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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 24
— Uau — exclamou Rony, quando o amigo finalmente terminou de contar tudo; Rony acenava com a varinha em direção ao teto, sem prestar a mínima atenção ao que estava fazendo. — Uau. Você vai realmente acompanhar Dumbledore... e tentar destruir... uau.
— Rony, você está fazendo nevar — avisou Hermione, pacientemente, agarrando o pulso do garoto e desviando sua varinha do teto, de onde, de fato, tinham começado a cair grandes flocos de neve. Harry notou que Lilá Brown, de uma das mesas vizinhas, observava Hermione com raiva e olhos muito vermelhos, e que Hermione largou imediatamente o braço de Rony.
— Ah, é — exclamou Rony, olhando para seus ombros vagamente surpreso. — Desculpem... parece que agora todos estamos com uma caspa horrível...
Ele espanou um pouco da falsa neve dos ombros de Hermione. Lilá caiu no choro. Rony pareceu sentir uma imensa culpa e deu as costas para a garota.
— Nós terminamos — disse ele a Harry pelo canto da boca. — Na noite passada. Quando me viu saindo do dormitório com a Hermione. Obviamente, ela não pôde ver você, então pensou que estávamos sozinhos.
— Ah — exclamou Harry. — Bem... você não está ligando para isso, está?
— Não — admitiu Rony. — Foi bem chato ouvir os gritos dela, mas pelo menos eu não precisei terminar.
— Covarde — disse Hermione, embora parecesse achar graça. — Bem, foi uma noite ruim para os namoros em geral. Gina e Dino também terminaram, Harry.
Harry achou que havia uma expressão de entendimento nos olhos de Hermione ao dizer aquilo, mas era impossível que ela soubesse que suas entranhas repentinamente começaram a dançar uma conga; mantendo os músculos do rosto imóveis e a voz o mais indiferente possível, ele perguntou:
— Por quê?
— Ah, por uma coisa realmente boba... Gina falou que ele estava sempre querendo ajudar na hora de passar pelo buraco do retrato, como se ela não soubesse subir sozinha... mas o namoro já estava balançando há um tempão.
Harry olhou para Dino do lado oposto da sala de aula. Certamente o garoto parecia muito infeliz.
— Claro que isto deixa você num dilema, não é?
— Como assim? — perguntou Harry imediatamente.
— A equipe de quadribol. Se Gina e Dino não estão se falando...
— Ah... ah, é — concordou Harry.
— Flitwick — alertou Rony. O minúsculo professor de Feitiços vinha saltitando em direção a eles, e Hermione era a única que conseguira transformar vinagre em vinho; seu balão de ensaio estava cheio de um líquido muito vermelho, enquanto os de Harry e Rony continuavam castanho-turvos.
— Vamos, vamos, rapazes — censurou-os o professor Flitwick com sua voz fininha. — Menos conversa e um pouco mais de ação... quero ver vocês experimentarem.
Juntos, eles ergueram as varinhas, concentrando-se ao máximo, e apontaram-nas para os balões. O vinagre de Harry virou gelo; o balão de Rony explodiu.
— Então... para casa... — disse o professor Flitwick, saindo de baixo da mesa e tirando estilhaços de vidro do chapéu — praticar.
Os três amigos tiveram um dos seus raros períodos livres em comum depois de Feitiços, e voltaram juntos para a sala comunal.
Rony parecia estar positivamente descontraído com o fim do seu relacionamento com Lilá, e Hermione também parecia animada, embora, quando lhe perguntassem por que estava sorrindo, ela respondesse simplesmente: “Está fazendo um belo dia.” Nenhum dos dois parecia notar que uma feroz batalha devastava o cérebro de Harry.
Ela é irmã do Rony.
Mas ela deu o fora no Dino!
Ela continua sendo irmã do Rony.
Eu sou o melhor amigo dele!
Isso só vai piorar as coisas.
E se eu falasse com ele primeiro...
Ele bateria em você.
E se eu não ligar?
Ele é o seu melhor amigo!
Harry nem reparou que estavam passando pelo buraco do retrato para entrar na ensolarada sala comunal, e apenas registrou vagamente a rodinha de alunos do sétimo ano até que Hermione gritou:
— Katie! Você voltou! Você está o.k.?
Harry arregalou os olhos: era de fato Katie Bell, parecendo completamente saudável e cercada por amigos radiantes.
— Estou realmente boa! — disse ela feliz. — Eles me deram alta no St. Mungus na segunda-feira, passei uns dias em casa com meus pais e voltei para Hogwarts hoje de manhã. Liane acabou de me contar o que o McLaggen fez no último jogo, Harry...
