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junho 04, 2014
Capítulo 7
— Eu já concordei que foi suspeito, Harry — impacientou-se Hermione. Ela estava sentada no parapeito da janela do quarto de Fred e Jorge, com os pés apoiados em uma das caixas de papelão, e foi tão contrariada que ergueu os olhos do seu novo livroTradução avançada das runas. — E não acabamos concordando, também, que poderia haver muitas explicações?
— Talvez ele tenha quebrado a Mão da Glória dele — disse Rony distraidamente, consertando as cerdas tortas da cauda de sua vassoura. — Lembra aquele braço murcho que Malfoy tinha?
— Mas e quando ele disse “E não se esqueça de guardar isso em lugar seguro”? — perguntou Harry pela enésima vez. — Tive a impressão de que Borgin tinha o par do objeto quebrado e Malfoy queria os dois.
— É o que você acha? — quis saber Rony, agora tentando raspar uma sujeira do punho da vassoura.
— É — confirmou Harry. Mas não recebendo resposta nem de Rony nem de Hermione, acrescentou: — O pai de Malfoy está em Azkaban. Vocês não acham que ele gostaria de se vingar?
Rony ergueu a cabeça, piscando.
— Malfoy, se vingar? Que é que ele pode fazer?
— Esse é o problema, eu não sei! — respondeu Harry frustrado. — Mas ele está armando alguma, e acho que devíamos levar isso a sério. O pai dele é um Comensal da Morte e...
Harry parou de falar, seu olhar se fixou na janela atrás de Hermione, sua boca abriu. Acabara de lhe ocorrer uma idéia espantosa.
— Harry? — chamou Hermione ansiosa. — Que aconteceu?
— Sua cicatriz está doendo outra vez? — perguntou Rony nervoso.
— Ele é um Comensal da Morte — disse Harry lentamente. — Substituiu o pai como Comensal da Morte!
Fez-se um silêncio, e então Rony explodiu em uma gargalhada.
— Malfoy? Ele tem dezesseis anos, Harry! Você acha que Você-Sabe-Quem deixaria Malfoy se alistar?
— Acho muito improvável, Harry — comentou Hermione em um tom meio repressor. — Que é que faz você pensar...?
— Na loja da Madame Malkin. Ela nem chegou a tocar nele, Malfoy gritou e puxou o braço quando ela quis enrolar a manga da roupa dele. Era o braço esquerdo. Tatuaram a fogo a Marca Negra.
Rony e Hermione se entreolharam.
— Bem... — disse Rony, ainda sem convicção.
— Acho que ele só queria sair da loja, Harry — argumentou Hermione.
— Ele mostrou a Borgin uma coisa que não pudemos ver — contrapôs Harry com teimosia. — Uma coisa que deixou Borgin apavorado. Foi a Marca, sei que foi... ele mostrou ao bruxo com quem ele estava falando, e vocês viram que Borgin o levou muito a sério!
Rony e Hermione tornaram a se entreolhar.
— Não tenho certeza, Harry...
— E, continuo achando que Você-Sabe-Quem não deixaria Malfoy se alistar... — Contrariado, mas absolutamente convencido de que tinha razão, Harry passou a mão em uma pilha de uniformes de quadribol sujos e saiu do quarto. Fazia dias que a Sra. Weasley estava pedindo que não deixassem a roupa suja e a arrumação das malas para o último instante. No patamar da escada, Harry colidiu com Gina, que subia para o próprio quarto levando uma pilha de roupa lavada.
— Eu não entraria na cozinha neste momento — alertou-o a garota. — Tem muita Fleuma no pedaço...
— Vou tomar cuidado para não escorregar — brincou Harry. Realmente, quando entrou na cozinha, Harry viu Fleur sentada à mesa, falando animada sobre seus planos para o casamento com Gui, enquanto a Sra. Weasley vigiava de cara feia uma pilha de brotos que se descascavam.
— ...Gui e eu prraticamente decidimes que querremos só duas damas de honra, Gina e Gabrrielle vam ficarr uma grraças juntes. Stou pensande em vestirr as duas de ourro clarre... naturralmente rrose ficarrie horrívell com os cabeles da Gina.
— Ah, Harry! — exclamou em voz alta a Sra. Weasley, interrompendo o monólogo de Fleur. — Que bom, eu queria lhe explicar as medidas de segurança para a viagem a Hogwarts amanhã. Teremos carros do Ministério e aurores aguardando na estação...
— Tonks vai estar lá? — perguntou Harry, entregando-lhe as roupas de quadribol.
— Não, acho que não, ela foi designada para outro posto, pelo que me disse o Arthur.
— Ela se entrregou à depresson, aquele Tonks — admirou-se Fleur, examinando sua imagem estonteante nas costas de uma colher. — Um grrande erre, se querrem saber...
— Queremos, muito obrigada — disse a Sra. Weasley acidamente, atalhando Fleur outra vez. — É melhor você se apressar Harry, quero os malões prontos hoje à noite, se possível, para não termos a correria de última hora de sempre.
E, de fato, a partida na manhã seguinte transcorreu mais tranqüila do que o normal. Quando os carros do Ministério pararam suavemente à frente d’A Toca, encontraram tudo à espera: os malões, o gato de Hermione, Bichento — bem acomodado em seu cesto de viagem —, Edwiges, a coruja de Rony, Pichitinho e Arnaldo, o recente Mini-Pufe roxo de Gina, nas gaiolas.
