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Unknown
junho 06, 2014
Capítulo 5
— Quanto mais cedo embarcarmos no trem melhor — disse. — Pelo menos posso fugir do Percy em Hogwarts. Agora ele está me acusando de pingar chá na foto da Penelope Clearwater. Sabe — disse Rony com uma careta —, aquela namoradinha dele. Ela escondeu a cara na moldura porque ficou com o nariz todo borrado...
— Tenho uma coisa para lhe dizer — começou Harry, mas foram interrompidos por Fred e Jorge, que meteram a cara no quarto para cumprimentar Rony por ter enfurecido Percy novamente.
Eles desceram para tomar café, e encontraram o Sr. Weasley lendo a primeira página do Profeta Diário com a testa franzida e a Sra. Weasley descrevendo para Hermione e Gina a poção de amor que preparara quando era moça. As três não paravam de rir.
— Que é que você ia me dizer? — perguntou Rony a Harry quando se sentaram.
— Depois — murmurou Harry na hora em que Percy irrompeu pela sala.
Harry não teve mais oportunidade de falar com Rony nem com Hermione no caos da partida ficaram demasiado ocupados, descendo as malas pela estreita escada do Caldeirão Furado e empilhando-as perto da porta, com Edwiges e Hermes, a coruja de Percy, encarapitadas no alto das gaiolas. Uma cestinha de vime fora deixada ao lado da pilha de malas, de onde alguma coisa bufava ruidosamente.
— Tudo bem, Bichento — tranqüilizou-o Hermione pelas frestas do vime. — Vou soltar você no trem.
— Não vai, não — retorquiu Rony. — O que vai ser do coitado do Perebas, hein?
O menino apontou para o próprio peito, onde um grande calombo indicava que Perebas estava enroscado no bolso interno da veste.
O Sr. Weasley, que estivera à porta aguardando os carros do Ministério, meteu a cabeça na entrada do Caldeirão.
— Eles chegaram — anunciou. — Harry, vamos.
O Sr. Weasley cruzou atrás de Harry o trechinho de calçada entre a hospedaria e o primeiro dos dois carros verde-escuros e antiquados, cada um dirigido por um bruxo de aparência furtiva, vestido de veludo verde-vivo.
— Para dentro, Harry — disse o Sr. Weasley, verificando um lado e outro da rua movimentada.
Harry entrou no banco traseiro do carro e se reuniram a ele Hermione, Rony e, para desgosto de Rony, Percy.
A viagem até King"s Cross foi muito tranqüila se comparada à de Harry no Nôitibus Andante. Os carros do Ministério da Magia pareciam quase comuns, embora Harry reparasse que eram capazes de deslizar por espaços apertados que o novo carro da companhia do tio Válter certamente não teria podido. O grupo chegou à estação de King’s Cross com vinte minutos de antecedência; os motoristas do Ministério apanharam carrinhos, descarregaram a bagagem, cumprimentaram o Sr. Weasley, levando a mão ao chapéu, e partiram, conseguindo, sabe-se lá como, tomar a dianteira de uma fila de carros parados no sinal luminoso.
O Sr. Weasley manteve-se colado no cotovelo de Harry todo o percurso até a estação.
— Certo então — disse ele olhando para todos os lados. — Vamos fazer isso aos pares, porque somos muitos. Eu passo primeiro com Harry.
O Sr. Weasley dirigiu-se à barreira entre as plataformas nove e dez, empurrando o carrinho de malas e aparentemente muito interessado no Interurbano que acabara de parar na plataforma nove. Com um olhar expressivo para Harry, ele se encostou displicentemente na barreira. O garoto imitou-o.
Num segundo, os dois atravessaram de lado a sólida parede de metal e saíram na plataforma 9 e ½, quando ergueram a cabeça, viram o Expresso de Hogwarts, um trem vermelho a vapor, que soltava baforadas de fumaça na plataforma apinhada de bruxas e bruxos que foram levar os filhos ao embarque.
Percy e Gina apareceram de repente atrás de Harry. Ofegavam e pelo jeito tinham corrido para atravessar a barreira.
— Ah, olha lá a Penelope! — falou Percy, alisando os cabelos e corando de novo. O olhar de Gina surpreendeu o de Harry, e os dois se viraram para esconder o riso, enquanto Percy ia ao encontro da menina de cabelos longos e cacheados, com o peito estufado para que ela não deixasse de reparar no seu distintivo reluzente.
Depois que os outros Weasley e Hermione se reuniram a eles, Harry e o Sr. Weasley saíram andando até os últimos carros do trem, passando por cabines cheias, até uma que lhes pareceu bem vazia. Embarcaram as malas na cabine, guardaram Edwiges e Bichento no bagageiro, depois tornaram a sair para que todos pudessem se despedir do Sr. e da Sra. Weasley.
A Sra. Weasley beijou os filhos, depois Hermione e, por fim, Harry. O menino ficou encabulado, mas gostou bastante quando ela lhe deu mais um abraço.
— Você vai se cuidar, não vai, Harry? — recomendou a senhora, se endireitando, com um brilho estranho nos olhos. Depois, abriu uma enorme bolsa e disse:
— Fiz sanduíches para todos... Tome aqui, Rony... Não, não são de carne enlatada... Fred? Onde se meteu o Fred? Tome aqui, querido...
— Harry — disse o Sr. Weasley discretamente —, venha até aqui um instante.
Indicou com a cabeça uma coluna, e Harry acompanhou-o até detrás dela, deixando os outros amontoados em volta da Sra. Weasley.
— Há uma coisa que preciso dizer antes de você embarcar... — começou o Sr. Weasley com a voz tensa.
