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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 21
— Você não vai achar nada aí — disse Hermione com firmeza, já tarde, no domingo à noite.
— Não começa, Hermione. Se não fosse o Príncipe, Rony não estaria sentado aqui agora.
— Estaria, se você tivesse prestado atenção ao Snape no primeiro ano — retrucou Hermione conclusivamente.
Harry ignorou-a. Acabara de encontrar um encantamento (Sectumsempra!) escrito à margem, acima da surpreendente frase “Para os inimigos”, e ficou em cócegas para experimentá-lo, mas achou melhor não fazê-lo na frente de Hermione. Então, dobrou discretamente o canto da página.
Os três estavam sentados junto à lareira na sala comunal; além deles, as únicas pessoas acordadas eram outros sextanistas. Mais cedo, ocorrera certo alvoroço quando voltavam do jantar e encontraram um novo aviso no quadro, marcando a data para o teste de Aparatação. Os que completassem dezessete anos até a data do primeiro teste, inclusive, vinte e um de abril, poderiam se inscrever para aulas práticas suplementares, que teriam lugar (sob rigorosa supervisão) em Hogsmeade.
Rony entrara em pânico ao ler o aviso: ainda não conseguira aparatar, e temia que não estivesse pronto para o teste. Hermione, que até então já conseguira aparatar duas vezes, sentia-se um pouco mais confiante, mas Harry, que só completaria dezessete anos em quatro meses, não poderia fazer o teste, quer estivesse pronto ou não.
— Mas pelo menos você consegue aparatar! — exclamou Rony tenso. — Não terá problema em julho!
— Só consegui uma vez — lembrou Harry; ele finalmente desaparecera e reaparecera dentro do aro uma vez na aula anterior.
Depois de ter gasto um bom tempo comentando suas preocupações em voz alta, Rony agora se empenhava em terminar um trabalho barbaramente difícil passado por Snape, que Harry e Hermione já haviam concluído. Harry tinha plena certeza de que receberia uma nota baixa, porque discordara de Snape quanto à melhor maneira de enfrentar dementadores, mas nem ligava: no momento, a lembrança de Slughorn era o mais importante.
— Estou dizendo que esse Príncipe idiota não vai ajudar você Harry! — falou Hermione em voz mais alta. — Só tem uma maneira de forçar alguém a fazer o que a gente quer, é a Maldição Imperius, que é ilegal...
— É, eu sei, obrigado — disse Harry, sem tirar os olhos do livro. — É por isso que estou procurando alguma coisa diferente. Dumbledore diz que o Veritaserum não resolve, mas talvez haja outra coisa, uma poção ou um feitiço...
— Você está abordando o problema pelo ângulo errado — explicou Hermione. — Dumbledore diz que somente você pode obter a lembrança. Isto deve significar que você pode persuadir Slughorn enquanto as outras pessoas não. Não é uma questão de dar a ele uma poção, pois qualquer um poderia fazer isso...
— Como é que se escreve “beligerante”? — perguntou Rony, sacudindo com força sua pena sem tirar os olhos do seu pergaminho. — Não pode ser B-U-M.
— Não, não é — respondeu Hermione, puxando para perto o trabalho de Rony. — E “augúrio” também não começa com O-R-G. Que tipo de pena você está usando?
— Uma das Penas Auto-Revisoras de Fred e Jorge... mas acho que o feitiço deve estar enfraquecendo...
— Talvez — disse Hermione, apontando para o título do trabalho —, porque o trabalho era descrever como enfrentaríamos dementadores e não “cava-charcos”, e também não me lembro de você ter mudado seu nome para “Roonil Wazlib”.
— Ah, não! — exclamou Rony, olhando horrorizado para o pergaminho. — Não me diga que vou ter de escrever tudo de novo!
— Não esquenta, a gente pode dar um jeito — disse Hermione, trazendo o trabalho para mais perto e tirando a varinha.
— Adoro você, Hermione — disse Rony, recostando-se na poltrona e esfregando os olhos, cansado.
Hermione ficou ligeiramente rosada, mas respondeu apenas:
— Não deixe a Lilá ouvir você dizendo isso.
— Não deixarei — falou ele, cobrindo a boca com as mãos. — Ou talvez deixe... aí ela me dá o fora...
— Por que você não dá o fora nela, se quer terminar? — indagou Harry.
— Você nunca terminou com ninguém, não é? — replicou Rony. — Você e Cho simplesmente...
— Meio que nos afastamos, sei — concordou Harry.