— É, bem, agora que você já voltou e Rony está em forma, teremos uma chance decente de dar uma surra na Corvinal, o que significa que ainda poderíamos estar na disputa pela Copa. Escuta, Katie...
Harry não pôde esperar para lhe fazer a pergunta; a curiosidade chegou a varrer temporariamente Gina do seu cérebro. Ele baixou a voz quando os amigos de Katie começaram a juntar seus pertences; pelo jeito estavam atrasados para a aula de Transfiguração.
— ... aquele colar... você agora lembra quem lhe deu?
— Não — respondeu Katie, sacudindo a cabeça pesarosa. — Todo o mundo está me perguntando, mas não faço a menor idéia. A última coisa de que me lembro é que entrei no banheiro feminino no Três Vassouras.
— Então, definitivamente você entrou no banheiro? — indagou Hermione.
— Bem, eu sei que abri a porta, então imagino que quem me lançou a Maldição Imperius estava parado ali atrás. Depois disso, minha memória apagou tudo até as duas últimas semanas no St. Mungus. Escutem, é melhor eu ir andando, a McGonagall é bem capaz de me passar uma frase de castigo, mesmo sendo o primeiro dia da minha volta...
Katie apanhou a mochila e seus livros e correu atrás dos amigos, deixando Harry, Rony e Hermione se sentarem a uma das mesas junto à janela para pensar no que ela acabara de contar.
— Então deve ter sido uma garota ou uma mulher quem deu o colar a Katie — arriscou Hermione —, para estar no banheiro feminino...
— Ou alguém com a aparência de uma garota ou de uma mulher — interpôs Harry. — Não esqueça que existe um caldeirão de Polissuco em Hogwarts. Sabemos que roubaram um pouco...
Mentalmente, Harry viu um desfile de Crabbes e Goyles passando, todos transformados em garotas.
— Acho que vou tomar outra dose de Felix — anunciou Harry —, e fazer uma nova tentativa para entrar na Sala Precisa.
— Isto seria um completo desperdício de poção — disse Hermione taxativamente, descansando o exemplar do Silabário de Spellman que acabara de retirar da mochila. — A sorte só pode levar uma pessoa até certo ponto, Harry. A situação com Slughorn foi diferente; você sempre teve habilidade para convencer o professor, só precisou dar um empurrãozinho nas circunstâncias. Mas não basta sorte para você passar por um poderoso encantamento. Não gaste à toa o resto da sua poção! Vai precisar de toda a sorte que puder arranjar, se Dumbledore levar mesmo você com ele... — Sua voz transformou-se num sussurro.
— Será que não podíamos preparar mais um pouco? — Rony perguntou a Harry ignorando Hermione. — Seria o máximo ter um estoque de poção... dê uma olhada no livro...
Harry apanhou seu exemplar de Estudos avançados no preparo de poções na mochila e procurou a Felix Felicis.
— Caramba, é a maior complicação — exclamou, correndo os olhos pela lista de ingredientes. — E leva seis meses... é preciso deixar cozinhar em fogo lento...
— Só podia ser — comentou Rony.
Harry ia guardando o livro de novo quando notou o canto de página dobrado; abrindo-a, viu o feitiço Sectumsempra, com a legenda“Para inimigos”, que ele marcara algumas semanas antes. Ainda não descobrira para que servia, principalmente porque não queria testá-lo perto de Hermione, mas estava pensando em experimentar em McLaggen da próxima vez que encontrasse o garoto de costas, distraído.
A única pessoa que não ficou muito feliz ao ver Katie Bell voltar à escola foi Dino Thomas, porque não precisaria mais substituí-la como artilheiro. Ele suportou o golpe estoicamente quando Harry lhe deu a notícia, limitando-se a resmungar e sacudir os ombros, mas Harry teve a nítida impressão, ao se afastar, de que Dino e Simas estavam reclamando, inconformados, às suas costas.
A quinzena seguinte registrou os melhores treinos de quadribol que Harry conhecera como capitão. Sua equipe estava tão satisfeita de se livrar de McLaggen, tão contente de ter Katie finalmente de volta, que todos estavam voando excepcionalmente bem.
Gina não parecia nem um pouco chateada com o fim do namoro com Dino; pelo contrário, era a vida e a alma da equipe. Suas imitações de Rony, subindo e descendo na frente das balizas quando a goles vinha em sua direção, ou de Harry, berrando ordens a McLaggen antes de ser nocauteado, divertiam constantemente os jogadores. Harry, rindo com os outros, ficava satisfeito de ter um motivo inocente para olhar Gina; ele recebera outros tantos balaços durante os treinos porque não estava mantendo os olhos no pomo.
