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Unknown
junho 05, 2014
Capítulo 26
— Fala baixo! — disse Harry aborrecido. — Só preciso... Dar uns retoques, tá bem?
Ele, Rony e Hermione estavam no fundo da classe de Feitiços dividindo uma mesa. Deviam estar praticando o oposto do Feitiço Convocatório — o Feitiço Expulsório.
Em vista do elevado potencial de acidentes graves, pois os objetos não paravam de voar pela sala, o Professor Flitwick entregara a cada aluno uma pilha de almofadas com as quais praticarem, baseado na teoria de que não machucariam ninguém se errassem o alvo. Era uma boa teoria, mas não estava funcionando muito bem. A mira de Neville era tão ruim, que a toda hora ele atirava acidentalmente pela sala objetos bem mais pesados — o Professor Flitwick, por exemplo.
— Esqueçam o ovo um minuto, está bem? — sibilou Harry, quando o professor passou voando resignadamente e foi aterrissar no alto de um grande armário.
— Estou tentando contar a vocês sobre o Snape e o Moody...
Essa aula era ideal para disfarçar uma conversa particular, porque todos se divertiam demais para dar atenção ao que eles faziam. Harry passou a última meia hora narrando suas aventuras aos cochichos e em prestações.
— Snape disse que Moody tinha revistado a sala dele também? — sussurrou Rony, seus olhos brilhando de interesse enquanto usava a varinha para expulsar uma almofada (ela subiu no ar e derrubou o chapéu de Parvati). — Quê?... Então você acha que o Moody está aqui para ficar de olho no Snape e no Karkaroff?
— Bem, não sei se foi isso que Dumbledore pediu a ele para fazer, mas não tenho dúvida de que é isso que ele está fazendo — disse Harry agitando a varinha sem prestar muita atenção, ao que sua almofada executou uma estranha cambalhota antes de se erguer da mesa. — Moody falou que Dumbledore só deixa o Snape continuar aqui porque está dando a ele uma segunda chance ou uma coisa assim...
— Quê? — exclamou Rony, arregalando os olhos, e sua almofada seguinte rodopiou bem alto no ar, ricocheteou no lustre e caiu pesadamente sobre a escrivaninha de Flitwick. — Harry... Vai ver Moody acha que foi Snape quem pôs o seu nome no Cálice de Fogo!
— Ah, Rony — disse Hermione, sacudindo a cabeça ceticamente —, já achamos que Snape estava tentando matar o Harry e acabou que estava tentando salvar a vida dele, lembra?
Hermione expulsou uma almofada que saiu voando pela sala e aterrissou dentro da caixa para a qual todos deviam estar mirando. Harry olhou para a amiga, pensando... Era verdade que Snape uma vez salvara sua vida, mas o estranho era que Snape decididamente o detestava, da mesma forma que detestara o pai de Harry quando freqüentaram a escola juntos. Snape adorava descontar pontos de Harry e certamente jamais perdera uma oportunidade de castigá-lo ou até de sugerir que ele fosse suspenso da escola.
— Não importa o que Moody diz — continuou Hermione —, Dumbledore não é burro. Teve razão em confiar no Hagrid e no Professor Lupin, mesmo que um monte de gente não quisesse dar emprego aos dois, então por que não estaria certo a respeito de Snape, mesmo que Snape seja um pouco...
—... Maligno — completou Rony prontamente. — Ora vamos, Hermione, então por que todos esses captores de bruxos das trevas estão revistando a sala dele?
— Por que o Sr. Crouch está fingindo que ficou doente? — perguntou Hermione, não dando atenção a Rony. — É meio estranho, não é, que ele não consiga comparecer ao Baile de Inverno, mas possa vir aqui no meio da noite quando dá na telha?
— Você não gosta do Crouch por causa daquele elfo doméstico, Winky — disse Rony, fazendo a almofada voar pela janela.
— Você quer pensar que Snape está armando alguma coisa — disse Hermione, mandando a almofada bem no fundo da caixa.
— Eu só queria saber o que foi que Snape fez com a primeira chance, se agora está na segunda — disse Harry sério, e, para sua grande surpresa, a almofada saiu voando pela sala e aterrissou bem em cima da de Hermione.
Harry, obedecendo ao desejo de Sirius de saber de qualquer coisa anormal que acontecesse em Hogwarts, lhe mandou, naquela noite, por uma coruja marrom, uma carta explicando toda a história da invasão da sala de Snape pelo Sr. Crouch, e a conversa entre Moody e Snape. Depois, com seriedade, voltou sua atenção para o problema mais urgente que tinha diante de si, como sobreviver uma hora debaixo d’água no dia vinte e quatro de fevereiro.
Rony gostou da idéia de usar outra vez um Feitiço Convocatório — Harry lhe falara dos aqualungs, e Rony não via razão para o amigo não convocar um equipamento desses da cidade trouxa mais próxima.
Hermione arrasou o plano mostrando que, no caso improvável de Harry conseguir aprender como operar um aqualung dentro da hora concedida, ele certamente seria desqualificado por violar o Código Internacional de Segredo em Magia — era demais esperar que nenhum trouxa visse o aqualung sobrevoando os campos a caminho de Hogwarts.
— Claro, a solução ideal seria você se transfigurar em submarino ou outra coisa assim — disse ela. — Se ao menos já tivéssemos dado Transformação Humana! Mas acho que só vamos ter essa matéria no sexto ano, e o resultado pode ser catastrófico se a pessoa não souber o que está fazendo...
— É, acho que não vou gostar de andar por aí com um periscópio saindo da cabeça — disse Harry. — Imagino que sempre é possível atacar alguém na frente de Moody, e, quem sabe, ele fizesse isso por mim...
— Mas acho que Moody não iria deixar você escolher a coisa em que quer ser transformado — comentou Hermione séria. — Não, acho que a sua melhor chance é usar algum feitiço.
Então, Harry, achando que logo, logo iria tomar um cansaço tão grande de biblioteca que ia durar para o resto da vida, enterrou-se mais uma vez entre os livros empoeirados, à procura de um feitiço que permitisse a um ser humano sobreviver sem oxigênio. Mas, embora ele, Rony e Hermione procurassem nas horas de almoço, noites e fins de semana inteiros — embora Harry pedisse a Professora McGonagall uma permissão escrita para usar a Seção Reservada, e chegasse até a pedir ajuda à irritável Madame Pince, a bibliotecária que lembrava um urubu —, os garotos não encontraram nadinha que permitisse a Harry passar uma hora embaixo d’água e sobreviver para contar a história.
