Posted by : Unknown junho 04, 2014

Capítulo 14


Harry foi o primeiro a acordar em seu dormitório na manhã seguinte.
Continuou deitado por um momento, observando a poeira rodopiar no raio de sol que entrava pela fresta do cortinado de sua cama, e saboreou o pensamento de que era sábado. A primeira semana do trimestre parecia ter se arrastado uma eternidade, como uma gigantesca aula de História da Magia.
A julgar pelo silêncio modorrento e o frescor do raio de sol, devia ter acabado de amanhecer. Ele abriu o cortinado, levantou-se e começou a se vestir. O único som, além do pipilar distante dos passarinhos, era a respiração lenta e profunda dos seus colegas da Grifinória. Ele abriu a mochila sem fazer barulho, tirou o pergaminho e a pena, saiu do dormitório e rumou para a sala comunal.
Indo direto a sua poltrona velha e macia junto à lareira, agora apagada, Harry se acomodou confortavelmente e desenrolou o pergaminho, ao mesmo tempo que corria os olhos pela sala. Os pedaços de pergaminho amarrotados, as bexigas, as jarras vazias e as embalagens de doces, que em geral juncavam a sala ao fim de cada dia, haviam desaparecido, bem como todos os gorros que Hermione tricotara para os elfos. Imaginando vagamente quantos elfos teriam sido liberados, quisessem ou não, Harry destampou o tinteiro, mergulhou a pena e, em seguida, a manteve suspensa alguns centímetros acima da superfície amarelada e lisa, se concentrando... mas decorrido mais ou menos um minuto, ele se viu contemplando a grade da lareira vazia, sem ter a menor idéia do que iria dizer.
Pôde, então, avaliar como teria sido difícil para Rony e Hermione lhe escreverem cartas durante as férias. Como é que iria contar a Sirius tudo que acontecera na última semana, e fazer todas aquelas perguntas que estava ansioso para fazer, sem dar aos possíveis ladrões de cartas muita informação que não gostaria que obtivessem?
Sentou-se imóvel por algum tempo, mirando a lareira, então, finalmente, tomando uma decisão, mergulhou a pena no tinteiro mais uma vez e apoiou-a com firmeza no pergaminho.

Querido Snuffles,
Espero que esteja bem, a primeira semana aqui foi horrível, estou realmente feliz que o fim de semana tenha chegado.
Temos uma nova professora de Defesa Contra a Arte das Trevas, a Profª Umbridge. Ela é quase tão simpática quanto a sua mãe. Estou lhe escrevendo porque aquela coisa sobre a qual lhe escrevi no verão passado tornou a acontecer ontem à noite, quando eu estava cumprindo uma detenção com a Umbridge.
Estamos todos com saudades do nosso maior amigo, e gostaríamos que ele não demorasse a voltar.
Responda logo, por favor.
Tudo de bom,
Harry

Ele releu, então, a carta várias vezes, tentando analisá-la do ponto de vista de uma pessoa de fora. Não conseguiu ver como alguém poderia saber do que ele estava falando — ou com quem estava falando — só pela leitura de sua carta.
Tinha esperança de que Sirius percebesse a insinuação sobre Hagrid, e dissesse quando ele voltaria. Harry não quis perguntar diretamente para não chamar muita atenção para o que Hagrid poderia estar fazendo, enquanto ausente de Hogwarts.
Considerando que era uma carta muito curta, levara muito tempo para ser escrita; trabalhava seu texto, enquanto o sol fora entrando até a metade da sala e ele agora ouvia, ao longe, a movimentação nos dormitórios do andar de cima. Lacrando o pergaminho com cuidado, ele passou pelo buraco do retrato e se dirigiu ao corujal.
— Eu não tomaria esse caminho se fosse você — disse Nick Quase Sem Cabeça, atravessando de maneira desconcertante uma parede um pouco além, quando
Harry seguia pelo corredor. — Pirraça está planejando pregar uma peça na próxima pessoa que passar pelo busto de Paracelso, ali adiante.
— Tem a ver com Paracelso caindo na cabeça da pessoa? — perguntou Harry.
— Por mais engraçado que pareça, tem sim — respondeu Nick Quase Sem Cabeça entediado. — A sutileza nunca foi um ponto forte do Pirraça. Estou indo procurar o Barão Sangrento... talvez ele possa pôr um fim nisso... até mais, Harry...
— Ah, tchau — disse o garoto e, em lugar de virar à direita, virou à esquerda, tomando um caminho mais longo, porém mais seguro, para o corujal. Seu ânimo foi crescendo à medida que passava por janela após janela em que se via um céu muito azul; tinha treino mais tarde, finalmente ia voltar ao campo de quadribol.
Alguma coisa se esfregou em seus tornozelos. Ele olhou e viu a gata cinzenta e esquelética do zelador, Madame Nor-r-ra, se esgueirando pelo corredor. Ela fixou em Harry os olhos amarelos feito lâmpadas, por um momento, antes de desaparecer atrás de uma estátua de Vilfredo, o Melancólico.
— Não estou fazendo nada errado — gritou Harry para o bichano. Madame
Nor-r-ra tinha o ar inconfundível de quem vai denunciar um aluno para o seu chefe, contudo Harry não conseguia entender o porquê; estava perfeitamente em seu direito de ir ao corujal em um sábado de manhã.