— Eu gostaria que isso acontecesse comigo e a Lilá — disse Rony sombriamente, enquanto observava Hermione tocar com a ponta da varinha cada uma das palavras erradas, fazendo com que se corrigissem. — Mas quanto mais insinuo que quero terminar, mais ela se agarra em mim. É como se eu estivesse namorando a lula-gigante.
— Pronto — disse Hermione, uns vinte minutos depois, devolvendo o trabalho de Rony.
— Valeu. Me empresta a sua pena para eu escrever a conclusão?
Harry, que até então não encontrara nada que lhe servisse nas anotações do Príncipe Mestiço, correu os olhos pela sala; agora só restavam os três ali, Simas tinha acabado de subir, xingando Snape e o trabalho. Os únicos ruídos eram as chamas crepitando e Rony arranhando o último parágrafo sobre os dementadores, com a pena de Hermione. Harry tinha acabado de fechar o livro do Príncipe Mestiço com um bocejo quando...
Craque.
Hermione soltou um gritinho; Rony respingou tinta por todo o pergaminho e Harry exclamou:
— Monstro!
O elfo doméstico fez uma profunda reverência e falou, encarando os próprios pés nodosos:
— O senhor disse que queria relatórios regulares sobre o que o garoto Malfoy está fazendo, por isso Monstro veio apresentar...
Craque.
Dobby apareceu ao lado de Monstro, o abafador de chá enviesado na cabeça.
— Dobby esteve ajudando também, Harry Potter! — guinchou, lançando a Monstro um olhar rancoroso. — E Monstro deve avisar a Dobby quando vem ver Harry Potter para podermos fazer os relatórios juntos!
— Que é isso? — perguntou Hermione ainda assustada com as repentinas aparições. — Que está acontecendo, Harry?
Ele hesitou antes de responder, porque não contara à amiga que mandara Monstro e Dobby seguirem Malfoy; elfos domésticos eram sempre um assunto muito melindroso com Hermione.
— Bem... eles estão seguindo Malfoy para mim — respondeu ele.
— Dia e noite — crocitou Monstro.
— Dobby não dorme há uma semana, Harry Potter! — informou Dobby com orgulho, balançando o corpo.
Hermione mostrou-se indignada.
— Você não tem dormido, Dobby? Mas, Harry, com certeza você não disse a ele para não...
— Não, é claro que não disse. Dobby, você pode dormir, certo? Mas algum de vocês descobriu alguma coisa? — apressou-se a perguntar antes que Hermione pudesse intervir novamente.
— O senhor Malfoy anda com uma nobreza que condiz com o seu sangue puro — crocitou imediatamente Monstro. — As feições dele lembram a ossatura delicada da minha senhora, e suas maneiras são as de...
— Draco Malfoy é um garoto mau! — esganiçou-se Dobby enraivecido. — Um garoto mau que... que...
Ele estremeceu da borla do abafador de chá às pontas das meias e correu para a lareira, como se quisesse mergulhar nela; Harry, pego de surpresa, agarrou-o pela cintura e segurou-o firme. Durante alguns segundos Dobby se debateu e, em seguida, afrouxou o corpo.
— Obrigado, Harry Potter — ofegou o elfo. — Dobby ainda acha difícil falar mal dos seus antigos senhores...
Harry soltou-o; Dobby endireitou o abafador de chá e desafiou Monstro:
— Mas o Monstro devia saber que Draco Malfoy não é um bom senhor para um elfo doméstico!
— É, não precisamos ouvir você falar de sua paixão pelo Malfoy — disse Harry a Monstro. — Vamos passar adiante e falar sobre o que ele anda realmente fazendo.
Monstro tornou a se curvar, furioso e relatou:
— O senhor Malfoy come no Salão Principal, dorme no dormitório nas masmorras, assiste às aulas sobre vários...
— Dobby, me informe você — ordenou Harry, interrompendo o Monstro. — Ele tem ido a algum lugar aonde não deveria ir?
— Harry Potter, senhor — guinchou Dobby, seus enormes olhos redondos refletindo a luz das chamas —, o rapaz Malfoy não está desrespeitando nenhuma regra que Dobby conheça, mas continua procurando evitar que o vejam. Tem feito visitas freqüentes ao sétimo andar com uma variedade de estudantes que ficam vigiando enquanto ele entra...
— Na Sala Precisa! — exclamou Harry, dando uma forte pancada na testa com oEstudos avançados no preparo de poções. Hermione e Rony olharam-no espantados. — É aonde ele tem ido! É lá que está fazendo... seja lá o que for! E aposto que é por isso que vive desaparecendo do mapa: pensando bem, nunca vi a Sala Precisa lá!
