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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 15
Os garotos pensaram que na manhã seguinte teriam de esquadrinhar meticulosamente o Profeta Diário da Hermione para encontrar o artigo que Percy mencionara em sua carta. No entanto, a coruja-entregadora mal levantara vôo da jarra de leite em que pousara quando Hermione já deixava escapar uma enorme exclamação e abria o jornal todo para mostrar uma grande foto de Dolores Umbridge com um enorme sorriso, piscando lentamente para eles sob a manchete.
MINISTÉRIO QUER REFORMA NA EDUCAÇÃO
DOLORES UMBRIDGE NOMEADA PRIMEIRA ALTA INQUISIDORA DA HISTÓRIA
— Umbridge... Alta Inquisidora? — foi a exclamação sombria de Harry, deixando escorregar da ponta dos dedos a torrada meio comida. — Que é que eles querem dizer com isso?
Hermione leu em voz alta:
— Ontem à noite, o Ministério da Magia surpreendeu a todos aprovando uma lei que concede ao próprio órgão um nível de controle sem precedentes sobre a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.
"Já há algum tempo, o ministro tem se mostrado apreensivo com o que acontece em Hogwarts", comentou seu assistente-júnior, Percy Weasley. "O decreto é uma resposta às preocupações expressadas por pais ansiosos que sentem que a escola está trilhando um caminho que desaprovam."
Não é a primeira vez nas últimas semanas que o ministro Cornélio Fudge tem usado novas leis para realizar aperfeiçoamentos na escola de magia. Em 30 de agosto recente, foi aprovado o Decreto de Educação n.º 22, para assegurar que, na eventualidade do atual diretor não conseguir apresentar um candidato a uma vaga de professor, o Ministério selecione uma pessoa habilitada.
"Foi assim que Dolores Umbridge acabou sendo indicada para o corpo docente de Hogwarts", disse Weasley ontem à noite. "Dumbledore não conseguiu encontrar ninguém, então o Ministério nomeou Umbridge e, naturalmente, ela alcançou imediato sucesso..."
— Ela o QUE? — exclamou Harry em voz alta.
— Espere, ainda tem mais — disse Hermione séria:
— "... imediato sucesso, revolucionando inteiramente o ensino da Defesa Contra as Artes das Trevas e informando em primeira mão ao ministro o que está realmente ocorrendo em Hogwarts."
É esta função que o Ministério está formalizando agora ao aprovar o Decreto de Educação n° 23, que cria o cargo de Alta Inquisidora de Hogwarts.
"Inicia-se assim uma nova fase no plano ministerial para enfrentar o que alguns têm chamado de queda nos padrões de Hogwarts", diz Weasley. "A Inquisidora terá poderes para inspecionar seus colegas educadores e se assegurar de que estejam satisfazendo os padrões desejados. O cargo foi oferecido à Profª Umbridge, que aceitou a nova incumbência e a irá acumular com o cargo docente que ora exerce."
As novas medidas do Ministério receberam o apoio entusiástico dos pais dos alunos de Hogwarts.
"Eu me sinto muito mais tranqüilo agora que sei que Dumbledore está sujeito a avaliações justas e objetivas", declarou o Sr. Lúcio Malfoy, 41, à noite passada de sua mansão de Wiltshire. "Muitos de nós, que no fundo queremos que nossos filhos sejam felizes e bem-sucedidos, estávamos preocupados com algumas decisões excêntricas que Dumbledore andou tomando nos últimos anos, e ficamos contentes de saber que o Ministério está atento a situação."
Sem dúvida, entre as decisões excêntricas mencionadas encontram-se as nomeações controversas apontadas pelo nosso jornal, entre as quais se incluem a contratação do lobisomem Remo Lupin, do meio-gigante Rúbeo Hagrid e do ex-auror delirante Olho-Tonto Moody.
Naturalmente, correm muitos boatos de que Alvo Dumbledore, que no passado foi o Chefe Supremo da Confederação Internacional de Bruxos e Bruxo-presidente da Suprema Corte, não está mais à altura de administrar a prestigiosa Escola de Hogwarts.
"Acho que a nomeação da Inquisidora é o primeiro passo para assegurar que Hogwarts tenha um diretor em quem possamos depositar nossa confiança", declarou uma fonte do Ministério à noite passada.
Os juizes da Suprema Corte, Griselda Marchbanks e Tibério Ogden, renunciaram aos seus mandatos, em protesto à criação do cargo de Inquisidora de Hogwarts.
"Hogwarts é uma escola e não um posto avançado do gabinete de Cornélio Fudge", declarou Madame Marchbanks. "Trata-se de mais uma tentativa repugnante de desacreditar Alvo Dumbledore."
(Leiam a história completa das supostas ligações de Madame Marchbanks com grupos de duendes subversivos na p. 17.)
Hermione terminou de ler e olhou para os dois garotos sentados à sua frente.
— Então agora sabemos como foi que acabamos alunos da Umbridge! Fudge aprovou o "Decreto de Educação" e forçou a sua contratação! Agora lhe concedeu o poder de inspecionar os outros professores! — Hermione ofegava e tinha os olhos muito brilhantes. — Não consigo acreditar. É um absurdo!
— Sei que é — disse Harry. E olhou para sua mão direita, agarrada ao tampo da mesa, e viu o leve contorno branco das palavras que Umbridge o forçara a gravar na pele.
Mas no rosto de Rony começou a se abrir um sorriso.
— Que foi? — perguntaram Harry e Hermione juntos, olhando para ele.
— Ah, mal posso esperar para ver a McGonagall ser inspecionada — disse feliz. — A Umbridge não vai saber nem o que foi que a acertou.
— Ah, vamos — disse Hermione, levantando-se de um salto —, é melhor irmos andando, se ela estiver inspecionando a classe de Binns não vamos querer chegar atrasados...
