continuado.
— Como assim, ‘continuado’?— perguntou Rony, mas antes que Harry pudesse dizer mais, uma voz atrás deles chamou.
— Arry?
Fleur tinha vindo da casa, seu longo cabelo prateado flutuando com a brisa.
— Arry, Grampo gostarria de conversar com você. Ele está no quarto menor, disse que non quer ser escutado.
O desgosto dela por ter sido mandada pelo duende para dar recados estava claro; ela parecia irritável enquanto andava de volta para a casa.
Grampo estava esperando por eles, como Fleur havia dito, no menor dos três quartos da casa, no qual Hermione e Luna dormiram à noite. Ele havia fechado as cortinas de algodão vermelho sobre o brilhante céu nublado, o que dava ao quarto um brilho ígneo, em contraste com o restante da casa clara e ventilada.
— Eu tomei minha decisão, Harry Potter,— disse o duende, que estava sentado de pernas cruzadas numa cadeira baixa, tamborilando os braços com os dedos longos. — Embora os duendes de Gringotes considerem isso alta traição, eu decidi ajudá-lo...
— Isso é ótimo! —, disse Harry, o alívio tomando-o por inteiro. — Grampo, muito obrigado, nós realmente...
—... Em troca —, disse o duende com firmeza, — de pagamento.
Ligeiramente abalado, Harry hesitou.
— Quanto você quer? Eu tenho ouro.
— Ouro, não —, disse Grampo,— isso eu tenho.
Seus olhos negros brilharam; não havia branco neles.
— Eu quero a espada. A espada de Godric Gryffindor.
As esperanças de Harry desmoronaram.
— Você não pode ficar com ela, — ele disse.— Sinto muito.
— Então,— disse o duende, suavemente,— nós temos um problema.
— Nós podemos dar alguma outra coisa,— disse Rony, com ansiedade.— Aposto que os Lestranges têm um bocado de coisas, você pode pegar o que quiser uma vez que estivermos no cofre.
Ele havia dito a coisa errada. Grampo ficou vermelho de raiva.
— Eu não sou um ladrão, garoto! Não estou tentando obter tesouros sobre os quais não tenho direito!
— A espada é nossa...
— Não é. — disse o duende.
— Nós somos da Grifinória, e foi Godric Gryffindor...
— E antes de pertencer a Grifinória, a quem ela pertencia? — interrogou o duende, sentando-se melhor.
— A ninguém, — disse Rony.— Ela foi feita para ele, não foi?
— Não!— gritou o duende, reagindo com raiva e apontando um dedo longo para Rony. — Arrogância de bruxo novamente! Aquela espada foi de Ragnuk Primeiro, tomada dele por Godric Gryffindor! É um tesouro perdido, uma obra-prima de trabalho duende! Ela deve permanecer com os duendes! A espada é o preço pela minha ajuda, é pegar ou largar!
Grampo olhou para eles de forma penetrante. Harry deu uma olhada rápida para os outros dois, e disse:
— Nós precisamos discutir isso, Grampo, se estiver bem para você. Será que poderia nos dar alguns minutos?
O duende assentiu, parecendo mal humorado.
No andar de baixo, na sala de estar vazia, Harry foi até a lareira, a testa franzida, tentando pensar o que fazer. Atrás dele, Rony disse:
— Ele está de brincadeira. Não podemos deixá-lo ficar com a espada.
— Isso é verdade? — Harry perguntou a Hermione. — A espada foi roubada pelo Gryffindor?
— Eu não sei, — ela disse, sem esperança.— A história do mundo bruxo geralmente evita falar sobre o que os bruxos fizeram a outras raças, mas não há relato que eu conheça que diga que Gryffindor roubou a espada.
— Deve ser uma dessas histórias de duende, — disse Rony,— sobre como os bruxos estão sempre tentando passar a perna neles. Imagino que nós devamos nos considerar pessoas de sorte por ele não ter pedido uma de nossas varinhas.
— Duendes têm uma boa razão para não gostar de bruxos, Rony, — disse Hermione. — Eles foram tratados de forma brutal no passado.
— Duendes não são exatamente coelhinhos fofinhos, no entanto, são? — retrucou Rony. — Eles mataram muitos de nós. Eles lutaram sujo também.
