Posted by : Unknown junho 04, 2014

Capítulo 38


Em breve declaração na sexta-feira à noite, o ministro da Magia Cornélio Fudge confirmou que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado retornou ao país e já começou a agir.
"É com grande pesar que confirmo que o bruxo que se autodenomina Lorde, bom, vocês sabem a quem me refiro, está vivo e mais uma vez entre nós", disse Fudge, parecendo cansado e nervoso ao se dirigir aos repórteres. "E quase com igual pesar que informamos a ocorrência de uma rebelião em massa dos Dementadores de Azkaban, que demonstraram sua insatisfação em continuar a servir ao Ministério. Acreditamos que os Dementadores estão presentemente recebendo ordens do Lorde... das quantas." "Pedimos à população mágica que se mantenha vigilante. O Ministério está presentemente publicando guias de defesa doméstica e pessoal que serão distribuídos gratuitamente em todas as residências bruxas no próximo mês."
A declaração do ministro foi recebida com consternação e sobressalto pela comunidade bruxa, que ainda na quarta-feira recebia garantias do Ministério de que não havia "fundamento algum nos persistentes boatos de que Você-Sabe-Quem estivesse mais uma vez agindo entre nós".
Os detalhes dos acontecimentos que provocaram essa reviravolta ministerial ainda são nebulosos, embora se acredite que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado e um seleto grupo de seguidores (conhecidos como Comensais da Morte) conseguiram entrar no próprio Ministério da Magia na noite de quinta-feira...
Alvo Dumbledore, reconduzido ao cargo de diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, e igualmente ao de membro da Confederação Internacional de Bruxos e de presidente da Suprema Corte dos Bruxos, ainda não fez declarações a imprensa. Durante o último ano ele insistiu que Você-Sabe-Quem não estava morto, como todos desejavam e acreditavam, mas andava novamente recrutando seguidores para outra tentativa de tomar o poder. Entrementes, "O-Menino-Que-Sobreviveu"...

— Taí, Harry, eu sabia que iam arranjar um jeito de meter você nessa história — disse Hermione, olhando por cima do jornal para o amigo. Os garotos estavam na ala hospitalar. Harry se sentara na ponta da cama de Rony, e os dois ouviam Hermione ler a primeira página do Profeta Dominical. Gina, cujo tornozelo fora curado num instante por Madame Pomfrey, estava encolhida aos pés da cama de Hermione; Neville, cujo nariz fora igualmente restaurado ao tamanho e forma naturais, se acomodara em uma cadeira entre as duas camas; e Luna, que aparecera para visitá-los, trazendo a última edição do Pasquim, estava lendo a revista de cabeça para baixo, aparentemente sem ouvir uma palavra do que Hermione dizia.
— Mas ele voltou a ser o "menino que sobreviveu" não é? – disse Rony sombriamente. – Não é mais um exibicionista delirante, eh?
Ele se serviu de um punhado de Sapos de Chocolate na imensa pilha ao lado do seu armário de cabeceira, atirou alguns para Harry, Gina e Neville, e cortou a embalagem do seu com os dentes. Ainda havia fundos vergões em seus braços, onde os tentáculos do cérebro tinham se enrolado. Segundo Madame Pomfrey, os pensamentos podiam deixar marcas mais profundas do que qualquer outra coisa, embora, depois que ela começara a aplicar generosas quantidades do Ungüento do Olvido do Dr. Ubbly, parecesse ter havido alguma melhora.
— É, eles agora falam de você elogiosamente, Harry — disse Hermione, passando os olhos pelo artigo. Uma voz solitária da verdade... considerado desequilibrado, mas que jamais vacilou em sua história... forçado a suportar a ridicularia e a calúnia... — Hummm — exclamou ela franzindo a testa: – Pelo visto esqueceram de mencionar que foi o próprio Profeta que ridicularizou e caluniou você...
Ela fez uma pequena careta e levou a mão às costelas. O feitiço que Dolohov usara contra ela, embora menos eficaz do que teria sido se o bruxo tivesse podido dizer o encantamento em voz alta, ainda assim causara, nas palavras de Madame Pomfrey, "estragos suficientes para ocupá-la". Hermione precisava tomar dez tipos de poções todos os dias, melhorava visivelmente, e já se sentia chateada na ala hospitalar.
— A última tentativa de Você-Sabe-Quem para assumir o poder (p. 2, 3, 4), O que o ministro devia nos ter dito (p. 5), Por que ninguém deu ouvidos a Alvo Dumbledore (p.6, 1, 8), Entrevista exclusiva com Harry Potter (p. 9)... Bom – comentou Hermione, fechando o jornal e atirando-o para o lado: – não há dúvida de que tiveram muito assunto para comentar. E a entrevista com Harry não é exclusiva, é a que foi publicada no Pasquim há meses...
— Papai a vendeu ao Profeta – disse Luna vagamente, virando a página do seu exemplar do Pasquim. – E conseguiu um bom preço, então vamos fazer uma expedição à Suécia no verão para ver se capturamos um Bufador de Chifre Enrugado.
Hermione pareceu se debater intimamente por um momento, então disse:
— Parece uma ótima idéia.
O olhar de Gina encontrou o de Harry, e ela o desviou depressa com um sorriso.
— Então – disse Hermione, se sentando mais reta e fazendo outra careta. – Que é que está acontecendo na escola?
— Bom, Flitwick fez desaparecer o pântano de Fred e Jorge – disse Gina. – Em uns três segundos. Mas deixou um pedacinho debaixo da janela e passou um cordão de isolamento...
— Por quê? – perguntou Hermione. espantada.
— Ah, ele diz que foi uma mágica realmente muito boa – disse Gina, encolhendo os ombros.
— Acho que deixou como um monumento a Fred e Jorge – disse Rony, com a boca cheia de chocolate. – Eles é que me mandaram tudo isso, sabe – disse a Harry, apontando para a pilha de Sapos. – Devem estar faturando bem com aquela loja de logros, eh?
Hermione fez uma cara de censura e perguntou:
— Então, todas as confusões terminaram agora que Dumbledore voltou?
