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Unknown
junho 06, 2014
Capítulo 9
Atraído, sem dúvida, pelo grito de Draco, Argo Filch apareceu, abrindo caminho com os ombros por entre os alunos aglomerados. Então ele viu Madame Nor-r-ra e recuou, levando as mãos ao rosto horrorizado.
— Minha gata? Minha gata! Que aconteceu a Madame Norr-ra? — gritou ele.
E seus olhos saltados pousaram em Harry.
— Você! — gritou. — Você! Você assassinou a minha gata? Você a matou! Vou matá-lo! Vou...
— Argo! — Dumbledore chegara à cena, seguido de vários professores. Em segundos, passou por Harry, Rony e Hermione e soltou Madame Nor-r-ra do porta-archote.
— Venha comigo, Argo — disse a Filch. — Os senhores também, Sr. Potter, Sr. Weasley e Srta. Granger.
Lockhart deu um passo à frente pressuroso.
— A minha sala fica mais próxima, diretor, logo aqui em cima, por favor, fique à vontade...
— Muito obrigado, Gilderoy — disse Dumbledore.
Os presentes se afastaram para os lados em silêncio para deixá-los passar.
Lockhart, com o ar agitado e importante, acompanhou Dumbledore, apressado; o mesmo fizeram a Profª. McGonagall e o Profº. Snape.
Ao entrarem na sala escura de Lockhart, ouviram uma agitação passar pelas paredes; Harry viu vários Lockharts nas molduras se esconderem, com os cabelos presos em rolinhos. O verdadeiro Lockhart acendeu as velas sobre a escrivaninha e se afastou um pouco. Dumbledore pôs Madame Nor-r-ra na superfície polida e começou a examiná-la. Harry, Rony e Hermione trocaram olhares tensos e se sentaram, observando, em cadeiras fora do círculo iluminado pelas velas.
A ponta do nariz comprido e curvo de Dumbledore estava a menos de três centímetros do pêlo de Madame Nor-r-ra. Ele a examinou atentamente através dos óculos de meia-lua, apalpou-a e cutucou-a com os dedos longos. A Profª. McGonagall estava curvada quase tão próxima, os olhos apertados. Snape esticava-se por trás deles, meio na sombra, com uma expressão estranhíssima no rosto: era como se estivesse fazendo força para não sorrir. E Lockhart andava à volta do grupo, oferecendo sugestões.
— Decididamente foi um feitiço que a matou, provavelmente a Tortura Transmogrifiana. Já a usaram muitas vezes, que pena que eu não estava presente, conheço exatamente o contra feitiço que a teria salvado...
Os comentários de Lockhart eram pontuados pelos soluços secos e violentos de Filch. Ele se afundara em uma cadeira ao lado da escrivaninha, incapaz de olhar para Madame Nor-rra, o rosto coberto com as mãos. Por mais que detestasse Filch, Harry não pôde deixar de sentir uma certa pena dele, embora não tanta quanto a que sentia de si mesmo. Se Dumbledore acreditasse em Filch, o garoto com certeza seria expulso.
Dumbledore agora murmurava palavras estranhas para si mesmo, tocando Madame Nor-r-ra com a varinha, mas nada aconteceu: ela continuava parecendo que fora empalhada recentemente.
— Lembro-me de algo muito parecido que aconteceu em Ouagadogou — disse Lockhart —, uma série de ataques, a história completa se encontra na minha autobiografia, naquela ocasião pude fornecer aos habitantes da cidade vários amuletos, que resolveram imediatamente o problema...
As fotografias de Lockhart na parede concordavam com a cabeça quando ele falava. Uma delas se esquecera de tirar a rede dos cabelos.
Finalmente Dumbledore se ergueu.
— A gata não está morta, Argo — disse ele baixinho.
Lockhart parou imediatamente de contar o número de assassinatos que evitara.
— Não está morta? — engasgou-se Filch, olhando por entre os dedos para Madame Nor-r-ra. — Então por que é que ela está toda... Toda dura e gelada?
— Ela foi petrificada — disse Dumbledore ("Ah Eu bem que achei!", disse Lockhart.) — Mas de que forma, eu não sei dizer...
— Pergunte a ele! — gritou Filch, virando o rosto manchado e escorrido de lágrimas para Harry.
— Nenhum aluno de segundo ano poderia ter feito isto — disse Dumbledore com firmeza. — Seria preciso conhecer Magia Negra avançadíssima...
