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Unknown
junho 06, 2014
Capítulo 5
Na última noite de férias, a Sra. Weasley fez aparecer um jantar suntuoso que incluiu todos os pratos favoritos de Harry, terminando com um pudim caramelado de dar água na boca. Fred e Jorge encerraram a noite com uma queima de fogos Filibusteiro; encheram a cozinha de estrelas vermelhas e azuis que ricochetearam do teto para as paredes durante no mínimo uma hora. Então chegou a hora da última caneca de chocolate quente e de ir para a cama.
Eles demoraram para viajar na manhã seguinte. Acordaram ao nascer do sol, mas por alguma razão pareciam ter um bocado de coisas para fazer. A Sra. Weasley corria de um lado para outro mal-humorada, procurando meias desaparelhadas e penas de escrever; as pessoas não paravam de dar encontroes nas escadas, meio vestidas, levando pedaços de torradas nas mãos; e o Sr. Weasley quase quebrou o pescoço, ao tropeçar em uma galinha solta quando atravessava o quintal carregando o malão de Gina até o carro.
Harry não conseguiu imaginar como é que oito pessoas seis malões, duas corujas e um rato iam caber em um pequeno Ford Anglia. É claro que ele não contara com os acessórios especiais que o Sr. Weasley acrescentara.
— Nem uma palavra a Molly — cochichou ele a Harry quando abriu a mala do carro e lhe mostrou como a aumentara por artes mágicas para que a bagagem coubesse sem problemas.
Quando finalmente todos tinham embarcado no carro, a Sra. Weasley olhou para o banco traseiro, onde Harry, Rony, Fred, Jorge e Percy estavam sentados confortavelmente lado a lado e disse:
— Os trouxas sabem mais do que nós queremos reconhecer, não é? — Ela e Gina entraram no banco dianteiro que fora aumentado de tal maneira que parecia um banco de jardim público. — Quero dizer, olhando de fora, a pessoa nunca imaginaria como o carro é espaçoso, não é?
O Sr. Weasley ligou o motor e saiu do quintal, enquanto Harry se virava para trás para dar uma última olhada na casa. Mal teve tempo para pensar quando a veria outra vez e já estavam de volta: Jorge esquecera a caixa de fogos Filibusteiro. Cinco minutos depois, tornaram a parar no quintal para Fred ir buscar depressa sua vassoura. Tinham quase chegado à rodovia quando Gina gritou que deixara o diário em casa. Na altura em que tornaram a embarcar no carro eles já estavam muito atrasados e muito mal-humorados.
O Sr. Weasley olhou para o relógio e depois para a sua mulher.
— Molly, querida...
— Não, Artur.
— Ninguém veria. Esse botãozinho aqui é um multiplicador de invisibilidade que instalei, isso nos faria decolar e voar acima das nuvens. Estaríamos lá em dez minutos e ninguém saberia...
— Eu disse não, Arthur, não em plena luz do dia.
Eles chegaram à estação de King’s Cross às quinze para onze. O Sr. Weasley disparou até o outro lado da Rua para buscar carrinhos para a bagagem e todos correram para a estação.
Harry tomara o Expresso de Hogwarts no ano anterior. A parte complicada era chegar à plataforma 9 e ½, que não era visível aos olhos dos trouxas. O que a pessoa tinha que fazer era atravessar uma barreira sólida que separava as plataformas 9 e 10. Não machucava, mas tinha que ser feito com cautela, de modo que os trouxas não vissem a pessoa desaparecer.
— Percy primeiro — disse a Sra. Weasley, consultando nervosa o relógio no alto, que indicava que tinham apenas cinco minutos para desaparecer pela barreira sem ser vistos.
Percy adiantou-se com passos firmes e desapareceu. O Sr. Weasley o seguiu; depois Fred e Jorge.
— Vou levar Gina e vocês dois venham logo atrás de nós — disse a Sra. Weasley a Harry e Rony, agarrando a mão de Gina e se afastando. Num piscar de olhos as duas tinham desaparecido.
— Vamos juntos, só temos um minuto — disse Rony a Harry.
Harry verificou se a gaiola de Edwiges estava bem encaixada em cima do malão e virou o carrinho de frente para a barreira. Sentia-se absolutamente confiante; isto não era nem de longe tão desconfortável quanto usar o Pó de Flu. Os dois se abaixaram sob a barra dos carrinhos e avançaram decididos para a barreira, ganhando velocidade. Quando faltavam apenas poucos passos eles desataram a correr e... TAPUM.