— Au revoir, Arry — disse Fleur com sua voz gutural, dando-lhe um beijo de despedida. Rony adiantou-se rápido, esperançoso, mas Gina esticou a perna e o irmão caiu esparramado no chão aos pés de Fleur. Furioso, com a cara vermelha e suja de terra, ele entrou ligeiro no carro, sem se despedir.
Não encontraram o bem-humorado Hagrid aguardando na estação de King’s Cross. Dois aurores barbudos, muito sérios e vestindo ternos de trouxas, se aproximaram no instante em que os carros pararam e flanquearam o grupo, sem dizer uma palavra, para conduzi-lo à estação.
— Andem, andem, atravessem a barreira — apressou-os a Sra. Weasley, que parecia um pouco nervosa com aquela eficiência formal. — É melhor Harry ir primeiro, com...
E lançou um olhar de indagação a um dos aurores, que fez um breve aceno de cabeça, agarrou Harry pelo braço e tentou guiá-lo em direção à barreira entre as plataformas nove e dez.
— Sei andar, obrigado — falou Harry irritado, desvencilhando o braço do aperto do auror. Empurrou, então, o carrinho de bagagem diretamente para a barreira, ignorando seu companheiro silencioso, e viu-se, um segundo depois, na plataforma nove e meia, onde já se encontrava o Expresso vermelho de Hogwarts, lançando fumaça sobre a multidão.
Segundos depois, Hermione e os Weasley se reuniram a ele. Sem consultar o auror carrancudo, Harry fez sinal a Rony e Hermione para acompanhá-lo, à procura de um compartimento vazio.
— Não podemos, Harry — disse Hermione, desculpando-se. — Rony e eu temos de ir ao carro dos monitores primeiro e depois patrulhar os corredores por um tempo.
— Ah, é, me esqueci.
— É melhor vocês irem direto para o trem, só faltam alguns minutos — avisou a Sra. Weasley, consultando o relógio. — Bem, um bom trimestre, Rony...
— Sr. Weasley, posso dar uma palavrinha com o senhor? — perguntou Harry, tomando uma repentina decisão.
— Claro — respondeu o bruxo, ligeiramente surpreso, mas acompanhou Harry até um ponto da plataforma em que não podiam ser ouvidos.
Harry refletira longamente e chegara à conclusão de que, se ia contar a alguém, o Sr. Weasley seria a pessoa certa; primeiro porque ele trabalhava no Ministério e, portanto, estava em melhor posição de aprofundar as investigações; e, segundo, porque achava que o risco do Sr. Weasley ter uma explosão de raiva era pequeno.
Quando se afastaram, ele viu a Sra. Weasley e o auror sério lançarem aos dois olhares desconfiados.
— Quando estávamos no Beco Diagonal... — começou Harry, mas o Sr. Weasley antecipou-se a ele com uma careta.
— Será que estou prestes a descobrir aonde você, Rony e Hermione foram enquanto pensávamos que estivessem na sala dos fundos da loja de Fred e Jorge?
— Como foi que o senhor...?
— Por favor, Harry. Você está falando com o homem que criou Fred e Jorge.
— Ãh... sim, tudo bem, não estávamos na sala dos fundos.
— Muito bem, então, vamos ouvir o pior.
— Bem, seguimos o Draco Malfoy. Usamos a minha Capa da Invisibilidade.
— Vocês tiveram alguma razão para fazer isso ou foi só um capricho?
— Achei que o Malfoy estava armando alguma coisa — respondeu Harry, fingindo não ver a cara do Sr. Weasley em que se misturavam a irritação e o divertimento. — Ele tinha despistado a mãe, e eu queria saber por quê.
— E naturalmente ficou sabendo — disse o bruxo resignado. — Então? Descobriu por quê?
— Ele foi a Borgin & Burkes e começou a intimidar o cara lá, o Borgin, para ajudá-lo a consertar alguma coisa. E disse que queria que reservasse uma coisa para ele. Falou de um jeito que pareceu que era o mesmo tipo de coisa que precisava de conserto. Como se formassem um par. E...
Harry tomou fôlego.
— E tem mais uma coisa. Vimos o Malfoy subir nas paredes quando a Madame Malkin tentou tocar seu braço esquerdo. Acho que ele foi tatuado com a Marca Negra. Acho que substituiu o pai como Comensal da Morte.
O Sr. Weasley pareceu confuso. Passado um momento, disse:
— Harry, duvido que Você-Sabe-Quem permitisse que um garoto de dezesseis anos...
— Será que alguém sabe realmente o que Você-Sabe-Quem faria ou não faria? — perguntou Harry zangado. — Sr. Weasley, me desculpe, mas será que não vale a pena investigar? Se Malfoy quer mandar consertar alguma coisa e precisa ameaçar Borgin para conseguir, provavelmente é alguma coisa das trevas ou perigoso, não é?
— Para ser sincero, eu duvido, Harry — respondeu o Sr. Weasley lentamente. — Sabe, quando Lúcio Malfoy foi preso, revistamos a casa dele. Removemos tudo que pudesse ser perigoso.
— Acho que deixaram escapar alguma coisa na revista — teimou Harry.
— Bem, talvez — disse o Sr. Weasley, mas Harry percebeu que o bruxo estava apenas tentando não contrariá-lo.
Um apito soou às suas costas; quase todos já tinham embarcado e as portas do trem estavam fechando.