O sol já ia alto quando Harry entrou no corujal, e a falta de vidros nas janelas ofuscou sua visão; grossos raios prateados de sol cortavam em todos os sentidos o recinto circular, em que centenas de corujas se aninhavam nas traves, um tanto incomodadas com a luz matinal, algumas visivelmente recém-chegadas da caça. O chão coberto de palha produzia um ruído de trituração quando ele caminhava sobre pequenos ossos de animais, à procura de Edwiges.
— Ah, aí está você — exclamou ao localizá-la perto do teto abobadado. — Desça, tenho uma carta para você.
Com um pio suave, ela abriu as grandes asas brancas e voou para o ombro dele.
— Muito bem, eu sei que aqui diz Snuffles por fora — disse ao entregar a carta para a coruja prender no bico e, sem saber exatamente por quê, cochichou —, mas é para Sirius, o.k.?
Edwiges piscou os olhos cor de âmbar uma vez, e ele tomou o gesto como entendimento.
— Faça um vôo seguro, então — desejou-lhe Harry, e levou-a até uma das janelas; fazendo uma pressão momentânea em seu braço, Edwiges levantou vôo para o céu excepcionalmente claro. Observou a ave até ela se transformar num pontinho negro e desaparecer, então voltou seu olhar para a cabana de
Hagrid, perfeitamente visível desta janela, e perfeitamente desabitada, a chaminé sem fumaça, as cortinas corridas.
As copas das árvores da Floresta Proibida balançavam à brisa suave, e Harry parou para contemplá-las, saboreando o ar fresco que batia em seu rosto, pensando no quadribol mais tarde... então, ele o viu. Um cavalo alado e reptiliano, igual aos que puxavam as carruagens de Hogwarts, com as asas negras e coriáceas abertas como as de um pterodáctilo, saiu do meio das árvores como um pássaro enorme e grotesco. Fez um grande círculo no ar e tornou a mergulhar entre as árvores. A coisa toda ocorreu com tal rapidez que Harry mal pôde acreditar no que vira, exceto que seu coração estava batendo descontrolado.
A porta do corujal se abriu às suas costas. Ele pulou assustado e, virando-se depressa, viu Cho Chang segurando uma carta e um embrulho nas mãos.
— Oi — disse Harry automaticamente.
— Ah... oi — respondeu ela ofegante. — Não achei que houvesse alguém aqui em cima tão cedo... Só me lembrei há cinco minutos que é aniversário da minha mãe.
Ela mostrou o embrulho.
— Certo — comentou ele. Seu cérebro parecia ter emperrado. Queria dizer alguma coisa engraçada e interessante, mas a visão daquele horrível cavalo alado continuava fresca em sua mente.
— Dia bonito — disse, fazendo um gesto abrangendo as janelas. Suas entranhas pareciam estar encolhendo de vergonha. O tempo. Ele estava falando do tempo...
— É — concordou Cho, procurando uma coruja adequada. — Boas condições para o quadribol. Não saí a semana toda, e você?
— Também não — disse Harry.
Cho escolheu uma das corujas-de-igreja. Induziu-a a descer e pousar em seu braço, onde a ave esticou a perna de boa vontade para ela poder prender o embrulho.
— Ah, Grifinória já tem um novo goleiro?
— Tem. É o meu amigo Rony Weasley, você o conhece?
— Aquele que odeia torcedores dos Tornados? — perguntou Cho, sem se alterar. — Ele é bom?
— É, acho que é. Mas não vi o teste dele, estava cumprindo uma detenção.
Cho ergueu a cabeça, ainda sem terminar de prender o embrulho à perna da coruja.
— Aquela tal Umbridge não presta — disse, baixando a voz. — Lhe dar uma detenção só porque você disse a verdade sobre... sobre a morte dele. Todo o mundo soube, a escola inteira comentou. Você foi realmente corajoso ao enfrentá-la daquele jeito.
As entranhas de Harry tornaram a inchar tão rapidamente que ele sentiu que seria até capaz de flutuar acima do chão sujo de titica. Quem se importava com um cavalo alado idiota? Cho achava que ele tinha sido realmente corajoso. Por um instante, refletiu se devia mostrar sem querer, propositalmente, sua mão cortada, enquanto a ajudava a atar o embrulho à coruja... mas na mesma hora que lhe ocorreu esse pensamento excitante, a porta do corujal tornou a se abrir.
Filch, o zelador, entrou chiando no aposento. Havia marcas roxas em suas bochechas fundas e riscadas de pequenas veias, seu queixo tremia e seus cabelos grisalhos estavam despenteados; obviamente viera correndo até ali.
Madame Nor-r-ra seguia-o, colada aos seus calcanhares, espiando as corujas no alto e miando com fome. Houve um esvoaçar inquieto nas traves e uma grande coruja marrom clicou o bico de forma ameaçadora.
— Ah-ah — disse Filch, dando um passo em direção a Harry, sacudindo as bochechas moles de raiva. — Tive uma dica de que você estava pretendendo despachar um grande pedido de Bombas de Bosta!
Harry cruzou os braços e encarou o zelador.
— Quem lhe disse que eu estava fazendo um pedido de Bombas de Bosta?