Os dois carrinhos bateram na barreira e quicaram de volta; o malão de Rony caiu com estrondo, Harry foi derrubado, a gaiola de Edwiges saiu saltando pelo chão encerado e ela rolou para fora, gritando indignada; as pessoas à volta olharam e um guarda próximo berrou:
— Que diabo vocês acham que estão fazendo?
— Perdi o controle do carrinho — ofegou Harry, apertando as costelas ao se levantar. Rony teve que recolher Edwiges, a coruja fazia tanto escândalo que muitos dos circunstantes resmungaram contra a crueldade para com os animais.
— Por que não podemos atravessar? — sibilou Harry para Rony.
— Não sei...
Rony olhou desorientado para os lados. Uns dez curiosos continuavam a observá-los.
— Vamos perder o trem — cochichou Rony. — Não entendo por que o portão se fechou...
Harry olhou para o enorme relógio no alto com uma sensação ruim na boca do estômago. Dez segundos... Nove segundos... Ele levou o carrinho à frente com cautela até encostá-lo na barreira e empurrou-o com toda a força. O metal continuou sólido. — Três segundos... Dois segundos... Um segundo...
— Já foi — disse Rony, parecendo atordoado. — O trem foi embora. E se papai e mamãe não conseguirem voltar para nós? Você tem algum dinheiro de trouxas?
Harry deu uma risada cavernosa.
— Os Dursley não me dão dinheiro há uns seis anos.
Rony encostou o ouvido na barreira fria.
— Não ouço nada — informou tenso. — Que vamos fazer? Não sei quanto tempo vai levar para mamãe e papai voltarem.
Eles olharam para os lados. As pessoas continuavam a vigiá-los, principalmente por causa dos gritos de Edwiges que não paravam.
— Acho que é melhor irmos esperar ao lado do carro — sugeriu Harry. — Estamos atraindo atenção de mais...
— Harry! — exclamou Rony, com os olhos brilhando. — O carro!
— Que tem o carro?
— Podemos voar para Hogwarts no carro!
— Mas eu pensei...
— Estamos imobilizados, certo? E temos que voltar para a escola, não é? E até os bruxos de menor idade podem usar a magia quando há uma emergência grave, seção dezenove ou coisa assim da Lei de Restrição ao...
— Mas sua mãe e seu pai... — disse Harry, empurrando mais uma vez a barreira na esperança inútil de que ela cedesse. — Como é que vão chegar em casa?
— Eles não precisam do carro! — disse Rony impaciente. — Eles sabem aparatar, sabe, desaparecer aqui e reaparecer em casa! Eles só usam o Pó de Flu e o carro porque somos todos menores e ainda não temos permissão para aparatar.
A sensação de pânico de Harry de repente se transformou em excitação.
— Você sabe voar?
— Não tem problema — disse Rony, virando o carrinho de frente para a saída. — Anda, vamos. Se nos apressarmos poderemos seguir o Expresso de Hogwarts.
Passaram então pela aglomeração de trouxas curiosos, saíram da estação e voltaram à Rua secundária onde ficara estacionado o velho Ford Anglia.
Rony destrancou a enorme mala do carro com vários toques seguidos de varinha.
Tornaram a carregar a bagagem na mala, puseram Edwiges no banco traseiro e embarcaram.
— Veja se não tem ninguém olhando — disse Rony, ligando a ignição com outro toque de varinha. Harry meteu a cabeça para fora da janela: o tráfego roncava pela estrada principal adiante, mas a rua deles estava deserta.
— Tudo bem — falou.
Rony apertou um botãozinho prateado no painel. O carro em que estavam desapareceu — e eles também. Harry sentiu o banco vibrar embaixo dele, ouviu o ruído do motor, sentiu as mãos em cima dos joelhos e os óculos em cima do nariz, mas do que conseguia ver, virara um par de olhos que flutuavam acima do chão, numa rua suja cheia de carros estacionados.
— Vamos — disse a voz de Rony vindo da direita.
E o chão e os edifícios sujos de cada lado se distanciaram e foram desaparecendo de vista, à medida que o carro decolava; em segundos, Londres inteira estava lá embaixo, enfumaçada e cintilante.
Então ouviu-se um estampido e o carro, Harry e Rony reapareceram.
— Epa — exclamou Rony, batendo no botão da invisibilidade.
— Está com defeito.