— Foi ele, foi ele! — cuspiu Filch, o rosto balofo congestionado. — O senhor viu o que ele escreveu na parede! Ele encontrou... No meu escritório... Ele sabe que eu sou um... Sou um...
— O rosto de Filch se contorceu de modo horrendo. — Ele sabe que sou um aborto! — terminou.
— Jamais encostei o dedo em Madame Nor-r-ra! — disse Harry em voz alta, sentindo-se incomodado por saber que todos o olhavam, inclusive todos os Lockhart nas paredes. — Nem mesmo sei o que é um aborto.
— Mentira! — rosnou Filch. — Ele viu a carta do Feiticexpresso!
— Se me permite falar, diretor — disse Snape de seu lugar nas sombras, e Harry sentiu seus maus pressentimentos aumentarem; tinha certeza de que nada que Snape tivesse a dizer iria beneficiá-lo.
— Talvez Potter e seus amigos simplesmente estivessem no lugar errado na hora errada —, disse ele, um ligeiro trejeito de desdém lhe encrespando a boca como se duvidasse do que dizia. — Mas temos um conjunto de circunstâncias suspeitas neste caso. Por que é que estavam no corredor do andar superior? Por que não estavam na Festa das Bruxas?”
Harry, Rony e Hermione, todos desataram a dar explicações sobre a festa do aniversário de morte.
—... Havia centenas de fantasmas na festa, que poderão confirmar que estávamos lá...
— Mas por que não foram depois para a Festa das Bruxas? — perguntou Snape, os olhos negros faiscando à luz das velas. — Por que subir àquele corredor?
Rony e Hermione olharam para Harry.
— Porque... Porque... — disse Harry, o coração disparado; alguma coisa lhe disse que seria muito difícil eles acreditarem se confessasse que fora levado por uma voz sem corpo que ninguém, exceto ele, tinha podido ouvir — porque estávamos cansados e queríamos nos deitar.
— Sem jantar? — disse Snape, um sorriso vitorioso perpassou o seu rosto magro. — Eu não sabia que nas festas os fantasmas ofereciam comida própria para consumo de gente viva.
— Não estávamos com fome — disse Rony em voz alta ao mesmo tempo que sua barriga dava um enorme ronco.
O sorriso maldoso de Snape se ampliou.
— Suspeito, diretor, que Potter não esteja dizendo toda a verdade. Talvez fosse uma boa idéia privá-lo de certos privilégios até que esteja disposto a nos contar tudo. Pessoalmente, acho que deveria ser suspenso do time de Quadribol da Grifinória até que se disponha a ser honesto.
— Francamente, Severo — disse a Profª. McGonagall com aspereza —, não vejo razão para impedir o menino de jogar Quadribol. Esta gata não foi enfeitiçada com um golpe de vassoura. Não há qualquer evidência de que Potter tenha feito algo errado.
Dumbledore lançou a Harry um olhar penetrante. Seus olhos azuis cintilantes faziam Harry sentir que estava sendo radiografado.
— Inocente até que se prove o contrário, Severo — disse com firmeza.
Snape pareceu furioso. E Filch também.
— Minha gata foi petrificada! — gritou, os olhos esbugalhados. — Quero ver alguém ser castigado!
— Vamos curá-la, Argo — disse Dumbledore, paciente. — A Profº. Sprout recentemente obteve umas mandrágoras. Assim que elas crescerem, vou mandar fazer uma poção que ressuscitará Madame Nor-r-ra.
— Eu faço — Lockhart entrou na conversa. — Devo ter feito isto centenas de vezes. Seria capaz de preparar um Tônico Restaurador de Mandrágora até dormindo...
— Desculpe-me — disse Snape num tom gelado. — Mas creio que sou o professor de Poções aqui nesta escola.
Houve uma pausa muito incômoda.
— Vocês podem ir — disse Dumbledore a Harry, Rony e Hermione.
Os três saíram o mais depressa que puderam sem chegar a correr. Quando estavam um andar acima da sala de Lockhart, entraram em uma sala de aula e fecharam a porta silenciosamente. Harry procurou enxergar o rosto dos amigos no escuro.
— Vocês acham que eu devia ter falado a eles daquela voz que ouvi?
— Não — respondeu Rony sem hesitar. — Ouvir vozes que ninguém mais ouve não é bom sinal, mesmo no mundo da magia.