Cho olhou de Harry para Filch, também franzindo a testa; a coruja-de-igreja em seu braço, cansada de se equilibrar em uma perna só, deu um pio de aviso, mas a garota fingiu não ouvir.
— Tenho minhas fontes — disse Filch, com um sibilo presunçoso. — Agora me entregue o que está despachando.
Sentindo-se imensamente grato de que não tivesse demorado a despachar sua carta, Harry disse:
— Não posso, já foi.
— Foi? — exclamou Filch, com o rosto contraído de raiva.
— Foi — disse Harry calmamente.
O zelador abriu a boca furioso, contorceu-a por alguns segundos, depois varreu com o olhar as vestes de Harry.
— Como é que posso saber que você não está com o pedido no bolso?
— Porque...
— Eu o vi despachar — disse Cho, aborrecida. Filch virou-se para ela.
— Você o viu...?
— Isto mesmo, eu o vi — confirmou ela com ferocidade. Houve uma pausa momentânea em que Filch encarou Cho com um olhar penetrante, e Cho o retribuiu com a mesma intensidade, então o zelador deu as costas e saiu arrastando os pés em direção à porta. Parou com a mão na maçaneta, e olhou mais uma vez para Harry.
— Se eu sentir o menor cheirinho de Bomba de Bosta...
E desceu as escadas pisando forte. Madame Nor-r-ra lançou um olhar desejoso para as corujas e seguiu o dono. Harry e Cho se entreolharam.
— Obrigado — disse Harry.
— Não foi nada — disse ela, terminando finalmente de prender o embrulho à outra perna da coruja, corando ligeiramente. — Você não estava fazendo um pedido de Bombas de Bosta, estava?
— Não.
— Então, por que será que ele achou que você estava? — perguntou Cho enquanto levava a coruja até a janela.
Harry encolheu os ombros. Sentia-se tão perplexo quanto ela, embora, estranhamente, o caso não o preocupasse muito naquele momento.
Os dois deixaram o corujal, juntos. A entrada do corredor que levava para a ala oeste do castelo, Cho disse:
— Vou virar aqui. Bom, voltaremos... voltaremos a nos ver, Harry.
— É... voltaremos.
Cho sorriu para ele e foi embora. Harry continuou seu caminho, sentindo uma grande alegria interior. Conseguira manter uma conversa inteira com ela sem se atrapalhar nem uma vez... você foi realmente corajoso ao enfrentá-la daquele jeito... Cho o chamara de corajoso... não o odiava por estar vivo...
Naturalmente, ela preferira o Cedrico, ele sabia disso... embora se ele ao menos tivesse convidado Cho para o Baile antes do Cedrico, as coisas poderiam ter sido diferentes... ela parecera lamentar com sinceridade que precisasse recusar o seu convite...
— Dia — disse Harry, animado, para Rony e Hermione, ao se juntar a eles à mesa da Grifinória no Salão Principal.
— Por que é que você está com esse ar tão satisfeito? — perguntou Rony surpreso, observando Harry.
— Hum... quadribol mais tarde — respondeu ele, feliz, puxando para perto uma grande travessa de bacon com ovos.
— Ah... é... — disse Rony. Ele descansou no prato a torrada que estava comendo e tomou um grande gole de suco de abóbora. Depois disse: — Escute... você toparia sair mais cedo comigo? Só para... hum... me ajudar a praticar um pouco antes do treino? Assim você poderia, sabe, me ajudar a focalizar melhor minha visão.
— Tá, o.k. — disse Harry.
— Olhe, acho que vocês não deviam — disse Hermione séria. — Os dois já estão realmente atrasados com os deveres de casa...
Mas interrompeu o que ia dizer; o correio matinal estava chegando e, como sempre, o Profeta Diário veio voando em sua direção no bico de uma coruja-das- torres, que pousou perigosamente próxima do açucareiro, e estendeu a perna. Hermione meteu um nuque na bolsinha de couro, apanhou o jornal e esquadrinhou a primeira página, criticamente, enquanto a coruja levantava vôo.
— Alguma coisa interessante? — perguntou Rony. Harry riu, sabendo que o amigo estava interessado em impedir que Hermione continuasse a falar sobre os deveres.
— Não — suspirou ela —, só uma bobagem sobre o baixista da banda As Esquisitonasque vai casar.
Hermione abriu o jornal e desapareceu atrás de suas páginas. Harry concentrou-se em se servir de uma nova porção de ovos com bacon. Rony examinava as janelas superiores do salão, parecendo ligeiramente preocupado.
— Espere um instante — disse Hermione de repente. — Ah, não... Sirius!
— Que aconteceu? — disse Harry, puxando o jornal com tanta violência que o rasgou ao meio, ficando uma metade na mão da amiga e a outra na dele.
— "O Ministério da Magia recebeu uma informação de fonte fidedigna que Sirius Black, notório assassino de massa... blablablá... está presentemente escondido em Londres!"— leu Hermione em sua metade, com um sussurro angustiado.
— Lúcio Malfoy, aposto que foi — disse Harry em tom baixo e indignado. — Ele reconheceu Sirius na plataforma...
— Quê? — disse Rony, parecendo alarmado. — Você não disse...
— Psiu! — fizeram os outros dois.