Mas a Profª Umbridge não estava inspecionando a aula de História da Magia, que foi tão desinteressante quanto a da segunda-feira anterior, tampouco estava na masmorra de Snape, quando eles chegaram para os dois tempos de Poções, em que o trabalho de Harry sobre a pedra da lua foi-lhe devolvido com um enorme e garranchoso "D" no canto superior.
— Dei a vocês as notas que teriam recebido se tivessem apresentado esses trabalhos no seu N.O.M. — disse Snape com um sorriso afetado, ao passar pelos alunos devolvendo os deveres. — Isto deverá lhes dar uma idéia realista do que esperar no exame.
Snape foi até a frente da classe e se voltou para a turma.
— O nível geral dos deveres foi abissal. A maioria de vocês não teria passado se fosse um exame real. Espero observar um esforço bem maior no trabalho desta semana sobre as variedades de antídotos para venenos ou terei de começar a distribuir detenções para os tapados que receberem "D".
O professor riu com afetação quando Malfoy deu uma risadinha e disse num sussurro ressonante:
— Teve gente que recebeu um "D"? Ha!
Harry percebeu que Hermione estava olhando de esguelha para ver que nota o garoto recebera; mas Harry escorregou o trabalho para dentro da mochila o mais depressa que pôde, sentindo que preferia guardar essa informação só para ele.
Decidido a não dar a Snape um pretexto para anular seu exercício, Harry leu e releu cada linha de instrução no quadro-negro pelo menos três vezes antes de segui-la. Sua Solução para Fortalecer não ficou exatamente um turquesa-claro como a da Hermione, mas, pelo menos, ficou azul e não rosa, como a de Neville, e ele depositou o seu frasco na mesa de Snape ao final da aula, com uma sensação em que se mesclaram o desafio e o alívio.
— Bom, não foi tão ruim quanto na semana passada, não é? — comentou Hermione quando subiam as escadas das masmorras para atravessar o Saguão de Entrada e ir almoçar. — E o dever de casa também não foi nada mau, não é?
Ao ver que nem Rony nem Harry respondiam, ela insistiu:
— Quero dizer, tudo bem, eu não esperava a nota máxima, não se Snape estiver corrigindo pelos padrões do N.O.M., mas um "aprovado" é bastante animador nesse estágio, não acham?
Harry produziu um som indistinto com a garganta.
— Claro, muita coisa pode acontecer entre agora e o exame, temos bastante tempo para melhorar, mas as notas que estamos recebendo são uma espécie de base, não acham? A partir delas podemos ir construindo...
Os três se sentaram à mesa da Grifinória.
— E óbvio que eu teria vibrado se tivesse recebido a nota máxima...
— Hermione — disse Rony com rispidez —, se você quiser saber que notas nós tiramos é só perguntar.
— Eu não... eu não tive intenção... bom, se vocês quiserem me dizer...
— Tirei um "P" — disse Rony, servindo uma concha de sopa em seu prato. — Contente?
— Ora, não tem do que se envergonhar — disse Fred, que acabara de chegar à mesa com Jorge e Lino Jordan, e estava se sentando à direita de Harry. — Não há nada de errado com um saudável "P".
— Mas — perguntou Hermione — "P" não significa...
— "Passável", isso mesmo — disse Lino. — Mas ainda é melhor do que um "D", não é? "Deplorável"?
Harry sentiu o rosto esquentar, e fingiu um pequeno acesso de tosse provocado pelo pão. Quando se recuperou do acesso, lamentou ver que Hermione continuava falando sobre as notas do N.O.M.
— Então a melhor nota é "O" de "Ótimo" — ia dizendo —, depois tem o "A".
— Não, o "E" — Jorge a corrigiu. — "E" de "Excede Expectativas". Sempre achei que Fred e eu devíamos ter recebido "E" em tudo, porque excedemos as expectativas só de comparecer para prestar os exames.
Todos riram, exceto Hermione, que insistiu.
— Então, depois do "E" tem o "A", de "Aceitável", e esta é a última nota para aprovação, não é?
— É — respondeu Fred, enfiando um pãozinho inteiro na sopa, transferindo-o para a boca e o engolindo de uma só vez.
— Aí vem o "P" de "Passável" — Rony ergueu os dois braços fingindo comemorar — e "D" de "Deplorável".
— E por fim o "T" —Jorge lembrou ao irmão.
— "T"? — perguntou Hermione, parecendo admirada. — Ainda abaixo de "D"? Que é que significa "T"?
— "Trasgo" — disse Jorge imediatamente.
Harry tornou a rir, embora não tivesse muita certeza se Jorge estaria ou não brincando. Ele imaginou tentar esconder de Hermione que recebera "Ts"em todos os seus N.O.M.s, e decidiu imediatamente se esforçar mais dali em diante.
— Vocês já tiveram uma aula inspecionada? — perguntou Fred.
— Não — respondeu Hermione na hora. — Vocês já?
— Acabamos de ter uma, antes do almoço — disse Jorge. — Feitiços.
— E como foi? — perguntaram Harry e Hermione juntos. Fred sacudiu os ombros.
— Nada mau. Umbridge só ficou escondida em um canto, tomando notas em uma prancheta. Vocês conhecem o Flitwick, ele a tratou como convidada, e não pareceu se incomodar. Ela não disse muita coisa. Fez umas perguntas a Alicia, para saber como são normalmente as aulas, Alicia respondeu que eram realmente boas, e foi só.
— Não consigo ver o velho Flitwick recebendo nota baixa — comentou Jorge —, ele normalmente consegue fazer todo o mundo passar bem nos exames.
— Com quem vocês têm aula hoje à tarde? — perguntou Fred a Harry.
— Trelawney...
— Um "T" se é que já vi algum.
—... e a própria Umbridge.