— Tudo bem, Sr. Weasley. Eu já sei.
— Você sabe? Como poderia saber?
— Eu... Ah... Ouvi o senhor e a Sra. Weasley conversando ontem à noite. Não pude deixar de ouvir — Harry acrescentou rapidamente. — Me desculpe...
— Não era assim que eu queria que você tivesse sabido — disse o Sr. Weasley, parecendo aflito.
— Não... Sinceramente, tudo bem. Assim o senhor não faltou com a palavra que deu ao Fudge e eu sei o que está acontecendo.
— Harry, você deve estar apavorado...
— Não estou — disse Harry honestamente. — Verdade — acrescentou, porque o Sr. Weasley fazia cara de descrença. — Não estou tentando bancar o herói, mas, sério, o Sirius Black não pode ser pior do que o Voldemort, pode?
O Sr. Weasley se perturbou ao som daquele nome, mas conseguiu disfarçar.
— Harry, eu sabia que você tinha mais fibra do que Fudge parece imaginar, e é óbvio que fico feliz em constatar que você não se sente apavorado, mas...
— Arthur! — chamou a Sra. Weasley, que agora tocava os garotos para embarcar no trem. — Arthur, que é que você está fazendo? O trem já vai sair!
— Ele já está indo, Molly! — respondeu o Sr. Weasley, mas voltou sua atenção para Harry e continuou a falar em tom mais baixo e mais apressado.
— Ouça, eu quero que você me dê sua palavra...
—... De que serei um bom menino e não sairei do castelo? — disse Harry com tristeza.
— Não é bem isso — disse o Sr. Weasley, que parecia mais sério do que Harry jamais o vira. — Harry, jure que você não vai sair procurando o Black.
Harry arregalou os olhos.
— Quê?
Ouviu-se um apito forte. Guardas caminhavam ao lado do trem, batendo as portas para fechá-las.
— Prometa, Harry — disse o Sr. Weasley, falando ainda mais depressa —, que aconteça o que acontecer...
— Por que eu iria sair procurando alguém que eu sei que quer me matar? — perguntou Harry sem entender.
— Prometa que ouça o que ouvir...
— Arthur, vamos rápido! — chamou a Sra. Weasley.
O vapor saia da chaminé da locomotiva em gordas nuvens; o trem começara a se mexer. Harry correu para a porta da cabine e Rony abriu-a e se afastou para o amigo embarcar. Os dois se debruçaram na janela e acenaram para o Sr. e a Sra. Weasley até o trem fazer uma curva e o casal desaparecer de vista.
— Preciso falar com vocês em particular — murmurou Harry para Rony e Hermione quando o trem ganhou velocidade.
— Vai saindo, Gina — disse Rony.
— Ah, quanta gentileza — respondeu a garota aborrecida, mas se afastando sem pressa.
Harry, Rony e Hermione saíram pelo corredor à procura de uma cabine vazia, mas todas estavam cheias exceto uma bem no finalzinho do trem.
Esta tinha apenas um ocupante, um homem que estava ferrado no sono ao lado da janela. Os garotos pararam à porta. O Expresso de Hogwarts era em geral reservado aos estudantes e, até então, eles nunca tinham visto um adulto a bordo, exceto a bruxa que passava com a carrocinha de comida.
O estranho usava um conjunto de vestes de bruxo extremamente surradas e cerzidas em vários lugares. Parecia doente e cansado. Embora fosse jovem, seus cabelos castanho-claros estavam salpicados de fios brancos.
— Quem vocês acham que ele é? — sibilou Rony quando se sentaram e fecharam a porta, ocupando os assentos mais afastados da janela.
— O Profº. R. J. Lupin — cochichou Hermione na mesma hora.
— Como é que você sabe?
— Está na maleta — respondeu a menina, apontando para o bagageiro acima da cabeça do homem, onde havia uma maleta gasta e amarrada com vários fios de barbante caprichosamente trançados. O nome Profº. R. J. Lupin estava estampado a um canto em letras descascadas.
— Que será que ele ensina? — perguntou Rony, amarrando a cara para o perfil pálido do homem.
— É óbvio — sussurrou Hermione. — Só existe uma vaga, não é? Defesa contra as Artes das Trevas.
Harry, Rony e Hermione já tinham tido dois professores nessa matéria, e ambos só duraram um ano letivo. Corriam boatos de que o cargo estava enfeitiçado.
— Bem, espero que ele esteja à altura — disse Rony em tom de dúvida. — Dá a impressão de que um bom feitiço acabaria com ele de vez, não acham? Em todo o caso... — Rony virou-se para Harry.
— Que é que você ia nos dizer?
Harry contou toda a conversa entre o Sr. e a Sra. Weasley e o alerta que aquele senhor acabara de lhe dar. Quando terminou, Rony olhava abobado e Hermione cobrira a boca com as mãos. Finalmente a menina baixou as mãos e disse:
— Sirius Black fugiu para vir atrás de você? Ah, Harry... Você vai ter que tomar muito, mas muito cuidado. Não vai sair por aí procurando encrenca, Harry...
— Eu não saio por aí procurando encrenca — respondeu Harry, irritado. — Em geral as encrencas é que vêm ao meu encontro.
— Harry teria que ser um bocado obtuso para sair procurando um biruta que quer matá-lo, não acha?— falou Rony com a voz tremula.
Eles estavam reagindo às noticias pior do que Harry esperara.
Tanto Rony quanto Hermione pareciam ter muito mais medo de Black do que ele próprio.
— Ninguém sabe como foi que o homem fugiu de Azkaban — disse Rony embaraçado. — Ninguém jamais tinha feito isso antes. E ainda por cima, ele era um prisioneiro de segurança máxima.