— Discutir com Grampo sobre qual raça é mais desonesta e violenta não vai torná-lo mais propenso a nos ajudar, não é mesmo?
Houve uma pausa enquanto eles tentavam pensar numa saída para o problema. Harry olhou pela janela para a sepultura de Dobby. Luna estava arrumando lavandas-do-mar num pote de geléia ao lado da lápide.
— Certo, — disse Rony, e Harry se virou de frente para ele, — o que vocês acham disso? Nós dizemos ao Grampo que precisamos da espada até entrar no cofre, e então ele pode ficar com ela. Mas há uma falsa lá, não há? Nós as trocamos, e damos a falsa a ele.
— Rony, ele saberia a diferença melhor do que nós!— disse Hermione. — Ele é o único que percebeu que tinha havido uma troca!
— Sim, mas nós poderíamos escapulir antes que ele perceba...
Ele teve medo do olhar que Hermione lançava para ele.
— Isso, — ela disse, calmamente,— é desprezível. Pedimos a ajuda dele, então vamos lá e o enganamos? E você ainda se pergunta por que é que duendes não gostam de bruxos, Rony?
As orelhas de Rony ficaram vermelhas.
— Está bem, está bem! Foi a única coisa que eu consegui pensar! Qual é a sua solução, então?
— Nós precisamos oferecer a ele alguma outra coisa, algo igualmente valioso.
— Brilhante. Eu vou lá buscar uma das nossas outras espadas antigas feitas por duendes e você pode embrulhá-la para presente.
O silêncio permaneceu entre eles novamente. Harry tinha certeza de que o duende não aceitaria nada além da espada, ainda que eles tivessem algo igualmente valioso para oferecer. Ainda que a espada fosse sua única e indispensável arma contra as Horcruxes.
Ele fechou os olhos por alguns momentos e ouviu o barulho do mar. A idéia de que Gryffindor poderia ter roubado a espada era desagradável: ele sempre tinha se orgulhado de ser um grifinório; Gryffindor tinha sido o campeão dos nascidos-trouxa, o bruxo que havia batido de frente com o Slytherin amante dos puro-sangues...
— Talvez ele esteja mentindo, — Harry disse, abrindo seus olhos novamente.— Grampo. Talvez Grifinória não tenha tomado a espada. Como podemos saber se a versão duende da história está correta?
— Isso faz alguma diferença?— perguntou Hermione.
— Muda como me sinto a respeito disso, — disse Harry.
Ele respirou fundo.
— Vamos dizer que ele pode ficar com a espada depois de nos ajudar a entrar naquele cofre – mas vamos ter o cuidado de evitar dizer a ele exatamente quando ele poderá tê-la.
Um sorriso apareceu lentamente no rosto de Rony. Hermione, porém, parecia alarmada.
— Harry, nós não podemos...
— Ele pode ficar com ela,— Harry continuou,— depois que a usarmos em todas as Horcruxes. Então vou me assegurar de que ele fique com ela. Vou manter minha palavra.
— Mas isso pode levar anos! — disse Hermione.
— Eu sei, mas ele não precisa saber. Eu não vou estar mentindo... realmente.
Harry a encarou num misto de desafio e vergonha. Ele se lembrou das palavras que estavam gravadas no portão de Nurmengard: PELO BEM MAIOR. Ele rechaçou a idéia. Que escolha teria?
— Eu não gosto disso. — disse Hermione.
— Nem eu gosto muito, — admitiu Harry.
— Bem, eu acho que é genial, — disse Rony, levantando-se novamente. —Vamos lá contar a ele.
De volta ao menor quarto, Harry fez a oferta, formulando-a com cuidado para não estabelecer nenhum momento definido para a entrega da espada. Hermione franziu as sobrancelhas para o chão enquanto ele falava; ele se sentiu irritado com ela, com medo de que ela pudesse revelar a estratégia. Mas Grampo só tinha olhos para Harry.
— Eu tenho sua palavra, Harry Potter, de que você me dará a espada de Grifinória se eu os ajudar?
— Sim. — disse Harry.
— Então aperte aqui, — disse o duende, estendendo a mão.
Harry apertou a mão. Ele se perguntou se aqueles olhos negros estariam vendo qualquer sinal nele. Nisso, Grampo o soltou, juntou as mãos e disse:
— Então. Comecemos!