— Vai, seja bonzinho e fica calmo com a Umbridge hoje — disse Jorge. — Angelina vai enlouquecer a mulher se você perder mais um treino de quadribol.
Mas Harry não precisou esperar até a Defesa Contra as Artes das Trevas para encontrar a Profª Umbridge. Estava sentado em uma cadeira no fundo da sombria sala de Adivinhação, tirando da mochila o seu diário de sonhos, quando Rony lhe deu uma cotovelada nas costelas e, ao olhar para o lado, ele viu a Profª Umbridge surgir pelo alçapão no piso. A turma, que estivera conversando alegre, calou-se imediatamente. A queda abrupta no nível do barulho fez a Profª Trelawney, que vagava pela sala distribuindo exemplares do Oráculo dos sonhos, virar-se para olhar.
— Boa-tarde, professora — disse a Profª Umbridge com seu largo sorriso. — Você recebeu o meu bilhete, espero? Informando a hora e a data da sua inspeção?
A Profª Trelawney fez um breve aceno com a cabeça e, parecendo muito descontente, deu as costas à recém-chegada, e continuou a distribuir os livros.
Ainda sorridente, a Profª Umbridge agarrou o espaldar da poltrona mais próxima e puxou-a até a frente da classe, de modo a colocá-la alguns centímetros atrás da cadeira da Profª Trelawney. Sentou-se, então, apanhou a prancheta na bolsa florida e ergueu a cabeça em atitude de expectativa, aguardando o início da aula.
A Profª Trelawney apertou os xales em volta do corpo, com as mãos ligeiramente trêmulas, e inspecionou a turma através das enormes lentes de aumento dos seus óculos.
— Hoje continuaremos o nosso estudo dos sonhos proféticos — disse, numa corajosa tentativa de reproduzir o seu tom místico habitual, embora sua voz tremesse um pouco. — Dividam-se em pares, por favor, e interpretem as últimas visões noturnas do colega com a ajuda do Oráculo.
Ela fez um movimento largo para retomar o seu lugar, viu a Profª Umbridge sentada bem ao lado, e imediatamente se desviou para a esquerda, em direção a Parvati e Lilá, que já discutiam absortas o sonho mais recente de Parvati.
Harry abriu o seu exemplar do Oráculo dos sonhos, observando Umbridge veladamente. Ela já estava tomando notas na prancheta. Decorridos alguns minutos, levantou-se e começou a andar pela sala, acompanhando Trelawney, escutando suas conversas com os alunos e fazendo perguntas aqui e ali. Harry baixou, ligeiro, a cabeça para o seu livro.
— Pense num sonho depressa — pediu a Rony —, caso a sapa velha venha para o nosso lado.
— Já fiz isso da última vez — protestou Rony —, agora é a sua vez, você me conta um.
— Ah, não sei... — disse Harry desesperado, que não conseguia se lembrar de ter sonhado coisa alguma nos últimos dias. — Vamos dizer que eu tenha sonhado que estava... afogando Snape no meu caldeirão. É, esse deve servir... Rindo, Rony abriu o seu Oráculo dos sonhos.
— O.k., temos de somar a sua idade à data em que você teve o sonho, o número de letras que tem o tema do sonho... seria "afogar", "caldeirão" ou
"Snape"?
— Não importa, escolha qualquer um — disse Harry, arriscando um olhar para trás. Umbridge estava agora colada ao ombro de Trelawney, tomando notas enquanto a professora de Adivinhação interrogava Neville sobre o seu diário de sonhos.
— Em que noite você tornou a sonhar com isso? — perguntou Rony imerso em cálculos.
— Não sei, à noite passada, quando você quiser — respondeu Harry, tentando escutar o que Umbridge dizia à Profª Trelawney.
Agora as duas estavam apenas a uma mesa de distância. A Profª Umbridge anotava mais alguma coisa na prancheta e a Profª Trelawney parecia extremamente aborrecida.
— Agora — perguntou Umbridge, erguendo os olhos para Trelawney —, exatamente há quanto tempo você vem ocupando este cargo?
A Profª Trelawney encarou a outra zangada, os braços cruzados e os ombros curvados para a frente, como se quisesse se proteger ao máximo da possível indignidade da inspeção. Após uma breve pausa em que parecia decidir se a pergunta não era ofensiva, se era razoável deixá-la passar, respondeu em um tom profundamente ofendido:
— Quase dezesseis anos.
— Um bom tempo — comentou a Profª Umbridge, fazendo outra anotação na prancheta. — Então foi o Prof. Dumbledore que a nomeou?
— Correto — respondeu secamente. Umbridge fez mais uma anotação.
— E você é tetraneta da famosa vidente Cassandra Trelawney?
— Sou — confirmou ela erguendo um pouco mais a cabeça. Mais um registro na prancheta.
— Mas acho... corrija-me se eu estiver enganada... que você é a primeira em sua família desde Cassandra Trelawney a ser dotada de Segunda Visão?
— Esses dons muitas vezes saltam... hum... três gerações — disse a Profª Trelawney.
O sorriso bufonídeo da Profª Umbridge se ampliou.
— Naturalmente — disse com meiguice, fazendo mais um registro.
— Bem, então será que poderia profetizar alguma coisa para mim? — E ergueu os olhos com ar indagador, ainda sorridente.
A Profª Trelawney ficou tensa, como se não conseguisse acreditar no que ouvia.
— Não estou entendendo — disse agarrando convulsivamente o xale em torno do pescoço muito magro.
— Gostaria que você fizesse uma profecia para mim — disse a Profª Umbridge muito claramente.
Harry e Rony agora não eram as únicas pessoas que observavam e escutavam furtivamente por trás dos livros. A maioria da turma observava paralisada a Profª Trelawney quando ela se empertigou toda, os colares e as pulseiras tilintando.