Alguma coisa na voz de Rony fez Harry perguntar:
— Você acredita em mim, não é?
— Claro que acredito — respondeu Rony depressa. — Mas... Você vai concordar que é estranho...
— Eu sei que é estranho — disse Harry. — A coisa toda é estranha. O que era aquela pichação na parede? A Câmara Secreta foi aberta... Que será que significa isso?
— Sabe, me lembra alguma coisa — disse Rony lentamente. — Acho que alguém certa vez me contou uma história de uma câmara secreta em Hogwarts... Talvez tenha sido o Gui...
— E afinal o que é um aborto? — perguntou Harry.
Para sua surpresa, Rony sufocou uma risadinha.
— Bem... Não é realmente engraçado... Mas é o que Filch é — disse ele. — Um aborto é alguém que nasceu em uma família de bruxos, mas não tem poderes mágicos. De certa forma é o oposto do bruxo que nasceu trouxa, mas os abortos são muito raros. Se Filch está tentando aprender magia em um curso Feiticexpresso, imagino que ele seja um aborto. Isto explicaria muita coisa. Por exemplo, a razão por que ele odeia tanto os alunos. — Rony deu um sorriso de satisfação. — É um amargurado. — Um relógio bateu as horas em algum lugar.
— Meia-noite — disse Harry — É melhor irmos deitar antes que Snape apareça e tente nos culpar de outra coisa qualquer.
Durante alguns dias, a escola praticamente não conseguiu falar de outra coisa a não ser do ataque à Madame Nor-r-ra. Filch o manteve vivo na lembrança de todos, perambulando pelo lugar onde ela fora atacada, como se achasse que o atacante poderia voltar. Harry o vira esfregando a mensagem na parede com Removedor Mágico Multiuso Skower, mas sem resultado; as palavras continuavam a brilhar na pedra, mais fortes que nunca. Quando Filch não estava guardando a cena do crime, esquivava-se pelos corredores, os olhos vermelhos, investindo contra estudantes distraídos e tentando impingir-lhes uma detenção por coisas do tipo "respirar fazendo barulho" e "parecer feliz".
Gina Weasley parecia ter ficado muito perturbada com o destino de Madame Nor-r-ra. Segundo Rony, ela adorava gatos.
— Mas você nem chegou a conhecer Madame Nor-r-ra direito — disse Rony animando-a. — Francamente, estamos muito melhor sem ela. — Os lábios de Gina tremeram. — Coisas assim não acontecem todo dia em Hogwarts — tranqüilizou-a Rony. — Vão pegar o maníaco que fez isso e mandá-lo embora daqui na hora. Só espero que ele tenha tempo de petrificar o Filch antes de ser expulso. Brincadeirinha... — acrescentou Rony depressa, ao ver Gina empalidecer.
O ataque também afetara Mione. Tornou-se comum ela passar muito tempo lendo, mas agora não fazia quase mais nada. Nem Harry e Rony tampouco obtinham alguma resposta quando lhe perguntavam o que pretendia fazer, e somente na quarta-feira seguinte ficaram sabendo.
Harry se demorara na sala de Poções, onde Snape o retivera depois da aula para raspar os vermes deixados em cima das carteiras. Depois de um almoço apressado, ele foi ao encontro de Rony na biblioteca e viu Justino Finch-Fletchley, o garoto da Lufa-Lufa que tinham conhecido na aula de Herbologia, vindo em sua direção.
Harry acabara de abrir a boca para dizer "Olá" quando Justino o viu, virou-se abruptamente e saiu correndo na direção oposta.
Harry encontrou Rony no fundo da biblioteca, medindo o dever de História da Magia. O Profº. Binns tinha pedido uma redação de um metro sobre o "Congresso Medieval de Bruxos Europeus".
— Não acredito que ainda faltem vinte centímetros... — disse Rony furioso, largando o pergaminho, que tornou a se enrolar. — E Mione escreveu um metro e vinte e oito e a letra dela é miudinha.
— Onde é que ela está agora? — perguntou Harry, pegando a fita métrica e desenrolando a própria redação.
— Ali adiante — disse Rony indicando as estantes. — Procurando outro livro. Acho que está tentando ler a biblioteca inteira antes do Natal.
Harry contou a Rony que Justino Finch-Fletchley fugira dele.
— Não sei por que você se importa — disse Rony escrevendo sem parar, fazendo a caligrafia o maior possível. — Toda aquela baboseira sobre a importância de Lockhart...