A batalha continuava a devastar o seu cérebro: Gina ou Rony? Por vezes, ele achava que o Rony pós-Lilá talvez não se importasse tanto se ele convidasse Gina para sair, então se lembrava da expressão do amigo quando vira a irmã beijando Dino, e tinha certeza de que Rony consideraria uma vil traição se ele sequer segurasse a mão de Gina...
Contudo, Harry não podia deixar de falar com Gina, rir com ela e voltar do treino, caminhando, com a garota; por mais que sua consciência doesse, ele vivia imaginando a melhor maneira de encontrá-la a sós: o ideal teria sido Slughorn dar uma de suas festinhas, onde Rony não estaria por perto. Infelizmente, o professor parecia ter desistido das reuniões. Uma ou duas vezes, Harry considerou pedir a ajuda de Hermione, mas achou que não agüentaria o ar de presunção que veria no rosto da amiga; pensou já tê-lo visto quando Hermione o surpreendia olhando para Gina ou rindo de suas brincadeiras. E, para complicar, havia a preocupação insistente de que, se não a convidasse, logo alguém certamente o faria: pelo menos, ele e Rony estavam de acordo que Gina era popular demais para seu próprio bem.
De um modo geral, a tentação de tomar outro gole de Felix Felicis tornava-se mais forte a cada dia que passava, porque, sem dúvida, este era um caso, segundo dissera Hermione, de “dar um empurrãozinho nas circunstâncias”, não? Os dias mornos e agradáveis foram desfilando mansamente pelo mês de maio, e Rony parecia estar colado em seu ombro toda vez que ele via Gina. Harry viu-se desejando um feliz acaso que fizesse Rony perceber que nada lhe agradaria mais do que seu melhor amigo e sua irmã se apaixonarem e deixar os dois sozinhos por mais do que uns poucos segundos. Parecia, no entanto, não haver chance de nada disso acontecer nas vésperas da última partida de quadribol da temporada; Rony queria discutir táticas com Harry o tempo todo, e praticamente não pensava em outra coisa.
Neste particular, Rony não era original; o interesse pela partida Grifinória-Corvinal aumentava extraordinariamente em toda a escola, porque o confronto decidiria o campeonato, que continuava em aberto. Se a Grifinória vencesse a Corvinal por uma margem de trezentos pontos (uma tarefa difícil, embora Harry nunca tivesse visto sua equipe voar melhor), o campeonato seria deles. Se vencessem por menos de trezentos pontos, terminariam em segundo lugar, atrás da Corvinal; se perdessem por uma diferença de até cem pontos, chegariam em terceiro lugar, atrás da Lufa-Lufa, e, se perdessem por mais de cem pontos, ficariam em quarto lugar e ninguém, pensava Harry, nunca, jamais o deixaria esquecer que fora o capitão que levara a Grifinória à lanterna do campeonato nos últimos dois séculos.
Os dias que precederam essa partida crítica apresentaram todos os problemas costumeiros: os jogadores das Casas rivais tentavam intimidar as equipes adversárias nos corredores; cantavam refrões grosseiros sobre os jogadores à sua passagem; os membros das equipes se exibiam pela escola, deliciando-se com as atenções ou correndo ao banheiro nos intervalos das aulas para vomitar. Por alguma razão, na mente de Harry, o jogo se tornara indissociável do sucesso ou fracasso de seus planos em relação a Gina. Ele não podia deixar de sentir que, se ganhassem por mais de trezentos pontos, as cenas de euforia e uma estrondosa comemoração pós-jogo seriam tão eficazes quanto uma boa dose de Felix Felicis.
Em meio a toda essa preocupação, Harry não se esquecera de sua outra ambição: descobrir o que Malfoy fazia na Sala Precisa. Ele ainda consultava o Mapa do Maroto e, como muitas vezes não conseguia localizar o garoto, deduzia que ele ainda passasse um bom tempo na Sala. E, embora estivesse perdendo a esperança de conseguir um dia entrar ali, sempre que estava nas vizinhanças fazia nova tentativa; mas, por mais que refraseasse o seu pedido, a parede permanecia sólida.
Poucos dias antes da partida com a Corvinal, Harry viu-se descendo sozinho da sala comunal para jantar, Rony saíra correndo outra vez para vomitar no banheiro mais próximo, e Hermione dera uma fugida para consultar a professora Vector a respeito de um possível erro no último trabalho de Aritmancia. Mais por hábito do que por outro motivo, Harry fez o desvio habitual pelo sétimo andar, verificando o Mapa do Maroto enquanto andava. Por um momento, não conseguiu localizar Malfoy em parte alguma, e presumiu que ele estivesse na Sala Precisa. Então, viu o pontinho do garoto em um banheiro masculino no andar abaixo, acompanhado, não de Crabbe ou Goyle, mas da Murta-Que-Geme.