— Terminaram – disse Neville –, tudo voltou ao normal.
— Suponho que Filch esteja feliz, não? – perguntou Rony, apoiando o cartão do Sapo de Chocolate com a cara de Dumbledore em sua jarra de água.
— Que nada – disse Gina. – Está realmente muito, mas muito infeliz mesmo... – Ela baixou a voz e sussurrou: – Não pára de repetir que Umbridge foi a melhor coisa que já aconteceu a Hogwarts...
Os seis garotos olharam para o lado. A Profª Umbridge estava deitada na cama oposta, contemplando o teto. Dumbledore entrara sozinho na Floresta para salvá-la dos centauros; como fizera isso – como saíra do meio das árvores amparando a Profª Umbridge, sem nem um arranhão –, ninguém soube, e Umbridge com certeza não iria contar. Desde que voltara ao castelo, e até onde eles sabiam, não dissera uma única palavra. Ninguém realmente sabia qual era o problema dela, tampouco. Os cabelos cor de rato, em geral cuidadosamente penteados, estavam revoltos e ainda havia pedacinhos de gravetos e folhas presos neles, mas, de outro modo, parecia estar inteira.
— Madame Pomfrey diz que está sofrendo de choque – sussurrou Hermione.
— Parece mais rabugice – arriscou Gina.
— É, mas ela dá sinal de vida se você fizer isso – disse Rony, imitando o som de um galope com a língua. Umbridge se sentou imediatamente, olhando para os lados alucinada.
— Algum problema, professora? – perguntou Madame Pomfrey, metendo a cabeça para fora da porta do seu consultório.
— Não... não... – respondeu Umbridge, tornando a afundar nos travesseiros.
— Não, devo ter sonhado...
Hermione e Gina abafaram as risadas nas cobertas.
— E por falar em centauros — disse Hermione quando se recuperou um pouco do acesso de riso —, quem é o professor de Adivinhação agora? Firenze vai continuar?
— Tem de continuar – respondeu Harry –, os outros centauros não querem aceitá-lo de volta, ou querem?
— Parece que ele e Trelawney vão ensinar a disciplina — comentou Gina.
— Aposto como Dumbledore gostaria de ter conseguido se livrar da Trelawney para sempre – comentou Rony, agora mastigando o décimo quarto Sapo. – Mas, veja bem, a disciplina não serve para nada, se querem saber a minha opinião, Firenze não é muito melhor...
— Como pode dizer uma coisa dessas? — Hermione o interpelou. – Depois de termos acabado de descobrir que existem profecias verdadeiras?
O coração de Harry começou a disparar. Não contara a Rony, Hermione nem a ninguém o que dizia a profecia. Neville tinha falado a eles que a profecia se espatifara quando Harry o arrastava para o alto na Sala da Morte, e Harry ainda não corrigira essa impressão. Não estava preparado para ver a expressão no rosto dos amigos quando dissesse que teria de ser ou assassino ou vítima, que não havia opção.
— Foi uma pena ter quebrado — comentou Hermione em voz baixa, balançando a cabeça.
— Foi – concordou Rony. — Mas pelo menos Você-Sabe-Quem também não descobriu o que dizia... onde é que você vai? — acrescentou, parecendo ao mesmo tempo surpreso e desapontado ao ver Harry se levantar.
— Aa... à cabana de Hagrid. Sabe, ele acabou de chegar e prometi que iria até lá para vê-lo e dar notícias de vocês.
— Ah, tudo bem então – resmungou Rony, olhando pela janela da enfermaria para o pedaço de céu muito azul além. – Gostaria que a gente pudesse ir também.
— Dá um alô a ele por nós! – falou Hermione, quando Harry ia saindo da enfermaria. – E pergunta a ele o que está acontecendo com... com o amiguinho dele!
Harry fez um aceno para indicar que ouvira e entendera, e foi embora.
O castelo parecia muito silencioso mesmo para um domingo. Era evidente que todos estavam nos jardins ensolarados, aproveitando o fim dos exames e a perspectiva de um finalzinho de trimestre sem revisões nem deveres de casa.
Harry caminhou lentamente pelo corredor deserto, espiando pelas janelas no caminho; viu alguns alunos brincando por cima do campo de quadribol e outros nadando no lago, acompanhados pela lula-gigante.
Estava achando difícil decidir se queria ou não a companhia das pessoas; sempre que estava acompanhado queria ir embora e sempre que estava sozinho queria companhia. Achou que era melhor ir realmente visitar Hagrid, porque ainda não falara com ele direito desde a sua volta...
Harry acabara de descer o último degrau de mármore para o Saguão de Entrada quando Malfoy, Crabbe e Goyle surgiam por uma porta da direita que ele sabia levar à sala comunal da Sonserina. Harry se imobilizou; o mesmo fizeram Malfoy e os outros. Os únicos sons que se ouviam eram os gritos, as risadas e os mergulhos que entravam no saguão pelas portas abertas.
Malfoy olhou para os lados – Harry sabia que o garoto estava verificando se havia sinal de professores – e depois para Harry, e disse em voz baixa.
— Você está morto, Harry. – Harry ergueu as sobrancelhas.
— Engraçado, então eu deveria ter parado de circular por aí... Malfoy parecia mais furioso do que Harry jamais o vira; sentiu uma espécie de satisfação distante à vista daquele rosto pontudo e pálido contorcido de raiva.
— Você vai me pagar – disse Malfoy em um tom que era quase um sussurro. – Vou fazer você pagar pelo que fez ao meu pai...
— Bom, agora fiquei aterrorizado – disse Harry sarcasticamente. – Suponho que Lord Voldemort tenha sido apenas um aquecimento comparado a vocês três... qual é o problema? – acrescentou, pois Malfoy, Crabbe e Goyle pareciam chocados ao ouvir aquele nome. – Ele é um companheiro do seu pai, não é? Você não tem medo dele, tem?
— Você se acha um grande homem, Potter – disse Malfoy avançando agora, ladeado por Crabbe e Goyle. — Espere só. Vou arrebentar você. Pensa que pode meter meu pai na prisão...