— O Olho Interior não vê quando recebe ordem! — disse em tom escandalizado.
— Entendo — respondeu a outra brandamente fazendo mais uma anotação.
— Eu... mas... mas... espere! — disse a Profª Trelawney de repente, tentando falar no seu tom habitualmente etéreo, embora o efeito místico ficasse um tanto arruinado pelo modo com que tremia de raiva.
— Eu... eu acho que estou vendo alguma coisa... alguma coisa que diz respeito a você... uma coisa escura... um grave perigo...
A Profª Trelawney apontou um dedo trêmulo para Umbridge que continuou a sorrir brandamente para ela, de sobrancelhas erguidas.
— Receio... receio que você esteja correndo um grave perigo! — terminou Trelawney dramaticamente.
Houve uma pausa. As sobrancelhas de Umbridge continuaram erguidas.
— Certo — disse com suavidade, anotando mais uma vez alguma coisa. — Bom, se isto é realmente o melhor que consegue fazer...
E virou as costas, deixando a Profª Trelawney pregada no chão, com o peito arfante. Harry olhou para Rony e percebeu que o amigo estava pensando exatamente o mesmo que ele: os dois sabiam que a Profª Trelawney era uma velha charlatona, mas, por outro lado, tinham tal aversão a Umbridge, que se viram tomando o partido de Trelawney — isto é, até ela cair em cima deles alguns segundos depois.
— Muito bem? — disse, estalando os longos dedos embaixo do nariz de Harry, de forma estranhamente enérgica. — Deixe-me ver o progresso que vocês fizeram no diário de sonhos, por favor.
E quando terminou de interpretar os sonhos de Harry em alto e bom som (os quais, até mesmo os que envolviam comer mingau de aveia, pelo visto profetizavam para ele uma morte precoce e horripilante), o garoto estava se sentindo muito menos solidário com Trelawney. Durante todo o tempo, a Profª Umbridge se manteve afastada alguns passos, tomando notas na prancheta e, quando a sineta tocou, foi a primeira a descer pela corda prateada, e já os aguardava quando eles chegaram à classe de Defesa Contra as Artes das Trevas, dez minutos depois.
Ela sorria e cantarolava baixinho quando os alunos entraram. Harry e Rony contaram a Hermione, que estivera na aula de Aritmancia, exatamente o que acontecera em Adivinhação, enquanto apanhavam os seus exemplares de Teoria da defesa em magia, mas, antes que Hermione pudesse fazer alguma pergunta, a Profª Umbridge chamara a atenção dos alunos e todos se calaram.
— Guardem as varinhas — mandou ela com um sorriso, e aqueles que esperançosamente haviam apanhado as varinhas, com tristeza as repuseram nas mochilas. — Como terminamos o capítulo um na aula passada, hoje eu gostaria que abrissem na página dezenove e começas sem a ler o capítulo dois
"Teorias de defesa comuns e suas derivações". Não haverá necessidade de conversar.
Ainda sorrindo, aquele sorriso amplo e presunçoso, ela se sentou à escrivaninha. A turma deu um suspiro audível quando abriu, como se fossem um só aluno, a página dezenove. Harry ficou imaginando, entediado, se haveria no livro capítulos suficientes para mantê-los lendo durante todas as aulas do ano, e ia verificar o índice quando reparou que Hermione erguera novamente a mão no ar.
A professora também reparou e, além disso, parecia ter preparado uma estratégia para essa eventualidade. Em lugar de tentar fingir que não reparara em Hermione, ela se levantou e deu a volta na primeira fila de carteiras até ficar cara a cara com a garota, então se inclinou e murmurou, de modo que o restante da classe não pudesse ouvi-la:
— O que é agora, Srta. Granger?
— Já li o capítulo dois.
— Então passe para o capítulo três.
— Já li também. Já li o livro todo.
A Profª Umbridge piscou os olhos, mas recuperou sua pose quase instantaneamente.
— Bem, então, você deverá poder me dizer o que Slinkhard escreveu sobre as contra-azarações no capítulo quinze.
— Ele escreveu que a denominação contra-azarações é imprópria — respondeu Hermione imediatamente. — E que contra-azaração é apenas o nome que as pessoas dão às suas azarações quando querem fazê-las parecer mais aceitáveis.
A Profª Umbridge, ergueu as sobrancelhas, e Harry percebeu que estava impressionada, ainda que a contragosto.
— Mas eu discordo — continuou Hermione.
As sobrancelhas da professora subiram um pouco mais, e seu olhar se tornou visivelmente frio.
— A senhorita discorda?
— É, discordo — confirmou Hermione, que, ao contrário de Umbridge, não murmurava, falava em uma voz alta e clara, que a essa altura já atraíra a atenção do resto da turma. — O Sr. Slinkhard não gosta de azarações, não é? Mas acho que podem ser muito úteis quando são usadas defensivamente.
— Ah, então essa é a sua opinião? — disse a professora, se esquecendo de murmurar e endireitando o corpo. — Bom, receio que seja a opinião do Sr. Slinkhard que conte nesta sala de aula, e não a sua, Srta. Granger.
— Mas... — recomeçou Hermione.
— Agora basta — disse a professora. Voltou, então, para a frente da sala e se postou ali, mas toda a segurança que exibira no início da aula se perdera. —
Srta. Granger, vou tirar cinco pontos da Grifinória.
Houve uma eclosão de murmúrios.
— Por quê? — perguntou Harry indignado.
— Não se meta! — cochichou Hermione para ele, ansiosa.
— Por perturbar minha aula com interrupções sem sentido — disse a Profª Umbridge suavemente. — Estou aqui para lhes ensinar, usando um método aprovado pelo Ministério que não inclui convidar alunos a darem suas opiniões sobre assuntos de que pouco entendem. Os professores anteriores desta disciplina podem ter permitido aos senhores maior liberdade, mas como nenhum deles... com a possível exceção do Prof. Quirrell, que pelo menos parece ter se restringido a assuntos apropriados para sua idade... teria passado em uma inspeção do Ministério...