Harry só parou de olhar fixamente para esta improvável parceria quando colidiu em cheio com uma armadura. O estrondo o despertou do seu devaneio; fugindo da cena antes que Filch aparecesse, ele desceu correndo a escadaria de mármore e entrou pelo corredor abaixo. Do lado de fora do banheiro, colou o ouvido à porta. Não conseguiu ouvir nada. Então, empurrou-a silenciosamente.
Draco Malfoy estava parado de costas, com as mãos apoiadas dos lados da pia e a cabeça loura curvada.
— Não — murmurou a Murta-Que-Geme, de um dos boxes. — Não... me conte qual é o problema... posso ajudar você...
— Ninguém pode me ajudar — respondeu Malfoy. Todo o seu corpo tremia. — Não posso fazer isso... não posso... não vai dar certo... e se eu não fizer logo... ele diz que vai me matar...
E Harry percebeu, com um choque tão colossal que pareceu pregá-lo no chão, que o garoto estava chorando, realmente chorando, as lágrimas escorriam do seu rosto pálido para a pia encardida. Malfoy ofegou e engoliu em seco e, então, com um estremeção, olhou para o espelho rachado e viu Harry encarando-o por cima do seu ombro.
Malfoy girou nos calcanhares puxando a varinha. Instintivamente, Harry sacou a dele. O feitiço de Malfoy passou a centímetros dele e quebrou um lampião na parede ao seu lado; Harry se atirou para um lado, mentalizou Levicorpus! e acenou com a varinha, mas Malfoy bloqueou o feitiço e ergueu a varinha para revidar...
— Não! Não! Parem com isso! — guinchou a Murta-Que-Geme, sua voz ecoando nos azulejos do banheiro. — Parem! PAREM!
Houve um forte estampido, e a lata de lixo atrás de Harry explodiu; Harry experimentou um Feitiço das Pernas Presas, que ricocheteou na parede do lado da orelha de Malfoy e partiu a cisterna embaixo da Murta, fazendo-a berrar; a água vazou para todo lado, e Harry escorregou na hora em que Malfoy, de rosto contorcido, exclamou:
— Cruci...
— SECTUMSEMPRA! — urrou Harry do chão, agitando a varinha freneticamente.
O sangue espirrou do rosto e do peito de Malfoy como se ele tivesse sido cortado por uma espada invisível. Ele recuou, vacilante, e caiu no chão inundado, espalhando água e deixando cair a varinha da mão direita frouxa.
— Não... — exclamou Harry.
Ele se levantou, escorregando e cambaleando, e se precipitou para Malfoy, cujo rosto agora brilhava escarlate, suas mãos pálidas apalpavam o peito encharcado de sangue.
— Não... eu não...
Harry não sabia o que estava dizendo; caiu de joelhos ao lado de Malfoy, que tremia, descontrolado, em uma poça do próprio sangue. A Murta-Que-Geme soltou um urro ensurdecedor.
— CRIME! CRIME! CRIME NO BANHEIRO! CRIME!
A porta se escancarou e Harry ergueu a cabeça, aterrorizado: Snape invadira o banheiro com o rosto lívido. Empurrando Harry com violência, ajoelhou-se ao lado de Malfoy, tirou a varinha e passou-a por cima dos profundos cortes que o feitiço de Harry produzira, murmurando um encantamento que parecia quase uma canção. O fluxo de sangue pareceu diminuir; Snape limpou o coágulo do rosto do garoto e repetiu o encantamento. Agora os cortes pareciam estar fechando.
Harry continuava a olhar horrorizado o que fizera, sem se dar conta de que ele também estava empapado de água e sangue. A Murta-Que-Geme soluçava e gemia. Depois de executar o contra-feitiço pela terceira vez, Snape ajudou Malfoy a se levantar.
— Você precisa da ala hospitalar. Talvez fiquem muitas cicatrizes, mas, se tomar ditamno imediatamente, talvez possamos evitar até isso... venha...
Ele amparou Malfoy pelo banheiro, virando-se à porta para dizer com a voz gelada de fúria:
— E você, Potter... você espere por mim aqui.
Nem por um segundo ocorreu a Harry desobedecer. Ergueu-se lentamente, trêmulo, e olhou para o chão molhado. Havia manchas de sangue boiando como flores carmim à superfície. Ele nem sequer conseguiu arranjar forças para mandar a Murta-Que-Geme sossegar, pois ela continuava a chorar e soluçar, com visível e crescente prazer.
Snape voltou dez minutos mais tarde. Entrou no banheiro e fechou a porta ao passar.