— Pensei que tivesse acabado de fazer isso.
— Os Dementadores abandonaram Azkaban — disse Malfoy sem se alterar. — Meu pai e os outros vão sair logo, logo.
— É, imagino que sim. Mas pelo menos agora todo o mundo sabe os canalhas que eles são...
A mão de Malfoy voou para a varinha, mas Harry foi mais rápido; puxara a própria varinha antes que os dedos de Malfoy sequer tivessem entrado no bolso das vestes.
— Potter!
A voz ecoou pelo Saguão de Entrada. Snape aparecera no alto da escada que levava ao seu escritório e, ao vê-lo, Harry sentiu um grande assomo de ódio que superou qualquer sentimento com relação a Malfoy... Dumbledore dissesse o que dissesse, ele jamais perdoaria Snape... jamais...
— Que está fazendo, Potter? — interpelou-o Snape, frio como sempre, ao caminhar decidido para os quatro meninos.
— Estou tentando me decidir que feitiço lançar no Malfoy, professor — disse com ferocidade.
Snape encarou-o.
— Guarde essa varinha agora — disse secamente. – Dez pontos a menos para Grif...
Snape olhou para as gigantescas ampulhetas nas paredes e sorriu com desdém.
— Ah, estou vendo que não restaram pontos na ampulheta da Grifinória para se subtrair nada. Neste caso, Potter, teremos simplesmente de...
— Acrescentar mais alguns?
A Profª McGonagall acabara de subir mancando os degraus de entrada do castelo; trazia uma maleta de tecido escocês em uma das mãos e se apoiava pesadamente em uma bengala com a outra, mas de outro modo parecia bastante bem.
— Profª McGonagall! — exclamou Snape, se adiantando. — Vejo que teve alta do St. Mungus!
— Tive, Prof. Snape — disse ela, tirando a capa de viagem com um trejeito de ombro. – Estou quase nova. Vocês dois... Crabbe... Goyle...
Com um gesto autoritário, ela mandou que os garotos se aproximassem e eles obedeceram, desajeitados, arrastando os enormes pés.
— Tomem — disse a professora, atirando a maleta no peito de Crabbe e a capa no de Goyle: — levem isso para o meu escritório.
Eles se viraram e se foram escada acima.
— Muito bem, então — disse a Profª McGonagall, olhando para as ampulhetas na parede. — Bom, acho que Potter e seus amigos devem receber cada um cinqüenta pontos por alertarem o mundo para o retorno de Você-Sabe-Quem! Que é que o senhor diz, professor?
— Quê? — retorquiu Snape, embora Harry soubesse que ele ouvira perfeitamente. — Ah... bom... suponho...
— Então, são cinqüenta para Potter, para os dois Weasley, para Longbottom e a Srta. Granger — e uma chuva de rubis desceu para a bolha inferior na ampulheta da Grifinória enquanto ela falava. — Ah... e cinqüenta pontos para a Srta. Lovegood, suponho — acrescentou, e o número mencionado de safiras caiu na ampulheta da Corvinal. — Agora, o senhor queria descontar dez do Sr. Potter, Prof. Snape... então aí estão...
Alguns rubis voltaram ao bulbo superior, mas deixaram embaixo uma respeitável quantidade.
— Bom, Potter, Malfoy, acho que vocês deviam estar lá fora em um belo dia como este — continuou a professora com energia.
Harry não precisou que ela falasse duas vezes; meteu a varinha no bolso das vestes e rumou para as portas de entrada, sem mais olhar para Snape nem Malfoy.
O sol forte o atingiu com impacto quando atravessou os gramados em direção à cabana de Hagrid. Os estudantes que estavam deitados na grama tomando banho de sol, conversando, lendo o Profeta Dominical e comendo doces, se viraram para olhá-lo quando ele passou; alguns o chamaram, ou então acenaram, claramente pressurosos em mostrar que, tal como o Profeta, haviam decidido que ele era uma espécie de herói. Harry não falou com ninguém. Não fazia idéia do quanto eles sabiam sobre o que acontecera há três dias, mas evitara até ali que o interrogassem, e preferia continuar assim.
Quando bateu na porta de Hagrid, achou primeiro que ele estivesse fora, mas Canino surgiu pelo canto da cabana e quase o derrubou, no entusiasmo de lhe dar boas-vindas. Hagrid, veio a descobrir, estava colhendo legumes em sua horta.
— Tudo bem, Harry! — disse ele, sorridente, quando o garoto se aproximou da cerca. — Entre, entre, vamos tomar um copo de suco de dente-de-leão... Como vão as coisas? — perguntou Hagrid ao se sen tarem à mesa de madeira com seus copos de suco gelado. — Você... ah... está se sentindo bem, não está?
Harry entendeu, pela expressão preocupada no rosto de Hagrid, que ele não estava se referindo à sua saúde física.
— Estou ótimo — apressou-se a responder, porque não suportaria discutir o que sabia estar na cabeça de Hagrid. – Então, onde andou?
— Estive escondido nas montanhas. Em uma caverna, como Sirius quando...
Hagrid interrompeu a frase, pigarreou sem disfarces, olhou para Harry e tomou um longo gole do suco.
— De qualquer jeito, agora estou de volta – concluiu debilmente.
— Você... você está com uma cara melhor — continuou, decidido a manter a conversa afastada de Sirius.
— Quê? — exclamou Hagrid, erguendo a mão enorme e apalpando o rosto. – Ah... ah, estou. Bom, Grope está muito mais comportado agora, muito mais. Ficou bem feliz de me ver quando voltei, para dizer a verdade. Na verdade, ele é um bom rapaz... Tenho até pensado em arranjar uma namorada para ele...
Normalmente Harry teria tentado convencer Hagrid a abandonar a idéia na mesma hora; a perspectiva de um segundo gigante vir morar na Floresta, talvez mais selvagem e brutal do que Grope, era positivamente alarmante, mas Harry não conseguiu reunir a energia necessária para discutir o problema.