— É, Quirrell foi um grande professor — disse Harry em voz alta —, exceto pelo pequeno problema de ter Lord Voldemort saindo pela nuca.
Este pronunciamento foi seguido de um dos mais retumbantes silêncios que Harry já ouvira. Então...
— Acho que mais uma semana de detenção lhe faria bem, Sr. Potter — disse Umbridge com voz sedosa.
O corte nas costas da mão de Harry mal sarara e, na manhã seguinte, já voltava a sangrar. Ele não se queixou durante a detenção da noite; estava decidido a não dar a Umbridge essa satisfação; repetidamente ele escreveu não devo contar mentiras, e nenhum som escapou de seus lábios, embora o corte se aprofundasse a cada letra.
A pior parte desta segunda semana de detenções foi, exatamente como Jorge predisse, a reação de Angelina. Ela encostou-o contra a parede na hora em que ele chegou à mesa da Grifinória para o café da manhã de terça-feira, e gritava tão alto que a Profª McGonagall se levantou da mesa dos professores e correu para os dois.
— Srta. Johnson, como se atreve a fazer um estardalhaço desses no Salão Principal? Cinco pontos a menos para Grifinória!
— Mas, professora, ele arranjou outra detenção...
— Que história é essa, Potter? — perguntou a professora rispidamente, virando-se para Harry. — Detenção? De quem?
— Da Profª Umbridge — murmurou Harry, sem encarar os olhos penetrantes por trás dos óculos de aros quadrados.
— Você está me dizendo — perguntou ela, baixando a voz para que o grupo de alunos curiosos da Corvinal atrás deles não pudesse ouvir — que depois do aviso que lhe dei na segunda-feira passada você se descontrolou outra vez na aula da Profª Umbridge?
— Sim, senhora — murmurou Harry, olhando para o chão.
— Potter, você precisa se controlar! Você está caminhando para uma séria encrenca! Menos cinco pontos para Grifinória outra vez!
— Mas... quê... professora, não! — exclamou Harry, indignado com a injustiça.
— Já estou sendo castigado por ela, por que a senhora precisa nos tirar pontos também?
— Porque as detenções parecem não produzir o menor efeito em você! — respondeu a professora, azeda. — Não, nem mais uma palavra de reclamação, Potter! E quanto à Srta. Johnson, no futuro restrinja os seus gritos ao campo de quadribol ou se arriscará a perder a função de capitã do time!
A Profª McGonagall voltou à mesa dos professores. Angelina lançou a Harry um olhar de profundo descontentamento e foi embora, ao que Harry se atirou no banco ao lado de Rony, espumando.
— Ela tirou cinco pontos da Grifinória porque minha mão está sendo fatiada todas as noites! Como é que isso pode ser justo, como?
— Eu sei, cara — disse Rony solidário, servindo bacon no prato do amigo. — Ela está completamente baralhada.
Hermione, porém, meramente folheou as páginas do Profeta Diário e não fez nenhum comentário.
— Você acha que McGonagall estava com a razão, não é? — perguntou Harry, zangado, à foto de Cornélio Fudge que tampava o rosto de Hermione.
— Eu gostaria que ela não tivesse descontado pontos de você, mas acho que tem razão quando o avisa para não perder a cabeça com a Umbridge — disse a voz de Hermione, enquanto Fudge gesticulava com energia, na primeira página, obviamente fazendo um discurso.
Harry não falou com Hermione durante toda a aula de Feitiços, mas, quando entraram em Transfiguração, ele esqueceu que estava zangado com a amiga. A Profª Umbridge achava-se sentada a um canto, com sua prancheta, e essa visão apagou a cena do café da manhã de sua lembrança.
— Excelente — sussurrou Rony, quando se sentaram nos lugares de sempre. — Vamos ver se a Umbridge recebe o que merece.
A Profª McGonagall entrou decidida na sala, sem dar a menor indicação de que sabia que a Profª Umbridge se achava presente.
— Agora chega — disse ela, e os alunos fizeram imediato silêncio.
— Sr. Finnigan, tenha a bondade de vir até aqui e entregar esses deveres aos seus colegas... Srta. Brown, por favor, apanhe esta caixa de ratinhos... não seja tola, menina, eles não vão lhe fazer mal... e dê um a cada aluno...
— Hem, hem — fez a Profª Umbridge, usando a mesma tossezinha boba que usara para interromper Dumbledore na primeira noite do ano letivo. A Profª McGonagall fingiu não ouvir. Simas devolveu a Harry o trabalho dele, que o apanhou sem olhar para o colega e viu, para seu alívio, que conseguira um
"A".
— Muito bem, ouçam todos com atenção... Dino Thomas, se fizer isto outra vez com o ratinho lhe darei uma detenção... a maioria da turma conseguiu fazer desaparecer as lesmas, e mesmo aqueles que as deixaram com vestígios do caracol entenderam o objetivo do feitiço. Hoje, vamos...
— Hem, hem — fez a Profª Umbridge.
— Sim? — disse a Profª McGonagall se virando, as sobrancelhas tão juntas que pareciam formar uma linha única e severa.
— Eu estava me perguntando, professora, se a senhora teria recebido o meu bilhete avisando a data e a hora da sua insp...
— Obviamente que a recebi, ou teria lhe perguntado o que está fazendo na minha sala de aula — disse ela, dando as costas com firmeza à Profª Umbridge. Muitos estudantes trocaram olhares de alegria.
— Como eu ia dizendo: hoje, vamos praticar o Feitiço da Desaparição em ratinhos, que é bem mais difícil. Bem, o Feitiço da Desaparição...