Era como planejar a invasão ao Ministério novamente. Eles se acomodaram para trabalhar no menor quarto, que era mantido, conforme a preferência de Grampo, na penumbra.
— Eu visitei o cofre dos Lestrange apenas uma vez, — Grampo contou a eles,— na ocasião em que me requisitaram que depositasse nele a espada falsa. É uma das câmaras mais antigas. As famílias bruxas mais antigas guardam seus tesouros no nível mais profundo, onde os cofres são maiores e mais bem protegidos...
Eles permaneciam fechados no quarto-armário por horas a fio, a cada vez. Lentamente os dias se transformaram em semanas. Um problema após o outro precisava ser solucionado, e um que não era dos menores era que o estoque de Poção Polissuco estava praticamente esgotado.
— Só tem realmente suficiente para um de nós, — disse Hermione, examinando a poção espessa e lamacenta contra a luz.
— É o suficiente, — disse Harry, que estava examinando o mapa manuscrito, feito por Grampo, das passagens mais profundas.
Os outros habitantes da Casa das Conchas não podiam deixar de notar que algo estava acontecendo agora que Harry, Rony e Hermione só apareciam para as refeições. Ninguém perguntou nada, embora Harry freqüentemente sentisse o olhar de Gui sobre eles três à mesa, pensativo e preocupado.
Quanto mais eles ficavam juntos, mais Harry percebia que não gostava do duende. Grampo era inesperadamente sanguinário, ria da idéia de infligir dor a criaturas menores, e parecia apreciar a possibilidade de que eles talvez precisassem ferir outros bruxos para chegar até o cofre dos Lestrange. Harry não sabia dizer se essa antipatia era compartilhada pelos outros dois, mas eles não discutiam isso: precisavam de Grampo.
O duende comia com eles apenas relutantemente. Mesmo depois de suas pernas estarem consertadas, ele continuava a exigir bandejas de comida em seu quarto, como o ainda frágil Olivaras, até que Gui (logo após uma explosão de raiva de Fleur) subiu para dizer a ele que aquela mordomia não continuaria. Desde então Grampo se juntou a eles na mesa superlotada, embora se recusasse a comer a mesma comida, preferindo, ao revés, nacos de carne crua, raízes e cogumelos variados.
Harry se sentia responsável. Tinha sido ele, afinal, quem insistira para que o duende permanecesse na Casa das Conchas, para poder interrogá-lo; era por sua culpa que toda a família Weasley tinha sido levada a se esconder, e que Gui, Fred, Jorge e o Sr. Weasley não podiam mais trabalhar.
— Sinto muito, — ele disse a Fleur, numa fresca noite de Abril, enquanto a ajudava a preparar o jantar. — Eu nunca desejei que vocês tivessem que lidar com tudo isso.
Ela tinha acabado de colocar algumas facas para trabalhar, cortando bifes para Grampo e Gui, que começara a preferir carne sangrenta desde que fora atacado por Greyback. Enquanto as facas cortavam atrás dela, sua expressão irritada se amenizava.
— Arry, você salvou a vida da minha irmã, eu nunca vou esquecer.
Isso não era a mais pura verdade, mas Harry decidiu não lembrar a ela que Gabrielle nunca estivera em perigo real.
— De qualquer forma, — Fleur continuou, apontando sua varinha para a panela de molho, que começou a borbulhar imediatamente no fogão, — o Sr. Olivaras vai embora para a casa de Muriel esta noite. Isso vai tornar as coisas mais fáceis. O duende, — e seu olhar endureceu a essa menção, — pode ser movido para o andar de baixo, e você, Rony e Dino podem ficar com aquele quarto.
— Nós não nos importamos de dormir na sala, — disse Harry, que sabia que Grampo não gostaria nada da idéia de dormir no sofá; manter Grampo satisfeito era essencial para seus planos. — Não se preocupe conosco.— Quando ela tentou protestar, ele continuou — nós vamos sair daqui brevemente, também, Rony, Hermione e eu. Não vamos precisar ficar aqui por muito mais tempo.
— O que você quer dizer? — ela disse, franzindo a sobrancelha para ele, sua varinha apontando para a caçarola suspensa no ar. — Claro que vocês não devem ir embora, vocês estão seguros aqui!