— Saia — disse à Murta, e imediatamente ela mergulhou de volta em seu vaso, deixando um silêncio ressonante à sua saída.
— Não tive intenção — disse Harry na mesma hora. Sua voz ecoou pelo espaço frio e molhado. — Eu não sabia qual era o efeito daquele feitiço.
Mas Snape fingiu não ouvir.
— Aparentemente eu o subestimei, Potter — disse suavemente. — Quem teria pensado que você conhecia magia das Trevas? Quem lhe ensinou aquele feitiço?
— Eu... li em algum lugar.
— Onde?
— Foi... num livro da biblioteca — inventou Harry. — Não me lembro do título...
— Mentiroso — retrucou o professor. A garganta de Harry secou. Ele sabia o que Snape ia fazer, e nunca fora capaz de impedir...
O banheiro pareceu tremeluzir ao seu olhar; ele lutou para bloquear todos os pensamentos, porém, por mais que tentasse, o exemplar do Estudos avançados no preparo de poções que pertencia ao Príncipe Mestiço flutuava indistinto para o primeiro plano de sua mente...
E então ele voltara a encarar Snape, no meio do banheiro destruído e encharcado. Fixou os olhos negros do professor, esperando, desesperado, que não tivesse visto o que ele, Harry, receava, mas...
— Vá apanhar sua mochila — disse o professor baixinho — e todos os seus livros escolares. Todos. Traga-os para mim aqui. Agora!
Não adiantava discutir. Harry virou-se prontamente e saiu do banheiro espalhando água. Uma vez no corredor, começou a correr para a Torre da Grifinória. A maioria das pessoas vinha em direção contrária; admiravam-se ao vê-lo encharcado de água e sangue, mas ele não respondeu a nenhuma das perguntas que lhe fizeram quando passou desembalado.
Sentia-se aturdido; era como se um bicho muito estimado tivesse de repente se tornado feroz. Em que o Príncipe estava pensando ao copiar um feitiço daquele em seu livro? E que aconteceria quando Snape visse? Será que contaria a Slughorn — o estômago de Harry embrulhou — como ele obtivera resultados tão bons em Poções o ano inteiro? Será que o professor confiscaria ou destruiria o livro que lhe ensinara tanta coisa... o livro que se tornara uma espécie de guia e amigo? Harry não podia deixar isso acontecer... simplesmente não podia...
— Onde é que você...? Por que está todo molhado...? Isso é sangue?
Rony estava parado no alto da escada, espantado de ver o amigo.
— Preciso do seu livro — ofegou Harry. — O seu livro de Poções. Depressa... me dá aqui...
— E o do Príncipe Mestiço?
— Depois eu explico!
Rony tirou o seu exemplar de Estudos avançados no preparo de poções da mochila e entregou-o ao amigo; Harry disparou de volta à sala comunal. Ali, pegou sua mochila, ignorando os olhares espantados dos colegas que já haviam terminado de jantar, atirou-se pelo buraco do retrato e desembestou pelo corredor do sétimo andar.
Parou, derrapando, ao lado da tapeçaria dos trasgos dançarinos, fechou os olhos e começou a caminhar.
Preciso de um lugar para esconder o meu livro... preciso de um lugar para esconder o meu livro... preciso de um lugar para esconder o meu livro...
Três vezes ele foi e voltou diante da parede lisa. Quando abriu os olhos, ali estava finalmente: a porta para a Sala Precisa. Harry escancarou-a, atirou-se para dentro e bateu a porta.
Ficou sem fôlego. Apesar da pressa, do pânico e do medo do que o aguardava no retorno ao banheiro, não pôde deixar de se assombrar com o que via. Achava-se em uma sala do tamanho de uma grande catedral, cujas altas janelas lançavam raios de luz sobre uma verdadeira cidade de elevadas muralhas construídas com objetos, percebia Harry, escondidos por gerações de habitantes de Hogwarts. Havia travessas e ruas margeadas por pilhas mal equilibradas de móveis gastos e partidos, guardados, talvez, para esconder provas de magia malfeita, ou então por elfos domésticos orgulhosos de seus castelos. Havia alguns milhares de livros, sem dúvida, proibidos ou rabiscados ou roubados. Havia catapultas aladas e Frisbees-dentados, alguns com suficiente energia para pairar indiferentes sobre montanhas de outros objetos proibidos; havia frascos lascados com poções congeladas, chapéus, jóias, capas; havia coisas que pareciam cascas de ovos de dragão, garrafas arrolhadas cujos conteúdos ainda refulgiam malignamente, várias espadas enferrujadas e um machado sujo de sangue.
