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junho 05, 2014
Capítulo 17
Não houve aplausos. Um zunido, como o de abelhas enraivecidas, começou a encher o salão, alguns estudantes ficaram em pé para ter uma visão melhor de Harry, sentado ali, imóvel, em sua cadeira.
Na mesa principal, a Professora Minerva se levantara e passara por Ludo Bagman e pelo Professor Karkaroff para cochichar urgentemente com o Professor Dumbledore, que inclinara a cabeça para ela, franzindo ligeiramente a testa.
Harry se virou para Rony e Hermione, mais além, viu toda a longa mesa da Grifinória observando-o, boquiaberta.
— Eu não inscrevi meu nome — disse Harry sem saber o que dizer. — Vocês sabem que não.
Os dois apenas olharam para ele também, sem saber o que responder.
Na mesa principal, o Professor Dumbledore se aprumou, acenando a cabeça afirmativamente para a Professora Minerva.
— Harry Potter! — tornou ele a chamar. — Harry! Aqui, se me faz o favor!
— Anda — murmurou Hermione, dando um leve empurrão em Harry.
O garoto ficou de pé, pisou na barra das vestes e tropeçou brevemente.
Saiu pelo espaço entre as mesas da Grifinória e da Lufa-Lufa. Teve a impressão de estar fazendo uma longuíssima caminhada, a mesa principal parecia não chegar mais perto e ele sentia centenas de olhos fixos nele, como se cada um fosse um refletor. O zunzum não parava de crescer. Depois do que lhe pareceu uma hora, o garoto chegou diante de Dumbledore, sentindo fixos nele os olhares dos professores.
— Bom... Pela porta — disse Dumbledore. O diretor não sorria.
Harry passou pela mesa dos professores. Hagrid estava sentado bem no fim. Mas não piscou para Harry, nem acenou nem fez qualquer dos sinais habituais para cumprimentá-lo. Parecia inteiramente perplexo e olhou para Harry quando este passou, como os demais, O garoto passou pela porta e se viu em um aposento menor, com as paredes cobertas de retratos a óleo de bruxas e bruxos.
Um belo fogo rugia na lareira em frente. Os rostos nos retratos se viraram para olhá-lo quando ele entrou.
Surpreendeu uma bruxa encarquilhada passando rapidamente da moldura do próprio retrato para a moldura vizinha, que enquadrava um bruxo de bigodes de morsa. A bruxa encarquilhada começou a cochichar no ouvido do colega.
Vítor Krum, Cedrico Diggory e Fleur Delacour estavam reunidos em torno da lareira. Pareciam estranhamente imponentes, recortados contra as chamas.
Krum, curvado e pensativo, apoiava-se no console da lareira, ligeiramente afastado dos outros. Cedrico estava parado com as mãos às costas, contemplando o fogo. Fleur Delacour virou a cabeça quando Harry entrou e jogou para trás a cascata de cabelos longos e prateados.
— Que foi? — perguntou ela. — Querrem que a jante volte ao salon?
Pensava que ele viera trazer um recado. Harry não sabia como explicar o que acabara de acontecer. Ficou ali parado, olhando para os três campeões.
Percebeu de repente como eram altos.
Houve um ruído de passos apressados atrás de Harry, e Ludo Bagman entrou na sala. Segurou o garoto pelo braço e levou-o até os outros.
— Extraordinário! — murmurou, apertando o braço de Harry. — Absolutamente extraordinário! Senhores... Senhora — acrescentou, aproximando-se da lareira e falando aos outros três. — Gostaria de lhes apresentar, por mais incrível que possa parecer, o quarto campeão do Torneio Tribruxo.
Vítor Krum se empertigou. Seu rosto carrancudo nublou-se ao examinar Harry. Cedrico fez cara de estupefação. Olhou de Bagman para Harry e de volta como se tivesse certeza de que ouvira mal o que o bruxo acabara de dizer. Fleur Delacour, porém, sacudiu os cabelos, sorriu e disse:
— Que grrande piada, Senhorr Bagman.