Começava outra vez a desejar estar sozinho e, com a idéia de apressar a partida, tomou vários goles do suco de dente-de-leão, esvaziando metade do copo.
— Agora todo o mundo sabe que você andou contando a verdade, Harry — disse Hagrid branda e inesperadamente. — Assim vai ser melhor, não?
Harry encolheu os ombros.
— Escute... – Hagrid se curvou para ele por cima da mesa —. conheci Sirius mais tempo do que você... ele morreu lutando, e é assim que teria querido partir...
— Ele não queria partir! – disse Harry zangado. Hagrid baixou a cabeça desgrenhada.
— Não, acho que não queria – disse em voz baixa. — Mas ainda assim, Harry... ele nunca foi de ficar sentado em casa deixando os outros lutarem por ele. Não teria se perdoado se não tivesse ido ajudar...
Harry se ergueu de repente.
— Tenho que ir visitar Rony e Hermione na ala hospitalar — disse maquinalmente.
— Ah — exclamou Hagrid parecendo muito perturbado. — Ah... tudo bem então, Harry... cuide-se, então, e dê uma passada por aqui se tiver um mo...
— É... certo...
Ele rumou para a porta o mais rápido que pôde e a abriu; estava fora da cabana e atravessava os gramados ensolarados antes que Hagrid terminasse de se despedir. De novo, as pessoas o chamaram quando passou. Fechou os olhos por um instante, desejando que todos sumissem, que ele pudesse reabri-los e se ver sozinho nos jardins...
Alguns dias atrás, antes dos exames terminarem e ele ter tido a visão que Voldemort plantara em sua mente, Harry teria dado quase tudo que lhe pedissem para o mundo bruxo admitir que estivera dizendo a verdade, para acreditar que Voldemort retornara e reconhecer que ele não era mentiroso nem louco. Agora, porém...
Ele acompanhou a curva do lago por algum tempo, sentou-se na margem, abrigando-se dos olhares dos que passavam atrás de um emaranhado de arbustos, e ficou contemplando a água cintilante, refletindo...
Talvez a razão pela qual queria estar só fosse a sensação de isolamento desde a sua conversa com Dumbledore. Uma barreira invisível o separava do resto do mundo. Era — e sempre fora — um homem marcado. Apenas nunca entendera realmente o que isto significava...
E, no entanto, sentado ali à beira do lago, com o peso terrível da dor a oprimi-lo, com a perda de Sirius ainda tão sangrenta e recente em seu peito, ele não conseguia sentir nenhum grande temor. Fazia um dia ensolarado, os jardins à sua volta estavam cheios de gente que ria e, embora se sentisse distante deles como se pertencesse a uma raça à parte, ainda era muito difícil acreditar que sua vida tinha de incluir o assassinato ou nele terminar...
Ficou sentado ali muito tempo, contemplando a água, tentando não pensar no padrinho, nem lembrar que fora na outra margem diretamente oposta que Sirius uma vez tombara, tentando afastar cem Dementadores...
O sol já se pusera quando ele percebeu que sentia frio. Levantou-se e voltou ao castelo, enxugando o rosto na manga pelo caminho.
Rony e Hermione deixaram a ala hospitalar completamente curados, três dias antes de terminar o trimestre. Hermione não parava de sinalizar que desejava falar sobre Sirius, mas Rony quase sempre a fazia calar com "psius", sempre que ela mencionava aquele nome. Harry ainda não tinha certeza seja queria ou não falar sobre o padrinho; seu desejo variava com o seu humor. Mas sabia de uma coisa: por mais que estivesse infeliz no momento, sentiria uma enorme falta de Hogwarts dentro de alguns dias, quando voltasse ao número quatro da rua dos Alfeneiros. Ainda que agora compreendesse exatamente a necessidade de voltar lá todo verão, não se sentia melhor. De fato, nunca receara tanto voltar.
A Profª Umbridge deixou Hogwarts um dia antes do fim do trimestre. Aparentemente, tinha saído escondida da ala hospitalar durante o jantar, com a evidente esperança de partir despercebida, mas, por azar, encontrara Pirraça no caminho, que aproveitou essa última oportunidade para fazer o que Fred mandara e correra com ela alegremente do castelo, batendo-lhe ora com uma bengala ora com uma meia cheia de giz. Muitos estudantes acorreram ao Saguão de Entrada para vê-la fugir estrada abaixo, e os diretores das Casas fizeram apenas meios esforços para contê-los. De fato, a Profª McGonagall recostara-se em sua cadeira à mesa dos professores depois de fazer algumas advertências, mas teve quem a ouvisse dizer claramente que lamentava não poder correr aos vivas atrás da Umbridge, porque Pirraça pedira emprestada sua bengala.
Chegou a última noite na escola; a maioria dos alunos terminara de fazer as malas e já estava descendo para o banquete de encerramento, mas Harry nem sequer começara.
— Faça as malas amanhã! — disse Rony, que o aguardava à porta do dormitório. — Anda, estou faminto.
— Não vou demorar... olha, vai andando...
Mas quando a porta do dormitório fechou atrás de Rony, Harry não fez esforço para apressar a arrumação das malas. A última coisa que queria fazer era participar do banquete de encerramento. Estava preocupado que Dumbledore fizesse alguma referência a ele em seu discurso. Com certeza mencionaria o retorno de Voldemort; afinal fizera isso no ano anterior...
Harry puxou algumas roupas amarrotadas do fundo do malão para dar espaço às que dobrara e, ao fazer isso, reparou em um embrulho malfeito em um canto. Não conseguia imaginar o que aquilo estaria fazendo ali. Abaixou-se, tirou-o de baixo dos tênis e o examinou.
Em segundos percebeu o que era. Sirius lhe dera à porta do largo Grimmauld número doze. "Use se precisar de mim, está bem?"
Harry afundou na cama e desfez o embrulho. De dentro, caiu um pequeno espelho quadrado. Parecia antigo; sem dúvida estava sujo. Harry aproximou-o do rosto e viu a própria imagem a mirá-lo.