Hermione saiu do meio das estantes. Tinha um ar irritado, mas parecia, finalmente, disposta a falar com eles.
— Todos os exemplares de Hogwarts: uma história foram retirados — anunciou ela, sentando-se com Harry e Rony. — E tem uma lista de espera de duas semanas. Eu gostaria de não ter deixado o meu exemplar em casa, mas não consegui enfiá-lo no malão com todos os livros de Lockhart.
— Para que você quer a história? — perguntou Harry.
— Pela mesma razão que todo mundo quer: para ler a lenda da Câmara Secreta.
— Que vem a ser isso? — perguntou Harry depressa.
— Esta é a questão. Não consigo me lembrar — disse Mione, mordendo o lábio. — E não consigo encontrar a história em lugar nenhum...
— Mione, me deixe ler a sua redação — pediu Rony desesperado, consultando o relógio de pulso.
— Não, deixo não — disse a garota com severidade. — Você teve dez dias para terminá-la...
— Eu só preciso de mais cinco centímetros, deixe, vai...
A sineta tocou. Rony e Mione se dirigiram à aula de História da Magia, discutindo.
A História da Magia era a matéria mais sem graça do programa. O Profº. Binns, encarregado de ensiná-la, era o único professor fantasma, e a coisa mais excitante que acontecia em suas aulas era ele entrar em classe atravessando o quadro-negro.
Velhíssimo e enrugado, muita gente dizia que ainda não percebera que estava morto. Um belo dia ele simplesmente se levantara para dar aula e deixara o corpo sentado numa poltrona diante da lareira da sala de professores; sua rotina não se alterara nem um pingo desde então.
Hoje estava chato como sempre. O Profº. Binns abriu seus apontamentos e começou a ler num tom monótono como um aspirador de pó velho, até que quase todos os alunos na sala caíram num estupor profundo, de que emergiam ocasionalmente o tempo suficiente de copiar um nome ou uma data e, em seguida, tornar a adormecer.
Estava falando havia meia hora quando aconteceu uma coisa que nunca acontecera antes.
Hermione levantou a mão.
O Profº. Binns ergueu os olhos no meio de um discurso mortalmente maçante sobre a Convenção Internacional de Bruxos de 1289 e fez uma cara surpresa.
— Senhorita... Ah...?
— Granger, professor. Eu gostaria de saber se o senhor poderia nos contar alguma coisa sobre a Câmara Secreta — pediu Mione com voz clara.
Dino Thomas, que estivera sentado com a boca aberta, espiando para fora da janela, acordou de repente do seu transe; a cabeça de Lilá Brown deitada sobre os braços se ergueu e o cotovelo de Neville Longbottom escorregou da carteira.
O Profº. Binns pestanejou.
— Minha matéria é História da Magia — disse ele naquela voz seca e asmática. — Lido com fatos, Srta. Granger, não com mitos nem com lendas. — Ele pigarreou fazendo um barulhinho como o de um giz que se parte e continuou. — Em setembro daquele ano, um subcomitê de bruxos sardos...
O professor gaguejou antes de parar. A mão de Mione estava outra vez no ar.
— Srta. Granger?
— Por favor, professor, as lendas não se baseiam sempre em fatos?
O Profº. Binns olhou-a com tal espanto, que Harry teve certeza de que nenhum aluno vivo ou morto, jamais o interrompera antes.
— Bem — disse o Profº. Binns lentamente —, é um argumento válido, suponho. — Ele estudou Mione como se nunca antes tivesse olhado direito para um aluno. — Contudo, a lenda de que a senhorita fala é tão sensacionalista e até tão absurda que...
A classe inteira ficou pendurada em cada palavra que o professor dizia. Ele correu um olhar míope por todos, rosto por rosto virado em sua direção. Harry percebeu que ele estava completamente desconcertado por aquela manifestação incomum de interesse.
— Ah, muito bem — disse vagarosamente. — Vejamos... A Câmara Secreta...
— Os senhores todos sabem, é claro, que Hogwarts foi fundada há mais de mil anos... a data exata é incerta... pelos quatro maiores bruxos e bruxas da época. As quatro casas da escola foram batizadas em homenagem a eles: Godric Gryffindor, Helga Hufflepuff, Rowena Ravenclaw e Salazar Slytherin. Eles construíram este castelo juntos, longe dos olhares curiosos dos trouxas, porque era uma época em que a magia era temida pelas pessoas comuns, e os bruxos e bruxas sofriam muitas perseguições.