— Piada? — repetiu Bagman, confuso. — Não, não, não é não! O nome de Harry acaba de sair do Cálice de Fogo!
As grossas sobrancelhas de Krum se contraíram ligeiramente. Cedrico continuou a parecer educadamente surpreso. Fleur franziu a testa.
— Mas evidaman houve um engano — disse a Bagman com desdém. — Ele non pode competirr. É jovem demais.
— Bom... É surpreendente — concordou Bagman, esfregando o queixo liso e sorrindo para Harry. — Mas, como sabem, o limite de idade só foi imposto este ano como medida suplementar de precaução. E como o nome dele saiu do Cálice de Fogo... Quero dizer, acho que a essa altura não podemos fugir à responsabilidade... Somos obrigados... Harry terá que se esforçar o máximo que...
A porta às costas deles se abriu e um grande grupo de pessoas entrou: o Professor Dumbledore, seguido de perto pelo Sr. Crouch, o Professor Karkaroff, Madame Maxime, a Professora McGonagall e o Professor Snape. Harry ouviu o zunzum de centenas de estudantes do outro lado da parede, antes da Professora McGonagall fechar a porta.
— Madame Maxime! — chamou Fleur na mesma hora, indo ao encontro de sua diretora. — Eston dizando que esse garrotinho vai competirr tambá!
Sob o seu atordoamento e incredulidade, Harry sentiu uma crispação de raiva. Garrotinho?
Madame Maxime se empertigara até o limite de sua considerável altura. O cocuruto da bela cabeça roçou o lustre repleto de velas, e seu imenso peito coberto de cetim negro se estufou.
— Que significa isso, Dumbly-dorr? — perguntou imperiosamente.
— Eu também gostaria de saber, Dumbledore — disse o Professor Karkaroff. Em seu rosto havia um sorriso inflexível e seus olhos azuis eram duas lascas de gelo.
— Dois campeões de Hogwarts? Não me lembro de ninguém ter me dito que a escola que sediasse o torneio poderia ter dois campeões, ou será que não li o regulamento com a devida atenção?
Ele deu um sorrisinho maldoso.
— Impossível — exclamou Madame Maxime, cujas enormes mãos com numerosas e soberbas opalas descansavam no ombro de Fleur. — Hogwarts não pode terr dois campeons. Serria muito injusto.
— Tivemos a impressão de que a sua linha etária deixaria de fora os competidores mais jovens, Dumbledore — disse Karkaroff, o sorriso inflexível ainda no rosto, embora seus olhos estivessem mais frios que nunca. — Do contrário, teríamos, naturalmente, trazido uma seleção de candidatos mais ampla de nossas escolas.
— Não é culpa de ninguém, exceto de Potter, Karkaroff — falou Snape suavemente. Seus olhos negros brilharam de malícia. — Não saia culpando Dumbledore pela determinação de Potter de desobedecer às regras. Ele não tem feito nada exceto transgredir limites desde que chegou aqui...
— Muito obrigado, Severo — disse Dumbledore com firmeza, e Snape se calou, embora seus olhos continuassem a brilhar maldosamente por trás da cortina de cabelos negros e oleosos.
O Professor Dumbledore olhou então para Harry, que o encarou, tentando perceber a expressão dos olhos do diretor por trás dos oclinhos de meia-lua.
— Você depositou seu nome no Cálice de Fogo, Harry? — perguntou Dumbledore calmamente.
— Não — respondeu Harry. Estava consciente de que todos o olhavam com atenção.
Nas sombras, Snape fez um barulhinho impaciente de descrença.
— Você pediu a um estudante mais velho para depositá-lo no Cálice de Fogo para você? — tornou o diretor, sem dar atenção a Snape.
— Não — disse Harry com veemência.
— Ah, mas é clarro que ele está mentindo — exclamou Madame Maxime.
Snape agora sacudia a cabeça, a boca crispada.