Virou o espelho. Atrás havia um bilhete com a letra de Sirius.

Este é um espelho de dois sentidos, tenho o par. Se você precisar falar comigo, diga a ele o meu nome; você aparecerá no meu espelho e poderei falar no seu. Tiago e eu costumávamos usá-los quando estávamos cumprindo detenções separados.

O coração de Harry disparou. Lembrou-se de ter visto seus pais mortos no Espelho de Ojesed, há quatro anos. Ia poder falar outra vez com Sirius neste instante, sentia...
Olhou para os lados para verificar se haveria mais alguém ali; o dormitório estava vazio. Ele voltou sua atenção para o espelho, aproximou-o do rosto com as mãos trêmulas e disse em voz alta e clara:
— Sirius.
Seu hálito embaçou a superfície do espelho. Trouxe-o mais para perto, a excitação invadindo-o, mas os olhos que piscavam para ele difusamente eram decididamente os seus.
Ele tornou a limpar o espelho e disse, de modo que cada sílaba ecoasse claramente pelo quarto:
— Sirius Black!
Nada aconteceu. O rosto frustrado que o mirou no espelho continuava a ser, sem dúvida, o próprio...
Sirius não levou o espelho com ele quando cruzou o arco, disse uma vozinha em sua cabeça. Por isso é que não está funcionando...
Harry ficou muito quieto por um momento, depois atirou o espelho de volta ao malão, onde se estilhaçou. Estivera convencido por todo um fulgurante minuto de que iria ver Sirius, falar outra vez com ele...
O desapontamento queimava sua garganta; ele se levantou e começou a atirar suas coisas de qualquer jeito no malão, por cima do espelho quebrado...
Mas então ocorreu-lhe uma idéia... uma idéia melhor do que a do espelho... uma idéia muito maior e mais importante... como não pensara nisso antes — por que nunca perguntara?
Saiu correndo do dormitório, desceu a escada circular batendo nas paredes sem reparar; precipitou-se pela sala comunal deserta, atravessou o buraco do retrato e continuou correndo pelo corredor, ignorando a Mulher Gorda que gritou para ele: "O banquete vai começar, sabe, você está em cima da hora!" Mas Harry não tinha a menor intenção de ir ao banquete...
Como era possível que o castelo estivesse cheio de fantasmas quando não se precisava deles, e agora...
Ele correu pelas escadas e corredores e não encontrou ninguém, nem vivo nem morto. Estavam todos, era claro, no Salão Principal. A porta da sala de Feitiços, ele parou, ofegante, pensando desconsolado que teria de esperar até mais tarde, até depois do banquete...
Mas quando acabara de desistir, ele o viu: alguém translúcido flutuando no fim do corredor.
— Eu... ei, Nick! NICK!
O fantasma puxou a cabeça para fora da parede, revelando um extravagante chapéu emplumado e a cabeça precariamente equilibrada de Sir Nicholas de Mimsy-Porpington.
— Boa-noite – cumprimentou ele, puxando o restante do corpo para fora da pedra sólida, e sorrindo para Harry. — Então não sou o único que está atrasado? Embora — suspirou —, em um sentido diferente, é claro.
— Nick, posso lhe perguntar uma coisa?
Uma expressão muito estranha perpassou o rosto de Nick Quase Sem Cabeça, ao mesmo tempo que inseria um dedo na gola de babados engomados ao pescoço e a endireitava, aparentemente para se dar um tempo de pensar. Só desistiu quando seu pescoço parcialmente decapitado pareceu prestes a desabar.
— Ah... agora, Harry? — perguntou sem jeito. — Não pode esperar até acabar o banquete?
— Não... Nick... por favor. Preciso realmente falar com você. Podemos entrar aqui?
Harry abriu a porta da sala de aula mais próxima, e Nick Quase Sem Cabeça suspirou.
— Ah, muito bem — disse ele conformado. — Não posso fingir que não estivesse esperando.
Harry segurou a porta aberta para ele, mas o fantasma atravessou a parede da sala de aula.
— Esperando o quê? — perguntou Harry, fechando a porta.
— Você vir me procurar — disse ele, agora deslizando até a janela e contemplando os jardins onde caía a noite. — Acontece às vezes... quando alguém sofreu uma... perda.
— Bom — disse Harry, recusando-se a se desviar do assunto. — Você estava certo, vim... vim procurá-lo.
Nick não respondeu.
— E... — começou Harry, que estava achando a situação mais desconfortável do que previra — é que... você está morto. Mas continua aqui, não é?
Nick suspirou e continuou a contemplar os jardins.
— Estou certo, não? – insistiu Harry. — Você morreu, mas estou falando com você... você pode andar por Hogwarts e tudo, não é?
— É — disse Nick Quase Sem Cabeça em voz baixa. — Eu ando e falo, é verdade.
— Então você voltou, não? As pessoas podem voltar, certo? Como fantasmas. Não têm de desaparecer completamente. Então? — acrescentou impaciente, ao ver que Nick continuava calado.
O fantasma hesitou, então disse:
— Não é todo o mundo que pode voltar como fantasma.
— Como assim? — Harry se apressou a perguntar.
— Só... só bruxos.
— Ah — exclamou Harry, e quase riu de alívio. — Bom, então tudo bem, a pessoa de quem estou falando é um bruxo. Então ele pode voltar, certo?
Nick se afastou da janela e fitou Harry, pesaroso.
— Ele não voltará.
— Quem?
— Sirius Black.
— Mas você voltou! – disse Harry zangado. – Você voltou... você está morto e não desapareceu...
— Bruxos podem deixar uma impressão deles na terra, deslizar palidamente por onde andaram quando vivos — explicou Nick, infeliz. — Mas muito poucos bruxos fazem essa opção.
— Por que não? — perguntou Harry. – De qualquer maneira... não é importante... Sirius não vai se importar de ser diferente, ele vai voltar, eu sei que vai!
E tão forte era sua crença, que Harry virou a cabeça para a porta, certo, por uma fração de segundo, de que ia ver Sirius, branco-pérola e transparente, mas sorrindo, atravessar a porta ao seu encontro.