Os dois socaram o botão. O carro desapareceu. E tornou a reaparecer aos pouquinhos.
— Segure firme! — berrou Rony e pisou fundo no acelerador; eles dispararam em linha reta para dentro de nuvens baixas e repolhudas e tudo ficou cinzento e enevoado.
— E agora? — perguntou Harry, piscando diante da camada sólida de nuvens que os comprimia de todos os lados.
— Temos que ver o trem para saber que direção vamos tomar — disse Rony.
— Mergulhe outra vez... Depressa.
Eles baixaram até ficar sob as nuvens e se viraram no banco, tentando ver o solo.
— Estou vendo! — gritou Harry. — Bem na nossa frente, lá.
O Expresso de Hogwarts ia correndo embaixo deles como uma cobra vermelha.
— Rumo norte — disse Rony, verificando a bússola no painel. — Tudo bem, só vamos precisar verificar de meia em meia hora mais ou menos, segure firme... — E eles dispararam para o alto, furando as nuvens. Um minuto depois, saíram numa camada banhada de sol.
Era um mundo diferente. Os pneus do carro roçavam de leve o mar de nuvens fofas, o céu um azul forte e infinito sob um sol claro de cegar — Agora só temos que nos preocupar com os aviões — disse Rony.
Eles se entreolharam e caíram na gargalhada; durante algum tempo não conseguiram parar.
Era como se tivessem mergulhado num sonho fabuloso. Isto, pensou Harry, era sem dúvida o único modo de viajar — deixando para trás os redemoinhos e as torrinhas de nuvens branquíssimas, em um carro inundado pela luz quente e clara do sol, com um pacotão de caramelos no porta-luvas, e a perspectiva de ver as caras invejosas de Fred e Jorge quando eles aterrissassem, suave e espetacularmente, no vasto gramado diante do castelo de Hogwarts.
Eles verificavam regularmente a posição do trem durante o vôo que os levava cada vez mais para o norte e, em cada mergulho abaixo das nuvens, descortinavam uma paisagem diferente. Londres não tardou a ficar muito para trás, substituída por campos verdes e geométricos que, por sua vez, cederam lugar a grandes extensões de terra roxa, pantanosa, uma metrópole que pululava de carros que lembravam formigas multicoloridas, cidadezinhas com igrejas de brinquedo.
Várias horas tranqüilas depois, no entanto, Harry teve que admitir que o divertimento estava começando a cansar. Os caramelos tinham deixado os dois cheios de sede e não havia nada para beber. Ele e Rony tinham despido os suéteres, mas a camiseta de Harry estava grudando no encosto do banco, e seus óculos não paravam de escorregar pela ponta do nariz suado. Ele deixara de reparar nas formas fantásticas das nuvens e agora pensava com saudades no trem, quilômetros abaixo, onde podia comprar suco de abóbora bem gelado em um carrinho empurrado por uma bruxa gorducha. Porque não tinham podido chegar à plataforma 9 e ½?
— Não pode faltar muito mais, não é? — perguntou Rony rouco, horas depois, quando o sol começou a afundar pelo chão de nuvens, fingindo-o de rosa forte.
— Pronto para verificar outra vez a posição do trem?
O trem continuava embaixo deles, contornando uma montanha de pico nevado.Escurecera bastante sob a abóbada de nuvens. Rony pisou fundo no acelerador e fez o carro subir outra vez, mas ao fazer isto, o motor começou a soltar um silvo agudo.
Harry e Rony trocaram olhares apreensivos.
— Provavelmente ele está cansado — disse Rony. — Nunca foi tão longe antes...
E os dois fingiram não notar o ruído que ficava cada vez mais forte, à medida que o céu ia escurecendo cada vez mais. As estrelas espocavam na escuridão.
Harry tornou a vestir o suéter, tentando fingir que não via que os limpadores do pára-brisa agora se moviam devagar, como se protestassem.
— Falta pouco — disse Rony mais para o carro do que para Harry —, falta pouco agora — e deu umas palmadinhas nervosas no painel.
Quando voltaram a voar sob as nuvens um pouco mais tarde, tiveram que apurar a vista na escuridão para encontrar um marco que conhecessem.
— Ali! gritou Harry, sobressaltando Rony e Edwiges. — Bem em frente!
Recortado no horizonte escuro, no alto do penhasco sobre o lago, estavam as torres e torrinhas do castelo de Hogwarts.
Mas o carro começara a tremer e a perder velocidade.