Episódios já familiares de pânico estavam começando a perturbar o garoto agora e, mais uma vez, ele sentia dificuldade de se concentrar nas aulas. O lago, que Harry sempre encarara como mais um elemento na paisagem dos jardins, atraía seu olhar sempre que ele se aproximava da janela de uma sala de aula, uma grande massa cinza-grafite de água friissima, cujas profundezas sombrias e enregelantes começavam a parecer distantes como a lua.
Do mesmo jeito que acontecera antes, quando ele precisara enfrentar o Rabo-Córneo, o tempo estava correndo como se alguém tivesse enfeitiçado os relógios para andarem em alta velocidade. Faltava somente uma semana para o dia vinte e quatro de fevereiro (ainda havia tempo)... Faltavam cinco dias (logo ele ia achar alguma coisa)... Faltavam três dias (por favor, tomara que eu ache alguma coisa... Por favor...).
Faltando apenas dois dias, Harry começou a perder o apetite. A única coisa boa do café da manhã de segunda-feira foi o regresso da coruja marrom que ele enviara a Sirius. Harry soltou o pergaminho, desenrolou-o e viu a menor carta que o padrinho já lhe escrevera.
“Mande dizer a data do próximo fim de semana em Hogsmeade pela mesma coruja”.
Harry virou e revirou o pergaminho, e olhou o verso na esperança de ver mais alguma coisa, mas estava em branco.
— Sem ser este, o próximo fim de semana — cochichou Hermione, que lera a carta por cima do ombro de Harry. — Toma aqui a minha pena e manda logo essa coruja de volta.
O garoto rabiscou a data no verso da carta de Sirius, amarrou-a na perna da ave e observou-a levantar vôo. Que é que ele tinha esperado? Conselhos para sobreviver debaixo d’água? Estivera tão preocupado em contar a Sirius o que havia acontecido entre Snape e Moody, que se esquecera completamente de mencionar a pista do ovo.
— Para que é que ele quer saber a data do próximo fim de semana de Hogsmeade? — perguntou Rony.
— Não sei — respondeu Harry sem emoção. A felicidade momentânea que lampejara em seu peito ao ver a coruja se apagara. — Vamos... Trato das Criaturas Mágicas.
Fosse porque Hagrid estava tentando compensar o fiasco dos explosivins ou porque agora só restavam dois bichos, ou ainda porque ele estava tentando provar que era capaz de fazer tudo que a Professora Grubbly-Plank fazia, o fato é que ele deu continuidade às aulas dela sobre unicórnios, desde sua volta ao trabalho.
Os alunos ficaram sabendo que Hagrid conhecia tanto a respeito de unicórnios quanto de monstros, embora ficasse evidente que parecia desapontado que os bichos não tivessem presas envenenadas.
Para hoje, ele conseguira capturar dois filhotes de unicórnio. Ao contrário dos animais adultos, estes eram absolutamente dourados. Parvati e Lilá tiveram arroubos de prazer ao vê-los, e até Pansy Parkinson teve que se esforçar para esconder o quanto gostava dos filhotes.
— Mais fáceis de localizar que os adultos — disse Hagrid à turma. — Eles ficam prateados aí pelos dois anos de idade e ganham chifres por volta dos quatro. Só ficam branco-puro quando atingem a idade adulta, aí pelos sete anos. São um pouco mais confiantes quando filhotes... Não se incomodam tanto com os garotos... Vamos, cheguem mais perto para poderem fazer carinho neles se quiserem... Dêem a eles alguns torrões de açúcar...
— Você está bem, Harry? — murmurou Hagrid, afastando-se um pouco para o lado, enquanto a maioria dos alunos se aglomerava em torno dos bebês unicórnios.
— Tô.
— Só nervoso, não é?
— Um pouco.
— Harry — disse Hagrid, fechando a mão maciça no ombro do garoto, fazendo seus joelhos cederam sob aquele peso —, estive preocupado antes de ver você enfrentar aquele Rabo-Córneo, mas agora sei que está à altura. Você vai se dar bem. Já decifrou a nova pista, não?
Harry confirmou com a cabeça mas, ao fazer isso, se apoderou dele uma vontade louca de confessar que não tinha a menor idéia como iria sobreviver no fundo do lago durante uma hora. Ele ergueu os olhos para Hagrid — quem sabe o amigo precisava entrar no lago algumas vezes para cuidar das criaturas que viviam lá? Afinal, ele cuidava de todo o resto na propriedade...
— Você vai vencer — rosnou Hagrid, dando mais algumas palmadinhas no ombro de Harry que chegou a sentir que afundara alguns centímetros no chão lamacento. — Sei disso. Posso até sentir. Você vai vencer, Harry.
Harry simplesmente não teve coragem de apagar o sorriso feliz e confiante do rosto de Hagrid. Fingindo que estava interessado nos filhotes de unicórnio, forçou um sorriso para o amigo e se adiantou para acariciar os animais com os colegas.
Na noite que antecedeu a segunda tarefa, Harry já se sentia como se estivesse paralisado por um pesadelo. Tinha plena consciência que se conseguisse, mesmo por milagre, encontrar um feitiço que servisse, seria um trabalho de Hércules aprendê-lo da noite para o dia. Como podia ter deixado isto acontecer? Por que não começara a trabalhar na pista do ovo mais cedo? Por que deixara seus pensamentos vagarem durante as aulas — e se um professor tivesse mencionado como respirar debaixo d’água?
Ele, Rony e Hermione estavam sentados na biblioteca quando o sol se pôs lá fora, virando febrilmente páginas e mais páginas de feitiços, escondidos um do outro por pilhas maciças de livros em cima das mesas de cada um. O coração de Harry dava um enorme salto cada vez que ele via a palavra "água" em uma página, mas um número bem maior de vezes era apenas “Meça um litro de água, duzentos e cinqüenta gramas de folhas de mandrágora picadas e pegue um tritão...”
— Acho que não é possível — disse a voz de Rony do lado oposto da mesa. — Não tem nada. Nadinha. O mais próximo que chegamos foi aquela coisa para secar poças e poços, aquele Feitiço Secante, mas nem de longe teria potência para secar o lago.
— Tem que haver alguma coisa — murmurou Hermione, trazendo uma vela para mais perto. Seus olhos estavam tão cansados que ela estava lendo as letrinhas miúdas deEncantamentos e Fei¬tiços Antigos e Esquecidos com o nariz a dois centímetros da página. — Nunca teriam proposto uma tarefa que fosse inviável.