Harry avançou ligeiro por uma das muitas travessas entre tantos tesouros escondidos. Virou à direita depois de um enorme trasgo empalhado, correu uma pequena distância, embicou para a esquerda junto ao Armário Sumidouro quebrado, onde Montague se perdera no ano anterior, e finalmente parou em frente a um grande armário que dava a impressão de ter recebido ácido em sua superfície cheia de bolhas. Ele abriu uma das portas emperradas do armário: já fora usada como esconderijo para algum bicho engaiolado que morrera muito tempo atrás; o esqueleto tinha cinco pernas. Ele enfiou o livro do Príncipe Mestiço atrás da gaiola e bateu a porta. Parou um instante, com o coração barbaramente acelerado, e correu o olhar pela montoeira... será que conseguiria reencontrar este lugar no meio de todo esse lixo? Apanhando o busto lascado de um bruxo velho e feio de cima de um caixote próximo, colocou-o no alto do armário em que escondera o livro, encarrapitou uma velha peruca empoeirada e uma tiara oxidada na cabeça da estátua para poder distingui-la, então voltou correndo pelas travessas de guardados o mais rápido que pôde, refez o caminho até a porta, saiu e, ao batê-la, às suas costas, viu-a transformar-se mais uma vez em pedra.
Harry correu sem parar em direção ao banheiro do andar abaixo, enfiando o exemplar de Rony de Estudos avançados no preparo de poções na mochila, enquanto corria. Um minuto depois, estava novamente diante de Snape, que estendeu a mão em silêncio para receber a mochila de Harry. O garoto entregou-a, ofegando, sentindo uma dor ardida no peito, e aguardou.
Snape tirou os livros de Harry, um a um, e examinou-os. Por fim, restou apenas o livro de poções, que ele olhou muito atentamente antes de perguntar:
— Este é o seu exemplar de Estudos avançados no preparo de poções, é, Potter?
— É — respondeu Harry, ainda respirando com esforço.
— Você tem certeza, não é, Potter?
— Tenho — respondeu o garoto em tom mais atrevido.
— Este é o exemplar de Estudos avançados no preparo de poções que você comprou na Floreios e Borrões?
— É — respondeu ele com firmeza.
— Então, por que tem o nome “Roonil Wazlib” escrito na segunda capa? O coração de Harry parou um instante.
— Esse é o meu apelido.
— Seu apelido — repetiu Snape.
— É... é assim que meus amigos me chamam.
— Eu sei o que é um apelido. — Os olhos frios e escuros de Snape perfuravam mais uma vez os de Harry; o garoto tentou não encarar os do professor. Feche sua mente... feche sua mente... mas ele nunca aprendera a fazer isso direito...
— Você sabe o que eu acho, Potter? — disse Snape, muito calmamente. — Acho que você é um mentiroso e um trapaceiro, e merece ficar detido comigo todos os sábados até o final do trimestre. Que é que você acha, Potter?
— Eu... eu não concordo, senhor — disse Harry, ainda se recusando a encarar Snape nos olhos.
— Bem, veremos o que sente depois de suas detenções. Dez horas, sábado de manhã, Potter. Meu escritório.
— Mas, senhor... — protestou Harry, erguendo os olhos desesperado. — Quadribol... o último jogo da...
— Dez horas — sussurrou Snape, com um sorriso que revelou seus dentes amarelados. — Coitada da Grifinória... a lanterna deste ano, receio que seja...
E saiu do banheiro sem dizer mais nada, deixando Harry diante do espelho partido, sentindo-se mais enjoado do que Rony jamais se sentira na vida, disto ele tinha plena certeza.
— Não vou dizer “Eu bem que disse” — lembrou Hermione, uma hora depois na sala comunal.
— Não encarna, Hermione — retrucou Rony com raiva.
Harry não chegara a tempo para jantar; não sentia fome alguma. Acabara de contar a Rony, Hermione e Gina o que acontecera, não que isso fosse necessário. As notícias tinham corrido muito rápido: aparentemente a Murta-Que-Geme se encarregara de aparecer em cada banheiro do castelo para contar a história; Malfoy já fora visitado na ala hospitalar por Pansy Parkinson, que não perdera tempo e saíra difamando Harry por toda a escola, e Snape informara aos professores exatamente o que acontecera: Harry já fora chamado na sala comunal para enfrentar quinze minutos extremamente desagradáveis na presença da professora McGonagall, que lhe dissera que tinha sorte em não ser expulso, e que ela apoiava integralmente a decisão de detê-lo todos os sábados até o fim do trimestre.
— Eu disse que tinha alguma coisa errada com aquele tal Príncipe — comentou Hermione, evidentemente incapaz de se conter. — E tinha razão, não é?