Ela se parecia bastante com a Sra. Weasley enquanto dizia isso, e ele ficou feliz quando a porta se abriu naquele momento. Luna e Dino entraram, seus cabelos encharcados de chuva e seus braços cheios de madeira.
—... E minúsculas orelhinhas, — Luna dizia,— parecidas com as de um hipopótamo, é o que diz papai, só que púrpuras e cabeludas. E se você quiser chamá-los, tem que cantarolar; eles preferem valsas, nada muito rápido...
Parecendo desconfortável, Dino deu de ombros para Harry enquanto passava, seguindo Luna até a combinação de sala de estar e sala de jantar onde Rony e Hermione estavam preparando a mesa. Aproveitando a oportunidade de escapar das perguntas de Fleur, Harry agarrou duas jarras de suco de abóbora e os seguiu.
—... E se você algum dia vier à nossa casa eu vou poder mostrar o chifre, papai me escreveu sobre ele, mas eu ainda não o vi, porque os Comensais da Morte me levaram do Expresso de Hogwarts e eu não estive em casa para o Natal,— Luna ia dizendo, enquanto ela e Dino reacendiam o fogo.
— Luna, nós já dissemos a você, — Hermione gritou de longe.— Aquele chifre explodiu. Ele veio de um Erumpente, não de um Bufador de Chifre Enrugado...
— Não, era definitivamente um chifre de Bufador, — disse Luna serenamente.— Papai me falou. Ele provavelmente já se refez agora, eles se consertam sozinhos, você sabe.
Hermione sacudiu a cabeça e continuou a colocar garfos no momento em que Gui apareceu, conduzindo o Sr. Olivaras pelas escadas. O artesão de varinhas ainda tinha uma aparência extremamente frágil, e se agarrava ao braço de Gui enquanto este o sustentava, carregando uma grande mala.
— Vou sentir sua falta, Sr. Olivaras, — disse Luna, aproximando-se do velho senhor.
— E você, minha cara,— disse Olivaras, dando-lhe tapinhas no ombro,— Você me foi um indescritível conforto naquele lugar tenebroso.
— Então, au revoir, Sr. Olivaras, — disse Fleur, beijando-o nas bochechas. — Será que o senhor me faria o favor de entregar um pacote para a tia de Gui, Muriel? Eu ainda não devolvi sua tiara.
— Será uma honra, — disse Olivaras com uma breve reverência, — o mínimo que posso fazer em retribuição por sua generosa hospitalidade.
Fleur sacou um gasto invólucro de veludo, que abriu para mostrar ao artesão de varinhas. A tiara estava ali, brilhando sob a luz da lâmpada baixa.
— Pedras da Lua e diamantes, — disse Grampo, que havia se esgueirado para a sala sem que Harry percebesse. — Feito por duendes, eu acredito?
— E pago por bruxos, — disse Gui calmamente, e o duende lançou a ele um olhar ao mesmo tempo furtivo e desafiador.
Um vento forte soprava contra as janelas da casa enquanto Gui e Olivaras saíam pela noite. Os demais se espremeram ao redor da mesa; cotovelo com cotovelo, mal tendo espaço para se mover, eles começaram a comer. O fogo crepitava e pulava na grade ao lado deles. Harry percebeu que Fleur estava apenas brincando com sua comida, olhando para a janela a todo momento; Gui, porém, voltou antes que eles tivessem terminado o primeiro prato, seu cabelo comprido embaraçado pelo vento.
— Está tudo bem, — ele disse a Fleur. — Olivaras já se instalou, mamãe e papai mandaram um alô. Gina mandou lembranças a todos. Fred e Jorge estão enlouquecendo Muriel, eles ainda estão operando um negócio de Encomenda-Coruja no quarto dos fundos dela. Mas ela se animou ao receber a tiara de volta. Disse que pensou que nós a tivéssemos roubado.
— Ah, ela é charmant, a sua tia, — disse Fleur, irritada, movendo sua varinha e fazendo os pratos sujos se levantarem e se empilharem em pleno ar. Ela os pegou e marchou para fora do quarto.
— Papai fez uma tiara, — começou Luna.— Bem, é mais como uma coroa, na verdade.
Rony entreolhou Harry e sorriu; Harry sabia que ele estava se lembrando do ridículo ornamento de cabeça que eles haviam visto em sua visita a Xenofílio.