Ele fez uma pausa, percorreu a sala com os olhos lacrimejantes e continuou:
— Durante alguns anos, os fundadores trabalharam juntos, em harmonia, procurando jovens que revelassem sinais de talento em magia e trazendo-os para serem educados no castelo. Mas então surgiram os desentendimentos. Ocorreu uma cisão entre Slytherin e os outros. Slytherin queria ser mais seletivo com relação aos estudantes admitidos. Ele acreditava que o aprendizado de magia devia ser mantido no âmbito das famílias inteiramente mágicas. Desagradava-lhe admitir alunos de pais trouxas, pois os achava pouco dignos de confiança. Passado algum tempo houve uma séria discussão sobre o assunto entre Slytherin e Gryfflndor, e Slytherin abandonou a escola.
O Profº. Binns parou de novo, contraindo os lábios, parecendo uma velha tartaruga enrugada.
— É o que nos contam as fontes históricas confiáveis. Mas estes fatos honestos foram obscurecidos pela lenda fantasiosa da Câmara Secreta. Segundo ela, Slytherin construiu uma câmara secreta no castelo, da qual os outros nada sabiam. Slytherin teria selado a Câmara Secreta de modo que ninguém pudesse abri-la até que o seu legítimo herdeiro chegasse à escola. Somente o herdeiro seria capaz de abrir a Câmara Secreta, libertar o horror que ela encerrava e usá-lo para expurgar a escola de todos que não fossem dignos de estudar magia.
Fez-se silêncio quando ele acabou de contar a história, mas não foi o de sempre, o silêncio modorrento que dominava as aulas do Profº. Binns. Havia no ar um certo constrangimento enquanto todos continuavam a olhá-lo, esperando mais. O Profº. Binns fez um ar ligeiramente aborrecido.
— A história inteira é um perfeito absurdo, é claro. Naturalmente, a escola foi revistada à procura de provas da existência dessa câmara, muitas vezes, pelos bruxos e bruxas mais cultos. Ela não existe. Uma história contada para assustar os crédulos.
A mão de Mione voltou a se erguer.
— Professor... O que foi exatamente que o senhor quis dizer com "o horror que a câmara encerra"?
— Acredita-se que haja algum tipo de monstro, que somente o herdeiro de Slytherin pode controlar — respondeu o Profº. Binns com sua voz seca e esganiçada.
Os alunos trocaram olhares nervosos.
— Afirmo que a coisa não existe — disse ele folheando suas anotações. — Não há Câmara alguma e monstro algum.
— Mas, professor — perguntou Simas Finnigan —, se a Câmara só pode ser aberta pelo verdadeiro herdeiro de Slytherin, ninguém mais seria capaz de encontrá-la, não é?
— Bobagem, Flaherty — disse o Profº. Binns, num tom irritado. — Se uma longa sucessão de diretores e diretoras de Hogwarts não encontraram a coisa...
— Mas, professor — ouviu-se a voz fina de Parvati Patil —, a pessoa provavelmente terá de usar Magia Negra para abri-la...
— Só porque um bruxo não usa Magia Negra não significa que não possa, senhorita Pennyfeather — retrucou oProfº. Binns. — Eu repito, se uma pessoa como Dumbledore...
— Mas talvez a pessoa tenha que ser parente de Slytherin, por isso Dumbledore não poderia... — começou Dino Thomas, mas para o professor aquilo já era demais.
— Basta — disse com rispidez. — É um mito! Não existe! Não há a mínima prova de que Slytherin tenha algum dia construído sequer um armário secreto de vassouras! Arrependo-me de ter contado aos senhores uma história tão tola. Vamos voltar, façam-me o favor, à história, aos fatos sólidos, criveis e verificáveis!
E em cinco minutos a classe voltara a mergulhar em seu torpor habitual.
— Eu sempre soube que Salazar Slytherin era um velho maluco e tortuoso — contou Rony a Harry e Mione enquanto tentavam passar pelo corredor apinhado de alunos ao fim das aulas, para guardarem as mochilas antes do jantar — Mas não sabia que ele é quem tinha começado toda essa história de puro sangue. Eu não ficaria na casa dele nem que me pagassem. Francamente, se o Chapéu Seletor tivesse tentado me mandar para Sonserina, eu teria tomado o trem de volta para casa...