— Hem, hem.
— Eu me pergunto — disse a Profª McGonagall numa fúria gélida, virando-se para a outra — como é que você espera avaliar os meus métodos de ensino habituais se continua a me interromper? Em geral, eu não permito que as pessoas falem quando eu estou falando, entende?
A Profª Umbridge pareceu que tinha levado uma bofetada no rosto. Não falou, mas endireitou o pergaminho em sua prancheta e começou a escrever furiosamente.
Parecendo supremamente indiferente, a Profª McGonagall se dirigiu mais uma vez à turma.
— Como eu ia dizendo: o Feitiço da Desaparição se torna mais difícil quanto maior a complexidade do animal a se fazer desaparecer. A lesma, como invertebrado, não apresenta grande desafio; o ratinho, como mamífero, oferece um desafio muito maior. Não é, portanto, um feitiço que se possa realizar com a cabeça no jantar. Vocês já conhecem a fórmula cabalística, então vejamos o que são capazes de fazer...
— Como é que ela pode me fazer preleção de que não devo me descontrolar com a Umbridge! — resmungou Harry para Rony, baixinho, mas estava sorrindo; sua raiva da Profª McGonagall tinha praticamente evaporado.
A Profª Umbridge não acompanhou McGonagall pela sala como fizera com a Trelawney; talvez tenha percebido que a colega não permitiria. Fez, no entanto, um número muito maior de anotações, sentada em seu canto, e quando McGonagall finalmente disse aos alunos para guardarem o material e sair, ela se levantou com uma expressão muito séria no rosto.
— Bom, é um começo — disse Rony, erguendo um rabo de rato comprido e retorcido e largando-o de volta na caixa que Lilá estava passando pela classe.
Quando os alunos saíram enfileirados da sala, Harry viu a Profª Umbridge se aproximar da escrivaninha da McGonagall; ele cutucou Rony, que, por sua vez cutucou Hermione, e os três intencionalmente ficaram para trás para escutar.
— Há quanto tempo você está ensinando em Hogwarts? — perguntou a Profª Umbridge.
— Trinta e nove anos, agora em dezembro — respondeu McGonagall bruscamente, fechando sua bolsa com um estalo.
Umbridge fez uma anotação.
— Muito bem, você receberá o resultado da inspeção dentro de dez dias.
— Mal posso esperar — respondeu McGonagall, com uma voz fria e indiferente, e se encaminhou para a porta. — Andem depressa vocês três — acrescentou, empurrando Harry, Rony e Hermione à sua frente.
Harry não pôde deixar de lhe dar um leve sorriso, e seria capaz de jurar que recebeu outro em resposta.
Ele pensou que só tornaria a ver Umbridge à noite, na detenção, mas estava muito enganado. Quando iam descendo os gramados em direção à Floresta, para assistir à aula de Trato das Criaturas Mágicas, encontraram-na, com a prancheta, ao lado da Profª Grubbly-Plank.
— Normalmente não é você que ensina esta disciplina, correto? — Harry a ouviu perguntar quando se aproximaram da mesa de cavale-te, onde o grupo de tronquilhos capturados se atropelava para apanhar bichos-de-conta como se fossem gravetos vivos.
— Correto — respondeu a Profª Grubbly-Plank, com as mãos nas costas e o corpo balançando sobre a planta dos pés. — Sou uma professora substituta, ocupando o lugar do Prof. Hagrid.
Harry trocou olhares apreensivos com Rony e Hermione. Malfoy estava cochichando com Crabbe e Goyle; ele certamente adoraria essa oportunidade para contar histórias sobre Hagrid a uma funcionária do Ministério.
— Humm — fez a Profª Umbridge, baixando a voz, embora Harry ainda pudesse ouvi-la muito claramente. — Eu estive pensando... o diretor me parece estranhamente relutante em fornecer informações: você poderia me dizer o que está causando a prolongada licença de afastamento do Prof.
Hagrid?
Harry viu Malfoy erguer a cabeça.
— Creio que não — disse a professora em tom despreocupado. — Sei tanto quanto você. Recebi uma coruja do Dumbledore, gostaria que eu desse aulas durante umas duas semanas. Aceitei. É tudo que sei. Bom... posso começar, então?
— Claro, por favor — disse a Profª Umbridge, escrevendo em sua prancheta. Umbridge adotou uma abordagem diferente nesta aula e caminhou entre os alunos, fazendo perguntas sobre criaturas mágicas. A maioria soube responder bem, e Harry se animou um pouco; pelo menos a turma não estava deixando Hagrid mal.
— De um modo geral — perguntou a Profª Umbridge, voltando para perto da Profª Grubbly-Plank depois de interrogar Dino Thomas longamente — , o que é que você, como membro temporário do quadro docente, uma observadora externa, suponho que poderíamos dizer, que é que você acha de Hogwarts? Você acha que recebe apoio suficiente da diretoria da escola?
— Ah, sim, Dumbledore é excelente — disse a Profª Grubbly-Plank com entusiasmo. — Estou muito feliz com o modo com que a escola é administrada, realmente muito feliz.
Com um ar de educada incredulidade, Umbridge fez uma minúscula anotação na prancheta e continuou:
— E o que é que você está planejando cobrir em suas aulas durante o ano, presumindo é claro, que o Prof. Hagrid não volte?
— Ah, repassarei com os alunos as criaturas que são pedidas com maior freqüência no N.O.M. Não há muito mais a fazer: eles já estudaram os unicórnios e os pelúcios. Pensei em abordar os pocotós e os amassos, me certificar de que são capazes de reconhecer os crupes e os ouriços, entende...
— Bem, em todo o caso você parece saber o que está fazendo — concluiu a Profª Umbridge, ticando muito enfaticamente o pergaminho na prancheta.