— Não, acho que não — teimou Harry.
Ele já estava se sentindo péssimo sem os sermões de Hermione, a cara dos jogadores da Grifinória quando ele contou que não poderia jogar no sábado fora o pior castigo. Sentia o olhar de Gina agora, mas evitou-o; não queria ver nele desapontamento nem raiva. Acabara de lhe dizer que ia jogar de apanhadora no sábado, e que Dino voltaria à equipe, no lugar dela, como artilheiro. Talvez, se a Grifinória vencesse, Gina e Dino fizessem as pazes durante a euforia pós-jogo... a idéia atravessou a mente de Harry como uma faca gelada...
— Harry — recomeçou Hermione —, como você ainda pode defender aquele livro quando o feitiço...
— Quer parar de falar naquele livro? — retrucou Harry. — O Príncipe apenas copiou o feitiço! Não é o mesmo que aconselhar alguém a usar! E, pelo que sabemos, ele podia até estar anotando uma coisa que foi usada contra ele.
— Eu não acredito — exclamou Hermione. — Você está mesmo defendendo...
— Não estou defendendo o que fiz! — protestou Harry imediatamente. — Gostaria de não ter feito, e não só porque recebi uma tonelada de detenções. Você sabe que eu não teria usado um feitiço daqueles, nem mesmo contra o Malfoy, mas você não pode culpar o Príncipe, ele não escreveu “Experimente este, é realmente bom”... eram anotações pessoais, não é? Não era para mais ninguém...
— Você está me dizendo — perguntou Hermione — que você vai voltar...?
— Para apanhar o livro? Vou — disse Harry com energia. — Escuta aqui, sem o Príncipe eu jamais teria ganhado a Felix Felicis. Jamais saberia como salvar Rony do envenenamento, jamais...
— ... conquistaria a reputação de gênio em Poções que não merece — concluiu Hermione maldosamente.
— Dá um tempo, Hermione! — exclamou Gina, e Harry ficou tão admirado, tão agradecido, que ergueu a cabeça. — Pelo jeito, Malfoy estava tentando usar uma Maldição Imperdoável, você devia ficar feliz que Harry tivesse um trunfo na manga!
— Bem, é claro que estou contente que Harry não tenha sido amaldiçoado! — respondeu Hermione, visivelmente ofendida —, mas você não pode dizer que aqueleSectumsempra é um trunfo, Gina, olhe só a confusão em que meteu o Harry! E eu imaginaria, vendo as conseqüências para suas chances no jogo...
— Ah, não começa a agir como se entendesse de quadribol — respondeu Gina com aspereza —, você só vai se complicar.
Harry e Rony olharam espantados: Hermione e Gina, que sempre tinham se dado tão bem, agora estavam sentadas de braços cruzados e cara amarrada, olhando em direções opostas. Rony lançou um olhar nervoso para Harry, então apanhou um livro qualquer e se escondeu atrás dele. Harry, embora soubesse que não merecia, sentiu, de repente, uma inacreditável animação, embora nenhum deles voltasse a falar o resto da noite.
Sua animação durou pouco. Teve de aturar insultos dos alunos da Sonserina no dia seguinte, sem falar na raiva dos colegas da Grifinória, que se sentiam infelicíssimos que o seu capitão tivesse provocado a própria suspensão do jogo de final da temporada. Quando chegou a manhã de sábado, apesar do que ele pudesse ter dito a Hermione, Harry teria trocado de boa vontade toda a Felix Felicis do mundo para estar a caminho do campo de quadribol com Rony, Gina e os outros. Foi quase insuportável dar as costas à massa de estudantes que saía para o sol, todos usando rosetas e chapéus e agitando estandartes e echarpes, e descer a escada de pedra para as masmorras e ir andando até que os ruídos distantes da multidão se extinguissem, sabendo que não conseguiria ouvir nem uma palavra da narração, nem aplauso, nem protesto.
— Ah, Potter — disse Snape, quando Harry bateu à porta e entrou no escritório desagradavelmente familiar que o professor, apesar de dar aulas andares acima, ainda não desocupara; estava mal iluminado como sempre, e os mesmos objetos viscosos e mortos flutuavam em poções coloridas nas paredes. E, mau sinal, havia muitas caixas cobertas de teias de aranha empilhadas sobre a mesa à que Harry deveria sentar; emanavam uma aura de trabalho monótono, árduo e inútil.
— O Sr. Filch esteve procurando alguém para limpar esses arquivos antigos — disse Snape brandamente. — São os registros de outros transgressores de Hogwarts e os castigos que receberam. Onde a tinta desbotou, ou os cartões foram danificados por ratos, gostaríamos que você copiasse os crimes e castigos de novo e, depois de verificar se estão em ordem alfabética, tornasse a guardá-los nas caixas. Não deverá usar magia.