— Mas vão pegá-lo, não vão? — perguntou Hermione muito séria. — Quero dizer, todos os trouxas estão procurando Black também...
— Que barulho foi esse? — perguntou Rony de repente. Uma espécie de apitinho fraco vinha de algum lugar. Os garotos procuraram por toda a cabine.
— Está vindo do seu malão, Harry — disse Rony se levantando e esticando os braços para o bagageiro. Pouco depois retirava o bisbilhoscópio de bolso, que fora guardado entre as vestes de Harry.
O objeto girava muito rápido na palma da mão de Rony e emitia um brilho intenso.
— Isso é um bisbilhoscópio? — perguntou Hermione, interessada, levantando-se para ver melhor.
— É... E veja bem, é dos baratinhos — disse Rony. — Endoidou quando o amarrei na perna de Errol para mandar para Harry.
— Você estava fazendo alguma coisa suspeita na hora? — perguntou Hermione astutamente.
— Não! Bem... Eu não devia estar usando o Errol. Você sabe, ele não pode realmente fazer viagens longas... Mas como é que eu ia mandar o presente do Harry?
— Ponha-o de volta no malão — aconselhou Harry enquanto o bisbilhoscópio continuava a apitar baixinho —, senão vamos acordar o homem.
O menino indicou o Profº. Lupin com a cabeça. Rony enfiou o bisbilhoscópio dentro de um par de meias velhas do tio Válter particularmente horrendas, o que abafou o som, depois fechou a tampa do malão.
— Poderíamos mandar verificar esse bisbilhoscopio em Hogsmeade — disse Rony, sentando-se outra vez. — Vendem essas coisas na Dervixes e Bangues, instrumentos mágicos e artigos sortidos. Foi o que Fred e Jorge me contaram.
— Você conhece muita coisa de Hogsmeade? — perguntou Hermione interessada. — Li que é o único povoado inteiramente bruxo da Grã-Bretanha...
— É, acho que é — disse Rony meio sem pensar —, mas não é por isso que quero ir lá. Só quero conhecer a Dedosdemel!
— E o que é a Dedosdemel? — perguntou Hermione.
— É uma loja de doces — disse Rony, com uma expressão sonhadora assomando em seu rosto —, que tem de tudo.. Diabinhos de Pimenta... Que fazem a boca fumegar... E enormes Chocobolas recheadas de musse de morango e creme cozido, e Canetas de açúcar realmente ótimas, que a gente pode chupar em classe e fazer de conta que está pensando no que se vai escrever...
— Mas Hogsmeade é um lugar muito interessante, não é? — insistiu Hermione, pressurosa. O livro Sítios Históricos da Bruxaria diz que a estalagem foi o quartel-general da Revolta dos Duendes de 1612, e diz que a Casa dos Gritos é o prédio mais mal-assombrado da Grã-Bretanha...
— E bolas maciças de sorvete de frutas que fazem a gente levitar uns centímetros acima do chão enquanto está comendo — continuou Rony, que decididamente não estava ouvindo uma palavra do que Hermione dizia.
A garota virou-se para Harry.
— Não vai ser ótimo sair um pouco da escola e explorar Hogsmeade?
— Imagino que sim — respondeu Harry deprimido. — Você vai ter que me contar quando descobrir.
— Como assim? — perguntou Rony.
— Não posso ir. Os Dursley não assinaram o meu formulário de autorização e o Fudge também não quis assinar.
Rony fez uma cara de horror.
— Você não tem autorização para ir? Mas... Nem pensar... McGonagall ou alguém vai ter que lhe dar essa autorização...
Harry deu uma risada forçada. A Profª. McGonagall, diretora da Grifinória, era muito rigorosa.
—... Ou podemos apelar para o Fred e o Jorge, eles conhecem todas as passagens secretas para sair do castelo...
— Rony! — ralhou Hermione com severidade. — Acho que o Harry não devia sair escondido da escola com o Black solto por aí...
— É, imagino que é o que McGonagall vai dizer quando eu pedir autorização — disse Harry amargurado.
— Mas se nós estivermos com ele — disse Rony, animado, a Hermione — Black não ousaria...
— Ah, Rony, não diz besteira — retrucou Hermione. — Black já matou um monte de gente bem no meio de uma rua movimentada. Você acha mesmo que ele vai se preocupar se vai ou não atacar Harry só porque nós estamos presentes?
Hermione mexia com as alças da cesta de Bichento enquanto falava.
— Não solta essa coisa! — exclamou Rony, mas tarde demais;
Bichento saltou com leveza da cesta, espreguiçou-se, bocejou e pulou nos joelhos de Rony, o calombo no peito do menino estremeceu e ele empurrou Bichento com raiva.
— Dê o fora daqui!
— Rony, não! — disse Hermione, zangada.
O menino ia responder quando o Profº. Lupin se mexeu. Eles o miraram com apreensão, mas ele simplesmente virou a cabeça para o outro lado, a boca ligeiramente entreaberta, e continuou a dormir.
O Expresso de Hogwarts rodava numa velocidade constante para o norte e o cenário à janela ia se tornando cada vez mais bravio e escuro enquanto as nuvens, no alto, se avolumavam. Estudantes passavam pela porta da cabine correndo para cima e para baixo. Bichento agora se acomodara num assento vazio, a cara amassada virada para Rony, os olhos amarelos cravados no bolso do peito dele.
À uma hora, a bruxa gorducha com o carrinho de comida chegou à porta da cabine.
— Vocês acham que a gente devia acordar o professor? — perguntou Rony sem graça, indicando Lupin com a cabeça. — Ele está com cara de quem podia comer alguma coisa.