— Ele não voltará — repetiu Nick. — Terá prosseguido.
— Que quer dizer com "prosseguido"? — perguntou Harry depressa. – Para onde? Escute... afinal, o que acontece quando a pessoa morre? Aonde vai? Por que nem todos voltam? Por que o castelo não está cheio de fantasmas? Por que...
— Não sei responder.
— Você está morto, não está? — disse Harry exasperado. — Quem pode responder melhor do que você?
— Eu tive medo da morte — disse Nick brandamente. — Preferi ficar. Às vezes me pergunto se não deveria... bom, isto que você vê não é cá nem lá... de fato, eu não estou cá nem lá... — Ele deu uma risadinha triste. – Não conheço os segredos da morte, Harry, porque escolhi uma fraca imitação da vida. Acredito que bruxos cultos estudem essa questão no Departamento de Mistérios...
— Não fale daquele lugar para mim! – exclamou Harry com ferocidade.
— Lamento não ter podido ajudar mais — disse Nick com gentileza. — Bom... bom... por favor, agora me dê licença... o banquete, sabe...
E ele saiu da sala, deixando Harry sozinho, contemplando, sem ver, a parede pela qual Nick desaparecera.
Harry sentiu-se quase como se tivesse perdido o padrinho outra vez, ao perder a esperança de que pudesse tornar a ver ou falar com ele. Caminhou em passos lentos pelo castelo deserto, se perguntando se voltaria a sentir alegria.
Acabara de virar em direção ao corredor da Mulher Gorda quando viu alguém mais adiante, pregando uma nota em um quadro de avisos na parede.
Olhando de novo, viu que era Luna. Não havia nenhum bom esconderijo por perto, ela certamente teria ouvido os seus passos, e Harry não conseguiria reunir energia para evitar ninguém naquele momento.
— Alô — disse Luna vagamente, virando a cabeça para ele ao se afastar do quadro.
— Por que é que você não está no banquete? — perguntou Harry.
— Bom, perdi a maior parte dos meus pertences — disse Luna serenamente. – As pessoas os apanham e escondem, entende. Mas como é a última noite, eu realmente preciso deles, então estou pregando avisos.
Ela indicou com um gesto o quadro de avisos, no qual, de fato, pregara uma lista com todos os livros e roupas desaparecidos, pedindo que lhe fossem devolvidos.
Uma sensação estranha nasceu em Harry; uma emoção bem diferente da raiva e da dor que o dominavam desde a morte de Sirius. Levou algum tempo até perceber que estava sentindo pena de Luna.
— Por que as pessoas escondem suas coisas? — perguntou ele, enrugando a testa.
— Ah... bom... — Luna encolheu os ombros. — Acho que pensam que sou meio excêntrica, entende. De fato, algumas pessoas me chamam Di-lua Lovegood.
Harry olhou para Luna e a nova sensação de pena se intensificou dolorosamente.
— Isto não é razão para tirarem o que é seu — concluiu ele. — Você quer ajuda para encontrá-los?
— Ah, não — disse ela sorrindo. — As coisas voltam, sempre voltam no fim. É só que eu queria fazer as malas hoje à noite. De qualquer jeito... por que é que você não está no banquete?
Harry sacudiu os ombros.
— Não estava a fim.
— Não — disse Luna, observando-o com aqueles olhos estranhamente enevoados e protuberantes. — Suponho que não. O homem que os Comensais da Morte mataram era seu padrinho, não era? Gina me contou.
Harry fez um breve aceno, mas descobriu que por alguma razão não se incomodava que Luna falasse de Sirius. Acabara de lembrar que ela também via Testrálios.
— Você já... — começou ele. — Quero dizer, quem... alguém que você conhecia morreu?
— Morreu — disse Luna com simplicidade —, minha mãe. Era uma bruxa extraordinária, entende, mas gostava de fazer experiências e um dos seus feitiços um dia deu errado. Eu tinha nove anos.
— Lamento — murmurou Harry.
— É, foi horrível — disse Luna informalmente. — Eu me sinto muito triste às vezes. Mas ainda tenho o meu pai. De qualquer jeito, ainda vou rever minha mãe um dia, não é?
— Ah... não é? – concordou Harry inseguro. Ela sacudiu a cabeça, incrédula. — Ah, vamos. Você os ouviu atrás do véu, não ouviu?
— Você quer dizer...
— Na sala do arco. Estavam só se escondendo, só isso. Você os ouviu.
Os dois se entreolharam. Luna sorria levemente. Harry não sabia o que dizer nem pensar. Luna acreditava em coisas tão extraordinárias... contudo, ele tivera certeza de ouvir vozes para além do véu também.
— Você tem certeza de que não quer que eu a ajude a procurar suas coisas? — perguntou ele.
— Ah, não — disse Luna. — Não, acho que vou descer e comer um pudim, e esperar que elas reapareçam... sempre acabam reaparecendo... bom, boas férias, Harry.
— É... é, para você também.
Luna se afastou e, ao acompanhá-la com o olhar, ele achou que o terrível peso em seu estômago diminuíra um pouco.
A viagem para casa no Expresso de Hogwarts no dia seguinte foi memorável de várias maneiras. Primeiro, Malfoy, Crabbe e Goyle, que claramente tinham passado a semana inteira à espera de uma oportunidade para atacar sem a presença de professores, tentaram emboscar Harry no trem quando ele voltava do banheiro. O ataque talvez tivesse sido bem-sucedido se não fosse o fato de que, sem saber, eles tinham escolhido encená-lo ao lado de uma cabine cheia de integrantes da AD, que viram o que estava acontecendo pelo vidro e acorreram juntos para socorrer Harry. Na altura em que Ernesto Macmillan, Ana Abbott, Susana Bones, Justino Finch-Fletchley, Antônio Goldstein e Terêncio Boot terminaram de usar a ampla variedade de feitiços e azarações que Harry lhes ensinara, Malfoy, Crabbe e Goyle pareciam simplesmente três lesmas gigantescas apertadas em uniformes de Hogwarts que Harry, Ernesto e Justino penduraram no porta-bagagem e deixaram ali para esvaziar.