— É melhor se apressar — disse o Sr. Weasley, quando a Sra. Weasley gritou:
— Harry, se apresse!
Ele correu para o trem, e o casal Weasley ajudou-o a embarcar o malão.
— Lembre-se querido, vem passar o Natal conosco, já combinamos com o Dumbledore, então logo o veremos — disse a Sra. Weasley pela janela, enquanto Harry batia a porta e o trem começava a se mover. — Não se esqueça de se cuidar e...
O trem ganhou velocidade.
— ...comporte-se e...
Ela agora corria para acompanhar o trem.
— ...não se exponha!
Harry acenou até o trem fazer a primeira curva, e o Sr. Weasley e a Sra. Weasley desaparecerem de vista. Então, se virou para localizar os amigos. Supunha que Rony e Hermione estivessem enclausurados no carro dos monitores, mas Gina estava mais adiante no corredor, conversando com alguns amigos. Encaminhou-se para ela, arrastando o malão.
As pessoas o encararam abertamente quando ele se aproximou. Chegavam a colar os rostos nas janelas dos compartimentos para espiar melhor. Imaginara que haveria um crescimento no número de bocas abertas e olhares de curiosidade que teria de suportar neste trimestre depois da boataria sobre “o Eleito”, publicada no Profeta Diário, mas não gostava da sensação de estar parado sob holofotes. Bateu de leve no ombro de Gina.
— Quer procurar outro compartimento?
— Não posso, Harry, prometi me encontrar com o Dino — respondeu a garota animada. — Vejo você depois.
— Certo. — Harry sentiu uma estranha fisgada de contrariedade quando ela se afastou, os longos cabelos ruivos dançando nas suas costas. Ele se acostumara de tal maneira à sua presença no verão que quase se esquecera de que Gina não andava com ele, Rony e Hermione quando estavam na escola. Piscou e olhou ao seu redor: estava cercado de garotas hipnotizadas.
— Oi, Harry! — disse uma voz conhecida atrás dele.
— Neville! — exclamou Harry aliviado, virando-se para olhar o garoto de rosto redondo que tentava se aproximar.
— Olá, Harry — cumprimentou uma garota de cabelos longos e olhos sonhadores, que vinha logo atrás de Neville.
— Luna, oi, como vai?
— Ótima, obrigada. — Apertava uma revista contra o peito; letras garrafais anunciavam que dentro dela havia um par de Espectrocs.
— O Pasquim continua firme e forte? — perguntou Harry, que sentia um certo carinho pela revista, à qual dera uma entrevista exclusiva no ano anterior.
— Ah, sim, a circulação aumentou muito — respondeu Luna, feliz.
— Vamos procurar um lugar para sentar? — convidou Harry, e os três atravessaram o trem em meio à curiosidade silenciosa de hordas de alunos. Por fim, encontraram um compartimento vazio em que, agradecido, Harry entrou rapidamente.
— Estão olhando até para nós — comentou Neville, incluindo Luna em seu gesto. — Só porque estamos com você!
— Estão olhando para você porque também esteve no Ministério — lembrou Harry, enquanto erguia o malão para guardá-lo no bagageiro. — A nossa pequena aventura por lá esteve nas páginas do Profeta Diário, você deve ter visto.
— Vi, achei que vovó ficaria danada com aquela publicidade toda — contou Neville —, mas ela ficou realmente satisfeita. Diz que demorei, mas que, enfim, estou começando a honrar o meu pai. E até me comprou uma varinha nova, veja!
E tirou a varinha para mostrá-la a Harry.
— Cerejeira e pêlo de unicórnio — anunciou orgulhoso. — Achamos que foi uma das últimas que Olivaras vendeu, ele desapareceu no dia seguinte... ei, volta aqui, Trevo!
Neville mergulhou embaixo do banco para recuperar o sapo que fazia mais uma tentativa de ganhar a liberdade.
— Vamos continuar com as reuniões da AD este ano, Harry? — perguntou Luna, destacando um par de óculos psicodélicos das páginas do Pasquim.
— Não faz muito sentido agora que nos livramos da Umbridge, não é? — indagou Harry, sentando-se. Neville bateu com a cabeça ao sair de baixo do banco. Parecia muito desapontado.
— Eu gostava da AD! Aprendi um montão de coisas com você!
— Eu gostei das reuniões também — concordou Luna, serenamente. — Era como se eu tivesse amigos.
Foi um daqueles comentários inconvenientes que Luna fazia com freqüência e que produziam em Harry uma sensação de pena e constrangimento, ao mesmo tempo. Antes que pudesse responder, porém, houve uma agitação à porta do compartimento; um grupo de garotas do quarto ano estava cochichando e rindo bobamente junto à janela.
— Você pergunta!
— Eu não, você!
— Eu pergunto!
Uma delas, então, com ar decidido, queixo saliente, grandes olhos e cabelos negros, abriu a porta e entrou.
— Oi, Harry, eu sou Romilda, Romilda Vane — apresentou-se em voz alta e confiante. — Por que não vem se reunir a nós em nosso compartimento? Não precisa se sentar com eles — acrescentou com um sussurro teatral, apontando para o traseiro que Neville deixara de fora ao tatear embaixo do banco, à procura do Trevo, e para Luna, agora usando seus Espectrocs promocionais, que lhe davam a aparência de uma coruja demente e multicolorida.
— Eles são meus amigos — respondeu Harry com frieza.