— "... o Ministério da Magia alerta a comunidade bruxa que Black é muito perigoso... matou treze pessoas... evadiu-se de Azkaban..." as bobagens de sempre — concluiu
Hermione, pousando sua metade do jornal e olhando amedrontada para Harry e Rony.
— Bom, ele simplesmente não poderá sair de casa outra vez, é só — sussurrou. — Dumbledore avisou-o para não sair.
Harry baixou os olhos, deprimido, para o pedaço do Profeta que rasgara. A maior parte da página estava tomada por um anúncio da Madame Malkin Roupas para Todas as Ocasiões que, pelos dizeres, estava em liquidação.
— Ei! — exclamou ele, esticando o jornal na mesa para que Hermione e Rony pudessem ver: — Olhem só isso!
— Já tenho todas as vestes que quero — disse Rony.
— Não — tornou Harry. — Olhe... esse pedacinho de notícia aqui... Rony e Hermione se curvaram para ler; a notícia não chegava a três centímetros e estava no fim de uma coluna. Seu título era:

INVASÃO NO MINISTÉRIO
Estúrgio Podmore, 38 anos, residente nos jardins Laburnum 2, Clapham, compareceu perante a Suprema Corte dos Bruxos sob a acusação de invadir o Ministério da Magia e tentar roubar o bruxo-vigia Érico Munch, que o encontrou tentando forçar uma porta de segurança máxima à uma hora da manhã. Podmore, que se recusou a se defender, foi considerado culpado das duas acusações e sentenciado a seis meses em Azkaban.

— Estúrgio Podmore? — repetiu Rony lentamente. — Ele é aquele cara que parece que tem a cabeça coberta de palha, não é? É dos que pertencem à Ord...
— Rony, psiu! — disse Hermione lançando um olhar aterrorizado em volta.
— Seis meses em Azkaban! — sussurrou Harry, chocado. — Só por tentar passar por uma porta!
— Não seja bobo, não foi só por tentar passar por uma porta. Afinal, que é que ele estava fazendo no Ministério da Magia à uma da madrugada? — murmurou Hermione.
— Você acha que ele estava fazendo alguma coisa para a Ordem? — perguntou Rony baixinho.
— Esperem um instante... — disse Harry lentamente. — Estúrgio devia ter ido nos levar ao embarque, lembram?
Os dois olharam para ele.
— É, devia fazer parte da guarda que ia nos levar a King's Cross, lembra? E Moody ficou todo aborrecido porque ele não apareceu; então será que não estaria fazendo um serviço para eles?
— Bom, talvez não esperassem que ele fosse pego — ponderou Hermione.
— Poderia ser um flagrante forjado! — exclamou Rony excitado. – Não... escutem aqui! — continuou, baixando a voz teatralmente ao ver a expressão ameaçadora no rosto de Hermione. — O Ministério suspeitava que ele fosse um dos seguidores de Dumbledore... não sei... então o atraíram ao Ministério, e ele não estava tentando forçar porta alguma! Talvez tenham inventado alguma coisa para apanhá-lo!
Houve uma pausa enquanto Harry e Hermione consideravam a idéia. Harry achou que parecia muito forçada. Hermione, por sua vez, pareceu bem impressionada.
— Sabem, eu não ficaria nada surpresa se isso fosse verdade.
Ela dobrou sua metade do jornal pensativa. Quando Harry descansou os talheres, ela pareceu despertar do devaneio.
— Certo, muito bem, acho que primeiro devemos encarar aquele trabalho para a Sprout sobre os arbustos autofertilizantes e, se tiver mos sorte, poderemos começar o Feitiço para Conjurar a Vida antes do almoço...
Harry sentiu uma pontadinha de remorso ao pensar na pilha de deveres que o aguardava no andar de cima, mas o céu estava claro, estimulantemente azul, e ele não montava sua Firebolt havia uma semana...
— Quero dizer, podemos fazer isso hoje à noite — disse Rony, quando os dois desceram os gramados em direção ao campo de quadribol, com as vassouras aos ombros e o alerta calamitoso de Hermione de que não iriam passar nos N.O.M.s ainda ressoando em seus ouvidos. — E temos amanhã. Ela se preocupa demais com o trabalho, esse é que é o problema dela... — Rony fez uma pausa e acrescentou num tom um pouco mais ansioso: — Você acha que ela estava falando sério quando disse que não nos deixaria copiar as anotações dela?
— Acho — respondeu Harry. — Ainda assim, treinar também é importante, temos de praticar se quisermos continuar na equipe de quadribol...
— É verdade — disse Rony, num tom mais esperançoso. — E temos tempo suficiente para fazer tudo...
Ao se aproximarem do campo de quadribol, Harry olhou para sua direita, onde as árvores da Floresta Proibida balançavam sombriamente. Nada saía voando dali; o céu estava vazio, exceto por umas poucas corujas distantes esvoaçando em torno da torre do corujal. Ele tinha bastante com que se preocupar; o cavalo alado não estava lhe fazendo mal algum; tirou-o da cabeça.
Os dois apanharam bolas no armário do vestiário e foram trabalhar, Rony guardando as três altas balizas, Harry ocupando a posição de artilheiro e tentando fazer a goles passar por Rony. Harry achou que o amigo era bom; bloqueou três quartos dos gols que Harry tentou marcar, e foi jogando melhor à medida que continuavam a praticar. Depois de umas duas horas, eles voltaram ao castelo para o almoço — durante o qual Hermione deixou bem claro que achava os dois irresponsáveis —, em seguida voltaram ao campo de quadribol para o treino marcado. Todos os companheiros de equipe, exceto Angelina, já se encontravam no vestiário quando eles entraram.