Hermione se aproximou cautelosamente do homem.
— Hum... Professor? Com licença, professor?
O homem não se mexeu.
— Não se preocupe, querida — disse a bruxa entregando a Harry uma montanha de bolos de caldeirão. — Se ele tiver fome quando acordar, vou estar lá na frente com o maquinista.
— Suponho que ele esteja dormindo — disse Rony baixinho quando a bruxa fechou a porta da cabine. — Quero dizer: ele não morreu, não é?
— Não, está respirando — sussurrou Hermione, pegando o bolo de caldeirão que Harry lhe passava.
Talvez o Profº. Lupin não fosse uma ótima companhia, mas sua presença na cabine dos garotos tinha suas vantagens. No meio da tarde, bem na hora em que a chuva começou a cair, embaçando os contornos das colinas ondulantes por que passavam, os meninos ouviram novamente passos no corredor, e surgiram à porta as três pessoas que eles menos gostavam no mundo: Draco Malfoy, ladeado pelos seus asseclas, Vicente Crabbe e Gregório Goyle.
Draco Malfoy e Harry eram inimigos desde que se encontraram na primeira viagem de trem para Hogwarts. Malfoy, que tinha uma cara desdenhosa, pálida e pontuda, era aluno da Sonserina; jogava como apanhador no time de sua casa, a mesma posição de Harry no time da Grifinória. Crabbe e Goyle pareciam existir para fazer o que Draco mandava. Eram grandes e musculosos; Crabbe, mais alto, tinha um pescoço muito grosso e um corte de cabelos de cuia; os cabelos de Goyle eram curtos e espetados, e seus braços compridos como os de um gorila.
— Ora! vejam só quem está aqui — disse Draco naquela sua voz arrastada, abrindo a porta da cabine — Potinha e Fuinha!
Crabbe e Goyle riram feito trasgos.
— Ouvi dizer que seu pai finalmente pôs as mãos no ouro neste verão — disse Malfoy. — Sua mãe não morreu do choque?
Rony se levantou tão depressa que derrubou a cesta de Bichento no chão. O Profº. Lupin soltou um pequeno ronco.
— Quem é esse ai? — perguntou Draco, dando automaticamente um passo atrás, ao ver Lupin.
— Professor novo — disse Harry que se levantou também, caso precisasse segurar Rony. — Que é que você ia dizendo mesmo, Draco?
Os olhos muito claros do menino se estreitaram; ele não era bobo de puxar uma briga bem debaixo do nariz de um professor.
— Vamos — murmurou Draco, contrariado, para Crabbe e Coyle, e os três sumiram.
Harry e Rony tornaram a se sentar, Rony massageando os nós dos dedos.
— Não vou aturar nenhum desaforo de Draco este ano — disse cheio de raiva. — Estou falando sério. Se ele disser mais uma piadinha sobre a minha família, vou agarrar a cabeça dele e...
Rony fez um gesto violento no ar.
— Rony — sibilou Hermione, apontando para o Profº. Lupin —, cuidado...
Mas o Profº. Lupin continuava ferrado no sono.
A chuva engrossava à medida que o trem avançava mais para o norte; as janelas agora iam se tornando um cinza sólido e tremeluzente, que gradualmente escureceu até as lanternas se acenderem nos corredores e por cima dos bagageiros. O trem sacolejava, a chuva fustigava, o vento rugia, mas, ainda assim, o Profº. Lupin continuava adormecido.
— Devemos estar quase chegando — disse Rony, curvando-se para frente para olhar, além do professor, a janela agora completamente escura.
Nem bem essas palavras tinham saído de sua boca e o trem começou a reduzir a velocidade.
— Legal — exclamou Rony, levantando-se e passando com todo o cuidado pelo Profº. Lupin para tentar ver lá fora. — Estou morrendo de fome. Quero chegar logo para o banquete...
— Nós ainda não chegamos — disse Hermione, consultando o relógio. — Então por que estamos parando?
O trem foi rodando cada vez mais lentamente. Quando o ronco dos pistôes parou, o barulho do vento e da chuva de encontro às janelas pareceu mais forte que nunca.
Harry, que estava mais próximo da porta, levantou-se para espiar o corredor. Por todo o carro, cabeças, curiosas, surgiram à porta das cabines.
O trem parou completamente com um tranco, e baques e pancadas distantes sinalizaram que as malas tinham despencado dos bagageiros. Em seguida, sem aviso, todas as luzes se apagaram e eles mergulharam em total escuridão.
— Que é que está acontecendo? — ouviu-se a voz de Rony às costas de Harry.
— Ai! — exclamou Hermione. — Rony, isto é o meu pé!
Harry voltou ao seu lugar, às apalpadelas.
— Vocês acham que o trem enguiçou?
— Não sei...
Ouviu-se um barulho de pano esfregando vidro e Harry viu os contornos difusos de Rony desembaçando um pedaço da vidraça da janela para espiar.
— Tem uma coisa se mexendo lá fora — disse ele. — Acho que está embarcando gente no trem...
A porta da cabine se abriu repentinamente e alguém caiu por cima das pernas de Harry, machucando-o.
— Desculpe... Você sabe o que está acontecendo?... Ai... Desculpe...
— Ai, Neville — disse Harry tateando no escuro e levantando o colega pela capa.
— Harry? É você? Que é que está acontecendo?
— Não tenho idéia... Senta...
Ouviu-se um sibilo forte e um ganido de dor; Neville tentara se sentar em cima do Bichento.