— Vai ver os Marotos nunca souberam que a sala existia — disse Rony.
— Acho que deve fazer parte da magia da Sala — comentou Hermione. — Se você quer que não seja localizável, então não será.
— Dobby, você conseguiu entrar para ver o que Malfoy está fazendo? — perguntou Harry ansioso.
— Não, Harry Potter, isto é impossível.
— Não, não é — respondeu Harry imediatamente. — Malfoy entrou na nossa sede no ano passado, então posso entrar e espioná-lo também, sem problema.
— Mas acho que você não vai poder, Harry — disse Hermione lentamente. — Malfoy sabia exatamente para que usávamos a Sala, não é, porque a burra da Marieta deu com a língua nos dentes. Ele precisou que a Sala se transformasse na sede da AD, e isto aconteceu. Mas você não sabe em que se transforma a Sala quando Malfoy entra lá, então não vai poder pedir que a Sala se transforme.
— Encontrarei um jeito de contornar isso — respondeu Harry, sem fazer caso. — Você foi genial, Dobby.
— O Monstro também se saiu bem — aparteou Hermione gentilmente; mas longe de demonstrar gratidão, Monstro desviou seus enormes olhos injetados e crocitou para o teto:
— A Sangue-Ruim está falando com o Monstro, o Monstro vai fingir que é surdo...
— Cai fora — mandou Harry com rispidez, e Monstro fez uma última reverência profunda e desaparatou. — É melhor você ir dormir um pouco também, Dobby.
— Obrigado, Harry Potter, senhor! — Dobby guinchou feliz e também sumiu.
— Que acham disso? — perguntou Harry entusiasmado, virando-se para Rony e Hermione no instante em que se livraram dos elfos. — Sabemos aonde Malfoy está indo! Agora nós o encurralamos!
— É, legal — respondeu Rony mal-humorado, tentando enxugar a papa de tinta em cima do que fora, até alguns instantes, um dever de casa quase concluído. Hermione puxou o pergaminho e começou a aspirar a tinta com a varinha.
— Mas que história é essa do Malfoy subir com uma “variedade de estudantes”? — perguntou Hermione. — Quantas pessoas estão sabendo do que acontece? Ninguém imaginaria que ele fosse confiar o que faz a tanta gente...
— É, é esquisito — concordou Harry, franzindo a testa. — Ouvi Malfoy dizendo ao Crabbe que não era da conta dele o que estava fazendo... então o que está dizendo a todos esses... todos esses...
A voz de Harry foi morrendo; ele olhava fixamente para as chamas.
— Deus, que burrice a minha — comentou baixinho. — E óbvio, não é? Tinha um grande barril de poção lá embaixo na masmorra... ele pode ter afanado um pouco durante a aula...
— Afanado o quê? — perguntou Rony.
— Poção Polissuco. Ele roubou um pouco da Poção Polissuco que Slughorn nos mostrou na primeira aula... não tem uma variedade de estudantes montando guarda para Malfoy... É só o Crabbe e o Goyle, como sempre... é, agora tudo se encaixa! — exclamou Harry se levantando de um salto e começando a caminhar de lá para cá diante da lareira. — Eles são suficientemente burros para fazer o que são mandados fazer, mesmo que Malfoy não conte a eles do que se trata... mas, como não quer que sejam vistos rondando a Sala Precisa, fez os dois tomarem a Poção Polissuco para parecerem outras pessoas... aquelas duas garotas que vi com Malfoy quando ele faltou à partida de quadribol: ah! Crabbe e Goyle!
— Você quer dizer — falou Hermione baixinho —, que aquela garotinha da balança que eu consertei...?
— É, claro! — confirmou Harry em voz alta, olhando para a amiga. — Óbvio! Malfoy devia estar dentro da Sala naquele momento, então ela... que foi que eu disse?... ele deixou cair a balança avisando a Malfoy para não sair, porque tinha gente ali! E teve também a outra garota que largou no chão as ovas de sapo. Passamos por eles o tempo todo sem perceber!
— Ele está obrigando Crabbe e Goyle a se transformarem em garotas? — perguntou Rony às gargalhadas. — Caramba... não admira que eles não andem nada felizes ultimamente... Fico surpreso que não mandem o Malfoy tomar...
— Bem, eles não mandariam, não é, se Malfoy tiver mostrado a Marca Negra que tem — lembrou Harry.
— A Marca Negra que não sabemos se existe — contrapôs Hermione, descrente, enrolando o trabalho de Rony antes que mais alguma coisa acontecesse, e devolvendo-o ao garoto.
— Veremos — disse Harry confiante.