— Ah — exclamou a garota, fazendo ar de grande surpresa. — Ah. O.k. E retirou-se, fechando a porta ao sair.
— As pessoas esperam que você tenha amigos mais legais que nós — comentou Luna, demonstrando mais uma vez o seu talento para a rude franqueza.
— Vocês são legais — disse Harry resumindo. — Nenhuma delas esteve no Ministério. Não combateram comigo.
— Que coisa gostosa de se ouvir — comentou uma sorridente Luna, que ajeitou os Espectrocs na ponte do nariz e se acomodou para ler O Pasquim.
— Mas não enfrentamos ele — disse Neville, levantando-se com os cabelos cheios de cotão e poeira e um Trevo com ar resignado na mão. — Você sim. Devia ouvir minha avó falando de você. “Aquele Harry tem mais coragem do que todo o Ministério da Magia junto!” Ela daria tudo para ter você como neto...
Harry riu, sem graça, e mudou de assunto assim que pôde, comentando os resultados dos N.O.M.s. Enquanto Neville recitava suas notas e se perguntava em voz alta se poderia fazer o curso avançado de Transfiguração tendo tirado apenas um “Aceitável”, Harry o observava sem realmente escutar.
A infância de Neville fora arruinada por Voldemort tal como a de Harry, mas o amigo não fazia a menor idéia de como chegara perto de ter o destino dele. A profecia poderia ter se referido a qualquer um dos dois, contudo, por razões próprias e insondáveis, Voldemort preferira acreditar que se referia a Harry.
Se Voldemort tivesse escolhido Neville, ele é quem estaria sentado diante de Harry com a cicatriz em forma de raio e o peso da profecia... ou será que não? Será que a mãe de Neville teria morrido para salvá-lo, como Lílian morrera por Harry? Com certeza que sim... mas e se não tivesse conseguido se interpor entre Voldemort e o filho? Então, será que não haveria “Eleito” algum? Só um banco vazio onde Neville se sentava agora e um Harry sem cicatriz que teria recebido um beijo de despedida de sua mãe e não da de Rony?
— Você está bem, Harry? Está com uma cara estranha — comentou Neville. Harry se assustou.
— Desculpe... eu...
— Foi atacado por um zonzóbulo? — perguntou Luna gentilmente, observando Harry através de seus enormes Espectrocs multicoloridos.
— Eu... fui o quê?
— Um zonzóbulo... são invisíveis, entram pelos ouvidos e baralham o cérebro da gente — explicou ela. — Pensei ter pressentido um voando por aqui.
Ela agitou as mãos no ar, como se espantasse enormes mariposas invisíveis. Harry e Neville se entreolharam e começaram depressa a discutir quadribol.
Das janelas do trem, entrevia-se o tempo enevoado aqui e claro mais adiante, como estivera o verão inteiro; eles passavam por trechos de névoa enregelante seguidos por outros em que o sol brilhava fracamente. Foi em um desses em que aparecia o sol, quase a pino, que Rony e Hermione finalmente entraram no compartimento.
— Gostaria que o carrinho do lanche viesse logo, estou faminto — anunciou Rony ansioso, largando-se no banco ao lado de Harry esfregando a barriga. — Oi, Neville, oi, Luna. Querem saber da novidade? — acrescentou ele, virando-se para Harry. — Malfoy não está cumprindo as tarefas de monitor. Está sentado no compartimento dele com colegas da Sonserina, vimos quando passamos.
Harry sentou-se direito, interessado. Não era do feitio de Malfoy perder uma oportunidade de exercer o seu poder de monitor, função de que usara e abusara durante todo o ano anterior.
— Que foi que ele fez quando viu vocês?
— O de sempre — respondeu Rony com indiferença, ilustrando com um gesto obsceno. — Mas não é do feitio dele, não é? Bem, isto aqui é — e repetiu o gesto —, mas por que não está nos corredores intimidando os alunos do primeiro ano?
— Sei lá — retrucou Harry, mas sua cabeça estava a mil por hora. Será que isto não indicaria que Malfoy tinha coisas mais importantes em que pensar do que implicar com alunos mais novos?
— Vai ver ele preferia a Brigada Inquisitorial — sugeriu Hermione.
— Vai ver que, depois da brigada, não tem mais graça ser monitor.
— Acho que não — falou Harry —, acho que ele...
Mas, antes que pudesse expor sua teoria, a porta do compartimento tornou a se abrir e entrou uma garota do terceiro ano.
— Mandaram entregar isto a Neville Longbottom e Harry P-Potter — gaguejou ela corando, quando seus olhos encontraram os de Harry. Estendeu a mão em que segurava dois rolos de pergaminho presos por uma fita violeta. Perplexos, Harry e Neville apanharam cada um o seu e a garota saiu aos tropeços do compartimento.
— Que é isso? — perguntou Rony, enquanto Harry desenrolava o pergaminho.
— Um convite.
Harry,
Eu teria grande prazer se você me fizesse companhia ao almoço no compartimento C.
Sinceramente, professor H.E.E Slughorn
— Quem é o professor Slughorn? — perguntou Neville, olhando o convite com ar de espanto.
— Novo professor — respondeu Harry. — Bem, acho que teremos de ir, não é?
— Mas por que ele me convidou? — indagou Neville nervoso, como se esperasse uma detenção.
— Não faço a menor idéia. — O que não era bem verdade, embora não tivesse provas de que o seu palpite estivesse certo. — Escute aqui — acrescentou, tomado por repentina intuição —, vamos usar a Capa da Invisibilidade, e a caminho a gente talvez possa dar uma boa olhada no Malfoy, ver o que ele anda tramando.