— Ele não poderia ter atravessado a linha etária — interpôs a Professora Minerva energicamente. — Tenho certeza de que todos concordamos nisso...
— Dumbly-dorr deve terr se enganado ao traçarr a linha — concluiu Madame Maxime, encolhendo os ombros.
— É claro que isto é possível — respondeu Dumbledore polidamente.
— Dumbledore, você sabe muito bem que não se enganou! — exclamou a Professora Minerva, aborrecida. — Francamente, que tolice! Harry não poderia ter cruzado a linha pessoalmente, e como o Professor Dumbledore acredita que ele não convenceu um colega mais velho a fazer isso por ele, decerto isto deveria bastar para todos nós!
Ela lançou um olhar muito zangado ao Professor Snape.
— Sr. Crouch... Sr. Bagman — começou Karkaroff, a voz mais uma vez untuosa —, os senhores são os nossos... Hum... Juizes objetivos. Certamente os senhores concordarão que isto é extremamente irregular?
Bagman enxugou o rosto redondo e infantil com o lenço e olhou para o Sr. Crouch, que estava parado fora do círculo das chamas da lareira, o rosto semi-oculto pelas sombras. Parecia um pouco sobrenatural, a obscuridade fazia-o parecer muito mais velho, emprestando-lhe quase uma aparência de caveira.
Quando falou, porém, foi em seu tom habitualmente seco.
— Devemos obedecer ao regulamento e o regulamento diz claramente que as pessoas cujos nomes saírem do Cálice de Fogo devem competir no torneio.
— Bom, Bartô conhece os regulamentos de trás para diante — disse Bagman, sorrindo, e se voltou para Karkaroff e Madame Maxime como se o assunto estivesse definitivamente encerrado.
— Eu insisto em tornar a submeter os nomes do restante dos meus alunos — disse Karkaroff. Ele agora deixara de lado seu tom untuoso e o sorriso. Seu rosto tinha uma expressão realmente feia. — Vocês prepararão novamente o Cálice de Fogo e continuaremos a depositar nomes até cada escola ter dois campeões. Seria o justo, Dumbledore.
— Mas Karkaroff, a coisa não funciona assim — comentou Bagman. — O Cálice de Fogose apagou, e não voltará a arder até o inicio do próximo torneio...
—... No qual Durmstrang, com toda a certeza, não irá competir! — explodiu Karkaroff — Depois de tantas reuniões e negociações e tantos compromissos, eu não esperava que acontecesse uma coisa desta natureza! Tenho até vontade de me retirar agora mesmo!
— Uma ameaça inútil, Karkaroff — rosnou uma voz próxima à porta. — Você não pode abandonar o seu campeão agora. Ele tem que competir. Todos têm que competir. Um ato contratual mágico, conforme disse Dumbledore. Conveniente, não é mesmo?
Moody acabara de entrar na sala. Encaminhou-se, mancando, até a lareira, e a cada passo que dava, ouvia-se uma batidinha.
— Conveniente? — perguntou Karkaroff. — Receio não estar entendendo, Moody.
Harry percebeu que o bruxo tentava parecer desdenhoso, como se não valesse a pena dar atenção ao que Moody dissera, mas suas mãos o traíam, tinham se fechado em punhos.
— Não mesmo? — perguntou Moody em voz alta. — É muito simples Karkaroff. Alguém depositou o nome de Harry naquele cálice sabendo que o garoto teria que competir se saísse o seu nome.
— Evidaman algém que querria oferrecer a Hogwarts duas oporrtunidades de vancerr! — comentou Madame Maxime.
— Eu concordo, Madame Maxime — disse Karkaroff, com uma reverência. — Vou reclamar com o Ministério da Magia e a Confederação Internacional dos Bruxos...
— Se alguém tem razão para reclamar é o Potter — rosnou Moody —, mas... O que é engraçado... Não estou ouvindo ele dizer uma única palavra...