— Tudo bem, Rony? — cumprimentou-o Jorge com uma piscadela.
— Tudo — respondeu Rony, que fora ficando cada vez mais quieto a caminho do campo.
— Pronto para nos fazer dar vexame, Roniquinho monitor? — disse Fred, ao emergir descabelado da abertura das vestes de quadribol, um sorriso ligeiramente malicioso no rosto.
— Cala a boca — respondeu Rony, impassível, pondo as vestes da equipe pela primeira vez. Ficaram boas nele, considerando que tinham pertencido a Olívio Wood, cujos ombros eram mais largos.
— O.k., todos — disse Angelina saindo da sala do capitão, já de uniforme. — Vamos começar; Alicia e Fred, se puderem, tragam o caixote de bolas. Ah, tem um pessoal lá fora que veio assistir, mas quero que vocês finjam que não estão vendo, tá?
Alguma coisa em seu tom pretensamente casual levou Harry a pensar que talvez soubesse quem eram os espectadores sem convite, e acertou em cheio: quando saíram do vestiário para a claridade do campo, ouviram uma tempestade de vaias e assobios da equipe de quadribol da Sonserina e de mais alguns, agrupados no meio das arquibancadas vazias; suas vozes ecoavam ruidosamente pelo estádio.
— Que é aquilo que o Weasley está montando? — berrou Malfoy, debochando com o seu jeito arrastado de falar. — Por que alguém lançaria um feitiço de vôo num pedaço de pau velho e mofado como aquele?
Crabbe, Goyle e Pansy davam escandalosas gargalhadas. Rony montou sua vassoura e deu impulso do chão, e Harry o seguiu, observando as orelhas do amigo ficarem vermelhas.
— Não ligue para eles — disse acelerando para alcançar Rony — , veremos quem vai rir depois que jogarmos contra eles...
— É exatamente a atitude que quero, Harry — aprovou Angelina, voando em torno deles com a goles embaixo do braço, e desacelerando para planar diante de toda a equipe já no ar. — O.k., todos, vamos começar com alguns passes só para esquentar, o time todo, por favor...
— Ei, Johnson, afinal que penteado é esse? — esganiçou-se Pansy da arquibancada. — Por que alguém iria querer parecer que tem minhocas saindo do crânio?
Angelina afastou suas longas trancas do rosto e continuou calmamente:
— Então se espalhem e vamos ver o que conseguimos fazer.
Harry deu meia-volta e se afastou dos outros em direção à extremidade do campo. Rony recuou para o gol oposto. Angelina ergueu a goles com uma das mãos e atirou-a com força para Fred, que a passou a Jorge, que a passou a
Harry, que a passou a Rony, que a deixou cair.
Os garotos da Sonserina, liderados por Malfoy, urraram de tanto rir. Rony, que mergulhara em direção ao solo para apanhar a goles antes que ela tocasse o chão, saiu mal do mergulho e escorregou pelo lado da vassoura, em seguida voltou à altura normal de jogo, corando. Harry viu Fred e Jorge se entreolharem, mas, o que não era normal, nenhum dos dois disse nada, pelo que ele se sentiu grato.
— Passe adiante, Rony — gritou Angelina, como se nada tivesse acontecido. Rony atirou a goles para Alicia, que a passou a Harry, que a passou a Jorge...
— Ei, Potter, como está sua cicatriz? — gritou Malfoy. — Tem certeza de que não precisa se deitar um pouco? Já deve fazer, o quê, uma semana que você esteve na ala hospitalar, isso é um recorde para você, não é, não?
Jorge passou a bola para Angelina; ela inverteu o passe para Harry, pegando-o desprevenido, mas ele apanhou a bola nas pontinhas dos dedos e emendou rapidamente o passe para Rony, que mergulhou para apanhar a bola, mas perdeu-a por pouco.
— Assim não dá, Rony — disse Angelina, aborrecida, quando ele tornou a mergulhar em direção ao solo atrás da goles. — Se liga!
Seria difícil dizer o que estava mais escarlate; se a goles ou a cara de Rony, quando ele mais uma vez recuperou a altura normal. Malfoy e o resto dos colegas da Sonserina uivaram de tanto rir.
Na terceira tentativa, Rony apanhou a goles; talvez por alívio, ele a passou com tanto entusiasmo para Katie que a bola vazou pelas mãos estendidas da jogadora e bateu com força em seu rosto.
— Desculpe! — gemeu Rony, precipitando-se para a frente a ver se a machucara.
— Volte à sua posição, ela está ótima — vociferou Angelina. — Mas, quando estiver passando a bola para uma companheira de equipe, tente não derrubá-la da vassoura, tá? Deixa isso para os balaços!
O nariz de Katie estava sangrando. Lá embaixo, os garotos da Sonserina batiam os pés e caçoavam. Fred e Jorge correram para Katie.
— Aqui, tome isso — disse Fred entregando à jogadora alguma coisa pequena e roxa que tirara do bolso —, vai parar o sangramento rapidinho.