— Devo dizer que estou doido para ver a cara da mãe de Malfoy quando ele descer do trem — disse Ernesto, satisfeito, observando Malfoy se contorcer no alto. O garoto nunca chegara a esquecer a indignidade cometida por Malfoy de tirar pontos da Lufa-Lufa durante o breve período em que fora membro da Brigada Inquisitorial.
— Mas a mãe de Goyle vai ficar realmente satisfeita — disse Rony que viera investigar a origem do tumulto. — Ele está muito mais bonito agora... mas, a propósito, Harry, o carrinho de comida acabou de chegar, se você quiser comprar alguma coisa...
Harry agradeceu aos colegas e acompanhou Rony de volta à cabine, onde comprou uma pilha de bolos de caldeirão e tortinhas de abóbora. Hermione estava lendo o Profeta Diário outra vez, Gina, fazendo as palavras cruzadas do Pasquim, e Neville acariciava sua Mimbulus mimbletonia, que crescera muito durante aquele ano e agora fazia estranhos arrulhos quando alguém a tocava.
Harry e Rony passaram a maior parte da viagem jogando xadrez de bruxo enquanto Hermione lia trechos do Profeta. O jornal vinha agora repleto de artigos ensinando a repelir Dementadores, noticiava as tentativas do Ministério para caçar os Comensais da Morte e reproduzia cartas histéricas em que o missivista dizia ter visto Lord Voldemort passando por sua casa naquela manhã...
— Ainda não começou para valer — suspirou Hermione deprimida, tornando a fechar o jornal. — Mas não falta muito agora...
— Ei, Harry — disse Rony baixinho, indicando com a cabeça a janela de vidro para o corredor.
Harry olhou. Cho ia passando, em companhia de Marieta Edgecombe, que tinha o rosto oculto por uma balaclava. Os olhos dele e os de Cho se encontraram por um momento. A garota corou e continuou seu caminho.
Harry voltou sua atenção para o tabuleiro de xadrez bem em tempo de ver um dos seus peões ser posto em fuga por um cavalo de Rony.
— Afinal, que... ah... está acontecendo entre você e ela? — perguntou Rony em voz baixa.
— Nada — respondeu Harry sinceramente.
— Eu... ah... ouvi falar que está saindo com outra pessoa agora — disse Hermione, hesitante.
Harry ficou surpreso ao descobrir que a informação não o magoava. A vontade de impressionar Cho parecia pertencer a um passado que já não tinha muita ligação com ele; tantas coisas que ele desejara antes da morte de Sirius ultimamente lhe davam essa sensação... a semana que passara desde que vira Sirius pela última vez parecia ter se prolongado muitíssimo; estendia-se por dois universos, um com Sirius e outro sem ele.
— Ainda bem que você está fora, cara — disse Rony com veemência. — Quero dizer, ela é bem bonita e tudo o mais, mas a gente quer alguém um pouco mais alegre.
— Provavelmente ela é bastante alegre com outro qualquer — disse Harry, sacudindo os ombros.
— Afinal, com quem ela está saindo agora? — perguntou Rony a Hermione, mas foi Gina quem respondeu.
— Miguel Corner.
— Miguel... mas... — disse Rony esticando-se no banco para encarar a irmã. — Mas era você que estava saindo com ele!
— Não estou mais — disse Gina decidida. — Ele não gostou da Grifinória ter vencido a Corvinal no quadribol, e ficou realmente mal-humorado, então dei o fora nele e ele correu para consolar a Cho. — Gina cocou o nariz distraidamente com a pena, virou o Pasquim de cabeça para baixo e começou a marcar as respostas. Rony pareceu encantado da vida.
— Bom, eu sempre achei que ele era meio idiota — disse, avançando sua rainha em direção à torre abalada de Harry. — Que bom para você. Escolha alguém... melhor... da próxima vez.
E lançou um olhar estranhamente furtivo a Harry ao dizer isso.
— Bom, escolhi o Dino Thomas, você diria que é melhor? — perguntou Gina distraída.
— QUÊ? — berrou Rony, virando o tabuleiro de xadrez. Bichento mergulhou atrás das peças, e Edwiges e Píchi piaram zangados do porta-bagagem.
Quando o trem começou a diminuir a velocidade, próximo à estação de King’s Cross, Harry pensou que nunca tivera tão pouca vontade de desembarcar. Chegou a considerar por um momento o que aconteceria se ele simplesmente se recusasse a sair e insistisse em continuar sentado ali, até o dia primeiro de setembro, quando o trem o levaria de volta a Hogwarts. Quando o veículo soltou sua baforada final e parou, porém, ele baixou a gaiola de Edwiges e se preparou para arrastar o malão para fora do trem, como de costume.
Quando o inspetor de bilhetes fez sinal para Harry, Rony e Hermione que era seguro atravessar a barreira mágica entre as plataformas nove e dez, porém, ele encontrou uma surpresa à sua espera do outro lado: estava parado ali um grupo de pessoas que ele jamais imaginara encontrar.
Entre eles, Olho-Tonto Moody, parecendo tão sinistro de chapéu-coco puxado sobre o olho mágico quanto pareceria sem ele, as mãos nodosas segurando um longo bastão, o corpo envolto em uma volumosa capa de viagem. Tonks vinha logo atrás dele, seus cabelos de um rosa chicle de bola berrante refulgindo à luz do sol que se filtrava pela cobertura de vidro sujo da estação, usando uma jeans cheia de remendos e uma camiseta roxo vibrante com os dizeres As Esquisitonas. Ao lado de Tonks estava Lupin, seu rosto pálido, os cabelos grisalhos, um longo casacão puído sobre calça e suéter velhos. A frente do grupo, o Sr. e a Sra. Weasley, vestidos com roupas domingueiras de trouxas, e Fred e Jorge usando jaquetas novas de um tecido verde e escamoso de causar espanto.