Mione concordou fervorosamente, mas Harry não disse nada. Sentira o estômago afundar e o comentário lhe causara mal estar.
Harry nunca contara a Rony e Mione que o Chapéu Seletor considerara seriamente mandá-lo para Sonserina. Ainda lembrava, como se fosse ontem, a vozinha que lhe falara ao ouvido quando no ano anterior ele colocara o chapéu na cabeça:
“Você poderá ser grande, sabe, está tudo aí em sua cabeça, e Sonserina o ajudaria a galgar o caminho para a grandeza, não há dúvida...”
Mas Harry, que já ouvira falar da reputação que tinha Sonserina de produzir bruxos das trevas, pensou desesperado:
"Sonserina, não!" e o chapéu lhe respondera: "Bom, se você tem certeza... então é melhor Grifinória...”
Enquanto se deslocavam pela multidão, Colin Creevey passou.
— Oi, Harry!
— Olá, Colin — respondeu Harry automaticamente.
— Harry, Harry, um garoto da minha classe anda dizendo que você...
Mas Colin era tão pequeno que não conseguiu resistir à maré de gente que o empurrava em direção ao Salão Principal; eles ouviram sua voz pequenininha:
— Vejo você depois, Harry! — e desapareceu.
— O que será que um garoto da classe dele anda dizendo de você? — perguntou Mione.
— Que sou o herdeiro de Slytherin, imagino — disse Harry, o estômago afundando mais uns dois centímetros e ele, de repente, lembrou-se de Justino Finch-Fletchey fugindo dele na hora do almoço.
— O pessoal daqui acredita em qualquer coisa — disse Rony desgostoso.
A multidão foi-se esgarçando e eles puderam subir a escada seguinte sem dificuldade.
— Você naturalmente acha que existe uma Câmara Secreta? — perguntou Rony a Mione.
— Não sei — respondeu ela franzindo a testa. — Dumbledore não conseguiu curar Madame Nor-r-ra, e isto me faz pensar que aquilo que a atacou talvez não fosse... Bem... Humano.
Ao falar, eles dobraram um canto e se viram no fim do mesmíssimo corredor em que ocorrera o ataque. Pararam e olharam. A cena era exatamente a daquela noite, exceto que não havia nenhum gato duro pendurado no porta-archote, e havia uma cadeira encostada na parede em que se lia a mensagem "A Câmara Secreta foi Aberta".
— É onde Filch tem estado de guarda — murmurou Rony.
Eles se entreolharam. O corredor estava deserto.
— Não faria mal algum dar uma espiada por aí — disse Harry, largando a mochila e ficando de quatro de modo a poder engatinhar à procura de pistas.
— Marcas de fogo! — disse. — Aqui... E aqui...
— Venham só dar uma espiada nisso! — chamou Mione. — Que coisa engraçada...
Harry se levantou e foi até a janela junto à mensagem na parede. Mione estava apontando o caixilho superior da janela, onde havia umas vinte aranhas correndo e brigando para entrar em uma pequena fenda. Um fio longo e prateado estava pendurado como uma corda, como se todas o tivessem usado na pressa de sair.
— Vocês já viram aranhas se comportarem assim? — perguntou Mione pensativa.
— Não — disse Harry —, e você, Rony? Rony?
Ele olhou por cima do ombro. Rony estava parado bem longe e parecia lutar contra o impulso de correr.
— Que aconteceu?— perguntou Harry.
— Eu... Não... Gosto... De aranhas — disse Rony muito tenso.
— Eu nunca soube disso — comentou Mione, olhando para Rony surpresa. — Você usou aranhas na aula de Poções um monte de vezes...
— Não me importo quando estão mortas — explicou Rony, que tomava o cuidado de olhar para todo lado menos para a janela. — Não gosto do jeito como elas andam...
Hermione riu.
— Não tem graça — disse Rony, furioso. — Se precisa mesmo saber, quando eu tinha três anos, Fred transformou o meu... Meu ursinho numa enorme aranha nojenta porque eu quebrei a vassoura de brinquedo dele... Você também detestaria aranhas se estivesse segurando um urso e de repente ele ganhasse um monte de pernas e...
Ele estremeceu, sem terminar a frase. Mione continuava obviamente a fazer força para não rir. Harry, achando que era melhor mudarem de assunto, disse:
— Vocês se lembram daquela água toda no chão? De onde terá vindo? Alguém a enxugou.