— Pois propuseram — disse Rony. — Harry, amanhã, vá até o lago, meta a cabeça dentro dele e grite para os sereianos devolverem o que afanaram, e vê se eles mandam a coisa de volta. É o melhor que você tem a fazer, companheiro.
— Existe uma maneira de fazer! — disse Hermione zangada. — Simplesmente tem que existir!
Ela parecia estar tomando como ofensa pessoal o fato de a biblioteca não ter informações úteis sobre o assunto, a biblioteca jamais lhe falhara antes.
— Eu sei o que deveria ter feito — disse Harry, descansando a cabeça sobre o livroTruques Marotos Para Marotos de Astutos. — Eu devia ter aprendido a virar um animago como Sirius.
— É, você poderia se transformar num peixinho dourado sempre que quisesse! — exclamou Rony.
— Ou num sapo — bocejou Harry. Estava exausto.
— Leva anos para alguém virar um animago, depois ele tem que se registrar e tudo o mais — disse Hermione vagamente, agora espremendo os olhos para ler o índice deEstranhos Dilemas da Magia e Suas Soluções. — A Professora McGonagall falou para a gente, lembram... A pessoa tem que se registrar na Seção de Prevenção do Uso Indevido da Magia... Dizer em que animal se transforma, quais as marcas características, por isso não pode abusar...
— Mione, eu estava brincando — disse Harry exausto. — Eu sei que não tenho a menor chance de me transformar em sapo até amanhã de manhã...
— Ah, isto aqui não adianta nada — exclamou Hermione, fechando o livro com violência. — Quem é que vai querer que os pêlos do nariz cresçam em cachinhos?
— Eu não me importaria — disse a voz de Fred Weasley. — Seria um grande tópico para estimular conversas, não acham não?
Harry, Rony e Hermione levantaram a cabeça. Fred e Jorge tinham acabado de sair de trás de umas estantes.
— Que é que vocês dois estão fazendo aqui? — perguntou Rony.
— Procurando vocês — disse Jorge. — McGonagall quer ver você, Rony. E você Mione.
— Por quê? — perguntou a garota, parecendo surpresa.
— Sei lá... Mas estava com a cara meio fechada — informou Fred.
— Disse que era para levarmos vocês à sala dela — disse Jorge.
Rony e Hermione olharam para Harry, que sentiu o estômago despencar.
Será que a Professora McGonagall ia brigar com Mione e Rony? Talvez ela tivesse notado que os dois o estavam ajudando à beça, quando ele devia estar procurando sozinho uma solução para realizar a tarefa?
— Encontramos você na sala comunal — disse Hermione a Harry, ao se levantar para acompanhar Rony, os dois pareciam muito ansiosos. — Leva o maior número de livros que puder, OK?
— OK. — disse Harry inquieto.
Lá pelas oito horas, Madame Pince apagara as luzes e apareceu para expulsar Harry da biblioteca. Cambaleando sob o peso do maior número de livros que pôde carregar, Harry voltou à sala comunal da Grifinória, puxou uma mesa para um canto e continuou a busca. Não havia nada em Mágicas Malucas Para Bruxos Doidões... Nada em Um Guia Para a Feitiçaria Medieval, para não mencionar as Proezas Submarinas na Antologia de Feitiços do Século XVIII, ou em Habitantes Medonhos das Profundezas ou Poderes que Você Desconhecia Possuir e o Que Fazer Com Eles Agora Que os Descobriu.
Bichento subiu ao colo de Harry e se enroscou ronronando profundamente.
A sala comunal foi se esvaziando aos poucos a volta de Harry. As pessoas não paravam de lhe desejar boa sorte para a manhã seguinte, com vozes animadas e confiantes como a de Hagrid, todos aparentemente convencidos de que ele estava prestes a fazer outra fantástica demonstração como a da primeira tarefa. Harry não conseguia responder aos colegas, simplesmente acenava com a cabeça, com a sensação de que havia uma bola de golfe entalada em sua garganta. Por volta da meia-noite, ele ficou sozinho na sala com Bichento. Procurara em todos os livros restantes e Rony e Hermione não tinham voltado.
Terminou tudo, disse ele a si mesmo. Você não vai dar conta. Simplesmente terá que ir até o lago de manhã e dizer aos juizes... Imaginou-se explicando que não seria capaz de executar a tarefa.
Visualizou os olhos de Bagman arregalados de surpresa, o sorriso cheio de dentes amarelos de Karkaroff expressando sua satisfação. Conseguiu até ouvir Fleur Delacour comentar:
— Eu sabia... ele é jóvan demais, é apenes uma crriança.
Ele viu Malfoy fazendo o distintivo “POTTER FEDE” lampejar sentado bem na frente dos espectadores, viu o rosto incrédulo e cabisbaixo de Hagrid...
Esquecido de que Bichento estava em seu colo, Harry se levantou muito de repente, o gato bufou zangado ao aterrissar no chão, lançou ao garoto um olhar de desagrado e se retirou com o rabo de escova de garrafa no ar, mas Harry já ia correndo escada acima para o dormitório... Apanharia a Capa da Invisibilidade e voltaria à biblioteca, ficaria lá a noite inteira se fosse preciso...
— Lumus — sussurrou ele quinze minutos depois, ao abrir a porta da biblioteca. A ponta da varinha acesa, ele andou ao longo das estantes, apanhando mais livros — livros de azarações e feitiços, livros sobre sereianos e monstros aquáticos, livros sobre bruxas e bruxos famosos, sobre invenções mágicas, sobre qualquer coisa que pudesse incluir uma referência passageira à sobrevivência debaixo d’água.
Carregou-os para uma mesa, então pôs mãos à obra, examinando-os com o feixe de luz fino de sua varinha, ocasionalmente consultando seu relógio...
Uma hora da manhã... Duas horas... A única maneira de continuar era dizer a si mesmo, repetidamente: Próximo livro... No próximo... No próximo...
A sereia no quadro do banheiro dos monitores-chefe estava dando risadas.
Harry flutuava como uma rolha na água borbulhante próximo ao rochedo do quadro, enquanto ela agitava a Firebolt dele na mão.
— Venha buscá-la! — riu a sereia maliciosamente. — Anda, salta!
— Não posso — ofegou Harry, tentando arrebatar a Firebolt ao mesmo tempo em que lutava para não afundar. — Me dá a vassoura!
Mas a sereia apenas o cutucava dolorosamente do lado do corpo com o cabo da vassoura, caçoando dele.
— Isso dói, sai para lá, ai...
— Harry Potter precisa acordar, meu senhor!
— Pára de me cutucar...