— Certo, professor — respondeu Harry, com o maior desprezo que conseguiu colocar nas três últimas sílabas.
— Achei que podia começar — disse Snape, com um sorriso malicioso nos lábios — com as caixas que vão de mil e doze a mil e cinqüenta e seis. Encontrará aí alguns nomes conhecidos, o que deve emprestar interesse à sua tarefa. Veja aqui...
O professor retirou um cartão de uma das caixas no alto da pilha com um gesto teatral e leu:
— “Tiago Potter e Sirius Black. Detidos pelo uso de azaração ilegal em Bertram Aubrey. A cabeça de Aubrey está o dobro do tamanho normal. Detenção dupla.” — Snape deu um sorriso desdenhoso. — Deve ser um consolo pensar que, embora já tenham partido, reste um registro dos seus grandes feitos...
Harry sentiu a familiar sensação fervendo no fundo do estômago. Mordendo a língua para não retorquir, sentou-se à frente das caixas e puxou uma para perto.
Era, como Harry previra, um trabalho monótono e inútil, pontuado (o que fora visivelmente planejado por Snape) por um constante solavanco no estômago, ao ler os nomes do pai e de Sirius, em geral associados em vários delitos menores, por vezes acompanhados por Remo Lupin e Pedro Pettigrew. E, enquanto transcrevia as várias transgressões e os castigos, ficou imaginando o que estaria acontecendo lá fora, onde a partida devia estar iniciando... Gina jogando na posição de apanhadora contra Cho...
Harry olhou várias vezes para o grande relógio que tiquetaqueava na parede. Parecia trabalhar com a metade da velocidade de um relógio normal; será que Snape o teria enfeitiçado para andar bem devagar? Não podia estar ali apenas há meia hora... uma hora... uma hora e meia...
O estômago de Harry começou a roncar quando o relógio marcou meio-dia e meia. Snape, que se mantinha calado desde que passara a tarefa para Harry, finalmente ergueu a cabeça a uma hora e dez minutos.
— Acho que já basta — anunciou friamente. — Marque o ponto em que parou. Continuará no próximo sábado, às dez horas.
— Sim, senhor.
Harry enfiou aleatoriamente um cartão dobrado na caixa e saiu depressa, porta afora, antes que Snape pudesse mudar de idéia; subiu correndo a escada, apurando os ouvidos para algum ruído do campo, mas estava tudo silencioso... então o jogo acabara...
Ele hesitou à porta do Salão Principal lotado, e subiu correndo a escadaria de mármore; quer a Grifinória tivesse ganhado ou perdido, a equipe costumava comemorar ou lamentar na sala comunal.
— Quid agis? — experimentou Harry dizer à Mulher Gorda, imaginando o que encontraria lá dentro.
Sua expressão estava indecifrável quando ela respondeu:
— Você verá.
E o quadro girou.
Um urro de comemoração explodiu do buraco às suas costas. Harry parou boquiaberto quando, ao avistá-lo, as pessoas começaram a gritar; várias mãos puxaram-no para dentro.
— Vencemos! — berrou Rony, pulando à sua frente, sacudindo a taça de prata. — Vencemos! Quatrocentos e cinqüenta a cento e quarenta! Vencemos!
Harry olhou para os lados; lá estava Gina correndo ao seu encontro; tinha uma expressão dura e intensa no rosto ao atirar os braços ao seu pescoço. E, sem pensar, sem planejar, sem se preocupar com o fato de que cinqüenta pessoas estavam olhando, Harry a beijou.
Decorridos longos minutos, ou talvez tenha sido meia hora, ou possivelmente vários dias ensolarados, eles se separaram. A sala ficara muito silenciosa. Várias pessoas assoviaram e houve uma erupção de risadinhas nervosas. Harry olhou por cima da cabeça de Gina e viu Dino Thomas segurando um copo esmagado na mão, e Romilda Vane com cara de quem queria atirar alguma coisa neles. Hermione sorria exultante, mas o olhar de Harry procurou Rony. Encontrou-o finalmente, ainda segurando a taça com a expressão de quem levara uma bordoada na cabeça. Por uma fração de segundo eles se olharam, então Rony fez um discreto aceno com a cabeça que Harry entendeu como “Bem, se não tem jeito”.
A criatura em seu peito rugiu triunfante, Harry sorriu para Gina e fez um gesto mudo indicando a saída do buraco do retrato. Um longo passeio pelos jardins parecia o mais indicado, durante o qual, se tivessem tempo, poderiam discutir o jogo.