A idéia, porém, não foi adiante: era impossível atravessar os corredores, cheios de gente à espera do carrinho do lanche, usando a Capa da Invisibilidade. Frustrado, Harry guardou-a na mochila, refletindo que teria sido uma boa idéia usá-la ao menos para evitar os olhares curiosos, que pareciam ter se multiplicado desde a última vez que percorrera o trem. De vez em quando, estudantes se atiravam no corredor para dar uma boa olhada nele. A exceção foi Cho Chang, que se enfurnou depressa no compartimento ao ver Harry se aproximando. Quando passou pela janela, ele a viu muito entretida conversando com a amiga Marieta, que, embora usasse uma grossa camada de maquiagem, não conseguia disfarçar completamente a estranha formação de espinhas no rosto. Com um leve sorriso, Harry seguiu em frente.
Quando chegaram ao compartimento C, viram que não eram os únicos convidados de Slughorn, embora, a julgar pela recepção entusiástica do professor, Harry fosse o mais esperado.
— Harry, meu rapaz! — exclamou Slughorn, erguendo-se rápido e de tal jeito que sua enorme barriga coberta de veludo pareceu ocupar o espaço que restava no compartimento. Sua careca lisa e a bigodeira prateada refulgiam tão intensamente à luz do sol quanto os botões dourados do seu colete. — Que bom vê-lo, que bom vê-lo! E o senhor deve ser o Sr. Longbottom! — Neville assentiu, com ar amedrontado. A um gesto de Slughorn, eles se sentaram um defronte ao outro nos dois únicos lugares vazios, e mais próximos da porta. Harry correu o olhar pelos convidados. Reconheceu um aluno da Sonserina da mesma série que ele, um negro alto com os malares salientes e olhos muito puxados; havia ainda dois rapazes da sétima série que Harry não conhecia e, espremida a um canto junto a Slughorn, Gina, parecendo não saber muito bem como chegara ali.
— Bem, vocês conhecem todo o mundo? — perguntou Slughorn aos recém-chegados. — Blásio Zabini, da mesma série que você, é claro...
Zabini não fez sinal algum de reconhecimento nem de cumprimento, no que foi imitado por Harry e Neville: por princípio, alunos da Grifinória e da Sonserina se detestavam.
— Este é Córmaco McLaggen, talvez já tenham se visto? Não? — McLaggen, um jovem corpulento de cabelos crespos e armados, ergueu a mão, e Harry e Neville retribuíram com um aceno de cabeça.
— ...e este é Marcos Belby, não sei se... — Belby, que era magro e nervoso, sorriu tenso.
— ...e esta encantadora jovem me diz que já os conhece! — terminou Slughorn. Gina fez uma careta para Harry e Neville por trás do professor.
— Bem, isto é muito agradável — comentou Slughorn acolhedoramente. — Uma oportunidade de conhecê-los um pouco melhor. Aqui, apanhem um guardanapo. Trouxe o meu próprio almoço; o carrinho, segundo me lembro, tem muita Varinha de Alcaçuz, e o aparelho digestivo de um pobre velho não dá mais conta dessas coisas... faisão, Belby?
Belby se sobressaltou e aceitou algo que parecia a metade de um faisão.
— Eu estava contando ao jovem Marcos aqui que tive o prazer de ser professor do seu tio Dâmocles — disse Slughorn a Harry e Neville, passando agora uma cesta de pães. — Um bruxo excepcional que mereceu de fato a Ordem de Merlim. Você vê o seu tio com freqüência, Marcos?
Infelizmente, Belby acabara de encher a boca de faisão; na pressa de responder a Slughorn, engoliu rápido demais, arroxeou e começou a sufocar.
— Anapneo — ordenou Slughorn calmamente, apontando a varinha para o rapaz, cujas vias respiratórias desobstruíram na mesma hora.
— Não... não muita, não — arquejou Belby, as lágrimas escorrendo.
— Bem, naturalmente, imagino que esteja ocupado — replicou Slughorn, lançando um olhar indagador a Belby. — Duvido que tenha inventado a Poção de Acônito sem considerável esforço!
— Suponho que sim... — concordou Belby, que pareceu receoso de comer outra garfada de faisão até ter certeza de que o professor terminara a conversa. — Ãh... ele e o meu pai não se dão muito bem, entende, então realmente não sei muita coisa sobre...
Sua voz foi sumindo quando Slughorn lhe deu um sorriso frio e se virou para McLaggen.
— Agora, você, Córmaco — disse o professor —, por acaso sei que sempre vê o seu tio Tibério, porque ele tem uma esplêndida foto de vocês dois caçando rabicurtos em Norfolk, presumo.
— Ah, sim, foi divertida, aquela caçada — comentou McLaggen. — Fomos com Berto Higgs e Rufo Scrimgeour, antes que se tornasse ministro, obviamente...
— Ah, você também conhece Berto e Rufo? — disse o sorridente Slughorn, agora oferecendo aos convidados uma pequena travessa de tortinhas; mas pulando Belby. — Agora me diga...