— Vou perguntar ao maquinista o que está acontecendo — ouviu-se a voz de Hermione. Harry sentiu a amiga passar por ele, ouviu a porta deslizar, e em seguida um baque e dois berros de dor.
— Quem é?
— Quem é?
— Gina?
— Mione?
— Que é que você está fazendo?
— Estava procurando o Rony!
— Entra aqui e senta...
— Aqui não! — disse Harry depressa. — Eu estou aqui!
— Ai! — disse Neville.
— Silêncio! — ordenou uma voz rouca, de repente.
O Profº. Lupin parecia ter finalmente acordado. Harry ouviu movimentos no canto em que ele estava. Ninguém disse nada.
Seguiu-se um estalinho e uma luz trêmula inundou a cabine. Pelo que viam, o professor estava empunhando um feixe de chamas. Elas iluminavam um rosto cansado e cinzento, mas seus olhos tinham uma expressão alerta e cautelosa.
— Fiquem onde estão — disse com a mesma voz rouca, e começou a se levantar lentamente segurando as chamas à sua frente.
Mas a porta se abriu antes que Lupin pudesse alcançá-la.
Parado à porta, iluminado pelas chamas trêmulas na mão do professor, havia um vulto de capa que alcançava o teto. Seu rosto estava completamente oculto por um capuz. Harry baixou os olhos depressa, e o que ele viu provocou uma contração em seu estômago. Havia uma mão saindo da capa e ela brilhava, um brilho cinzento, de aparência viscosa e coberta de feridas, como uma coisa morta que se decompusera na água...
Mas foi visível apenas por uma fração de segundo. Como se a criatura sob a capa percebesse o olhar de Harry, a mão foi repentinamente ocultada nas dobras da capa preta.
E então a coisa encapuzada, fosse o que fosse, inspirou longa e lentamente, uma inspiração ruidosa, como se estivesse tentando inspirar mais do que o ar à sua volta.
Um frio intenso atingiu todos os presentes. Harry sentiu a própria respiração entalar no peito. O frio penetrou mais fundo em sua pele. Chegou ao fundo do peito, ao seu próprio coração...
Os olhos de Harry giraram nas órbitas. Ele não conseguiu ver mais nada. Estava se afogando no frio. Sentia um farfalhar nos ouvidos que lembrava água correndo. Estava sendo puxado para o fundo, o farfalhar aumentou para um ronco que aumentava...
Então, vindos de muito longe, ouviu gritos, terríveis, apavorados, suplicantes. Ele queria ajudar quem gritava, tentou mexer os braços, mas não conseguiu... Um nevoeiro claro e denso rodopiava à volta dele, dentro dele...
— Harry! Harry! Você está bem?
Alguém batia no seu rosto.
— Q... Quê?
Harry abriu os olhos; havia lanternas no alto e o chão sacudia.
— O Expresso de Hogwarts recomeçara a andar e as luzes tinham voltado. Aparentemente ele escorregara do assento para o chão.
Rony e Hermione estavam ajoelhados ao seu lado, e acima dos seus amigos ele viu que Neville e o professor o observavam. Harry se sentiu muito doente; quando ergueu a mão para ajeitar os óculos no nariz, sentiu um suor frio no rosto.
Rony e Hermione puxaram-no para cima do assento.
— Você está bem? — perguntou Rony, nervoso.
— Estou — disse Harry, olhando depressa para a porta. A criatura encapuzada desaparecera. — Que aconteceu? Onde está aquela... Aquela coisa? Quem gritou?
— Ninguém gritou — disse Rony, ainda mais nervoso.
Harry olhou para todos os lados da cabine iluminada. Gina e Neville retribuíram seu olhar, ambos muito pálidos.
— Mas eu ouvi gritos...
Um forte estalo assustou os meninos. O Profº. Lupin partia em pedaços uma enorme barra de chocolate.
— Tome — disse a Harry, oferecendo-lhe um pedaço particularmente avantajado. — Coma. Vai fazer você se sentir melhor.
Harry apanhou o chocolate, mas não o comeu.
— Que era aquela coisa? — perguntou a Lupin.
— Um dementador — respondeu Lupin, que agora distribuía o chocolate para todos. — Um dos dementadores de Azkaban.
Todos o olharam espantados. O professor amassou a embalagem vazia de chocolate e meteu-a no bolso.
— Coma — insistiu. — Vai lhe fazer bem. Preciso falar com o maquinista, me dêem licença...
Ele passou por Harry e desapareceu no corredor.
— Você tem certeza de que está bem? — perguntou Hermione, observando-o com ansiedade.
— Não entendo... Que foi que aconteceu? — perguntou Harry, enxugando mais suor do rosto.
— Bem... Aquela coisa... O dementador... Ficou parado ali olhando, quero dizer, acho que foi, não pude ver o rosto dele... E você...
— Pensei que você estava tendo um acesso ou coisa parecida — disse Rony, que conservava no rosto uma expressão de pavor — Você ficou todo duro, escorregou do assento e começou a se contorcer...
— E o Profº. Lupin saltou por cima de você, foi ao encontro do dementador, puxou a varinha — contou Hermione — e disse: "Nenhum de nós está escondendo Sirius Black dentro da capa. Vá." — Mas o dementador não se mexeu, então Lupin murmurou alguma coisa e da varinha saiu um raio prateado contra a coisa, e ela deu as costas e se afastou como se deslizasse...
— Foi horrível — disse Neville numa voz mais alta do que de costume. — Vocês sentiram como ficou frio quando ele entrou?
— Eu me senti esquisito — disse Rony, sacudindo os ombros, desconfortável. — Como se eu nunca mais fosse sentir alegria na vida...