Harry não gostou da ênfase que ela deu ao "você", e gostou menos ainda quando a professora fez a pergunta seguinte a Goyle. — Agora, ouvi dizer que tem havido alunos feridos nesta classe.
Goyle deu um sorriso idiota. Malfoy se apressou a responder.
— Foi comigo. Levei uma lambada de um hipogrifo.
— Hipogrifo? — repetiu a Profª Umbridge, agora escrevendo freneticamente.
— Só porque ele foi burro demais e não deu ouvidos às instruções de Hagrid
— comentou Harry, zangado.
Rony e Hermione gemeram. A Profª Umbridge virou a cabeça lentamente na direção de Harry.
— Mais uma noite de detenção, creio eu — disse brandamente. — Bem, muito obrigada, Grubbly-Plank, acho que é tudo que preciso saber. Você receberá o resultado de sua inspeção dentro de dez dias.
— Que bom! — disse a Profª Grubbly-Plank, e a Profª Umbridge começou a subir o gramado para voltar ao castelo.
Era quase meia-noite quando Harry deixou a sala de Umbridge aquela noite, sua mão agora sangrava tanto que manchava o lenço em que ele a enfaixara.
Esperava que a sala comunal estivesse vazia quando voltasse, mas Rony e Hermione estavam acordados à sua espera. Ficou feliz em vê-los, principalmente porque Hermione estava disposta a se solidarizar com ele ao invés de criticá-lo.
— Tome — disse, ansiosa, estendendo uma tigelinha com um líquido amarelo
—, encharque a mão nisso, é uma solução de tentáculos de murtisco em salmoura e depois peneirados, deve ajudar.
Harry colocou a mão, que sangrava e doía, na tigela e experimentou uma maravilhosa sensação de alívio. Bichento se enrolou em suas pernas, ronronando alto, depois saltou para o seu colo e se acomodou.
— Obrigado — disse, agradecido, cocando atrás das orelhas do gato com a mão esquerda.
— Eu ainda acho que você devia reclamar — disse Rony em voz baixa.
— Não — disse Harry categoricamente.
— McGonagall ia endoidar se soubesse...
— Provavelmente ia. E quanto tempo você acha que levaria para Umbridge aprovar outro decreto dizendo que quem reclamar da Alta Inquisidora será imediatamente despedido?
Rony abriu a boca para retorquir, mas não emitiu som algum e, passado um instante, tornou a fechar a boca, derrotado.
— Ela é uma mulher horrível — disse Hermione baixinho. — Horrível. Sabe, eu estava dizendo ao Rony quando você entrou... temos de fazer alguma coisa a respeito dela.
— Eu sugiro veneno — disse Rony com ferocidade.
— Não... quero dizer, alguma coisa para divulgar que é uma péssima professora, e que não vamos aprender Defesa alguma com ela — explicou Hermione.
— Bom, e o que é que podemos fazer? — perguntou Rony bocejando. —Já é tarde à beça, não é não? Ela foi nomeada e veio para ficar, Fudge vai garantir isso.
— Bom — disse Hermione hesitante. — Sabe, estive pensando hoje... —
Lançou um olhar nervoso a Harry, e então prosseguiu: — Estive pensando... talvez tenha chegado a hora de simplesmente... simplesmente nos virarmos sozinhos.
— Nos virarmos sozinhos fazendo o quê? — perguntou Harry, desconfiado, mantendo a mão flutuando na essência de murtisco.
— Bom... aprendendo Defesa Contra as Artes das Trevas sozinhos — concluiu Hermione.
— Ah, corta essa — gemeu Rony. — Você quer que a gente faça trabalho extra? Você tem idéia do quanto Harry e eu estamos outra vez atrasados com os nossos deveres e só estamos na segunda semana de aulas?
— Mas isto é muito mais importante do que os deveres de casa. Harry e Rony arregalaram os olhos para ela.
— Pensei que não houvesse nada mais importante no universo do que os deveres de casa! — caçoou Rony.
— Não seja bobo, claro que há — rebateu Hermione, e Harry notou, com um mau presságio, que o rosto da amiga se tornara inesperadamente radioso, com aquele tipo de fervor que o FALE normalmente lhe inspirava. — Trata-se de nos prepararmos, como disse o Harry na primeira aula da Umbridge, para o que nos aguarda lá fora. Trata-se de garantir que realmente possamos nos defender. Se não aprendermos nada o ano inteiro...
— Não podemos fazer muita coisa sozinhos — disse Rony com um quê de derrota na voz. — Quero dizer, tudo bem, podemos ir procurar azarações na biblioteca e tentar praticá-las, suponho...
— Não, concordo, já passamos da fase em que podemos aprender apenas com livros — disse Hermione. — Precisamos de um professor, de verdade, que possa nos mostrar como usar os feitiços e nos corrigir quando errarmos.
— Se você está falando do Lupin... — começou Harry.
— Não, não, não estou falando de Lupin. Ele está ocupado demais com a Ordem e, de qualquer jeito, o máximo que poderíamos vê-lo seria nos fins de semana em Hogsmeade, e eles não acontecem com tanta freqüência assim.
— Quem, então? — perguntou Harry, franzindo a testa para a amiga. Hermione deu um suspiro muito profundo.
— Será que não está óbvio? Estou falando de você, Harry. Houve um momento de silêncio. Uma leve brisa noturna sacudiu as vidraças atrás de Rony, e o fogo oscilou.
— Falando de mim, o quê? — perguntou Harry.
— Estou falando de você nos ensinar Defesa Contra as Artes das Trevas.
Harry encarou Hermione. Depois se virou para Rony, pronto para trocar os olhares exasperados que às vezes trocavam quando Hermione detalhava esquemas fora da realidade como o FALE, mas, para seu desânimo, Rony não parecia exasperado.