— Vamos — disse Rony em tom de quem quer adular, dando uma sacudidela no volante, — quase chegamos, vamos...
O motor gemia. Finos penachos de fumaça saíam por debaixo do capô. Harry viu-se agarrando as bordas do banco com toda força ao voarem em direção ao lago.
O carro deu um estremeção feio. Ao espiar pela janela, Harry viu a superfície lisa, escura e espelhada da água, um quilômetro e meio abaixo. Os nós dos dedos de Rony estavam brancos de tanto apertar o volante. O carro estremeceu outra vez.
— Vamos — murmurou Rony.
Sobrevoaram o lago... O castelo estava bem à frente... Rony apertou o acelerador. Ouviu-se uma batida metálica e alta, um engasgo e o motor morreu de vez.
— Epa — exclamou Rony, em meio ao silêncio.
O nariz do carro afundou. Estavam caindo, ganhando velocidade, rumando direto para a parede maciça do castelo.
— Nããããããão! — berrou Rony, dando um golpe de direção; erraram o escuro muro de pedra por centímetros, porque o carro descreveu um grande arco e voou sobre as estufas às escuras, depois sobre a horta e depois sobre os gramados sombrios, perdendo altura todo o tempo.
Rony largou de vez o volante e puxou a varinha do bolso traseiro.
— PARE! PARE! — berrou, golpeando o painel e o pára-brisa, mas eles continuaram a mergulhar, o chão voando ao seu encontro...
— CUIDADO COM AQUELA ÁRVORE! — urrou Harry, atirando-se sobre o volante, mas tarde demais... CREQUE.
Com um estrondo de ensurdecer, de metal batendo em madeira, eles colidiram com um tronco avantajado e despencaram no chão com um baque forte. O vapor que saía por baixo do capô amassado formava nuvens enormes. Edwiges guinchava de terror; um galo do tamanho de uma bola de golfe latejou na cabeça de Harry onde ele batera no pára-brisa e, à sua direita, Rony deixou escapar um gemido baixo e desesperado.
— Você está bem? — perguntou Harry com urgência na voz.
— Minha varinha — respondeu Rony com a voz trêmula. — Olhe a minha varinha.
Ela quase se partira em duas; a ponta balançava inerte, segura apenas por meia dúzia de farpas de madeira.
Harry abriu a boca para dizer que tinha certeza de que poderiam consertá-la na escola, mas nem chegou a falar. Naquele mesmíssimo instante, alguma coisa bateu na lateral do carro com a força de um touro furioso, atirando Harry contra Rony, ao mesmo tempo que outra pancada igualmente pesada atingia o teto.
— Que está acontecen... — exclamou Rony, arregalando os olhos para o pára-brisa, enquanto Harry virava a cabeça em tempo dever um galho grosso como uma jibóia que o amassava. A árvore em que tinham batido atacava os dois. Curvara o tronco quase ao meio e seus ramos nodosos socavam cada centímetro do carro que conseguiam alcançar.
— Caracas! — exclamou Rony quando outro ramo retorcido fez uma grande mossa na porta do lado dele; o pára-brisa agora vibrava sob uma saraivada de golpes aplicados por galhinhos em forma de nós, e um galho grosso como um aríete socava furiosamente o teto, que parecia estar afundando...
— Se manda! — gritou Rony, atirando todo o peso contra a porta, mas no segundo seguinte ele era empurrado de volta contra o colo de Harry por um direto no queixo dado por outro galho.
— Estamos perdidos! —, gemeu ele quando o teto afundou, mas de repente o fundo do carro começou a vibrar — o motor pegara outra vez.
— Dê marcha ré — berrou Harry, e o carro disparou para trás; a árvore continuava a tentar atingi-los; ouviam as raízes rangerem como se se rasgassem, tentando golpeá-los enquanto se afastavam dela a toda.
— Essa — ofegou Rony — foi por pouco. Muito bem, carro.
O carro, porém, chegara ao limite de suas forças. Com dois fortes trancos, as portas se escancararam e Harry sentiu o banco deslizar para um lado. No momento seguinte ele se viu estatelado no chão úmido. Pancadas fortes lhe informaram que o carro estava ejetando a bagagem deles da mala; a gaiola de Edwiges voou pelos ares e se abriu; ela soltou um guincho raivoso e voou veloz para o castelo, sem nem ao menos olhar para trás. Então, amassado, arranhado e fumegando o carro saiu roncando pela escuridão, as lanternas traseiras brilhando com raiva.