— Estava mais ou menos por aqui — disse Rony, recobrando-se para andar até um pouco além da cadeira de Filch e apontar.
— Na altura desta porta.
Ele levou a mão à maçaneta de latão, mas, de repente, puxou a mão como se tivesse se queimado.
— Que foi? — perguntou Harry.
— Não posso entrar aí — explicou impaciente. — É o banheiro das garotas.
— Ah, Rony, não vai ter ninguém ai — disse Mione, ficando em pé e se aproximando. — É o lugar da Murta Que Geme. Vamos, vamos dar uma olhada.
E desconsiderando o grande aviso de INTERDITADO, ela abriu a porta.
Era o banheiro mais escuro, mais deprimente em que Harry já entrara. O piso estava molhado e refletia a luz fraca dos tocos de vela que brilhavam nos castiçais: as portas de madeira dos boxes estavam descascadas e arranhadas e uma delas se soltara das dobradiças.
Mione levou o dedo aos lábios e se encaminhou para o último boxe. Ao chegar, disse:
— Olá, Murta, como vai?
Harry e Rony foram olhar. A Murta Que Geme estava flutuando acima da caixa de descarga do vaso, cutucando uma manchinha no queixo.
— Isto aqui é um banheiro de garotas — disse ela, olhando desconfiada para Rony e Harry. — Eles não são garotas.
— Não — concordou Mione. — Eu só queria mostrar a eles como... Ah... É bonitinho aqui.
Ela fez um gesto vago indicando o velho espelho sujo e o piso molhado.
— Pergunte a ela se viu alguma coisa — pediu Harry disfarçando.
— Que é que você está cochichando? — perguntou Murta, encarando-o.
— Nada — disse Harry depressa. — Queríamos perguntar...
— Eu gostaria que as pessoas parassem de falar às minhas costas! — disse Murta numa voz engasgada de choro. — Eu tenho sentimentos, sabe, mesmo que morta...
— Murta, ninguém quer aborrecê-la — disse Mione. — Harry só...
— Ninguém quer me aborrecer! Essa é boa! — uivou Murta.
— Minha vida foi uma infelicidade só neste lugar, e agora as pessoas aparecem para estragar a minha morte!
— Nós queríamos perguntar se você viu alguma coisa esquisita ultimamente — falou Mione depressa. — Porque uma gata foi atacada bem ali na porta de entrada, no Dia das Bruxas.
— Você viu alguém por aqui naquela noite? — perguntou Harry.
— Eu não estava prestando atenção — respondeu a Murta teatralmente. — Pirraça me aborreceu tanto que entrei aqui e tentei me matar. Depois, é claro, lembrei-me que já estou... Que estou...
— Morta — disse Rony querendo ajudar.
Murta soltou um soluço trágico, subiu no ar, deu uma cambalhota e mergulhou de cabeça no vaso, espalhando água neles e desaparecendo de vista, embora pela direção dos seus soluços abafados, devesse ter ido pousar em algum ponto da curva em U.
Harry e Rony ficaram boquiabertos, mas Mione deu de ombros cansada e disse:
— Francamente, vindo da Murta isto foi quase animador... Vamos, vamos embora.
Harry mal fechara aporta, abafando os soluços gargarejantes de Murta, quando uma voz alta fez os três darem um salto.
— RONY!
Percy Weasley tinha estacado de repente no alto da escada, a insígnia de monitor reluzindo e uma expressão de absoluto choque no rosto.
— Isto é um banheiro de garotas! Que é que você...?
— Só estava dando uma olhada — Rony sacudiu os ombros.
— Pistas, sabe...
Percy inchou de um jeito que lembrou a Harry, com eloqüência, a Sra. Weasley.
— Suma... Daqui... — disse Percy, caminhando em direção a eles e começando a afugentá-los, agitando os braços. — Vocês não se importam com o que isto parece? Voltarem aqui enquanto todos estão jantando...
— Por que não deveríamos estar aqui? — retrucou Rony exaltado, parando de repente para encarar Percy. — Olhe aqui, nunca pusemos um dedo naquela gata!
— Foi o que eu disse a Gina — respondeu Percy com ferocidade —, mas ainda assim ela parece pensar que você vai ser expulso, nunca a vi tão perturbada, chorando de se acabar, você poderia pensar nela, todos os alunos de primeiro ano estão excitadíssimos com essa história...