— Por que ele irria reclamar? — disse Fleur Delacour de repente, batendo o pé. — Ele tam a chance de competirr, não é? Durrante semanas vivemos a esperrança de serr escolhidos! A honrra de nossas escolas! Mil galeões de prrêmio, é uma chance pela qual muita jante morrerria!
— Talvez alguém tenha esperança de que Harry morra — disse Moody, com um leve vestígio de rosnado na voz.
Seguiu-se um silêncio extremamente tenso às suas palavras.
Ludo Bagman, que parecia de fato muito ansioso, balançou-se nervoso e disse:
— Moody, meu caro... Que coisa para você dizer!
— Todos sabemos que o Professor Moody considera a manhã perdida se não descobrir seis conspirações para assassiná-lo antes do almoço — disse Karkaroff em voz alta. — Pelo visto, agora está ensinando a seus alunos o medo de serem assassinados, também. Uma estranha qualidade para um professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, Dumbledore, mas com toda a certeza você tem suas razões.
— Será que estou imaginando coisas? Vendo coisas? — rosnou Moody. — Foi um bruxo ou uma bruxa habilitada que pôs o nome do garoto naquele cálice...
— Ah, que prrova há disso? — exclamou Madame Maxime, erguendo as enormes mãos.
— Porque enganou um objeto mágico de grande poder! — disse Moody. — Seria preciso um Feitiço para confundir excepcionalmente forte para mistificar aquele cálice a ponto de fazê-lo esquecer que apenas três escolas competem no torneio... Estou imaginando que alguém tenha inscrito Potter em uma quarta escola, para garantir que ele fosse o único de sua categoria...
— Você parece ter pensado muito no assunto — disse Karkaroff com frieza —, e não deixa de ser uma teoria criativa, embora, é claro, eu tenha ouvido dizer que recentemente você meteu na cabeça que um dos seus presentes de aniversário continha um ovo de basilisco ardilosamente disfarçado e o fez em pedaços antes de se dar conta de que era um relógio de viagem. Então você compreenderá se não o levarmos inteiramente a serio...
— Há pessoas que usam ocasiões inocentes em proveito próprio — retrucou Moody num tom ameaçador. — o meu trabalho é pensar como os bruxos das trevas pensariam, Karkaroff, como você deve se lembrar...
— Alastor! — exclamou Dumbledore em tom de aviso. Harry se perguntou por um momento com quem ele estaria falando, mas logo percebeu que "Olho-Tonto” não poderia ser o verdadeiro nome de Moody. Este se calou, embora ainda observasse Karkaroff com satisfação, o rosto de Karkaroff estava em brasa.
— Como foi que essa situação surgiu, não sabemos — disse Dumbledore dirigindo-se às pessoas reunidas na sala. — Parece-me, no entanto, que não temos alternativa alguma senão aceitá-la. Os dois, Cedrico e Harry, foram escolhidos para competir no torneio. E, portanto, é o que farão...
— Ah, mas Dumbly-dorr...
— Minha cara Madame Maxime, se a senhora tiver uma alternativa, ficarei encantado em ouvi-la.
Dumbledore aguardou, mas Madame Maxime não disse nada, apenas o fitou de cara amarrada. E não foi a única, tampouco. Snape parecia furioso, Karkaroff, lívido. Bagman, porém, parecia bastante excitado.
— Bom, vamos agilizar isso, então? — disse, esfregando as mãos e sorrindo para os presentes. — Temos que dar nossas instruções aos campeões, não é mesmo? Bartô, quer fazer as honras da casa? — O Sr. Crouch pareceu despertar de um profundo devaneio.
— Sim — disse ele —, instruções. E... A primeira tarefa...
Encaminhou-se, então, para a claridade das chamas. De perto, Harry achou que ele parecia estar passando mal. Havia sombras escuras sob seus olhos e sua pele enrugada tinha uma aparência frágil que lembrava papel, traços que não estavam ali durante a Copa Mundial de Quadribol.