Gina, que se encolhera a um canto parecendo quase tão mal quanto Harry, deu um solucinho; Hermione aproximou-se e passou um braço pelas costas da menina para consolá-la.
— Mas nenhum de vocês caiu do assento? — perguntou Harry sem graça.
— Não — disse Rony, olhando para Harry, ansioso, outra vez. — Mas Gina tremia feito louca...
Harry não entendeu. Sentia-se fraco e cheio de arrepios, como se estivesse se recuperando de uma gripe muito forte; começava também a sentir um início de vergonha. Por que desmaiara daquele jeito, quando mais ninguém desmaiara?
O Profº. Lupin voltou. Parou ao entrar, olhando para todos e disse, com um leve sorriso:
— Eu não envenenei o chocolate, sabem...
Harry deu uma dentada e, para sua grande surpresa, sentiu de repente um calor se espalhar até as pontas dos dedos dos pés e das mãos.
— Vamos chegar a Hogwarts dentro de dez minutos — disse o Profº. Lupin. — Você está bem, Harry?
O menino não perguntou como é que o professor sabia seu nome.
— Muito bem — murmurou ele, constrangido.
Ninguém falou muito durante o resto da viagem. Por fim, o trem parou na estação de Hogsmeade e houve uma grande correria para desembarcar; corujas piavam, gatos miavam e o sapo de estimação de Neville coaxou alto debaixo do chapéu do seu dono. Estava frio demais na minúscula plataforma; a chuva descia em cortinas geladas.
— Alunos do primeiro ano por aqui! — chamou uma voz conhecida. Harry, Rony e Hermione se viraram e depararam com o vulto gigantesco de Hagrid, no outro extremo da plataforma, fazendo sinal para os novos alunos, aterrorizados, se aproximarem para a tradicional travessia do lago.
— Tudo bem, vocês três? — gritou Hagrid sobre as cabeças dos alunos aglomerados. Eles acenaram para o guarda-caça, mas não tiveram chance de lhe falar porque a massa de alunos em volta deles os empurrava na direção oposta.
Harry, Rony e Hermione acompanharam o resto da escola pela plataforma e desceram para uma trilha enlameada, cheia de altos e baixos, onde no mínimo uns cem coches os aguardavam, cada qual, Harry só podia supor, puxado por um cavalo invisível, porque os garotos embarcaram em um, fecharam a porta e o veículo saiu andando, aos trancos e balanços, formando um cortejo.
O coche cheirava levemente a mofo e palha. Harry se sentia melhor desde o chocolate, mas continuava fraco. Rony e Hermione não paravam de lhe lançar olhares de esguelha, como se temessem que ele pudesse desmaiar outra vez.
Quando o coche foi se aproximando de um magnífico portão de ferro forjado, ladeado por colunas de pedra com javalis alados no alto, Harry viu mais dois dementadores encapuzados montando guarda dos lados do portão. Uma onda de náusea e frio tornou a invadi-lo; ele se recostou no banco encalombado e fechou os olhos até atravessarem a entrada. O coche ganhou velocidade no caminho longo e inclinado até o castelo; Hermione se debruçou pela janelinha, espiando as muitas torrinhas e torres que se aproximavam. Por fim, o coche parou balançando, e Hermione e Rony desembarcaram.
Quando Harry ia descendo, uma voz arrastada e satisfeita chegou aos seus ouvidos.
— Você desmaiou, Potter? Longbottom está falando a verdade? Desmaiou mesmo, é?
Draco passou por Hermione acotovelando-a, para impedir Harry de subir as escadas de pedra do castelo, o rosto jubilante e os olhos claros brilhando de malícia.
— Se manda, Malfoy — disse Rony, cujos maxilares estavam cerrados.
— Você também desmaiou, Weasley? — perguntou Draco em voz alta. — O velho dementador apavorante também o assustou, Weasley?
— Algum problema? — perguntou uma voz suave, O Profº. Lupin acabara de desembarcar do coche seguinte.
Malfoy lançou ao Profº. Lupin um olhar insolente, que registrou os remendos em suas vestes e a mala surrada. Com uma sugestão de sarcasmo na voz, ele respondeu:
— Ah, não... Hum... Professor — depois fez cara de riso para Crabbe e Goyle, e subiu com os dois as escadas do castelo.
Hermione bateu nas costas de Rony para apressá-lo, e os três se reuniram aos muitos alunos que enchiam as escadas, cruzavam a soleira das enormes portas de carvalho e penetravam no saguão cavernoso iluminado com tochas ardentes, onde havia uma magnífica escadaria de mármore para os andares superiores.
A porta que levava ao Salão Principal, à direita, estava aberta;
Harry seguiu o grande número de alunos que se deslocava naquela direção, mas apenas vislumbrara o teto encantado, que àquela noite se mostrava escuro e anuviado, quando uma voz o chamou:
— Potter! Granger! Quero falar com os dois! Os garotos se viraram surpresos. A Profª. McGonagall, que ensinava Transformação e dirigia a Casa da Grifinória, os chamava por cima das cabeças dos demais. Era uma bruxa de aspecto severo, que usava os cabelos presos em um coque apertado; seus olhos penetrantes eram emoldurados por óculos quadrados. Harry abriu caminho até ela com esforço e um mau pressentimento: a Profª. McGonagall tinha o condão de fazê-lo sentir que fizera alguma coisa errada.
— Não precisa ficar tão preocupado, só quero dar uma palavrinha com vocês na minha sala — disse ela. — Pode continuar o seu caminho, Weasley.
Rony ficou olhando a professora se afastar, com Harry e Hermione, da aglomeração de alunos que falavam sem parar; os três atravessaram o saguão, subiram a escadaria de mármore e seguiram por um corredor.