— Você nem se importa com a Gina — disse Rony, cujas orelhas agora estavam vermelhas. — Você só está preocupado que eu estrague suas chances de se tornar monitor-chefe...
— Cinco pontos a menos para a Grifinória! — disse Percy concisa e autoritariamente, levando a mão à insígnia de monitor.
— E espero que isto seja uma lição para vocês! Nada de trabalho de detetive ou vou escrever para a mamãe!
E saiu a passos firmes, a nuca tão vermelha quanto as orelhas de Rony.
Àquela noite, Harry, Rony e Mione escolheram poltronas na sala comunal o mais afastado possível de Percy. Rony continuava de muito mau humor e não parava de borrar com a pena o dever de Feitiços. Quando ele esticou a mão distraidamente para remover os borrões, ela tocou fogo no pergaminho. Fumegando quase tanto quanto o seu dever, Rony fechou com estrondo O Livro Padrão de Feitiços, 2ª série. Para surpresa de Harry Mione fez o mesmo.
— Mas quem é que pode ser? — perguntou ela baixinho, como se estivesse continuando uma conversa já iniciada. — Quem iria querer afugentar todos os abortos e trouxas de Hogwarts?
— Vamos pensar — disse Rony fingindo-se intrigado. — Quem é que conhecemos que acha que os que nascem trouxas são escória?
Ele olhou para Mione. Mione retribuiu o olhar sem se convencer.
— Se você está pensando no Draco...
— Claro que estou! — exclamou Rony. — Você ouviu quando ele disse: "Você será o próximo, Sangue Ruim!", vem cá, a gente só precisa olhar para aquela cara nojenta de rato para saber que é de...
— Draco, o herdeiro de Slytherin? — disse Mione cética.
— Olha só a família dele — disse Harry, fechando os livros também. — Todos foram da Sonserina; ele está sempre se gabando disso. Podiam muito bem ser descendentes de Slytherin. O pai dele decididamente é bem malvado.
— Eles poderiam ter guardado a chave para a Câmara Secreta durante séculos! — disse Rony. — Passando-a de pai para filho...
— Bem — disse Mione, cautelosa —, suponhamos que seja possível...
— Mas como vamos provar isso? — disse Harry deprimido.
— Talvez haja um jeito — disse Mione pausadamente, baixando a voz ainda mais e lançando um breve olhar a Percy do outro lado da sala. — Claro que seria difícil. E perigoso, muito perigoso. Estaríamos desrespeitando umas cinqüenta normas da escola, acho...
— Se, dentro de mais ou menos um mês, você tiver vontade de explicar, você nos avisa, não é? — disse Rony, irritado.
— Muito bem — disse Mione friamente. — O que precisamos é entrar na sala comunal da Sonserina e fazer umas perguntas a Draco, sem ele perceber que somos nós.
— Mas isto é impossível — exclamou Harry enquanto Rony dava risada.
— Não, não é — disse Mione. — Só precisaríamos de um pouco de Poção Polissuco.
— Que é isso? — indagaram Rony e Harry juntos.
— Snape mencionou essa poção na aula há umas semanas...
— Você acha que não temos nada melhor a fazer na aula de Poções do que prestar atenção a Snape? — resmungou Rony.
— Ela transforma você em outra pessoa. Pense só nisso! Poderíamos nos transformar em alunos da Sonserina. Ninguém saberia que somos nós. Draco provavelmente nos contaria qualquer coisa. Provavelmente anda se gabando disso na sala comunal da Sonserina neste instante, se ao menos pudéssemos ouvi-lo.
— Essa história de Polissuco me parece meio suspeita — disse Rony, franzindo a testa. — E se a gente acabasse parecendo três alunos da Sonserina para sempre?
— Sai depois de algum tempo — disse Mione, fazendo um gesto de impaciência. — Mas conseguir arranjar a receita vai ser muito difícil. Snape falou que estava em um livro chamado Pociones Muy Potentes e vai ver está na Seção Reservada da biblioteca.
Só havia um jeito de retirar um livro da Seção Reservada: O aluno precisava de uma permissão escrita do professor.
— Vai ser difícil entender por que queremos o livro — disse Rony —, se não temos intenção de preparar uma das poções.
— Acho — disse Mione — que se fizermos parecer que só estamos interessados na teoria, talvez haja uma chance...
— Ah, qual é, nenhum professor vai cair nessa — disse Rony.
— Teria que ser muito tapado...