— Sim, ele está tentando recriar o diadema perdido de Corvinal. Ele acha que já identificou a maior parte dos elementos principais. Acrescentar as asas de Gira-Gira realmente fez muita diferença...
Houve um estrondo na porta da frente. Todas as cabeças se voltaram naquela direção. Fleur veio correndo da cozinha, parecendo amedrontada; Gui se levantou de uma vez, sua varinha apontada para a porta; Harry, Rony e Hermione fizeram o mesmo. Silenciosamente Grampo escorregou para debaixo da mesa, fora de vista.
— Quem é? — Gui gritou.
— Sou eu, Remo João Lupin! — gritou a voz, acima do uivo do vento. Harry sentiu um calafrio; o que teria acontecido? — Sou um lobisomem, casado com Ninfadora Tonks, e você, o Fiel-do-Segredo da Casa das Conchas, me disse o endereço e me convidou a vir quando houvesse uma emergência!
— Lupin, — murmurou Gui, e correu para a porta, destrancando-a.
Lupin caiu sobre o batente da porta. Ele estava pálido, enrolado numa capa de viagem, seu cabelo grisalho atrapalhado pelo vento. Ele se endireitou, olhou ao redor da sala, conferindo quem estava lá, e então gritou a plenos pulmões, — É um menino! Nós o chamamos Ted, em homenagem ao pai de Dora!
Hermione berrou.
— O quê? Tonks – Tonks teve o bebê?
— Sim, sim, ela teve o bebê! — exclamou Lupin. Ao redor da mesa vieram gritos de prazer, suspiros de alívio: Hermione e Fleur ambas guincharam — Parabéns!, — e Rony disse, — Caramba, um bebê! — como se nunca tivesse ouvido falar de tal coisa antes.
— Sim... Sim... Um menino, — disse novamente Lupin, que parecia aturdido por sua própria felicidade. Ele andou ao redor da mesa e abraçou Harry; a cena no porão do Largo Grimmauld parecia nunca ter acontecido.
— Você aceita ser o padrinho? — ele perguntou, quando soltou Harry.
— E-eu? — gaguejou Harry.
— Você, sim, claro – Dora concorda, ninguém melhor...
— Eu... Sim... Caramba...
Harry se sentia tomado de surpresa, assombrado, deliciado; agora Gui estava correndo para buscar vinho, e Fleur estava convencendo Lupin a se juntar a eles para uma bebida.
— Não posso ficar muito tempo, preciso voltar, — disse Lupin, sorrindo: ele parecia muitos anos mais novo do que Harry jamais o tinha visto. — Obrigado, obrigado, Gui.
Gui logo encheu todas as taças, e eles se levantaram e as ergueram em um brinde.
— À Ted Remo Lupin, — disse Lupin,— um grande bruxo em formação!
— Com quem ele se parece? — perguntou Fleur.
— Acho que ele se parece com Dora, mas ela acha que é comigo. Não tem muito cabelo. O cabelo parecia preto quando ele nasceu, mas juro que ficou ruivo algumas horas depois. Provavelmente vai estar loiro quando eu voltar. Andrômeda diz que o cabelo de Tonks começou a mudar de cor no dia em que ela nasceu. — Ele esvaziou sua taça.— Ah, vamos lá, só mais uma, — ele acrescentou, sorrindo, enquanto Gui fazia a taça se encher novamente.
O vento sacudia a pequena casa e o fogo pulava e crepitava, e Gui iria logo abrir uma outra garrafa de vinho. As notícias de Lupin pareciam tê-los tirado de si, e os removido de seu estado de cerco: notícias de uma nova vida eram animadoras. Apenas o duende parecia intocado pela atmosfera subitamente festiva, e depois de um tempo se esgueirou de volta para o quarto que agora ocupava sozinho. Harry pensou ser o único a ter percebido isso, até que viu o olhar de Gui acompanhando o duende enquanto este subia as escadas.
— Não... não... Eu realmente preciso voltar, — disse Lupin afinal, recusando outra taça de vinho. Ele ficou de pé e se envolveu na capa de viagem.
— Adeus, adeus... Vou tentar trazer umas fotos para vocês em alguns dias... Eles vão todos ficar tão felizes de saber que vi vocês...