— Dobby tem que cutucar Harry Potter, meu senhor, ele tem que acordar!
Harry abriu um olho. Ainda estava na biblioteca, a Capa da Invisibilidade escorregara de sua cabeça e ele adormecera, e um lado do seu rosto estava colado na página de Onde Há Uma Varinha, Há Uma Saída. Ele se sentou, ajeitou os óculos, piscando para a intensa claridade do dia.
— Harry Potter precisa se apressar! — guinchou Dobby. — A segunda tarefa vai começar dentro de dez minutos e Harry Potter...
— Dez minutos? — grasnou Harry. — Dez... Dez minutos?
Ele olhou para o relógio de pulso. Dobby tinha razão. Eram nove e vinte.
Um enorme peso morto pareceu escorregar do peito de Harry para o seu estômago.
— Depressa, Harry Potter! — guinchou Dobby, puxando a manga do garoto. — O senhor devia estar lá embaixo no lago como os outros campeões, meu senhor!
— Tarde demais, Dobby — disse Harry sem esperanças. — Não vou fazer a tarefa, não sei como...
— Harry Potter vai fazer a tarefa! Dobby soube que Harry não encontrou o livro certo, então Dobby encontrou para ele!
— Quê? — exclamou Harry. — Mas você não sabe qual é a segunda tarefa...
— Dobby sabe, meu senhor! Harry Potter tem que entrar no lago e procurar o Wheezy dele...
— Procurar o meu o quê?
—... E recuperar o Wheezy dele que está com os sereianos!
— O que é um Wheezy?
— O seu Wheezy, meu senhor, o seu Wheezy, Wheezy que dá a Dobby o suéter!
Dobby deu uns puxões no suéter marrom, que fora encolhido, e que ele estava usando por cima dos calções.
— Quê!— ofegou Harry. — Eles estão... Eles estão com o Rony?
— A coisa que mais fará falta a Harry Potter, meu senhor! — guinchou Dobby.
— Mas passada a hora... Adeus esperança de achar — recitou Harry, arregalando os olhos para o elfo, horrorizado. — Tarde demais, foi-se, jamais voltara... Dobby, o que é que eu tenho que fazer?
— O senhor tem que comer isto, meu senhor! — guinchou o elfo, e levando a mão ao bolso dos calções retirou uma bola que parecia feita de rabos de rato, viscosos e verde-acinzentados. — Na hora em que for entrar no lago, meu senhor... Guelricho!
— Que é que isso faz? — perguntou Harry olhando para a erva.
— Vai fazer Harry Potter respirar embaixo d’água, meu senhor!
— Dobby — disse Harry histérico — escuta aqui, você tem certeza?
O garoto não esquecera de todo que a última vez que Dobby tentara "ajudá-lo", ele acabara sem ossos no braço direito.
—... Absoluta certeza, meu senhor! — disse o elfo sério. Dobby escuta coisas, meu senhor, ele é um elfo doméstico, anda por todo o castelo quando acende as lareiras e limpa os pisos. Dobby ouviu a Professora McGonagall e o Professor Moody na sala de professores, conversando sobre a próxima tarefa... Dobby não pode deixar Harry Potter perder o Wheezy dele!
As dúvidas de Harry desapareceram. Pondo-se em pé de um salto, ele despiu a Capa da Invisibilidade, guardou-a na mochila, agarrou o guelricho, enfiou-o no bolso e saiu correndo da biblioteca com Dobby nos calcanhares.
— Dobby devia estar na cozinha, meu senhor! — guinchou o elfo quando desembestavam pelo corredor. — Vão dar falta de Dobby, boa sorte, Harry Potter, meu senhor, boa sorte!
— Vejo você depois, Dobby! — gritou Harry, e saiu desembalado pelo corredor, descendo as escadas três degraus de cada vez.
No saguão de entrada havia uns poucos retardatários, todos saindo do Salão Principal depois do café em direção às portas duplas de carvalho da entrada, para ir assistir à segunda tarefa. Ficaram olhando Harry passar correndo e mandar Colin e Denis Creevey pelo ar ao saltar os degraus de acesso aos jardins ensolarados e frios.
Enquanto corria pelos gramados, viu que as arquibancadas que tinham rodeado o picadeiro dos dragões em novembro agora estavam dispostas ao longo da margem oposta do lago, quase explodindo de tão lotadas, e que se refletiam nas águas embaixo; a algazarra excitada dos espectadores ecoava estranhamente pela superfície das águas enquanto Harry corria pela outra margem do lago em direção aos juizes, sentados a uma mesa coberta com tecido dourado. Cedrico, Fleur e Krum estavam parados ao lado da mesa, observando Harry se aproximar correndo.
— Estou... Aqui... — ofegou Harry, derrapando na lama ao parar e, acidentalmente, sujando as vestes de Fleur.
— Onde é que você esteve? — disse uma voz autoritária censurando-o. — A tarefa vai começar. — Harry olhou para os lados. Percy Weasley estava sentado à mesa dos juizes — o Sr. Crouch mais uma vez não comparecera.
— Ora, vamos, Percy! — disse Ludo Bagman, que parecia extremamente aliviado de ver Harry. — Deixe-o recuperar o fôlego!
Dumbledore sorriu para Harry, mas Karkaroff e Madame Maxime não pareceram nem um pouco satisfeitos de vê-lo... Era óbvio, pela expressão dos seus rostos, que tinham pensado que o campeão não ia aparecer.
Harry dobrou o corpo, as mãos nos joelhos, procurando respirar; sentia uma pontada do lado do corpo que lhe dava a sensação de ter uma faca enfiada nas costelas, mas não havia tempo para se livrar dela, Ludo Bagman agora andava entre os campeões, espaçando-os pela margem a intervalos de três metros. Harry ficou bem no fim da fila, ao lado de Krum, que estava de calções de banho e segurava a varinha em posição.
— Tudo bem, Harry? — sussurrou Bagman, afastando Harry um pouco mais de Krum. — Sabe o que é que tem de fazer?
— Sei — ofegou o garoto, massageando as costelas.
Bagman lhe deu um breve aperto no ombro e voltou à mesa dos juizes, depois apontou a varinha para a própria garganta como fizera na Copa Mundial, disse "Sonorus!" e sua voz reboou sobre as águas escuras até as arquibancadas.
— Bem, os nossos campeões estão prontos para a segunda tarefa, que começará quando eu apitar. Eles têm exatamente uma hora para recuperar o que foi tirado deles. Então, quando eu contar três. Um... Dois... Três!