— A primeira tarefa destina-se a testar o arrojo dos campeões — disse ele a Harry, Cedrico, Fleur e Krum —, por isso não vamos lhes dizer qual é. A coragem diante do desconhecido é uma qualidade importante em um bruxo... Muito importante...
— A primeira tarefa terá lugar, em vinte e quatro de novembro, perante os demais estudantes e a banca de juizes. É proibido aos campeões pedirem aos seus professores, ou aceitarem deles, ajuda de qualquer tipo para realizar as tarefas do torneio. Os campeões enfrentarão o primeiro desafio armados apenas de varinhas. Receberão informações sobre a segunda tarefa quando a primeira estiver concluída. Por força da natureza árdua e demorada do torneio, os campeões estão dispensados dos exames do fim do ano letivo.
O Sr. Crouch virou-se para encarar Dumbledore.
— Acho que é só isso, não é, Alvo?
— Acho que sim — respondeu Dumbledore, que observava o Sr. Crouch com uma leve preocupação. — Você tem certeza de que não quer pernoitar em Hogwarts, Bartô?
— Não, Dumbledore, preciso voltar ao Ministério. Estamos passando um momento muito movimentado e muito difícil... Deixei o jovem Weatherby responsável pelo departamento... Muito entusiasmado... Um pouquinho demais, para dizer a verdade...
— Você vai pelo menos tomar um drinque antes de partir? — convidou Dumbledore.
— Vamos, Bartô, eu vou ficar! — disse Bagman animado. — As coisas estão acontecendo em Hogwarts agora, sabe, está muito mais excitante aqui do que no escritório!
— Acho que não, Ludo — respondeu Crouch, com um toque de sua antiga impaciência.
— Professor Karkaroff, Madame Maxime, um último drinque antes de nos recolhermos? — perguntou Dumbledore.
Mas Madame Maxime já passara um braço pelos ombros de Fleur e a conduzia rapidamente para fora da sala. Harry ouviu as duas conversarem muito depressa em francês, ao atravessarem o Salão Principal. Karkaroff fez sinal para Krum e eles, também, agitados, saíram em silencio.
— Harry, Cedrico, sugiro que vocês vão se deitar — disse Dumbledore, sorrindo para os dois. — Tenho certeza de que Grifinória e Lufa-Lufa estão aguardando vocês para comemorar e seria uma pena privar seus colegas desta excelente desculpa para fazerem muito barulho e confusão.
Harry olhou para Cedrico, que concordou com a cabeça, e juntos saíram da sala.
O Salão Principal agora estava deserto; as velas já estavam pequenas, dando aos sorrisos serrilhados das abóboras um ar misterioso e bruxuleante.
— Então — disse Cedrico com um sorrisinho. — Vamos jogar um contra o outro novamente!
— Acho que sim — respondeu Harry. Na realidade ele não conseguiu pensar no que dizer. Dentro de sua cabeça parecia haver uma desordem total, como se o seu cérebro tivesse sido saqueado.
— Então... Me conta... — disse Cedrico, quando chegaram ao saguão de entrada, que estava agora iluminado por archotes, na ausência do Cálice de Fogo. — No duro, como foi que você conseguiu inscrever seu nome?
— Não inscrevi — disse Harry erguendo os olhos para o colega. — Não pus o meu nome lá. Falei a verdade.
— Ah... Tá — respondeu Cedrico. Harry percebeu que Cedrico não acreditara nele. — Bom... A gente se vê, então!
Em vez de subir a escadaria de mármore, Cedrico rumou para a porta à direita. Harry ficou parado escutando-o descer os degraus de pedra, depois, lentamente, começou a subir os de mármore.