Era o que Harry suspeitava. Todos ali pareciam ter sido convidados porque estavam ligados a alguém famoso ou influente — todos exceto Gina. Zabini, interrogado depois de McLaggen, era filho de uma bruxa famosa por sua beleza (pelo que Harry pôde entender, ela casara sete vezes e cada marido morrera misteriosamente, deixando-lhe montanhas de ouro). A seguir foi a vez de Neville: foram dez minutos muito desconfortáveis, porque os pais de Neville, aurores muito conhecidos, tinham sido torturados até enlouquecer por Belatriz Lestrange e seus companheiros Comensais da Morte. Quando terminou a entrevista de Neville, Harry teve a impressão de que Slughorn ainda não formara uma opinião sobre ele, e isso dependia de Neville possuir algum dos talentos dos pais.
— E agora — disse Slughorn, virando o corpo no banco com a pose de um apresentador de TV anunciando sua principal atração. — Harry Potter! Por onde começar? Sinto que mal cheguei a conhecê-lo quando nos encontramos no verão!
Ele contemplou Harry Potter por um momento, como se ele fosse um pedaço particularmente grande e suculento de faisão, então disse:
— “O Eleito”, é como estão chamando-o agora!
Harry ficou calado. Belby, McLaggen e Zabini, todos o encaravam.
— Naturalmente — continuou Slughorn, observando Harry com atenção —, correm boatos há muitos anos... lembro-me quando, bem, depois daquela noite terrível, Lílian, Tiago, mas você sobreviveu e diziam que devia ter poderes extraordinários...
Zabini deu uma tossidinha, nitidamente indicando sua debochada incredulidade. Uma voz zangada interveio inesperadamente às costas de Slughorn.
— É, Zabini, porque você tem tanto talento... para fazer pose...
— Minha nossa! — brincou Slughorn rindo, e virou a cabeça para Gina, que encarava Zabini do outro lado da enorme pança do bruxo. — É melhor ter cuidado, Blásio! Vi esta mocinha executar uma maravilhosa azaração para rebater bicho-papão quando estava passando pelo compartimento dela! Eu não a irritaria!
Zabini simplesmente fez um ar de desprezo.
— Seja como for — continuou Slughorn, dirigindo-se novamente a Harry —, os boatos que correram neste verão! Naturalmente, não se sabe em que acreditar, o Profeta Diário já publicou muitas inverdades, cometeu enganos, mas parece não haver muita dúvida, dado o número de testemunhas, que houve no Ministério um grande tumulto, e que você esteve no meio dele!
Harry, que não viu como sair desse aperto sem pregar uma deslavada mentira, concordou com um aceno de cabeça, mas continuou calado. Slughorn sorriu para ele.
— Tão modesto, tão modesto, não admira que Dumbledore goste tanto... você esteve lá, então? Mas as outras histórias... tão sensacionais, é claro, a pessoa não sabe bem em que acreditar... a famosa profecia, por exemplo...
— Não ouvimos nenhuma profecia. — Neville ficou rosado como um gerânio ao dizer isso.
— Verdade — confirmou Gina, lealmente. — Neville e eu também estivemos lá, e essa baboseira de “o Eleito” é invenção do Profeta como sempre.
— Vocês dois também estiveram lá? — perguntou Slughorn muito interessado, seu olhar indo de Gina para Neville. Os dois, no entanto, ficaram calados frente ao seu sorriso encorajador. — É... é bem verdade que o Profeta muitas vezes exagera, sem dúvida — continuou Slughorn, um pouco desapontado. — Eu me lembro de Gwenog Jones, quero dizer, claro, a capitã do Harpias de Holyhead...
E o professor se perdeu em uma longa reminiscência, mas Harry teve a nítida impressão de que Slughorn ainda não dera por encerrada a conversa com ele e que não se deixara convencer por Neville e Gina.
A tarde foi passando com um desfile de histórias sobre bruxos ilustres dos quais Slughorn fora professor, todos encantados em participar do “Clube do Slugue”, em Hogwarts. Harry mal conseguia esperar para ir embora, mas não via como fazer isso educadamente. Por fim, o trem passou de mais um longo trecho de névoa para um rubro pôr-de-sol, e Slughorn se virou para os lados piscando na penumbra.
— Santo Deus, já está escurecendo! Não notei que já tinham acendido as luzes! É melhor vocês irem trocar de roupa, todos vocês. McLaggen, passe na minha sala para eu lhe emprestar o livro sobre os rabicurtos. Harry, Blásio, a qualquer hora que estiverem nas redondezas. O mesmo vale para a senhorita. — Ele piscou para Gina. — Muito bem, vão andando, vão andando!
Quando passou por Harry para alcançar o corredor sombrio, Zabini lançou-lhe um olhar feio que Harry retribuiu com interesse. Ele, Gina e Neville acompanharam o rapaz ao longo do trem.
— Que bom que terminou — murmurou Neville. — Cara estranho, não é?
— É, um pouco — respondeu Harry com os olhos em Zabini. — Como foi que você acabou convidada, Gina?
— Ele me viu azarando Zacarias Smith, lembra aquele idiota da Lufa-Lufa que estava na AD? Ele não parava de me perguntar o que aconteceu no Ministério, e no fim me aborreceu tanto que o azarei; quando Slughorn entrou, pensei que ia ganhar uma detenção, mas ele achou que tinha sido uma ótima azaração e me convidou para almoçar. Piração, né?
— É uma razão melhor para se convidar alguém do que ter mãe famosa — respondeu Harry, lançando um olhar mal-humorado para a nuca de Zabini — ou ter um tio que...