O apito produziu um som agudo no ar frio e parado, as arquibancadas explodiram em vivas e palmas, sem se virar para ver o que os outros campeões estavam fazendo, Harry descalçou os sapatos e as meias, tirou um punhado de guelricho do bolso, meteu-o na boca e entrou no lago.
O lago estava tão frio que ele sentiu a pele das pernas arder como se estivesse no fogo e não na água, à medida que ele foi se aprofundando no lago, agora a água lhe batia pelos joelhos, e seus pés, que rapidamente perdiam a sensibilidade, escorregavam pelo lodo e as pedras chatas e limosas. Harry mastigou o guelricho com mais força e pressa que pôde, era borrachudo e viscoso como tentáculos de polvo.
Com a água gélida pela cintura ele parou, engoliu a erva e esperou que alguma coisa acontecesse. Ouviu os espectadores rirem e concluiu que devia estar com cara de idiota, entrando no lago sem dar sinal algum de poder mágico.
A parte do seu corpo ainda seca se encheu de arrepios, semi-imerso na água gelada, uma brisa impiedosa levantando seus cabelos, Harry Potter começou a tremer violentamente.
Evitou olhar para as arquibancadas; as risadas estavam mais altas e ele ouvia assovios e vaias de alunos da Sonserina...
Então, inesperadamente, Harry teve a sensação de que uma almofada invisível estava cobrindo sua boca e seu nariz. Ele tentou respirar, mas isto fez sua cabeça girar; seus pulmões se esvaziaram e ele sentiu uma dor súbita e lancinante dos dois lados do pescoço...
Harry levou as mãos à garganta e sentiu duas grandes aberturas abaixo das orelhas abanando no ar frio... Ganhara guelras. Sem parar para pensar, ele fez a única coisa que lhe pareceu ajuizada — se atirou no lago.
O primeiro gole de água gelada do lago lhe pareceu um sopro de vida. Sua cabeça parou de girar, ele tomou mais um gole e sentiu-o passar suavemente pelas guelras e bombear oxigênio para o seu cérebro. Ele estendeu as mãos para frente e olhou-as. Pareciam verdes e fantasmagóricas debaixo d’água e haviam nascido membranas entre os dedos. Ele se contorceu para ver os pés descalços — tinham se alongado e igualmente ganho membranas, parecia também que saíam nadadeiras do seu corpo.
A água não parecia mais gelada, tampouco... Pelo contrário, se tornara agradavelmente fresca e muito leve... Harry recomeçou a bracejar, admirando-se como seus pés com nadadeiras o impeliam pela água e registrando que estava enxergando com muita clareza e não sentia mais necessidade de piscar.
Logo nadara uma distância tão grande em direção ao meio do lago que deixara de ver seu leito. Deu uma cambalhota e mergulhou em suas profundezas.
O silêncio pesou em seus ouvidos ao nadar por uma paisagem estranha, escura e enevoada. Só conseguia ver três metros ao redor, por isso à medida que se deslocava novos cenários pareciam surgir repentinamente da escuridão à sua frente, florestas ondulantes de plantas emaranhadas e escuras, extensões de lodo coalhadas de pedras lisas e brilhantes. Ele nadava cada vez mais para o fundo e para o centro do lago, os olhos abertos, espiando, através da misteriosa claridade cinzenta que iluminava as águas, rumando para as sombras além, em que as águas se tornavam opacas.
Pequenos peixes passavam velozes por ele como flechas prateadas. Uma ou duas vezes ele viu um vulto maior nadando mais adiante, mas quando se aproximou, descobriu que era apenas um grande tronco enegrecido ou uma moita densa de plantas. Não viu sinal algum dos outros campeões, nem dos sereianos, nem de Rony — nem, graças a Deus, da lula gigante.
Plantas verde-claras se estendiam à sua frente até onde sua vista podia alcançar, como um prado coberto de relva muito crescida. Harry olhava para frente sem piscar, tentando discernir as formas na obscuridade... E então, sem aviso, alguma coisa agarrou seu tornozelo.
Harry se virou e viu um grindylow, um pequeno demônio aquático de chifres, que saía do meio das plantas, seus dedos compridos apertando a perna de Harry, as presas pontiagudas à mostra — o garoto enfiou a mão palmada depressa dentro das vestes e procurou a varinha, até conseguir apanhá-la, mais dois grindylows tinham emergido das plantas, agarrado as vestes de Harry e tentavam arrastá-lo para o fundo.
— Relaxo! — disse ele, só que não produziu som algum... Uma grande bolha saiu de sua boca, e sua varinha, em vez de atirar faíscas contra os grindylows, golpeou-os com algo que pareceu um jato de água fervendo, pois onde os atingiu surgiram manchas muito vermelhas em sua pele verde. Harry livrou o tornozelo do aperto dos demônios e nadou o mais rápido que pôde, ocasionalmente disparando, a esmo, mais jatos de água quente por cima do ombro, de vez em quando ele sentia um grindylow prender novamente seu pé e o chutava com força, por fim, seu pé fez contato com um crânio chifrudo e, olhando para trás, ele viu um grindylow se afastar boiando, vesgo, enquanto seus companheiros sacudiam os punhos para Harry e tornavam a submergir entre as plantas.
Harry diminuiu um pouco a velocidade, guardou a varinha nas vestes e olhou ao redor, apurando os ouvidos. Fez uma volta completa na água, o silêncio pesava mais que nunca em seus tímpanos. Sabia que devia estar bem mais fundo, mas nada se mexia exceto as plantas ondulantes.
— Como é que você está indo?
Harry achou que estava tendo um ataque cardíaco. Virou-se depressa e viu a Murta Que Geme flutuando difusamente diante dele, fitando-o através dos grossos óculos perolados.
— Murta! — Harry tentou gritar, porém, mais uma vez, não saiu nenhum som de sua boca, apenas uma grande bolha. A Murta Que Geme chegou a dar risadinhas abafadas.
— Você vai precisar experimentar para aquele lado lá! — disse ela apontando. — Não vou acompanhar você... Não gosto muito deles, sempre me perseguem quando me aproximo demais...
Harry levantou o polegar à guisa de agradecimento, e recomeçou a nadar, tendo o cuidado de se colocar um pouco acima das plantas para evitar mais grindylows que por acaso estivessem escondidos ali.
Ele continuou a nadar por uns vinte minutos ou assim lhe pareceu.
Atravessava agora grandes extensões de lodo escuro, que redemoinhavam sujando a água agitada por ele. Então, finalmente, ouviu um trecho da música misteriosa dos sereianos.