Já na sala, um pequeno aposento com uma grande e acolhedora lareira, a professora fez sinal a Harry e Hermione para que se sentassem.
Ela própria se sentou à escrivaninha e disse sem rodeios:
— O Profº. Lupin mandou à frente uma coruja para avisar que você tinha passado mal no trem, Potter.
Antes que o garoto pudesse responder, ouviu-se uma leve batida na porta e Madame Pomfrey, a enfermeira, entrou com seu ar eficiente.
Harry sentiu o rosto corar. Já era bastante ruim que tivesse desmaiado, ou o que fosse, sem todo mundo ficar fazendo aquele alvoroço.
— Eu estou bem — disse. — Não preciso de nada...
— Ah, então foi você? — exclamou Madame Pomfrey, ignorando o comentário de Harry e se curvando para examiná-lo mais de perto. — Suponho que tenha feito outra vez alguma coisa perigosa.
— Foi um dementador, Papoula. — informou McGonagall.
As duas, trocaram olhares misteriosos e Madame Pomfrey deu um muxoxo de desaprovação.
— Postar dementadores em volta da escola — murmurou, afastando os cabelos de Harry e sentindo a temperatura na testa dele.
— O menino não vai ser o último a desmaiar. É, está úmido de suor. Eles são terríveis e o efeito que produzem nas pessoas que já são delicadas...
— Eu não sou delicado! — exclamou Harry aborrecido.
— Claro que não é — disse Madame Pomfrey distraída, agora tomando o seu pulso.
— Do que é que ele precisa? — perguntou a Profª. McGonagall, decidida. — Repouso? Quem sabe não fosse bom passar a noite na ala hospitalar?
— Eu estou ótimo! — disse Harry, levantando-se de um salto. A idéia do que Draco iria dizer se ele tivesse que ir para a ala hospitalar foi uma tortura.
— Bem, ele devia, no mínimo, tomar um chocolate — disse Madame Pomfrey, que agora tentava examinar os olhos de Harry.
— Já comi chocolate — disse ele. — O Profº. Lupin me deu. Deu a todos nós.
— Deu, foi? — exclamou a bruxa-enfermeira em tom de aprovação. — Então finalmente conseguimos um professor de Defesa contra as Artes das Trevas que sabe o que faz!
— Você tem certeza de que está se sentindo bem, Potter? — perguntou a Profª. McGonagall bruscamente.
— Estou — respondeu Harry.
— Muito bem. Por favor espere aí fora enquanto dou uma palavrinha com a Srta. Granger sobre sua programação para o ano letivo, depois podemos descer juntos para a festa.
Harry saiu para o corredor com Madame Pomfrey, que seguiu para a ala hospitalar, resmungando sozinha. Ele só precisou esperar uns minutinhos; Hermione apareceu com um ar muito feliz, acompanhada pela professora, e todos desceram a escadaria de mármore para o Salão Principal.
Havia um mar de chapéus cônicos e pretos; cada uma das compridas mesas das casas estava lotada de estudantes, os rostos iluminados por milhares de velas que flutuavam no ar, acima das mesas.
O Profº. Flitwick, que era um bruxo franzino de cabeleira branca, carregava um chapéu antigo e um banquinho de três pernas para fora da sala.
— Ah — comentou Hermione em voz baixa —, perdemos a cerimônia da seleção!
Os novos alunos de Hogwarts eram distribuídos pelas quatro casas do colégio, pondo na cabeça o Chapéu Seletor, que anunciava a casa (Grifinória, Corvinal, Lufa-Lufa ou Sonserina) que melhor convinha ao recém-chegado. A Profª. McGonagall dirigiu-se ao seu lugar, que estava vazio à mesa dos professores e funcionários e Harry e Hermione seguiram na direção oposta, o mais silenciosamente possível para se sentarem à mesa da Grifinória. As pessoas viraram a cabeça para olhá-los passar pelo fundo do salão, e alguns apontaram para Harry. Será que a história do seu desmaio ao topar com o dementador se espalhara com tanta rapidez?
Ele e Hermione se sentaram um de cada lado de Rony, que guardara seus lugares.
— Que história foi essa? — murmurou Rony para Harry.
O amigo começou a lhe explicar aos cochichos, mas naquele momento, o diretor se ergueu para falar e ele se calou.
O Profº. Dumbledore, embora muito velho, sempre dava uma impressão de grande energia. Tinha alguns palmos de cabelos e barbas prateados, óculos de meia-lua e um nariz muito torto. Em geral era descrito como o maior bruxo da era atual, mas não era esta a razão por que Harry o respeitava. Não era possível deixar de confiar em Alvo Dumbledore, e quando Harry o contemplou sorrindo radiante para os alunos à sua volta, sentiu-se calmo, pela primeira vez, desde que o dementador entrara na cabine do trem.
— Sejam bem-vindos! — começou Dumbledore, a luz das velas tremeluzindo em suas barbas. — Sejam bem-vindos para mais um ano em Hogwarts! Tenho algumas coisas a dizer a todos, e uma delas é muito séria. Acho que é melhor tirá-la do caminho antes que vocês fiquem tontos com esse excelente banquete...
O diretor pigarreou e prosseguiu:
— Como vocês todos perceberam, depois da busca que houve no Expresso de Hogwarts, a nossa escola passou a hospedar alguns dementadores de Azkaban, que vieram cumprir ordens do Ministério da Magia.
Ele fez uma pausa e Harry se lembrou do que o Sr. Weasley comentara sobre a insatisfação de Dumbledore quanto ao fato de os dementadores estarem montando guarda na escola.