Será que mais alguém além de Rony e Hermione acreditaria nele ou iriam todos pensar que se inscrevera no torneio? Contudo, como é que alguém podia pensar uma coisa dessas, quando ele ia enfrentar competidores que tinham mais três anos de educação mágica — quando ia enfrentar tarefas que não somente pareciam perigosas, mas que deveriam ser executadas diante de centenas de pessoas? E, ele pensara nisso... Devaneara sobre isso... Mas fora brincadeirinha, verdade, uma espécie de sonho descomprometido... Jamais considerara seriamente se inscrever, verdade...
Mas alguém considerara isso... Alguém quisera vê-lo no torneio, e tomara providências para tanto. Por quê? Para lhe fazer um gosto? Tinha a impressão que não...
Para vê-lo fazer papel de bobo? Bom, provavelmente ia ter o seu desejo satisfeito... Mas, para vê-lo morto? Moody estaria agindo com a sua paranóia habitual? Alguém não poderia ter posto o nome de Harry no Cálice de Fogo de brincadeira, para pregar uma peça? Será que alguém queria realmente vê-lo morto?
Essa pergunta Harry pôde responder na hora. Sim, alguém queria vê-lo morto, alguém queria vê-lo morto desde que tinha um ano de idade... Lord Voldemort.
Mas como é que o bruxo conseguira providenciar para que o nome de Harry fosse posto no Cálice de Fogo? Estava supostamente muito longe, em algum país distante, escondido, sozinho... Fraco e impotente...
No entanto naquele sonho que tivera, pouco antes de acordar com a cicatriz doendo, Voldemort não estava sozinho... Estava falando com Rabicho... Conspirando para matar Harry...
Harry levou um choque ao se descobrir diante da Mulher Gorda. Mal reparara aonde seus pés o levavam. Foi também uma surpresa ver que ela não estava sozinha na moldura. A bruxa encarquilhada, que passara para o quadro vizinho quando ele fora se reunir aos campeões na sala embaixo, agora estava sentada, toda cheia de si, ao lado da Mulher Gorda. Devia ter corrido pelos forros de todos os quadros de setes escadas para chegar ali antes dele. As duas, ela e a Mulher Gorda, o miravam com o maior interesse.
— Ora muito bem — disse a Mulher Gorda —, Violeta acaba de me contar tudo. Então quem foi afinal o escolhido para campeão da escola?
— Asnice — disse Harry sem emoção.
— Certamente que não é! — protestou a bruxa pálida, indignada.
— Não, não, Vi, é a senha — explicou a Mulher Gorda para acalmá-la, e rodou nas dobradiças para deixar Harry entrar na sala comunal.
O estardalhaço que feriu os ouvidos de Harry quando o retrato girou quase o derrubou de costas. A próxima coisa de que teve consciência foi que estava sendo arrastado para dentro da sala por uns doze pares de mãos, diante dos alunos da Grifinória em peso, que gritavam, aplaudiam e assobiavam.
— Devia ter nos avisado de que tinha se inscrito! — berrou Fred parecia meio aborrecido e meio impressionado.
— Como foi que você fez isso, sem ficar barbudo? Genial — rugiu Jorge.
— Não fiz — disse Harry. — Não sei como foi que...
Mas Angelina agora se atirava em cima dele.
— Ah, se não pôde ser eu, pelo menos foi alguém da Grifinória...
— Você vai poder dar o troco ao Diggory por aquela última partida de Quadribol, Harry! — gritou a voz fina de Katie BelI, outra artilheira da Grifinória.
— Temos comida, Harry, venha comer alguma coisa...
— Não estou com fome, comi bastante no banquete...
Mas ninguém quis ouvir falar de sua falta de apetite, ninguém quis saber que ele não pusera o nome no Cálice de Fogo, ninguém parecia ter notado que ele não estava com a menor disposição de comemorar... Lino Jordan desencavara uma bandeira da Grifinória em algum lugar, e insistia em enrolá-la em Harry como uma capa.
Harry não conseguiu fugir; sempre que tentava escapulir até a escada dos dormitórios, os colegas à sua volta cerravam fileiras e o forçavam a aceitar mais uma cerveja amanteigada, metendo salgadinhos e amendoins nas mãos dele... Todos queriam saber como é que ele fizera aquilo, como ludibriara a linha etária de Dumbledore e conseguira depositar o nome no Cálice de Fogo...