Ele interrompeu o que ia dizendo. Acabara de lhe ocorrer uma idéia, imprudente mas potencialmente maravilhosa... em um minuto, Zabini ia tornar a entrar no compartimento do sexto ano da Sonserina, onde Malfoy estaria sentado, achando que ninguém mais o ouvia exceto os colegas da Casa... se Harry pudesse entrar sem ser visto, atrás de Zabini, que poderia ver ou ouvir? É verdade que faltava pouco para terminar a viagem — a estação de Hogsmeade devia estar a menos de meia hora, a julgar pela rusticidade do cenário que passava pelas janelas —, mas ninguém mais parecia disposto a levar a sério suas suspeitas. Portanto, cabia a ele comprová-las.
— Vejo vocês depois — murmurou, puxando a Capa da Invisibilidade e atirando-a sobre o corpo.
— Mas que é que você...? — perguntou Neville.
— Depois! — sussurrou Harry, disparando atrás de Zabini o mais silenciosamente que pôde, embora o barulho do trem tornasse tal cautela quase sem sentido.
Os corredores estavam praticamente vazios agora. A maioria dos estudantes voltara aos seus carros para vestir os uniformes escolares e juntar seus pertences. Embora estivesse o mais próximo que podia de Zabini, sem tocá-lo, Harry não foi ágil o suficiente para entrar no compartimento quando o rapaz abriu a porta. Zabini já ia fechando-a quando ele esticou depressa o pé para travá-la.
— Que aconteceu com essa coisa? — exclamou Zabini, zangado, batendo a porta várias vezes no obstáculo.
Harry agarrou a porta e abriu-a com força; Zabini, que ainda segurava a maçaneta, caiu de lado no colo de Gregório Goyle e, na confusão que se seguiu, Harry invadiu o compartimento, pulou para o lugar de Zabini, naquele momento vazio, e dali se guindou para o bagageiro. Foi uma sorte que Goyle e Zabini estivessem rosnando um para o outro, atraindo os olhares dos presentes, porque Harry tinha certeza de que deixara os pés e os tornozelos de fora quando a capa esvoaçou; de fato, por um terrível instante, ele pensou ter visto o olhar de Malfoy acompanhar seu tênis quando subiu e desapareceu de vista; mas Goyle bateu a porta e empurrou Zabini. Este caiu no lugar que era seu, irritado, Vicente Crabbe voltou a ler sua revistinha e Malfoy, rindo, tornou a esticar-se em dois bancos e a descansar a cabeça no colo de Pansy Parkinson. Harry se encolheu, desconfortável, sob a capa, preocupado em cobrir cada centímetro do seu corpo, e ficou observando Pansy alisar para longe da testa os cabelos louros e sedosos de Draco, sorrindo satisfeita como se qualquer um no mundo adorasse estar em seu lugar. Os lampiões pendurados no teto do trem lançavam uma luz forte sobre a cena: Harry podia ler cada palavra da revistinha de Crabbe diretamente abaixo dele.
— Então, Zabini — perguntou Malfoy —, que é que o Slughorn queria?
— Puxar o saco de gente bem relacionada — respondeu o rapaz ainda olhando feio para Goyle. — Não que tivesse encontrado muita gente.
A informação aparentemente não agradou a Malfoy.
— Quem mais ele convidou?
— McLaggen, da Grifinória.
— Ah, sei, ele tem um tio importante no Ministério — disse Malfoy.
— ...outro chamado Belby, da Corvinal...
— Não, esse é um retardado! — exclamou Pansy.
— ...e Longbottom, Potter e aquela garota Weasley — concluiu Zabini. Malfoy sentou-se de repente, empurrando a mão de Pansy para o lado.
— Ele convidou Longbottom?
— Suponho que sim, porque o Longbottom estava lá — respondeu Zabini, indiferente.
— Que é que o Longbottom tem que possa interessar o Slughorn? — Zabini sacudiu os ombros.
— Potter, o precioso Potter, obviamente ele queria dar uma olhada no “Eleito” — desdenhou Malfoy. — Mas e a garota Weasley? Que é que ela tem de especial?
— Tem muito rapaz que gosta dela — comentou Pansy, observando Malfoy de esguelha para ver sua reação. —, Até você acha que ela é atraente, não é, Blásio, e todos sabemos como você é difícil de agradar!
— Eu não tocaria numa traidora do sangue nojenta como ela, por mais atraente que fosse — retrucou Zabini com frieza, o que satisfez Pansy. Malfoy tornou a se deitar no colo dela e deixou-a retomar as carícias em seus cabelos.
— Bem, lamento o mau gosto de Slughorn. Quem sabe ele está ficando senil. Que pena, meu pai sempre disse que no seu tempo ele era um bom bruxo. Meu pai era uma espécie de favorito dele. Slughorn provavelmente não soube que eu estava no trem, ou...
— Eu não esperaria um convite — disse Zabini. — Ele me pediu notícias do pai de Nott quando embarquei. Pelo visto, os dois eram bons amigos, mas quando soube que o velho Nott foi apanhado pelo Ministério não ficou nada feliz, e não convidou Nott, não é? Acho que Slughorn não está interessado em Comensais da Morte.
Malfoy pareceu se zangar, mas forçou uma risada particularmente amarela.
— Bem, quem se importa com os seus interesses? Quem é ele na ordem das coisas? Apenas um professor idiota. — Malfoy deu um bocejo exagerado. — Quero dizer, talvez eu nem esteja em Hogwarts no ano que vem, que diferença me faz se um velho gordo e decadente gosta ou não de mim?