— Tudo bem — gritou Angelina. — Fred e Jorge, vão buscar seus bastões e um balaço. Rony vá para as balizas. Harry, solte o pomo quando eu mandar. Vamos visar o gol do Rony, é óbvio.
Harry disparou atrás dos gêmeos para apanhar o pomo.
— Rony está melando tudo, não tá? — murmurou Jorge, quando os três pousaram junto ao caixote das bolas e o abriram para tirar um dos balaços e o pomo.
— É só nervoso — disse Harry —, ele estava ótimo quando praticamos hoje de manhã.
— Ah, bem, espero que ele não tenha dado o melhor antes do treino — comentou Fred desalentado.
Eles voltaram ao ar. Quando Angelina apitou, Harry parou o pomo, e Fred e Jorge deixaram o balaço voar. Daquele momento em diante, Harry parou de perceber o que os outros estavam fazendo. Sua tarefa era recapturar a minúscula bola dourada de asas que valia cento e cinqüenta pontos para o time do apanhador, e realizar isso exigia enorme velocidade e destreza. Ele acelerou, descrevendo círculos, indo ao encontro dos artilheiros e se desviando deles, o ar cálido do outono fustigando seu rosto, os gritos distantes da turma da Sonserina um ronco sem sentido em seus ouvidos... mas, cedo demais, o toque do apito o fez parar.
— Pára... pára... PÁRA! — berrou Angelina. — Rony... você não está cobrindo a baliza do meio!
Harry se virou para olhar Rony, que estava planando diante do aro da esquerda, deixando os outros dois completamente descobertos.
— Ah... desculpe...
— Você não pode ficar parado, observando os artilheiros! — disse Angelina.
— Ou fica na posição central até que precise se mexer para defender um aro, ou então fica circulando os aros, não sai vagando para o lado, foi assim que você deixou passar os últimos três gols!
— Desculpe... — repetiu Rony, seu rosto vermelho brilhando como um farol contra o azul-claro do céu.
— E Katie, será que você não pode dar um jeito no sangramento desse nariz?
— Está piorando! — disse a garota com a voz embargada, tentando estancar o sangue com a manga do uniforme.
Harry olhou para Fred, que parecia ansioso, verificando os bolsos. Viu-o tirar uma coisa roxa, examiná-la por um segundo e então procurar Katie com o olhar, evidentemente horrorizado.
— Bom, vamos experimentar outra vez. — Angelina fingia não ouvir o pessoal da Sonserina, que agora inventara uma cantilena de "Grifinória é freguês",
"Grifinória é freguês", mas apesar disso havia uma certa rigidez na maneira com que montava sua vassoura.
Desta vez, a equipe não chegara a completar três minutos de vôo quando o apito de Angelina tornou a soar. Harry, que acabara de avistar o pomo orbitando a baliza oposta, parou sentindo-se visivelmente aborrecido.
— Que foi agora? — perguntou, impaciente, à Alicia, que estava mais próxima.
— Katie.
Harry virou-se e viu Angelina, Fred e Jorge voando a toda velocidade em direção a Katie. Harry e Alicia acorreram também. Era claro que Angelina parara o treino bem em tempo; Katie estava branco-gesso e coberta de sangue.
— Ela precisa ir para a ala hospitalar — disse Angelina.
— Nós a levaremos — disse Fred. — Ela... hum... talvez tenha engolido uma Vagem Bolha-de-Sangue por engano...
— Bem, não adianta continuar sem dois batedores e uma artilheira — anunciou Angelina, mal-humorada, quando Fred e Jorge dispararam para o castelo, amparando Katie. — Anda gente, vamos trocar de roupa.
A turma da Sonserina continuou a cantilena enquanto eles se dirigiam ao vestiário.
— Como foi o treino? — perguntou Hermione, com indiferença, meia hora mais tarde quando Harry e Rony passaram pelo buraco do retrato e entraram na sala comunal da Grifinória.
— Foi... — começou Harry.
— Uma meleca — disse Rony com a voz cava, afundando numa poltrona ao lado de Hermione. Ela ergueu os olhos para Rony, e o gelo que estivera lhe dando pareceu derreter.
— Bom, foi só o seu primeiro treino — disse em tom de consolo —, leva tempo para...
— Quem disse que fui eu que melei tudo? — retorquiu Rony.
— Ninguém — respondeu ela, espantada. — Pensei...
— Você pensou que eu só podia estragar tudo?
— Não, é claro que não! Olhe, você disse que foi uma meleca, então eu só...
— Vou começar a fazer os deveres — anunciou Rony, enfurecido, e saiu pisando forte em direção à escada para o dormitório dos garotos, e desapareceu. Hermione se virou para Harry.
— Ele foi uma meleca?
— Não — disse Harry lealmente. Hermione ergueu as sobrancelhas.
— Bem, suponho que podia ter jogado melhor — murmurou Harry —, mas foi só o primeiro treino, como você mesmo disse...
Aparentemente, nem Harry nem Rony conseguiram adiantar muito os seus deveres naquela noite. Harry sabia que o amigo estava preocupado demais com seu péssimo desempenho no treino de quadribol, e ele próprio estava achando difícil tirar da cabeça aquela cantilena de "Grifinória é freguês".