— Não fui eu — repetia ele sem parar —, não sei como foi que aconteceu.
Mas pela pouca atenção que os colegas lhe davam, os protestos do garoto não faziam a menor diferença.
— Estou cansado! — berrou ele finalmente depois de quase meia hora. — Não, é sério, Jorge, vou me deitar...
A coisa que ele mais queria era encontrar Rony e Hermione para buscar um pouco de sanidade, mas nenhum dos dois parecia estar na sala comunal.
Insistindo que precisava dormir, e quase achatando os irmãozinhos Creevey quando tentaram desviá-lo ao pé da escada, Harry conseguiu se livrar de todo mundo e subiu para o dormitório o mais depressa que pôde.
Para seu grande alívio, encontrou Rony, ainda vestido, deitado na cama de um dormitório em que não havia mais ninguém. Ele ergueu os olhos quando Harry entrou batendo a porta.
— Por onde você andou? — perguntou Harry.
— Ah, olá — respondeu Rony.
Sorria, mas parecia um sorriso muito estranho e tenso. Harry, de repente, se deu conta de que ainda vestia a bandeira vermelha da Grifinória que Lino amarrara nele. Apressou-se em despi-la, mas o nó estava muito apertado. Rony continuou deitado na cama sem se mexer, apreciando os esforços de Harry para retirar a bandeira.
— Então — disse ele, quando Harry finalmente conseguiu remover e atirar a bandeira a um canto. — Meus parabéns.
— Que é que você quer dizer com parabéns? — perguntou Harry encarando-o.
Decididamente havia alguma coisa esquisita no jeito com que Rony sorria, parecia mais uma careta.
— Bom... Ninguém mais conseguiu atravessar a linha etária. Nem mesmo Fred e Jorge. Que foi que você usou, a Capa da Invisibilidade?
— A Capa da Invisibilidade não teria me ajudado a atravessar aquela linha — disse Harry lentamente.
— Ah, certo. Achei que você teria me contado se fosse a capa... Porque ela poderia cobrir nós dois, não é mesmo? Mas você encontrou outro jeito, não foi?
— Escuta aqui. Eu não depositei meu nome naquele cálice. Deve ter sido outra pessoa.
Rony ergueu as sobrancelhas.
— Por que alguém faria uma coisa dessas?
— Não sei. — Harry achou que seria muito melodramático dizer para me matar. Rony ergueu as sobrancelhas tão alto que elas correram o risco de desaparecer sob seus cabelos.
— Tudo bem, a mim você pode contar a verdade. Se você não quer que o resto do pessoal saiba, ótimo, mas não sei por que está se dando ao trabalho de mentir, você nem ficou mal por isso, não é? A amiga da Mulher Gorda, a tal da Violeta, já contou a todo mundo que Dumbledore vai deixar você competir. Mil galeões de prêmio, hein? E nem vai precisar prestar os exames de fim de ano...
— Eu não pus o meu nome naquele cálice! — disse Harry começando a se aborrecer.
— Ah, tá — retorquiu Rony com o mesmíssimo tom cético de Cedrico. — Só que ainda hoje de manhã você disse que teria posto à noite passada sem que ninguém o visse... Eu não sou burro, sabe?
— Pois está parecendo — disse Harry com rispidez.
— Ah, é? — respondeu Rony, mas agora não havia nenhum vestígio de sorriso em seu rosto amarelo ou de qualquer cor. — Você está querendo se deitar, Harry, imagino que vai precisar se levantar cedo amanhã para a sessão de fotografias, ou seja, lá o que for.
E fechou com força as cortinas em torno de sua cama de colunas, deixando Harry parado ali à porta, encarando as cortinas de veludo vinho, que agora escondiam uma das poucas pessoas que ele contara que fosse acreditar nele.