— Como assim, você talvez não esteja em Hogwarts no ano que vem? — perguntou Pansy indignada, parando de ajeitar os cabelos de Malfoy na mesma hora.
— Ora, nunca se sabe — respondeu ele com um ar de riso. — Eu talvez venha... ãh... a me dedicar a coisas maiores e melhores.
Encolhido no bagageiro embaixo da capa, o coração de Harry disparou. Que é que Rony e Hermione diriam disso? Crabbe e Goyle olhavam boquiabertos para Malfoy; pelo jeito não tinham conhecimento de nenhum plano de dedicação a coisas maiores e melhores. Até Zabini deixou uma expressão de curiosidade anuviar suas feições arrogantes. Pansy voltou a alisar os cabelos de Malfoy, pasma.
— Você está se referindo a... ele? — Malfoy sacudiu os ombros.
— Mamãe quer que eu complete a minha educação, mas, pessoalmente, acho que nos dias de hoje isso não seja tão importante. Quero dizer, pensem um instante... quando o Lorde das Trevas tomar o poder, será que vai se importar com quantos N.O.M.s e quantos N.I.E.M.s a pessoa obteve? Claro que não... tudo vai girar em torno dos serviços que prestou, a dedicação que demonstrou a ele.
— E você acha que será realmente capaz de fazer alguma coisa por ele? — perguntou Zabini, sarcástico. — Com dezesseis anos e sem ter completado sua qualificação?
— Foi o que acabei de dizer, não foi? Quem sabe ele não se importa se tenho qualificações. Talvez eu não precise ter qualificações para o trabalho que ele quer que eu faça — replicou Malfoy em voz baixa.
Crabbe e Goyle estavam sentados de bocas escancaradas como gárgulas. Pansy olhava Malfoy como se nunca tivesse visto nada tão digno de assombro.
— Já estou vendo Hogwarts — disse Malfoy, deliciando-se abertamente com o efeito que causara, apontando para a janela escura. — É melhor trocarmos de roupa.
Harry estava tão ocupado em observar Malfoy que não reparou que Goyle se esticara para alcançar seu malão; ao puxá-lo, o objeto bateu com força na cabeça de Harry. Ele deixou escapar um gemido de dor e Malfoy olhou para o bagageiro, enrugando a testa.
Harry não tinha medo dele, mas não gostava muito da idéia de ser descoberto escondido sob a Capa da Invisibilidade, por um grupo de colegas hostis da Sonserina. Com os olhos ainda lacrimejando e a cabeça doendo, ele empunhou a varinha, tomando cuidado para não desarrumar a capa, e aguardou, prendendo a respiração. Para seu alívio, Malfoy pareceu concluir que imaginara o ruído; trocou de roupa como os colegas, trancou o malão e, quando o trem reduziu a velocidade para um sacolejo lento, ele prendeu a capa nova e grossa ao pescoço.
Harry viu os corredores se encherem mais uma vez e teve esperança de que Hermione e Rony levassem seus pertences para a plataforma; estaria preso ali até o compartimento esvaziar. Por fim, com um solavanco final, o trem parou. Goyle abriu a porta com violência e saiu empurrando um grupo de alunos do segundo ano; Crabbe e Zabini o acompanharam.
— Você pode ir andando — disse Malfoy a Pansy, que o aguardava com a mão estendida como se esperasse que ele a segurasse. — Quero verificar uma coisa.
Pansy saiu. Agora Harry e Malfoy estavam sozinhos no compartimento. As pessoas passavam, desembarcavam na plataforma escura. Malfoy foi até a porta e desceu a cortina, para que as pessoas no corredor não pudessem espiar para dentro. Então curvou-se para o seu malão e abriu-o.
Harry espiou pela borda do bagageiro com o coração batendo mais rápido. Que é que Malfoy queria esconder de Pansy? Estaria prestes a ver o misterioso objeto partido que era tão importante consertar?
— Petrificus Totalus!
De repente Malfoy apontou a varinha para Harry, que ficou instantaneamente paralisado. Em câmera lenta, ele rolou do bagageiro e caiu, com um baque extremamente doloroso, de fazer o chão estremecer, aos pés de Malfoy, a Capa da Invisibilidade presa por baixo dele, todo o seu corpo exposto, as pernas ainda absurdamente dobradas nos joelhos e cheias de cãibras. Não conseguia mover um músculo; só conseguia olhar para Malfoy, que exibia um grande sorriso.
— Foi o que pensei — disse eufórico. — Ouvi o malão de Goyle bater em você. E pensei ter visto uma coisa branca riscar o ar quando Zabini voltou... — Seu olhar se demorou nos tênis de Harry. — Suponho que tenha sido você quem travou a porta quando Zabini entrou, não?
Ele estudou Harry por alguns instantes.
— Você não ouviu nada que me preocupe, Potter. Mas aproveitando que está aqui...
E pisou com força o rosto de Harry, que sentiu o nariz quebrar e o sangue espirrar para todos os lados.
— Isto foi pelo meu pai. Agora, vamos ver...
Malfoy puxou a Capa da Invisibilidade de baixo do corpo imóvel de Harry e atirou-a por cima dele.
— Calculo que só vão encontrar você quando o trem tiver chegado a Londres — comentou baixinho. — Até mais, Potter... ou não.
E, fazendo questão de pisar nos dedos de Harry, Malfoy deixou o compartimento.