Ele amarrou sua capa e se despediu, abraçando as mulheres e apertando a mão dos homens, e então, ainda sorrindo, retornou para dentro da noite selvagem.
— Padrinho, Harry! — disse Gui quando entraram juntos na cozinha, ajudando a limpar a mesa. — Uma verdadeira honra! Parabéns!
Enquanto Harry ajeitava as taças vazias que estava carregando, Gui fechou-a porta atrás de si, isolando-os das vozes ainda entusiasmadas dos demais, que continuaram a comemorar mesmo na ausência de Lupin.
— Eu queria uma conversa privada, na verdade, Harry. Não foi fácil ter uma oportunidade com esta casa cheia de gente.
Gui hesitou.
— Harry, você está planejando algo com Grampo.
Era uma afirmação, não uma pergunta, e Harry não tentou negar. Apenas olhou para Gui, aguardando.
— Eu conheço duendes, — disse Gui.— Trabalhei para Gringotes desde que saí de Hogwarts. Na medida em que pode haver amizade entre bruxos e duendes, eu tenho amigos duendes... Ou, pelo menos, duendes que conheço bem, e de quem gosto. — Novamente, Gui hesitou.
— Harry, o que você quer de Grampo, e o que prometeu em troca?
— Não posso contar, — disse Harry. — Sinto muito, Gui.
A porta da cozinha se abriu atrás deles; Fleur estava tentando entrar com mais taças vazias.
— Espere, — pediu Gui a ela.— Só um minuto.
Ela se virou e fechou a porta novamente.
— Então eu tenho que dizer isto, — Gui continuou.— Se você fez algum tipo de acordo com Grampo, e principalmente se esse acordo envolve tesouros, você deve ser extremamente cauteloso. A noção duende de propriedade, pagamento e retribuição não é a mesma dos humanos.
Harry sentiu um aperto de desconforto, como se uma pequena cobra se agitasse dentro dele.
— O que você quer dizer?— ele perguntou.
— Nós estamos falando de uma raça diferente na essência,— disse Gui.— Negócios entre bruxos e duendes têm sido tensos por muitos séculos – mas você sabe tudo isso, é História da Magia. Houve culpa de ambos os lados, eu nunca afirmaria que os bruxos foram inocentes. No entanto, há uma crença entre alguns duendes, e aqueles em Gringotes provavelmente sejam os que têm maior tendência a ela, que bruxos não são confiáveis em matéria de ouro e tesouros, que eles não têm respeito pela propriedade dos duendes.
— Eu respeito..., — começou Harry, mas Gui sacudiu a cabeça.
— Você não entende, Harry, ninguém poderia entender a não ser que tenha vivido entre os duendes. Para um duende, o mestre verdadeiro e por direito de qualquer objeto é seu artesão, não o comprador. Todos os objetos feitos por duendes são, aos olhos dos duendes, sua propriedade por direito.
— Mas se foi comprado...
—... Então eles consideram que foi alugado por quem pagou. Mas eles têm grande dificuldade com a idéia de objetos feitos por duendes serem passados de bruxo para bruxo. Você viu a cara de Grampo quando a tiara passou por ele. Ele desaprova. Acredito que ele pense, como os mais impetuosos de sua raça, que ela deveria ter sido devolvida aos duendes quando o comprador original morreu. Eles consideram que o nosso hábito de manter em nossa posse objetos de fabricação de duendes, passando-os de bruxo para bruxo sem novo pagamento, é pouco mais do que furto.
Harry teve um pressentimento ruim; ele se perguntava se Gui saberia mais do que estava dando a entender.
— O que quero dizer,— disse Gui, colocando a mão na porta da sala de estar,— é que você deve ser muito cuidadoso com o que promete a duendes, Harry. É menos perigoso invadir Gringotes do que quebrar uma promessa feita a um duende.
— Certo, — disse Harry enquanto Gui abria a porta,— sim. Obrigado. Vou me lembrar disso.
Seguindo Gui de volta ao encontro dos demais, um pensamento retorcido lhe ocorreu, provavelmente causado pelo vinho que havia bebido. Ele parecia estar no caminho para se tornar um padrinho tão descuidado para Teddy Lupin quanto Sirius tinha sido para ele mesmo.