— Rony, Gina! — chamou a Sra. Weasley, correndo para apertar os filhos nos braços. — Ah, e Harry querido... como vai você?
— Ótimo — mentiu Harry, quando ela o puxou para um abraço também. Por cima do ombro da bruxa, ele viu Rony de olhos arregalados para as roupas novas dos gêmeos.
— De que tecido eles são feitos? — perguntou ele, apontando para os blusões.
— Da mais fina pele de dragão, maninho — disse Fred, dando uma puxadinha no zíper. — Os negócios estão prosperando e achamos que podíamos nos dar um trato.
— Olá, Harry — disse Lupin, quando a Sra. Weasley o largou e se virou para cumprimentar Hermione.
— Oi — disse Harry. — Eu não esperava... que é que vocês todos estão fazendo aqui?
— Bom — disse Lupin com um leve sorriso —, achamos que talvez pudéssemos dar uma palavrinha com seus tios antes de permitir que eles o levassem para casa.
— Não sei se é uma boa idéia – disse Harry na mesma hora.
— Ah, eu acho que é — rosnou Moody, que se aproximara mais, sempre mancando. — São eles ali, não, Potter?
O bruxo apontou com o polegar por cima do ombro; seu olho mágico evidentemente os espiava pela nuca e pelo chapéu-coco. Harry se inclinou uns centímetros para a esquerda e viu para quem Olho-Tonto estava apontando e, sem dúvida, eram os três Dursley, que pareciam decididamente aterrados com o comitê de recepção de Harry.
— Ah, Harry! — disse o Sr. Weasley dando as costas aos pais de Hermione, a quem ele acabara de cumprimentar entusiasticamente, e que agora se revezavam para abraçar a filha. — Bom... vamos então?
— Acho que sim, Arthur — concordou Moody.
Ele e o Sr. Weasley avançaram pela estação em direção aos Dursley, que aparentemente estavam pregados no chão. Hermione se desembaraçou gentilmente da mãe para acompanhar o grupo.
— Boa-tarde — disse o Sr. Weasley em tom agradável ao tio Válter, parando diante dele. — O senhor talvez se lembre de mim, o meu nome é Arthur Weasley.
Como o Sr. Weasley demolira sozinho a maior parte da sala de estar dos Dursley, há dois anos, Harry teria se admirado muito se o tio o tivesse esquecido. De fato, o tio ficou um tom mais escuro de marrom arroxeado e olhou aborrecido para o Sr. Weasley, mas preferiu não dizer nada, em parte, talvez, porque os Dursley estivessem em minoria de dois por um. Tia Petúnia parecia ao mesmo tempo assustada e constrangida; não parava de olhar para os lados, como se estivesse aterrorizada que alguém a visse em tal companhia.
Nesse meio-tempo, Duda dava a impressão de querer parecer pequeno e insignificante, um feito em que estava tendo um fracasso retumbante.
— Achamos que gostaríamos de dar uma palavrinha com o senhor a respeito de Harry — disse o Sr. Weasley ainda sorrindo.
— É — rosnou Moody. — A respeito da maneira com que ele é tratado quando está em sua casa.
Os bigodes do tio Válter pareceram se eriçar de indignação. Possivelmente porque o chapéu-coco lhe dera a impressão inteiramente equivocada de estar tratando com uma alma afim, ele se dirigiu a Moody.
— Não tenho ciência de que seja de sua conta o que acontece em minha casa...
— Imagino que tudo de que você não tem ciência poderia encher vários livros, Dursley — rosnou Moody.
— Em todo o caso, isto não está em questão — interpôs Tonks, cujos cabelos cor-de-rosa pareciam agredir tia Petúnia mais do que todo o resto junto, pois ela preferiu fechar os olhos a encarar a moça. — A questão é que achamos que vocês têm sido abomináveis com o Harry...
— E não se enganem, saberemos o que fizerem — acrescentou Lupin em tom agradável.
— Verdade — disse o Sr. Weasley. — Mesmo que não deixem Harry usar o felitone.
— Telefone — sussurrou Hermione.
— É, se tivermos a menor suspeita de que Harry foi maltratado de alguma forma, vocês terão de se ver conosco — disse Moody.
Tio Válter inchou agourentamente. Sua indignação pareceu ultrapassar até o seu medo de um bando de excêntricos.
— O senhor está me ameaçando? — disse em voz tão alta que alguns transeuntes chegaram a parar para olhar.
— Estou — confirmou Olho-Tonto, que parecia muito satisfeito de que tio Válter tivesse entendido tão rapidamente.
— E eu pareço o tipo de homem que se deixa intimidar? — vociferou ele.
— Bom... — disse Moody, afastando o chapéu-coco da testa para mostrar o olho mágico que girava sinistramente. Tio Válter saltou para trás horrorizado e colidiu dolorosamente com um carrinho de bagagem. — Eu teria de dizer que sim, Dursley.
Deu as costas ao tio Válter para examinar Harry.
— Então, Potter... dê um grito se precisar de nós. Se não soubermos notícias suas três dias seguidos, mandaremos alguém...
Tia Petúnia choramingou lastimavelmente. Não poderia estar mais claro que estava pensando no que os vizinhos diriam se avistassem alguma dessas pessoas entrando pelo seu jardim.
— Tchau, então, Potter — disse Moody, segurando com a mão nodosa o ombro de Harry por um momento.
— Cuide-se, Harry — disse Lupin em voz baixa. — Mande notícias.
— Harry, tiraremos você de lá assim que pudermos — sussurrou a Sra. Weasley abraçando-o mais uma vez.
— Veremos você em breve, cara — disse Rony ansioso, apertando a mão de Harry.
— Muito breve, Harry — disse Hermione, séria. — Prometemos.
Harry sacudiu a cabeça. Por alguma razão não conseguia encontrar palavras para dizer o que significava para ele vê-los ali enfileirados, ao seu lado. Em lugar de falar, sorriu, ergueu a mão num gesto de despedida, virou-se e saiu da estação para a rua ensolarada, com tio Válter, tia Petúnia e Duda andando depressa para acompanhá-lo.

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