“Uma hora inteira você deverá buscar,
Para recuperar o que lhe tiramos...”
Harry nadou mais rápido e não tardou a ver um grande penhasco emergindo na água lodosa à frente. Nele havia pinturas de sereiano, carregavam lanças e caçavam algo que parecia ser a lula gigante. Harry deixou o penhasco para trás seguindo a música dos sereianos,
“Já se passou meia hora,
Por isso não tarde
Ou o que você busca apodrecerá aqui...”
Um punhado de casas toscas de pedra, manchadas de algas, tomou forma de repente no lusco-fusco que rodeava o garoto. Aqui e ali, às janelas escuras, Harry viu rostos... Rostos que não tinham qualquer semelhança com o quadro da sereia no banheiro dos monitores-chefe...
Os sereianos tinham peles cinzentas e longos cabelos desgrenhados e verdes. Seus olhos eram amarelos, como seus dentes quebrados, e eles usavam grossas cordas de seixos no pescoço. Lançaram olhares desconfiados quando Harry passou. Um ou dois saíram das tocas para examiná-lo melhor, seus fortes rabos de peixe prateados golpeando a água, as lanças nas mãos.
Harry continuou a nadar veloz, olhando para os lados, e logo as casas se tornaram mais numerosas: havia jardins de folhagens ao redor de algumas, e ele chegou a ver umgrindylow amarrado a uma estaca do lado de fora de uma porta.
Os sereianos apareciam por todos os lados agora, observando-o ansiosos, apontando para suas mãos palmadas e guelras, falando entre si, com a mão encobrindo a boca.
Harry virou um canto e deparou com uma cena estranha.
Um grande número de sereianos flutuava diante de casas enfileiradas que pareciam uma versão local de uma praça de povoado. Um coro cantava no centro, chamando os campeões e, por trás, erguia-se uma estátua tosca, um gigantesco sereiano esculpido em um pedregulho. Quatro pessoas estavam firmemente amarradas à cauda da estátua.
Rony estava amarrado entre Hermione e Cho Chang. Havia ainda uma garota que não aparentava ter mais de oito anos e cujas nuvens de cabelos prateados deu a Harry a certeza de que era irmã de Fleur Delacour. Os quatro pareciam profundamente adormecidos. Suas cabeças balançavam molemente sobre os ombros e um fluxo contínuo de pequenas bolhas saía de suas bocas.
Harry correu em direção aos reféns, meio que esperando os sereianos baixarem as lanças para o atacarem, mas eles nada fizeram. As cordas que atavam os reféns à estátua eram grossas, viscosas e muito fortes. Por um instante fugaz ele pensou no canivete que Sirius lhe presenteara no Natal — guardado em seu malão no castelo a uns quatrocentos metros de distância, não tinha a menor utilidade.
Harry olhou ao redor. Muitos sereianos que cercavam os reféns seguravam lanças. O garoto nadou rápido para um deles, com uns dois metros de altura, uma longa barba verde e uma gargantilha de dentes de tubarão, e tentou, por meio de mímica, pedir a lança emprestada. O sereiano riu e sacudiu a cabeça.
— Não ajudamos — disse ele numa voz áspera e rouca.
— Ora vamos! — disse Harry com ferocidade (mas apenas bolhas saíram de sua boca), e ele tentou tirar a lança do sereiano, que a puxou para si, ainda sacudindo a cabeça e rindo.
Harry deu uma volta completa no corpo, olhando. Alguma coisa afiada, qualquer coisa...
Havia muitas pedras no leito do lago. Ele mergulhou e apanhou uma de aspecto afiado e voltou à estátua. Começou, então, a golpear a corda que prendia Rony e, depois de alguns minutos de esforço, elas se romperam. Rony flutuou, inconsciente a alguns centímetros do leito do lago, acompanhando o movimento da água.
Harry correu o olhar à volta. Não viu sinal dos outros campeões. De que é que estavam brincando? Por que não se apressavam? Ele se virou para Hermione, ergueu a pedra afiada e começou a golpear as cordas dela também...
Na mesma hora, vários pares de fortes mãos cinzentas o seguraram. Meia dúzia de sereianos começaram a afastá-lo de Hermione, balançando as cabeças de cabelos verdes e dando risadas.
— Você leva o seu refém — disse um deles. — Deixe os outros...
— Nem pensar! — respondeu Harry indignado, mas apenas duas bolhas saíram de sua boca.
— Sua tarefa é resgatar o seu amigo... Deixe os outros...
— Ela é minha amiga, também! — berrou Harry, gesticulando em direção a Hermione, uma enorme bolha prateada desprendendo-se silenciosamente dos seus lábios.
— E tampouco quero que os outros morram!
A cabeça de Cho descansava no ombro de Hermione, a garotinha de cabelos prateados parecia pálida e fantasmagoricamente esverdeada. Harry lutou para afastar os sereianos, mas eles riam com mais vontade que nunca, empurrando-o para trás. O garoto olhou alucinado para os lados. Onde estavam os outros campeões? Será que ele teria tempo de levar Rony até a superfície e voltar para buscar Hermione e as outras?
Será que ele conseguiria encontrá-las de novo? Consultou o relógio para ver quanto tempo lhe sobrava — o relógio parara de trabalhar.
Mas, então, os sereianos que o rodeavam começaram a apontar excitados para alguma coisa acima da cabeça dele. Harry ergueu os olhos e viu Cedrico nadando em direção ao grupo. Havia uma enorme bolha em torno de sua cabeça, que fazia suas feições parecerem estranhamente largas e esticadas.
— Me perdi! — disse ele silenciosamente, com uma expressão de pânico. — Fleur e Krum estão vindo agora!
Sentindo-se imensamente aliviado, Harry viu Cedrico puxar uma faca do bolso e libertar Cho. Ele a puxou para cima e desapareceu de vista. Harry olhou para os lados, aguardando. Onde estavam Fleur e Krum? O tempo ia se esgotando e, segundo a música, os reféns jamais voltariam...
Os sereianos começaram a guinchar excitados. Os que seguravam Harry afrouxaram o aperto, olhando para trás. Harry se virou e viu algo monstruoso cortando as águas em direção a eles: um corpo humano de calções de banho com uma cabeça de tubarão... Era Krum. Parecia ter se transformado — mas de maneira incompleta.
O homem-tubarão nadou direto para Hermione e começou a puxar e a morder as cordas que a prendiam, o problema é que os novos dentes de Krum estavam posicionados de forma imprópria para morder qualquer coisa menor do que um golfinho, e Harry tinha quase certeza de que se Krum não tivesse cuidado, ia cortar Hermione ao meio. Correndo para ele, Harry bateu com força em seu ombro e estendeu a pedra afiada. Krum agarrou-a e começou a libertar Hermione.