— É, veremos — replicou Hermione levantando e se espreguiçando. — Mas, Harry, antes que você fique todo animado, continuo achando que não vai conseguir entrar na Sala Precisa se não souber primeiro o que tem lá dentro. E acho que você não devia esquecer — Hermione pôs a mochila no ombro e olhou muito séria para Harry — que você devia estar se concentrando em obter a lembrança do Slughorn. Boa-noite.
Harry observou Hermione se retirar, sentindo uma ligeira irritação. Quando a porta do dormitório das garotas se fechou, ele se virou para Rony.
— Que é que você acha?
— Que eu gostaria de desaparatar como um elfo doméstico — respondeu, olhando para o lugar em que Dobby sumira. — Aquele teste de Aparatação estaria no papo.
Harry não dormiu bem aquela noite. Teve a sensação de ficar acordado horas, imaginando para que Malfoy estaria usando a Sala Precisa e o que ele, Harry, veria quando entrasse lá no dia seguinte, porque, a despeito do que Hermione dissera, era certo que, se Malfoy pudera ver a sede da AD, ele também poderia ver a sala de Malfoy... e seria o quê? Um local de encontro? Um esconderijo? Um depósito? Uma oficina? A mente de Harry trabalhou febrilmente, e seus sonhos, quando ele finalmente adormeceu, foram interrompidos e perturbados por imagens de Malfoy, que se transformava em Slughorn, que se transformava em Snape...
Harry estava num estado de grande ansiedade no café da manhã seguinte; tinha um período livre antes de Defesa contra as Artes das Trevas e estava decidido a usá-lo para tentar entrar na Sala Precisa. Hermione mostrava ostensivo desinteresse por seus cochichos sobre os planos para arrombar a Sala Precisa, o que o irritou, porque Harry achava que ela poderia ajudar muito, se quisesse.
— Olhe — disse ele baixinho, inclinando-se para frente e pondo a mão no Profeta Diário que ela acabara de tirar de uma coruja-correio, procurando impedir que Hermione o abrisse e desaparecesse atrás dele. — Não esqueci o Slughorn, mas não faço idéia de como vou obter aquela lembrança e, até que me ocorra uma tempestade cerebral, por que não posso descobrir o que Malfoy está fazendo?
— Já lhe disse, você precisa persuadir Slughorn. Não é uma questão de induzir ou enfeitiçar o professor, ou Dumbledore poderia ter feito isso em um segundo. Em vez de ficar rondando a Sala Precisa — ela puxou o Profeta que Harry segurava e abriu-o para olhar a primeira página —, você deveria procurar o Slughorn e começar a apelar para os bons instintos dele.
— Alguém que conhecemos...? — perguntou Rony, enquanto Hermione passava os olhos pelas manchetes.
— Sim! — exclamou Hermione fazendo Harry e Rony se engasgarem com a comida —, mas está tudo bem, ele não morreu: é sobre o Mundungo, ele foi preso e mandado para Azkaban! Parece que andou fingindo ser morto-vivo em uma tentativa de arrombamento... e alguém chamado Otávio Pepper desapareceu... ah, que coisa horrível, um garoto de nove anos foi preso por tentar matar os avós, acham que ele estava dominado pela Maldição Imperius...
Eles terminaram o café da manhã em silêncio. Hermione seguiu imediatamente para a aula de Runas Antigas, Rony, para a sala comunal, onde ainda precisava redigir a conclusão do trabalho sobre dementadores para Snape, e, Harry, para o corredor do sétimo andar e o trecho de parede defronte à tapeçaria de Barnabás, o Amalucado ensinando balé a trasgos.
Harry cobriu-se com a Capa da Invisibilidade quando encontrou um corredor vazio, mas não precisava ter se preocupado. Quando chegou ao destino, não havia ninguém. Ficou em dúvida se suas chances de entrar na Sala seriam melhores com Malfoy dentro ou fora dela, mas pelo menos sua primeira tentativa não ia ser atrapalhada pela presença de Crabbe ou de Goyle travestidos de garotas de onze anos.
Ele fechou os olhos ao se aproximar do local onde se ocultava a porta da Sala Precisa. Sabia o que era necessário fazer; especializara-se nisso no ano anterior. Concentrando-se com todas as suas forças, pensou: Preciso ver o que Malfoy está fazendo aí dentro... Preciso ver o que Malfoy está fazendo aí dentro... Preciso ver o que Malfoy está fazendo aí dentro...
Três vezes ele passou pela porta, então, com o coração batendo forte de tanta excitação, ele abriu os olhos e olhou... mas continuou vendo uma comuníssima parede lisa.