— Volte aqui! — gritou Rony para o carro, brandindo a varinha partida. — Papai vai me matar!
Mas o carro desapareceu de vista com uma última gargalhada do cano de descarga.
— Dá para acreditar na nossa sorte? — disse Rony infeliz, abaixando-se para recolher Perebas. — De todas as árvores em que podíamos ter batido, tínhamos que bater nessa que revida?
Ele espiou por cima do ombro a velha árvore, que continuava a agitar os ramos ameaçadoramente.
— Vamos — disse Harry cansado —, é melhor irmos logo para a escola...
Não se pareceu nada com a chegada triunfal que eles tinham imaginado. Os músculos duros, enregelados e contundidos, os dois apanharam as alças dos malões e começaram a arrastá-los pela encosta gramada acima, em direção à imponente porta de entrada de carvalho.
— Acho que a festa já começou — comentou Rony, largando a mala ao pé dos degraus da entrada e indo espiar silenciosamente por uma janela iluminada. — Ei, Harry vem ver, é a Seleção!
Harry correu à janela e juntos, ele e Rony contemplaram o Salão Principal.
Uma quantidade de velas pairava no ar sobre as quatro mesas compridas e lotadas, fazendo os pratos e taças de ouro faiscarem. No alto, o teto encantado, que sempre refletia o céu lá fora, pontilhado de estrelas.
Em meio à floresta de chapéus cônicos de Hogwarts, Harry viu uma longa fila de principiantes de cara assustada entrar no Salão. Gina estava entre eles, facilmente identificável pelos cabelos da família Weasley, muito vívidos. Entrementes a Profº. McGonagall, uma bruxa de óculos que usava os cabelos presos em um coque, estava colocando o famoso Chapéu Seletor sobre um banquinho diante dos recém-chegados.
Todo ano, aquele chapéu antigo, remendado, esfiapado e sujo, selecionava os novos alunos para as quatro casas de Hogwarts (Grifinória, Lufa-Lufa, Corvinal e Sonserina). Harry lembrava-se bem da noite em que o colocara na cabeça, exatamente há um ano, e esperara petrificado, a decisão do chapéu que murmurava audivelmente em seu ouvido. Por alguns segundos terríveis ele receara que o chapéu fosse colocá-lo na Sonserina, a casa de onde saía um número maior de bruxos e bruxas das trevas do que de qualquer outra — mas ele acabara indo para a Grifinória, junto com Rony, Hermione e o resto dos Weasley. No último trimestre letivo, Harry e Rony tinham ajudado a Grifinória a ganhar o Campeonato das Casas, vencendo Sonserina pela primeira vez em sete anos.
Um garoto muito pequeno, de cabelos castanho-acinzetados foi chamado para colocar o chapéu na cabeça. O olhar de Harry passou por ele e foi pousar no lugar em que Dumbledore, o diretor, assistia à cerimônia sentado à mesa dos funcionários, sua longa barba prateada e os óculos de meia-lua brilhando à luz das velas. Vários lugares adiante, Harry viu Gilderoy Lockhart, com suas vestes azuis. E lá na ponta sentava-se Hagrid, enorme e peludo, bebendo grandes goles de sua taça.
— Espere aí... — cochichou Harry para Rony. — Há uma cadeira vaga na mesa dos funcionários... Onde está o Snape?
Severo Snape era o professor de que Harry menos gostava. Por acaso Harry era o aluno de quem Snape menos gostava também. Cruel, irônico e detestado por todo mundo, exceto pelos alunos de sua própria casa (Sonserina), Snape ensinava Poções.
— Vai ver ele está doente! — disse Rony esperançoso.
— Vai ver ele foi embora — disse Harry —, porque não conseguiu o lugar de professor de Defesa contra as Artes das Trevas outra vez!
— Ou vai ver foi despedido! — disse Rony entusiasmado. — Quero dizer, todo mundo o detesta...
— Ou vai ver — disse uma voz muito seca atrás deles — está esperando para saber por que vocês dois não chegaram no trem da escola.
Harry virou-se depressa. Ali, as vestes negras ondeando à brisa gelada, achava-se parado Severo Snape. Era um homem magro, com a pele macilenta, um nariz curvo e cabelos negros e oleosos até os ombros e, naquele momento, sorria de um jeito que dizia a Harry e Rony que eles estavam numa baita encrenca.
— Me acompanhem — disse Snape.