Em segundos, ele terminou: agarrou Hermione pela cintura e, sem ao menos olhar para trás, começou a subir rapidamente com a garota para a superfície.
— E agora? — pensou Harry desesperado. Se ele pudesse ter certeza de que Fleur estava a caminho... Mas não havia nem sinal. Não havia jeito...
Ele agarrou a pedra que Krum largara, mas os sereianos voltaram a se aproximar de Rony e da garotinha, balançando a cabeça para Harry.
O garoto puxou a varinha.
— Saiam da frente!
Somente bolhas voaram de sua boca, mas ele teve a nítida impressão de que os sereianos o haviam entendido, porque subitamente pararam de rir. Seus olhos amarelos se fixaram na varinha de Harry e eles revelaram medo. Eram muitos e Harry era apenas um, mas o garoto percebeu, pela expressão dos seus rostos, que os sereianos conheciam tanta magia quanto a lula gigante.
— Vocês têm até três! — gritou Harry; um grande jorro de bolhas saiu de sua boca, e ele ergueu três dedos para ter certeza de que os sereianos tinham entendido a mensagem. — Um... — ele ergueu um dedo — Dois... — ergueu o segundo...
Eles se dispersaram. Harry se adiantou depressa e começou a golpear as cordas que prendiam a garotinha à estátua e finalmente libertou-a. Ele a agarrou pela cintura, agarrou a gola das vestes de Rony e deu impulso para a superfície.
Foi uma subida muito lenta. Ele já não podia usar as mãos palmadas para se impulsionar, bateu as nadadeiras furiosamente, mas Rony e a irmã de Fleur eram verdadeiros sacos de batatas que o arrastavam para o fundo... Harry firmou a vista em direção ao céu, embora soubesse que ainda devia estar muito fundo, as águas acima estavam tão escuras...
Os sereianos o seguiram na subida. Harry os via rodando à sua volta sem esforço, vendo-o lutar para vencer a força das águas... Será que o puxariam de volta às profundezas quando seu tempo se esgotasse? Será que comiam seres humanos? As pernas de Harry se moviam lentamente com o esforço de nadar, seus ombros doíam horrivelmente com o esforço de arrastar Rony e a garota...
Ele inspirava com extrema dificuldade. Voltou a sentir a dor dos lados do pescoço... Aos poucos foi se tornando consciente da umidade da água em sua boca... Mas decididamente a obscuridade estava raleando agora... Já conseguia ver a luz do dia no alto...
Bateu as nadadeiras com força e descobriu que já não havia nada além de pés... A água entrava aos borbotões em sua boca e invadia seus pulmões... Ele estava começando a sentir tontura, mas sabia que a luz e o ar estavam a apenas três metros acima... Tinha que chegar lá... Tinha que...
Harry sacudiu as pernas com tanta força e rapidez que teve a sensação de que seus músculos gritavam em protesto, o próprio cérebro parecia encharcado de água, ele não conseguia respirar, precisava de oxigênio, tinha que continuar, não podia parar...
Então sentiu sua cabeça varar a superfície do lago, um ar maravilhoso, frio, claro, fez seu rosto molhado arder, ele o engoliu, tendo a sensação de que jamais o respirara antes como devia e, ofegante, puxou Rony e a menininha com ele. A toda volta, cabeças com cabelos verdes emergiram da água, mas sorriam para ele.
Os espectadores nas arquibancadas faziam um estardalhaço, gritavam, berravam, todos pareciam estar de pé, Harry teve a impressão de que pensavam que Rony e a menininha poderiam estar mortos, mas tinham se enganado... Os dois tinham aberto os olhos, a menina parecia apavorada e confusa, mas Rony meramente expeliu um grande jato de água, piscou para a claridade, virou-se para Harry e comentou:
— Um bocado molhado, não? — Depois viu a irmã de Fleur. — Para que foi que você trouxe a garota?
— Fleur não apareceu. Eu não podia largar ela lá — ofegou Harry.
— Harry, seu débil — disse Rony. — Você não levou aquela música a sério, levou? Dumbledore não teria deixado nenhum de nós morrer afogado!
— Mas a música dizia...
— Só para garantir que você voltasse dentro do prazo dado! Espero que você não tenha perdido tempo lá embaixo bancando o herói!
Harry se sentiu no mesmo instante idiota e chateado. Estava tudo muito bem para Rony, ele estivera adormecido, não sentira como era fantasmagórico lá no lago, cercado por sereianos armados de lanças com cara de que eram bem capazes de matar.
— Vamos — disse Harry com rispidez — me ajude com a garota, acho que ela não sabe nadar muito bem.
Os dois puxaram a irmã de Fleur pela água, até a margem, onde os juizes aguardavam de pé observando-os, vinte sereianos acompanhavam os garotos como uma guarda de honra, cantando aquelas horríveis músicas agudas.
Harry viu Madame Pomfrey cuidando de Hermione, Krum, Cedrico e Cho, todos enrolados em grossos cobertores. Dumbledore e Ludo Bagman estavam parados na margem, e sorriram para Harry e Rony quando eles se aproximaram, mas Percy, que parecia muito pálido e, por alguma razão, mais jovem do que era, saiu espalhando água ao encontro deles. Entrementes, Madame Maxime tentava conter Fleur Delacour, que estava muito nervosa, lutando com unhas e dentes para voltar à água.
— Gabrielle! Gabrielle! Ela está viva? Ela está machucada?
— Ela está ótima! — Harry tentou lhe dizer, mas se sentia tão exausto que mal conseguia falar, quanto menos gritar.
Percy agarrou Rony e saiu arrastando-o para a margem ("Sai pra lá, Percy, eu estou bem!"), Dumbledore e Bagman ergueram Harry, Fleur se desvencilhara de Madame Maxime e abraçava a irmã.
— Forram os g-rrindylows... Eles me atacarron... Ah, Gabrrielle, pensei... Pensei...
— Venha aqui, você — ouviu-se a voz de Madame Pomfrey, ela agarrou Harry e levou-o até Hermione e os outros, embrulhou-o num cobertor tão apertado que ele se sentiu preso numa camisa de força, e empurrou uma dose de uma poção muito quente pela garganta do garoto. Saiu vapor por suas orelhas.
— Muito bem, Harry! — exclamou Hermione. — Você conseguiu, você descobriu como conseguir, sozinho!