Ele se aproximou e experimentou empurrá-la.
— O.k. — disse Harry em voz alta. — O.k... pensei a coisa errada...
Ele refletiu por um momento e, então, recomeçou de olhos fechados, concentrando-se o máximo possível. Preciso ver o lugar aonde Malfoy sempre vem secretamente... Depois de ir e vir três vezes, ele abriu os olhos, ansioso. Não havia porta alguma.
— Ah, pode parar — disse ele à parede, irritado. — Dei uma ordem bem clara... ótimo...
Ele se concentrou durante vários minutos antes de sair andando mais uma vez. Preciso que você se transforme no lugar que se transforma para Draco Malfoy...
Harry não abriu os olhos imediatamente ao terminar de ir e vir; apurou os ouvidos como se fosse possível ouvir a porta se materializar com um estalo. Mas não ouviu nada, exceto os pios distantes dos passarinhos lá fora. Abriu os olhos.
Continuava a não haver porta alguma.
Harry xingou. Alguém gritou. Ele se virou para olhar e viu um bando de calouros barulhentos voltando depressa para o corredor de onde vinham, aparentemente acreditando ter acabado de topar com um fantasma de boca muito suja.
Harry tentou todas as variações do “preciso ver o que Draco Malfoy está fazendo aí dentro” que lhe ocorreram em uma hora, ao fim da qual foi forçado a concordar que Hermione talvez estivesse certa: a Sala simplesmente não queria se abrir para ele. Frustrado e aborrecido, foi para a aula de Defesa contra as Artes das Trevas, tirando a Capa da Invisibilidade e enfiando-a na mochila durante o trajeto.
— Outra vez atrasado, Potter — disse Snape friamente, quando Harry entrou, apressado, na sala iluminada por velas. — Menos dez pontos para a Grifinória.
Harry amarrou a cara para o professor ao se atirar no assento ao lado de Rony; metade da turma ainda estava em pé, apanhando livros e se organizando; seu atraso não podia ser muito maior do que o dos outros colegas.
— Antes de começarmos, quero ver os seus trabalhos sobre dementadores — ordenou o professor, acenando displicentemente com a varinha e fazendo vinte e cinco pergaminhos levantarem vôo e aterrissar em uma pilha ordeira sobre sua escrivaninha. — E espero, em seu benefício, que estejam melhores do que o chorrilho que tive de ler sobre a resistência à Maldição Imperius. Agora, queiram abrir seus livros na página... que foi, Sr. Finnigan?
— Senhor — disse Simas —, como é que se pode diferenciar um morto-vivo ou Inferiusde um fantasma? Por que saiu no Profeta uma notícia sobre um Inferius...
— Não, não saiu — respondeu Snape entediado.
— Mas, senhor, ouvi comentários...
— Se o senhor tivesse lido realmente a notícia em questão, Sr. Finnigan, saberia que o assim chamado Inferius não passava de um ladrãozinho infecto chamado Mundungo Fletcher.
— Pensei que Snape e Mundungo estivessem do mesmo lado, não? — murmurou Harry para Rony e Hermione. — Ele não deveria estar aborrecido com a prisão de Mundungo...?
— Mas Potter parece ter muito a dizer sobre o assunto — falou Snape, apontando subitamente para o fundo da sala, seus olhos negros fixos em Harry. — Vamos perguntar a Potter como ele descreveria a diferença entre um morto-vivo e um fantasma.
A turma inteira se virou para Harry, que tentou rapidamente lembrar o que Dumbledore lhe dissera na noite em que tinham ido visitar Slughorn.
— Ah... bem... fantasmas são transparentes... — respondeu ele.
— Oh, muito bem — interrompeu-o Snape, encrespando desdenhosamente os lábios. — Sim, é fácil verificar que não desperdiçamos quase seis anos de estudos de magia com você, Potter. Fantasmas são transparentes.
Pansy Parkinson soltou uma risadinha aguda. Vários outros alunos sorriam debochados. Harry inspirou fundo e continuou calmamente, embora fervesse por dentro:
— Sim, fantasmas são transparentes, mas Inferi são corpos sem vida, certo? Então seriam sólidos...
— Uma criança de cinco anos poderia ter nos dito isso — zombou Snape. — Um Inferius é um morto que foi reanimado por meio de um feitiço das Trevas. Não está vivo, é meramente usado como uma marionete para cumprir as ordens do bruxo. Um fantasma, como espero que a esta altura todos saibam, é uma impressão deixada por um morto na terra... e é claro, como diz Potter tão sabiamente, é transparente.