Sem nem ousarem se entreolhar, Harry e Rony seguiram Snape pela escada e entraram no enorme saguão cheio de ecos, iluminado por tochas. Um cheiro delicioso de comida vinha do Salão Principal, mas Snape os levou para longe do calor e da luz e desceu uma estreita escada de pedra que levava às masmorras.
— Para dentro! — disse ele, indicando a porta que abrira no corredor frio.
Eles entraram na sala de Snape, trêmulos. As paredes sombrias estavam cobertas de prateleiras com grandes frascos, em que flutuava todo tipo de coisa nojenta de que, naquele momento, Harry nem queria saber o nome. A lareira estava apagada e vazia. Snape fechou a porta e virou-se para encará-los.
— Então — disse com suavidade — o trem não é bastante bom para o famoso Harry Potter e seu leal escudeiro Weasley. Queriam chegar acontecendo, não foi, rapazes?
— Não, senhor, foi a barreira na estação de King s Cross, ela...
— Silêncio — disse Snape secamente. — Que foi que fizeram com o carro?
Rony engoliu em seco. Não era a primeira vez que Snape dava a Harry a impressão de ser capaz de ler pensamentos. Mas um momento depois, ele compreendeu, quando Snape desdobrou o Profeta Vespertino daquele dia.
— Vocês foram vistos — sibilou o professor, mostrando a manchete: FORD ANGLIA VOADOR INTRIGA TROUXAS. E começou a ler em voz alta:
"Dois trouxas em Londres, convencidos de terem visto um velho carro sobrevoar a torre dos Correios... Ao meio-dia em Norfolk, a Sra. Hetty Bayliss, quando pendurava roupa para secar... O Sr. Angus Fleet, de Peebles, comunicou à policia..."
— Um total de seis ou sete trouxas. Acredito que o seu pai trabalha no departamento que coíbe o mal uso de artefatos dos trouxas? — perguntou ele, erguendo os olhos para Rony com um sorriso ainda mais desagradável. — Tsk, tsk, tsk... O próprio filho dele...
Harry teve a sensação de que acabara de levar um direto no estômago, aplicado por um dos ramos mais parrudos da árvore maluca. Se alguém descobrisse que o Sr. Weasley havia enfeitiçado o carro... Não tinha pensado nisso...
— Reparei na minha busca pelo parque que houve considerável dano a um salgueiro lutador muito valioso — continuou Snape.
— Aquela árvore causou mais dano a nós do que nós a... — deixou escapar Rony.
— Silêncio! — disse Snape outra vez. — Infelizmente vocês não fazem parte da minha Casa, e a decisão de expulsá-los não cabe a mim. Vou buscar as pessoas que têm este prazeroso poder. Esperem aqui.
Harry e Rony se entreolharam pálidos. Harry não sentia mais fome. Sentia-se extremamente enjoado. Tentou não olhar para uma coisa grande e pegajosa que estava suspensa em um liquido verde, em uma prateleira atrás da escrivaninha de Snape.
Se Snape tivesse ido buscar a Profª. McGonagall, diretora da Casa Grifinória, eles tampouco estariam em melhor situação. Poderia ser mais justa do que Snape, mas era rigorosíssima. Dez minutos depois, Snape voltou e não deu outra, era a Profª. McGonagall que o acompanhava. Harry já a vira várias vezes, mas ou se esquecera como a boca da professora ficava contraída, ou nunca a vira zangada antes.
Ela ergueu a varinha no momento em que entrou. Os dois, Harry e Rony se encolheram, mas ela meramente a apontou para a lareira apagada, onde as chamas irromperam instantaneamente.
— Sentem-se — disse, e os dois recuaram e se sentaram em cadeiras junto à lareira. — Expliquem-se — disse, os óculos brilhando agourentos.
Rony saiu contando a história a começar pela barreira da estação que se recusara a deixá-los passar.
—... Então não tivemos outra escolha, professora, não podíamos embarcar no trem.
— Por que não nos mandaram uma carta por coruja? Creio que você tem uma coruja? — disse a Profª. McGonagall, olhando para Harry com frieza.
Harry ficou boquiaberto. Agora que ela dissera, parecia a coisa óbvia para ter sido feita.
— Eu... Não pensei...
— Isto — tornou a professora — é óbvio.
Ouviu-se uma batida na porta da sala, e Snape, agora com a cara mais feliz que nunca, abriu-a. Parado à porta achava-se o diretor, o Profº. Dumbledore.