Estava com a testa ligeiramente enrugada, em aparente reflexão. Então disse:
— É uma idéia.
— O que é uma idéia? — perguntou Harry.
— Você. Nos ensinar.
— Mas...
Harry estava sorrindo agora, certo de que os dois estavam gozando com a cara dele.
— Mas eu não sou professor, não sei...
— Harry, você foi o melhor do ano em Defesa Contra as Artes das Trevas — disse Hermione.
— Eu? — Harry agora estava com um sorriso maior que nunca. — Não, não fui, você me bateu em todos os testes...
— Não é verdade — respondeu Hermione calmamente. — Você me bateu no terceiro ano: o único ano em que nós dois prestamos exames e tivemos um professor que realmente conhecia o assunto. E não estou falando de notas,
Harry. Pense no que você já fez!
— Como assim?
— Sabe de uma coisa, não tenho certeza se quero alguém burro assim como professor — disse Rony a Hermione, com um sorriso afetado. Em seguida virou-se para Harry.
— Vamos raciocinar — disse, fazendo uma cara igual à de Goyle quando se concentrava. — Uh... primeiro ano: você salvou a Pedra Filosofal de Você-Sabe-Quem.
— Mas aquilo foi sorte — retrucou Harry. — Não foi habilidade...
— Segundo ano — interrompeu-o Rony — você matou o basilisco e destruiu
Riddle.
— É, mas se Fawkes não tivesse aparecido, eu...
— Terceiro ano — disse Rony, ainda mais alto — , você enfrentou e pôs para correr uns cem Dementadores de uma vez só...
— Você sabe que aquilo foi por acaso, se o Viratempo não tivesse...
— No ano passado — continuou Rony, agora quase aos gritos — , você tornou a enfrentar Você-Sabe-Quem...
— Escutem aqui! — disse Harry, quase com raiva, porque agora os dois, Rony e Hermione, estavam rindo tolamente. — Querem me escutar um instante? Parece muito legal quando vocês falam, mas foi tudo sorte: metade do tempo eu nem sabia o que estava fazendo, não planejei nada, fiz apenas o que me ocorreu na hora, e quase sempre tive ajuda...
Rony e Hermione continuavam a rir tolamente, e a irritação de Harry começou a crescer; nem ele sabia por que estava ficando tão zangado.
— Não fiquem aí sentados com esse sorriso bobo como se soubessem mais do que eu, era eu quem estava lá, ou não? — perguntou, indignado. — Eu sei o que aconteceu, está bem? E não me safei de nada porque era genial em Defesa Contra as Artes das Trevas, me safei porque... porque recebi ajuda na hora certa ou porque tive um palpite certo... mas fiz tudo às cegas, não tinha a menor idéia do que estava fazendo... E PAREM DE RIR!
A tigela de essência de murtisco caiu no chão e se partiu. Harry percebeu que estava em pé, embora não conseguisse se lembrar de ter se levantado. Bichento disparou para baixo de um sofá. Os sorrisos de Rony e Hermione tinham sumido.
— Vocês não sabem como é! Vocês, nenhum dos dois, vocês nunca tiveram de encarar Voldemort, não é? Vocês pensam que é só decorar uma pá de feitiços e lançar contra ele, como se estivessem na sala de aula ou coisa parecida? O tempo todo você sabe que não tem nada entre você e a morte a não ser o seu... o seu cérebro ou sua garra ou o que seja... como se alguém pudesse pensar direito quando sabe que está a um nanossegundo de ser morto ou torturado, ou está vendo seus amigos morrerem... nunca nos ensinaram isso nas aulas, como é que se lida com essas coisas... e vocês dois ficam aí sentados, achando que sou um garotinho sabido por estar em pé aqui, vivo, como se Diggory fosse burro, como se tivesse feito besteira; vocês não entendem, podia muito bem ter sido eu, e teria sido se Voldemort não precisasse de mim...
— Não estávamos falando nada disso, cara — disse Rony, estupefato. — Não estávamos falando mal do Diggory, não... você entendeu tudo ao contrário... Ele olhou desamparado para Hermione, cujo rosto exibia uma expressão de choque.
— Harry — disse ela timidamente —, você não está vendo? É por isso... por isso mesmo que precisamos de você... precisamos saber como é realmente... enfrentar ele... enfrentar o V-Voldemort.
Era a primeira vez que ela dizia o nome de Voldemort e isso, mais do que qualquer outro argumento, foi o que acalmou Harry. Ainda ofegante, ele tornou a se sentar na poltrona, percebendo, ao fazê-lo, que sua mão voltara a latejar barbaramente. Desejou não ter quebrado a tigela com a essência de murtisco.
— Bom... pense no assunto — disse Hermione baixinho. — Por favor?
Harry não conseguiu pensar em nada para responder. Já estava se sentindo envergonhado por ter explodido. Concordou com a cabeça, sem ter perfeita noção com o que estava concordando.
Hermione se levantou.
— Bom, vou me deitar — disse, no tom mais natural que pôde. — Hum... noite.
Rony se levantou também.
— Você vem? — perguntou, sem jeito, ao amigo.
— Vou. Num... num minuto. Vou limpar essa sujeira.
Ele indicou a tigela partida no chão. Rony assentiu com a cabeça e foi embora.
— Reparo — murmurou Harry, apontando a varinha para os cacos de porcelana. Eles se juntaram, a tigela ficou como nova, mas não havia como fazer a essência de murtisco voltar à tigela.
De repente, sentia-se tão cansado que ficou tentado a se largar na poltrona e dormir ali, mas, em vez disso, fez um esforço para se levantar e seguiu o exemplo de Rony. Sua noite inquieta foi mais uma vez pontuada por sonhos de longos corredores e portas fechadas, e ele acordou no dia seguinte com a cicatriz formigando outra vez.