— Bem, o que Harry disse é muito útil para diferenciarmos os dois! — comentou Rony. — Quando nos defrontarmos com uma aparição em um beco escuro, vamos olhar depressa para ver se é sólido, não é, não vamos perguntar: “Com licença, o senhor é uma impressão deixada por uma alma que partiu?”
Uma onda de risos percorreu a sala, mas foi imediatamente paralisada pelo olhar que Snape lançou à turma.
— Outros dez pontos a menos para a Grifinória — disse o professor. — Eu não esperaria nada mais sofisticado do senhor, Ronald Weasley, um rapaz tão sólido que é incapaz de aparatar dois centímetros em uma sala.
— Não! — sussurrou Hermione, agarrando Harry pelo braço, quando ele abriu a boca, enfurecido. — Não vale a pena, você vai acabar cumprindo mais uma detenção, deixa para lá!
— Agora abram os livros na página duzentos e treze — disse o professor com um sorrisinho — e leiam os primeiros dois parágrafos sobre a Maldição Cruciatus...
Rony ficou anormalmente quieto durante toda a aula. Quando por fim ouviram a sineta, Lilá alcançou Rony e Harry (Hermione sumira misteriosamente de vista à sua aproximação), e xingou Snape indignada por seu comentário maldoso sobre a Aparatação de Rony, mas, pelo visto, conseguiu apenas irritar o garoto, que se livrou dela entrando pelo banheiro masculino com Harry.
— Mas Snape tem razão, não é? — comentou Rony após se mirar em um espelho rachado por uns dois minutos. — Não sei se vale a pena fazer o teste. Simplesmente não consigo pegar o jeito da Aparatação.
— Seria bom você freqüentar as aulas suplementares em Hogsmeade e ver se faz algum progresso — sugeriu Harry sensatamente. — Pelo menos, será mais interessante do que tentar entrar em um arco ridículo. E, se mesmo assim você não estiver... sabe... tão bom quanto gostaria de estar, pode adiar o teste, fazer comigo no ver... Murta, isso é um banheiro de garotos!
O fantasma de uma menina tinha se erguido de um boxe às costas deles e agora flutuava no ar, encarando os dois através de seus óculos grossos, brancos e redondos.
— Ah — exclamou ela mal-humorada. — São vocês dois.
— Quem é que você estava esperando? — perguntou Rony, olhando-a pelo espelho.
— Ninguém — respondeu Murta, cutucando pensativa uma espinha no queixo. — Ele disse que voltaria para me ver, mas você também disse que daria uma passadinha para me visitar... — ela lançou a Harry um olhar de censura — ... e não vejo você há meses sem conta. Já aprendi a não esperar muita coisa dos garotos.
— Pensei que você morava naquele banheiro das meninas — disse Harry, que havia anos tomara o cuidado de dar bastante distância daquele lugar.
— Moro — respondeu Murta encolhendo os ombros, sentida —, mas isso não quer dizer que não possa visitar outros lugares. Eu vim uma vez e vi você tomando banho, se lembra?
— Como se fosse hoje.
— Mas pensei que ele gostava de mim — continuou a fantasma queixosa. — Quem sabe se vocês dois saíssem, ele voltaria... temos muito em comum... com certeza ele sentiu isso...
E ela olhou esperançosa para a porta.
— Quando diz que vocês têm muito em comum — perguntou Rony achando muita graça —, você quer dizer que ele também freqüenta o hospício?
— Não — protestou Murta em tom de desafio, que ecoou sonoramente pelo velho banheiro azulejado. — Quero dizer que ele é sensível, as pessoas implicam com ele também, e ele se sente solitário e não tem com quem conversar, e ele não tem medo de mostrar seus sentimentos e chorar!
— Esteve aqui um menino chorando? — perguntou Harry curioso. — Um garotinho?
— Não é da sua conta! — retrucou Murta, seus olhos miúdos e lacrimosos fixos em Rony, que agora não escondia o riso. — Prometi que não contaria a ninguém e vou levar o segredo dele para o...
— ... não para o túmulo, não é? — debochou ele, abafando uma risada. — Para a tubulação talvez...
Murta soltou um uivo de dor e tornou a mergulhar no vaso, fazendo a água transbordar no chão. Implicar com a fantasma pareceu ter dado a Rony um novo ânimo.
— Você tem razão — disse ele jogando a mochila sobre o ombro —, vou me inscrever nas aulas práticas de Hogsmeade e depois decidir se vou fazer o teste.