Os garotos passaram o domingo inteiro enterrados nos livros na sala comunal, que se enchia e se esvaziava ao seu redor. Fazia mais um belo dia de sol, e a maioria dos colegas da casa passou o tempo nos terrenos da escola, aproveitando o que bem poderia ser a última aparição do sol daquele ano.
Quando anoiteceu, Harry teve a impressão de que alguém andara malhando o seu cérebro contra sua caixa craniana.
— Sabe, provavelmente devíamos tentar adiantar os deveres durante a semana
— murmurou Harry para Rony, quando finalmente puseram de lado o longo trabalho pedido pela Profª McGonagall sobre o Feitiço para Conjurar a Vida, e se voltaram infelizes para o trabalho igualmente longo e difícil da Profª Sinistra, sobre as várias luas de Júpiter.
— É — respondeu Rony, esfregando os olhos ligeiramente congestionados, e atirando a quinta folha de pergaminho que estragava na lareira ao lado. —
Escuta... vamos perguntar a Mione se podemos dar uma olhada no que ela fez?
Harry olhou para a amiga, que estava sentada com Bichento ao colo; conversava alegremente com Gina, segurando à sua frente um par de agulhas de tricô que lampejava no ar, e agora tecia um par de meias informes para elfos.
— Não — respondeu deprimido —, você sabe que ela não vai deixar. Então continuaram a estudar enquanto o céu lá fora se tornava gradualmente mais escuro. Aos poucos, o número de colegas na sala comunal recomeçou a diminuir. Às onze e trinta, Hermione se aproximou deles, bocejando.
— Quase no fim?
— Não — disse Rony secamente.
— A lua maior de Júpiter é Ganimedes e não Calisto — disse ela, apontando para uma Unha no trabalho de Astronomia de Rony, por cima do seu ombro —, e é Io que tem os vulcões.
— Obrigado — agradeceu ele asperamente, riscando as frases erradas.
— Desculpe, eu só...
— Eu sei, ótimo, você só veio até aqui para criticar...
— Rony...
— Não tenho tempo para ouvir sermão, tá, Hermione. Estou até o pescoço...
— Não... olhe!
Hermione estava apontando para a janela mais próxima. Harry e Rony olharam. Uma bela coruja-das-torres estava pousada no para-peito da janela,[ olhando para Rony dentro da sala.
— Aquela não é Hermes? — perguntou Hermione, parecendo espantada.
— Caracas, é mesmo! — respondeu Rony baixinho, largando a pena e se levantando. — Para que será que o Percy está me escrevendo?
Ele foi até a janela e a abriu; Hermes entrou, pousou sobre o trabalho de Rony e estendeu a perna em que estava presa a carta. O garoto desamarrou-a, e a coruja partiu imediatamente, deixando pegadas de tinta no desenho que Rony fizera da Lua.
— Decididamente é a letra de Percy — disse Rony, afundando de volta na poltrona e fixando as palavras no exterior do pergaminho:

Ronald Weasley, Grifinória, Hogwarts.

Ele olhou para os outros dois: — Que é que vocês acham?
— Abre! — pediu Hermione, ansiosa, e Harry concordou com a cabeça.
Rony desenrolou o pergaminho e começou a ler. A medida que seu olhar descia pelo pergaminho, mais carrancudo ele ia ficando. Quando terminou de ler, parecia absolutamente enojado. Atirou a carta para Harry e Hermione, que juntaram as cabeças e leram:

Caro Rony;
Acabei de saber (por ninguém menos que o ministro da Magia em pessoa, que soube por sua nova professora, Profª Umbridge) que você foi nomeado monitor em Hogwarts.
Fiquei agradavelmente surpreso quando ouvi a notícia, e primeiramente preciso lhe dar os meus parabéns. Devo admitir que sempre receei que você tomasse o que poderíamos chamar de "caminho do Fred e do Jorge", em lugar de seguir os meus passos, por isso pode imaginar o que senti quando soube que você parou de zombar da autoridade e decidiu assumir uma responsabilidade de peso.
Mas quero lhe dar mais do que os parabéns, Rony, quero lhe dar um conselho, razão pela qual estou preferindo mandar esta carta à noite em vez de mandá-la pelo correio matinal.
Esperemos que você possa lê-la longe de olhares curiosos e evitar perguntas embaraçosas.
Por uma coisa que o ministro deixou escapar quando me contou que você agora é monitor, deduzo que você ainda esteja vendo o Harry Potter com muita freqüência. Preciso lhe dizer, Rony, que nada pode torná-lo mais vulnerável de perder seu distintivo do que continuar se confraternizando com esse garoto. Tenho certeza de que você está surpreso com isso — sem dúvida você dirá que Potter sempre foi o favorito de Dumbledore —, mas me sinto na obrigação de lhe informar que Dumbledore talvez não continue por muito tempo à frente de Hogwarts, e as pessoas realmente influentes têm uma opinião diferente — e provavelmente mais exata — do comportamento de Potter. Não direi muito mais do que isso, mas se você ler o Profeta Diário amanhã terá uma boa idéia para que lado estão soprando os ventos — e veja se consegue reconhecer o seu caro irmão!