O corpo de Harry inteiro ficou insensível. Dumbledore parecia anormalmente sério. Olhou por cima daquele nariz curvo dele, e Harry, subitamente, viu-se desejando que ele e Rony ainda estivessem apanhando do salgueiro lutador.
Fez-se um longo silêncio. Então Dumbledore disse:
— Por favor, expliquem por que fizeram isso.
Teria sido melhor se tivesse gritado. Harry detestou o desapontamento que havia na voz dele. Por alguma razão, não conseguiu encarar Dumbledore nos olhos e, em vez disso, falou para os próprios joelhos. Contou a Dumbledore tudo, exceto que o Sr. Weasley era o dono do carro enfeitiçado, fazendo parecer que ele e Rony tinham encontrado o carro voador estacionado do lado de fora da estação, por acaso.
Ele sabia que Dumbledore perceberia a coisa na mesma hora, mas o diretor não fez perguntas sobre o carro. Quando Harry terminou, ele apenas continuou a observá-los através dos óculos de meia-lua.
— Vamos buscar as nossas coisas — disse Rony com a desesperança na voz.
— De que é que está falando, Weasley? — vociferou a Profª. McGonagall.
— Bem, os senhores vão nos expulsar, não é? — disse Rony.
Harry olhou rapidamente para Dumbledore.
— Hoje não, Sr. Weasley — disse Dumbledore. — Mas preciso incutir em vocês a gravidade do que fizeram. Vou escrever às duas famílias hoje à noite. Devo também preveni-los de que se fizerem isto de novo, não terei escolha se não expulsar os dois.
Snape fez cara de quem acaba de ouvir que o Natal foi cancelado. Pigarreou e disse:
— Profº. Dumbledore, esses garotos zombaram da lei que restringe o uso de magia por menores, causaram sérios danos a uma árvore antiga e valiosa... Com certeza atos desta natureza...
— A Profª. McGonagall é quem decidira sobre o castigo dos meninos, Severo — disse Dumbledore calmamente. — Fazem parte da Casa dela e, portanto são responsabilidade dela. — E se virou para a professora: — Preciso voltar para a festa, Minerva, tenho que dar alguns avisos. Vamos Severo, tem uma torta de abóbora deliciosa que quero provar.
Snape lançou um olhar de puro veneno a Harry e Rony ao se deixar levar embora da sala, deixando-os sozinhos com a Profª. McGonagall, que ainda os observava como uma águia atenta.
— É melhor ir à ala hospitalar, Weasley, você está sangrando.
— Não é nada demais — disse Rony, limpando depressa com a manga o corte sobre o olho. — Professora, eu queria ver a minha irmã ser selecionada...
— A cerimônia da Seleção já terminou — respondeu ela. — Sua irmã também ficou na Grifinória.
— Ah, que bom.
— E por falar na Grifinória... — disse McGonagall muito ríspida, mas Harry a interrompeu.
— Professora, quando apanhamos o carro, o ano letivo não tinha começado, por isso... Por isso Grifinória não deve perder pontos, deve? — terminou ele, observando-a ansioso.
A Profª. McGonagall lançou-lhe um olhar penetrante e ele teve certeza de que ela quase sorrira. Pelo menos ficara menos contraída.
— Não vou tirar pontos da Grifinória — e Harry sentiu o chão muito mais leve. — Mas os dois vão receber uma detenção.
Foi melhor do que Harry esperara. Quanto a Dumbledore escrever aos Dursley, isso não era nada. Harry sabia perfeitamente que eles só iriam ficar desapontados que o salgueiro lutador não o tivesse achatado de vez.
A Profª. McGonagall ergueu novamente a varinha e apontou-a para a escrivaninha de Snape. Um grande prato de sanduíches, duas taças de prata e uma jarra de suco de abóbora gelado apareceram com um estalo.
— Vocês vão comer aqui e depois vão direto para o dormitório — disse ela. — Eu também preciso voltar à festa.
Quando a porta se fechou, Rony deixou escapar um assobio baixo e longo.
— Achei que estávamos ferrados — disse ele, agarrando o sanduíche.
— Eu também — disse Harry, servindo-se.
— Mas dá para acreditar na nossa falta de sorte? — perguntou Rony com a voz pastosa porque tinha a boca cheia de galinha e presunto. — Fred e Jorge devem ter voado naquele carro umas cinco ou seis vezes e nunca nenhum trouxa viu os dois. — Ele engoliu e deu outra grande dentada. — Por que não conseguimos atravessar a barreira?