Assim, no fim de semana seguinte, Rony se reuniu a Hermione e aos outros sextanistas que completariam dezessete anos em tempo de fazer o teste dali a quinze dias. Harry sentiu certa inveja de vê-los se aprontar para ir a Hogsmeade; sentia falta dos passeios até a aldeia, e fazia um dia particularmente belo de primavera, um dos primeiros de céu claro nos últimos tempos. Ele resolvera, no entanto, aproveitar o tempo para tentar mais um assalto à Sala Precisa.
— Você faria melhor — retrucou Hermione quando o amigo confessou sua idéia a ela e Rony no Saguão de Entrada — se fosse direto ao escritório de Slughorn e tentasse obter a lembrança.
— Estou tentando! — defendeu-se Harry irritado, porque era a absoluta verdade. No fim de cada aula de Poções daquela semana demorara-se na masmorra tentando encurralar Slughorn, mas o professor sempre saía tão rápido que Harry não conseguia alcançá-lo. Duas vezes Harry fora ao seu escritório e batera na porta, mas não recebera resposta, embora na segunda vez ele tivesse certeza de que ouvira o som de um velho gramofone, em seguida abafado. — Ele não quer falar comigo, Hermione! Já percebeu que andei tentando ficar a sós com ele e não vai deixar que isto aconteça!
— Bem, você vai ter de continuar insistindo, não é mesmo?
A pequena fila de alunos aguardando passar por Filch, que fazia o seu costumeiro número de cutucar todo o mundo com o Sensor de Segredos, avançou alguns passos, e Harry não respondeu para evitar que o zelador o ouvisse. Desejou boa sorte a Rony e Hermione, então se virou para subir a escadaria de mármore, decidido, apesar dos conselhos de Hermione, a dedicar umas duas horas à Sala Precisa.
Uma vez longe do Saguão de Entrada, Harry apanhou o Mapa do Maroto e a sua Capa da Invisibilidade na mochila. Ocultando-se, deu um toque de varinha no mapa e murmurou: “Juro solenemente que não pretendo fazer nada de bom”, e examinou-o com atenção.
Por ser domingo de manhã, quase todos os alunos estavam em suas salas comunais, os da Grifinória em uma torre, os da Corvinal em outra, os da Sonserina nas masmorras e os da Lufa-Lufa no porão próximo às cozinhas. Aqui e ali, uma pessoa andava pela biblioteca ou por um corredor... havia pouca gente nos jardins... e ali, sozinho no corredor do sétimo andar, estava Gregório Goyle. Não havia sinal da Sala Precisa, mas Harry não estava preocupado com isto; se Goyle estava montando guarda, a sala estava aberta, quer o mapa registrasse o fato ou não. Ele, portanto, subiu correndo as escadas e só diminuiu a marcha quando alcançou o canto do corredor, ponto em que começou a se esgueirar muito lentamente ao encontro da mesmíssima garotinha com a pesada balança que Hermione tão gentilmente ajudara quinze dias atrás. Ele esperou chegar às costas dela antes de se curvar e sussurrar:
— Olá... você é bem bonitinha, não é?
Goyle soltou um grito agudo de terror, atirou a balança para o ar e saiu desembalado, desaparecendo de vista antes que o estrondo da balança ao bater no chão parasse de ecoar no corredor. Às gargalhadas, Harry se virou para estudar a parede lisa atrás da qual Draco Malfoy certamente estaria agora paralisado, consciente de que havia alguém indesejável lá fora, mas sem ousar aparecer. Isto deu a Harry uma agradável sensação de poder, enquanto tentava lembrar quais as frases que ainda não experimentara.
Contudo, sua esperança não durou muito. Meia hora depois, tendo experimentado outras tantas variações do seu pedido para ver o que Malfoy estava fazendo, a parede continuava sólida. Harry se sentiu incrivelmente frustrado; Malfoy talvez estivesse a poucos passos, e ele continuava a não ter o menor indício do que o garoto fazia lá dentro. Perdendo completamente a paciência, Harry avançou para a parede e chutou-a.
— Ai!
Ele achou que talvez tivesse quebrado o dedo do pé; enquanto o segurava dando pulos com o outro pé, a Capa da Invisibilidade escorregou do seu corpo.
— Harry?
Ele se virou ainda num pé só e desabou. E ali, para seu absoluto espanto, vinha Tonks caminhando em sua direção como se habitualmente freqüentasse aquele corredor.
— Que é que você está fazendo aqui? — perguntou ele, erguendo-se depressa; por que será que ela sempre o encontrava caído no chão?
— Vim ver Dumbledore.
Harry achou que ela estava com uma aparência horrível; mais magra do que o normal, seus cabelos baços e lambidos.