— Eles estão postados em cada entrada da propriedade e, enquanto estiverem conosco, é preciso deixar muito claro que ninguém deve sair da escola sem permissão. Os dementadores não se deixam enganar por truques nem disfarces, nem mesmo por capas de invisibilidade — acrescentou ele brandamente, e Harry e Rony se entreolharam. — Não faz parte da natureza deles entender súplicas nem desculpas. Portanto, aviso a todos e a cada um em particular, para não darem a esses guardas razão para lhes fazerem mal. Apelo aos monitores, e ao nosso monitor e monitora chefes, para que se certifiquem de que nenhum aluno entre em conflito com os dementadores.
Percy, que estava sentado a algumas cadeiras de distância de Harry, estufou o peito outra vez e olhou à volta cheio de importância.
Dumbledore fez nova pausa; percorreu o salão com um olhar muito sério, mas ninguém se mexeu nem emitiu som algum.
— Agora, falando de coisas mais agradáveis — continuou ele —, tenho o prazer de dar as boas-vindas a dois novos professores este ano. Primeiro, o Profº. Lupin, que teve a bondade de aceitar ocupar a vaga de professor de Defesa contra as Artes das Trevas.
Ouviram-se algumas palmas dispersas e pouco entusiásticas.
Somente os que tinham estado na cabine de trem com o novo professor bateram palmas animados, Harry entre eles. Lupin parecia particularmente mal vestido ao lado dos outros professores que trajavam suas melhores vestes.
— Olha a cara do Snape! — sibilou Rony ao ouvido de Harry.
O olhar do Profº. Snape, mestre de Poções, passou pelos professores que ocupavam a mesa e se deteve em Lupin. Era fato sabido que Snape queria o cargo de professor de Defesa contra as Artes das Trevas, mas até Harry, que o detestava, se surpreendeu com a expressão que deformou o seu rosto macilento. Era mais do que raiva: era desprezo. Harry conhecia aquela expressão bem demais; era a que Snape usava sempre que o avistava.
— Quanto ao nosso segundo contratado — continuou Dumbledore quando cessavam as palmas mornas para o Profº. Lupin. — Bem, lamento informar que o Profº. Kettleburn, que ensinava Trato das Criaturas Mágicas, aposentou-se no fim do ano passado para poder aproveitar melhor os membros que ainda lhe restam. Contudo, tenho o prazer de informar que o seu cargo será preenchido por ninguém menos que Rúbeo Hagrid, que concordou em acrescentar essa responsabilidade docente às suas tarefas de guarda-caça.
Harry, Rony e Hermione se entreolharam, estupefatos. Em seguida acompanharam os aplausos, que foram tumultuosos principalmente à mesa da Grifinória. Harry se esticou para frente para ver Hagrid, que tinha o rosto vermelho-rubi, os olhos postos nas mãos enormes, e o sorriso largo escondido no emaranhado de sua barba escura.
— Nós devíamos ter adivinhado! — berrou Rony, dando socos na mesa. — Quem mais teria nos mandado comprar um livro que morde?
Os três garotos foram os últimos a parar de aplaudir e quando o Profº. Dumbledore recomeçou a falar, eles viram que Hagrid estava enxugando os olhos na toalha da mesa.
— Bem, acho que, de importante, é só o que tenho a dizer. Vamos à festa!
As travessas e taças de ouro diante das pessoas se encheram inesperadamente de comida e bebida. Harry, de repente faminto, se serviu de tudo que conseguiu alcançar e começou a comer.
Foi um banquete delicioso; o salão ecoava as conversas, os risos e o tilintar de talheres. Harry, Rony e Hermione, porém, estavam ansiosos para a festa terminar para poderem conversar com Hagrid.
Sabiam o quanto significava para ele ser nomeado professor. O guarda-caça não era um bruxo diplomado; fora expulso de Hogwarts no terceiro ano por um crime que não cometera. Harry, Rony e Hermione é que tinham limpado o seu nome no ano anterior.
Finalmente, quando os últimos pedaços deliciosos de torta de abóbora tinham desaparecido das travessas de ouro, Dumbledore anunciou que era hora de todos se recolherem e os meninos tiveram a oportunidade que aguardavam.
— Hagrid! — exclamou Hermione quando se aproximaram da mesa dos professores.
— Graças a vocês — disse Hagrid, enxugando o rosto brilhante de lágrimas no guardanapo e erguendo os olhos para os garotos. — Nem consigo acreditar... Grande homem, o Dumbledore... Veio direto à minha cabana quando o Profº. Kettleburn disse que para ele já chegava... É o que eu sempre quis... .
Dominado pela emoção, ele escondeu o rosto no guardanapo e a Profª. McGonagall tocou os meninos para fora.
Harry, Rony e Hermione se reuniram aos outros colegas da Grifinória que ocupavam toda a escadaria de mármore e agora, muito cansados, caminharam por mais corredores e mais escadas até a entrada secreta para a torre da Grifinória. Uma grande pintura a óleo de uma mulher gorda vestida de rosa perguntou-lhes:
— A senha?
— Já estou indo, já estou indo! — gritou Percy lá do fim do ajuntamento. — A nova senha? Fortuna Major!
— Ah, não! — exclamou Neville Longbottom com tristeza. Ele sempre tinha dificuldade para se lembrar das senhas.
Depois de atravessar o buraco do retrato e a sala comunal, as garotas e garotos tomaram escadas separadas. Harry subiu a escada circular sem pensar em nada exceto na sua felicidade por estar de volta. Quando chegaram ao dormitório redondo com as camas de colunas que já conheciam, Harry, olhando a toda volta, se sentiu finalmente em casa.