Harry sacudiu os ombros.
— Mas vamos ter que nos cuidar daqui para frente — disse, tomando um grande gole do suco de abóbora, cheio de gratidão. — Gostaria de termos podido ir à festa...
— Ela não queria que fôssemos nos exibir — disse Rony ajuizadamente. — Não quer que as pessoas pensem que somos sabidos, porque chegamos de carro voador.
Quando acabaram de comer tudo o que puderam (o prato sempre tornava a se encher sozinho) eles se levantaram e deixaram a sala, tomando o caminho familiar para a Torre da Grifinória. O castelo estava silencioso; parecia que a festa havia acabado. Os dois passaram pelos quadros que resmungavam e as armaduras que rangiam e subiram a estreita escada de pedra, até chegarem, finalmente, à passagem onde se escondia a entrada secreta para a Grifinória, atrás do retrato a óleo de uma mulher muito gorda, de vestido de seda rosa.
— Senha? — perguntou ela quando os dois se aproximaram.
— Ããã... Ã murmurou Harry.
Eles não sabiam a senha do novo ano, ainda não tinham encontrado o monitor da Grifinória, mas o socorro chegou quase imediatamente; ouviram um tropel de passos às costas e quando se viraram deram com Hermione que corria ao encontro deles.
— Aí estão vocês! Onde se meteram? Os boatos mais ridículos... Alguém disse que vocês foram expulsos por terem batido com um carro voador.
— Bem, não fomos expulsos — garantiu-lhe Harry.
— Vocês não vão me dizer que realmente chegaram aqui voando? — disse Hermione, em tom quase tão severo quanto o da Profª. McGonagall.
— Pode poupar o sermão — disse Rony impaciente — e nos dizer qual é a nova senha.
— É "maçarico” — respondeu Hermione impaciente —, mas não é isto que está em questão...
Suas palavras, porém, foram interrompidas, pois o retrato da mulher gorda se abriu em meio a uma repentina tempestade de aplausos. Parecia que todos os alunos da Grifinória ainda estavam acordados, espremidos na sala comunal redonda, trepados nas mesas fora de esquadro e nas poltronas que afundavam, esperando os dois chegarem.
Braços passaram pela abertura do retrato para puxar Harry e Rony para dentro, deixando Hermione subir depois e sozinha.
— Genial! — berrou Lino Jordan. — Um achado! Que entrada! Aterrissar um carro voador no salgueiro lutador, vão comentar isso durante anos!
"Parabéns", disse um quintanista com que Harry nunca falara antes; alguém dava palmadinhas em suas costas como se ele tivesse acabado de ganhar uma maratona; Fred e Jorge abriram caminho por entre os colegas aglomerados e perguntaram ao mesmo tempo:
— Por que não viemos no carro, hein? — Rony estava com a cara vermelha e sorria constrangido, mas Harry acabava de ver uma pessoa que não parecia nada feliz.
Percy era visível por cima das cabeças de uns alunos de primeira série animados, e parecia estar querendo se aproximar o suficiente para começar a ralhar com eles. Harry cutucou Rony nas costelas e fez sinal em direção a Percy. Rony entendeu na mesma hora.
— Temos que subir... Um pouco cansados — disse ele e os dois começaram a abrir caminho em direção à porta do lado oposto da sala, que levava à escada circular e aos dormitórios.
— Noite — Harry falou por cima do ombro para Hermione, que estava com uma cara tão feia quanto Percy.
Os garotos conseguiram chegar ao outro lado da sala comunal, ainda recebendo palmadinhas nas costas, e alcançaram a paz das escadas. Subiram a escada correndo, direto para cima e, finalmente, chegaram à porta do antigo dormitório, que agora tinha um letreiro que dizia ALUNOS DE SEGUNDA SÉRIE. Entraram no quarto circular que já conheciam, com camas de quatro colunas e cortinas de veludo vermelho, e suas janelas altas e estreitas. Seus malões tinham sido trazidos até o quarto e colocados aos pés das camas.
Rony sorriu com ar de culpa para Harry.
— Sei que não devia ter curtido isso nem nada, mas...
A porta do dormitório se escancarou e por ela entraram os outros segundanistas da Grifinória, Simas Finnigan, Dino Thomas e Neville Longbottom.
— Inacreditável!— exclamou Simas radiante.
— Legal — disse Dino.
— Um assombro! — acrescentou Neville atônito.
Harry não conseguiu se controlar e sorriu também.