— O escritório dele não é aqui — informou Harry —, é do outro lado do castelo, atrás da gárgula...
— Eu sei — respondeu Tonks. — Ele não está lá. Aparentemente viajou outra vez.
— Viajou? — admirou-se Harry, tornando a apoiar o pé machucado cuidadosamente no chão. — Ei, por acaso você não sabe aonde ele vai?
— Não.
— Que é que você queria com o Dumbledore?
— Nada importante — respondeu Tonks, brincando, aparentemente sem perceber, com a manga das vestes. — Pensei que ele talvez soubesse o que está acontecendo... ouvi boatos... teve gente machucada...
— É, eu sei, saiu nos jornais. O garotinho que tentou matar os...
— O Profeta muitas vezes dá notícias com atraso — disse Tonks, que parecia não estar ouvindo Harry. — Você recebeu cartas de alguém da Ordem recentemente?
— Ninguém da Ordem me escreve mais, desde que Sirius...
Ele notou que os olhos de Tonks se encheram de lágrimas.
— Desculpe — murmurou sem graça. — Quero dizer... eu também sinto falta dele...
— Quê? — exclamou Tonks sem entender, como se não o tivesse ouvido. — Bem... a gente se vê por aí, Harry...
Ela deu as costas de repente, e saiu andando pelo corredor, deixando Harry sem resposta. Passado pouco mais de um minuto, ele tornou a se cobrir com a Capa da Invisibilidade e retomou seus esforços para entrar na Sala Precisa, mas perdera o interesse. Por fim, uma sensação de vazio no estômago e a noção de que Rony e Hermione logo voltariam para almoçar levaram-no a abandonar a tentativa e deixar o corredor livre para Malfoy, que, na melhor das hipóteses, continuaria apavorado demais para sair durante algumas horas.
Ele encontrou Rony e Hermione no Salão Principal, e eles já estavam na metade de um almoço antecipado.
— Consegui... bem, mais ou menos! — Rony contou entusiasmado a Harry assim que o avistou. — Eu tinha de aparatar até a porta do salão de chá de Madame Puddifoot e errei por pouco, fui parar próximo à Loja de Penas Escriba, mas pelo menos me desloquei!
— Legal — exclamou Harry. — E você, como foi, Hermione?
— Ah, ela foi perfeita, é óbvio — informou Rony antes que Hermione pudesse responder. — Deliberação, Divinação e Desesperação, ou que nome tenham as cacas, perfeitas... depois a turma foi tomar um drinque rápido no Três Vassouras, e você devia ouvir o que o Twycross disse dela... vai ser uma surpresa se ele não fizer aquela pergunta logo, logo...
— E você? — perguntou Hermione, ignorando Rony. — Ficou lá em cima na Sala Precisa esse tempão?
— Fiquei, e adivinhe quem eu encontrei lá? Tonks!
— Tonks? — repetiram Rony e Hermione juntos, admirados.
— É, ela disse que tinha vindo visitar Dumbledore...
— Se você quer saber a minha opinião — disse Rony quando Harry acabou de relatar a conversa que tivera com Tonks —, ela está pirando. Perdeu a coragem depois do que aconteceu no Ministério.
— É meio estranho — comentou Hermione, que por alguma razão pareceu muito preocupada. — Ela devia estar guardando a escola, por que é que abandonou de repente o posto para vir ver Dumbledore se ele nem está aqui?
— Pensei numa coisa — disse Harry hesitante. Era estranho estar dizendo isso; era muito mais a área de Hermione do que a dele. — Você acha que ela talvez fosse... sabe... apaixonada pelo Sirius?
Hermione arregalou os olhos para ele.
— De onde foi que você tirou essa idéia?
— Não sei — respondeu Harry sacudindo os ombros —, mas ela estava quase chorando quando mencionei o nome dele... e o Patrono dela agora é um quadrúpede... fiquei pensando se não teria se transformado... sabe... nele.
— É uma idéia — disse Hermione lentamente. — Mas continuo sem saber por que ela adentraria o castelo de repente para ver Dumbledore, se este era realmente o motivo por que estava aqui...
— O que nos traz de volta ao que eu disse, não é? — falou Rony, que agora enchia a boca de purê de batatas. — Ela ficou esquisita. Se acovardou. Mulheres — sentenciou ele para Harry. — Elas se perturbam à toa.
— Ainda assim — continuou Hermione despertando de suas divagações —, duvido que você encontre uma mulher que fique meia hora emburrada porque Madame Rosmerta não riu da piada que ela contou sobre a bruxa, o curandeiro e a Mimbulus mimbletonia.
Rony amarrou a cara.