— Bem... — disse Harry. Ele teria contado a ela sobre Dobby, mas acabara de notar que Karkaroff o observava. Era o único juiz que não abandonara a mesa, o único juiz que não dava sinais de satisfação nem alívio que Harry, Rony e a irmã de Fleur tivessem voltado sãos e salvos. — É, é verdade — disse Harry, levantando ligeiramente a voz para Karkaroff poder ouvi-lo.
— Você tem um besourro-d’água prreso nos cabelos, Hermi-ônini — disse Krum.
Harry teve a impressão de que Krum estava tentando fazer a garota voltar sua atenção para ele, talvez para lembrá-la que ele acabara de resgatá-la do lago, mas Hermione sacudiu o besouro para longe com impaciência.
— Mas você ultrapassou muito o tempo dado, Harry... Você levou muito tempo para nos encontrar?
— Não... Encontrei vocês logo...
A sensação de burrice de Harry foi crescendo. Agora que estava fora da água, pareceu-lhe perfeitamente claro que as precauções de segurança tomadas por Dumbledore não teriam permitido a morte de um refém porque o campeão não aparecera. Por que ele simplesmente não apanhara Rony e viera embora? Teria sido o primeiro a voltar...
Cedrico e Krum não tinham perdido tempo se preocupando com mais ninguém, não tinham levado a música dos sereianos a sério...
Dumbledore se encontrava agachado à beira da água, absorto em conversa com alguém que parecia ser o chefe dos sereianos, uma fêmea particularmente selvagem, de aspecto feroz. Emitia o mesmo tipo de guinchos que o de seus companheiros quando estavam embaixo da água, era óbvio que Dumbledore sabia falar serêiaco. Finalmente ele se ergueu, virou-se para os demais juizes e disse:
— Acho que precisamos conversar antes de dar as notas.
Os juizes se agruparam. Madame Pomfrey tinha ido salvar Rony dos abraços de Percy; ela o levou para onde estavam os outros garotos, deu-lhe um cobertor e um pouco dePoção Estimulante, depois foi buscar Fleur e a irmã. Fleur tinha muitos cortes no rosto e nos braços, e suas vestes estavam rasgadas, mas ela não parecia se importar, nem queria deixar Madame Pomfrey tratá-la.
— Cuide da Gabrrielle — disse a garota virando-se para Harry. — Você salvou minha irrmá — disse ofegante. — Mesmo ela não sendo sua rrefém.
— Foi — disse Harry, que agora desejava de todo o coração ter deixado as garotas amarradas à estátua. Fleur se abaixou, beijou Harry nas duas bochechas (ele sentiu o rosto queimando e não ficaria surpreso se estivesse pondo vapor pelas orelhas outra vez), em seguida disse a Rony:
— E você, também... Você ajudou...
— Foi — disse ele parecendo extremamente esperançoso —, foi, um pouquinho...
Fleur se curvou para ele, também, e o beijou. Hermione pareceu simplesmente furiosa, mas naquele instante, a voz magicamente ampliada de Ludo Bagman reboou ao lado deles, pregando-lhes um susto e fazendo os espectadores nas arquibancadas mergulharem num grande silêncio.
— Senhoras e senhores, já chegamos a uma decisão. A chefe dos sereianos, Murcus, nos contou exatamente o que aconteceu no fundo do lago e, portanto, em um máximo de cinqüenta, decidimos atribuir a cada campeão, as seguintes notas... A Srta. Fleur Delacour, embora tenha feito uma excelente demonstração do Feitiço Cabeça-de-bolha, foi atacada por grindylows ao se aproximar do alvo e não conseguiu resgatar sua refém. Recebeu vinte e cinco pontos.
Aplausos das arquibancadas.
— Eu merrecia zerro — disse Fleur com uma voz gutural, sacudindo a magnífica cabeça.
— O Sr. Cedrico Diggory, que também usou o Feitiço Cabeça-de-bolha, foi o primeiro a voltar com a refém, embora tenha chegado um minuto depois da hora marcada. — Ouviram-se grandes aplausos dos alunos da Corvinal entre os espectadores, Harry viu Cho lançar um olhar feio a Cedrico. — Portanto, recebeu quarenta e sete pontos.
O ânimo de Harry despencou. Se Cedrico ultrapassara o limite de tempo, com certeza ele fizera o mesmo.
— O Sr. Vítor Krum usou uma forma de transformação incompleta, mas ainda assim eficiente, e foi o segundo a voltar com a refém. Recebeu quarenta pontos.
Karkaroff bateu palmas com especial entusiasmo, fazendo ar de superioridade.
— O Sr. Harry Potter usou guelricho com grande eficácia — continuou Bagman. — Ele voltou por último e ultrapassou em muito o prazo de uma hora. Contudo, a chefe dos sereianos nos informou que o Sr. Potter foi o primeiro a chegar aos reféns, e o atraso na volta se deveu à sua determinação de trazer todos os reféns à segurança e não apenas o seu.
Rony e Hermione lançaram a Harry olhares meio exasperados, meio penalizados.
— A maioria dos juízes — e aqui Bagman olhou com muita indignação para Karkaroff —acha que tal atitude revela fibra moral e merece o número máximo de pontos. Mas... O Sr. Potter recebeu quarenta e cinco pontos.
O estômago de Harry deu um solavanco — agora ia disputar o primeiro lugar com Cedrico. Rony e Hermione, apanhados de surpresa, olharam para Harry, começaram a rir e a aplaudir com entusiasmo com o resto dos espectadores.
— Lá vai você, Harry! — gritou Rony sobrepondo-se ao tumulto. — Afinal você não agiu como débil, revelou fibra moral!
Fleur também o aplaudia freneticamente, mas Krum não pareceu nada feliz.
Tentou puxar conversa com Hermione outra vez, mas ela estava ocupada demais aplaudindo Harry para lhe dar ouvidos.
— A terceira e última tarefa será realizada ao anoitecer do dia vinte e quatro de junho— continuou Bagman. — Os campeões serão informados do que os espera exatamente um mês antes. Agradecemos a todos o apoio dado aos campeões.
Terminou, pensou Harry atordoado, quando Madame Pomfrey começou a arrebanhar os campeões e reféns em direção ao castelo para trocarem roupas secas... Terminara, ele conseguira... Não precisava se preocupar com coisa alguma agora até o dia vinte e quatro de junho...
Da próxima vez que estivesse em Hogsmeade, resolveu ele, ao subir os degraus de pedra do castelo, ia comprar para Dobby um par de meias para cada dia do ano.