Seriamente, Rony, você não quer ser igualado a Potter, poderia ser muito prejudicial para os seus projetos futuros, e estou me referindo aqui à sua vida depois de terminar a escola também. Como você deve saber, uma vez que o nosso pai acompanhou Potter ao tribunal, ele compareceu a uma audiência disciplinar este verão, perante toda a Corte Suprema, e não saiu com uma boa imagem. Foi inocentado por uma mera tecnicalidade, se quer saber, e muitas pessoas com quem falei continuam convencidas de que ele é culpado.
Talvez você tenha receio de cortar seus vínculos com Potter — sei que ele pode ser desequilibrado e violento —, mas se isso o preocupar de alguma forma, ou se observou mais alguma coisa no comportamento de Potter que o possa estar incomodando, peço que vá procurar Dolores Umbridge, uma mulher realmente encantadora que estou certo que terá muito prazer em aconselhá-lo.
Isto me leva a lhe dar mais conselhos. Como já insinuei acima, o regime de Dumbledore em Hogwarts talvez esteja no fim. Sua lealdade, Rony, não deve ser a ele, mas à escola e ao ministro. Lamento muito saber que, até o momento, a Profª Umbridge está encontrando muito pouca cooperação dos professores em seu esforço para realizar as mudanças necessárias em Hogwarts que o ministro tão ardentemente deseja (embora sua tarefa deva ficar mais fácil a partir da próxima semana — leia o Profeta Diário amanhã!). Só lhe adiantarei uma coisa — um estudante que se mostrar disposto a ajudar a Profª Umbridge agora talvez fique bem colocado para se candidatar a função de monitor-chefe dentro de mais uns dois anos!
Sinto muito não ter podido vê-lo com mais freqüência durante o verão. Dói-me criticar os nossos pais, mas receio que não possa continuar a viver sob o teto deles enquanto insistirem em se misturar com o grupo perigoso que cerca Dumbledore. (Se você estiver escrevendo à mamãe uma hora dessas, talvez possa lhe dizer que um tal Estúrgio Podmore, que é um grande amigo de Dumbledore, recentemente foi mandado para Azkaban por invadir o Ministério. Talvez isto abra os olhos deles para o tipo de ralé com que presentemente estão convivendo.) Considero-me uma pessoa de muita sorte por ter escapado do estigma de me associar com gente dessa laia — o ministro não poderia ter sido mais generoso comigo — e realmente espero, Rony, que você também não permita que os laços de família o ceguem para a natureza equivocada das crenças e atos dos nossos pais. Com sinceridade, espero que, em tempo, eles percebam como estavam enganados, e naturalmente estarei pronto a aceitar desculpas formais quando esse dia chegar.
Por favor, reflita com muita atenção sobre o que eu disse, particularmente quanto ao Harry Potter, e parabéns mais uma vez por ser agora monitor.
Seu irmão,
Percy

Harry ergueu os olhos para Rony.
— Então — disse, tentando dar a impressão de que achava a coisa toda uma piada. — Se você quiser... hum... como é mesmo? — Ele consultou a carta de Percy. — Ah, sim... cortar os vínculos comigo, juro que não serei violento.
— Me dá isso aqui — disse Rony, estendendo a mão. — Ele é — disse Rony gaguejando e rasgando a carta de Percy ao meio — a maior — e rasgou-a em quartos — anta — e mais uma vez em oitavos — do mundo.
— E atirou os pedaços no fogo.
— Vamos, precisamos terminar esse dever antes do dia amanhecer — disse a Harry com renovada energia, tornando a puxar o trabalho da Profª Sinistra para perto.
Hermione olhava Rony com uma estranha expressão no rosto.
— Ah, me dá isso aqui — disse de repente.
— Quê? — perguntou Rony.
— Me dá esses deveres, vou dar uma lida e corrigi-los.
— Você está falando sério? Ah, Hermione, você é uma salvação — disse Rony
— que é que eu...
— O que vocês podem dizer é o seguinte: Prometemos que nunca mais deixaremos os deveres para a última hora — disse ela, estendendo as duas mãos para receber os trabalhos dos garotos, mas, ainda assim, tinha o ar de quem estava achando uma certa graça.
— Mil vezes obrigado, Hermione — disse Harry com a voz fraca, entregando o seu texto e tornando a afundar na poltrona, esfregando os olhos.
Passava agora da meia-noite e a sala comunal estava deserta, exceto pelos três garotos e Bichento. O único som era o da pena de Hermione riscando frases aqui e ali nos trabalhos, e o farfalhar das páginas dos livros de referência espalhados pela mesa em que ela conferia os vários dados. Harry estava exausto. Sentia-se também estranho, doente, com um vazio no estômago que não tinha ligação alguma com o cansaço, mas tudo a ver com a carta que agora enegrecia e se encrespava em meio às chamas.
Ele sabia que metade das pessoas em Hogwarts o considerava estranho, e até doido; sabia que o Profeta Diário andara fazendo insinuações falsas a seu respeito durante meses, mas havia alguma coisa diferente em vê-las escritas daquele jeito, na letra de Percy, em saber que estava aconselhando Rony a terminar a amizade com ele e até a contar histórias sobre ele a Umbridge, o que tornava sua situação mais real aos seus olhos como nada antes o fizera.
Conhecia Percy havia quatro anos, se hospedara em sua casa durante as férias de verão, dividira uma barraca com ele durante a Copa Mundial de Quadribol, chegara a receber dele o número de pontos totais pela segunda tarefa no Torneio Tribruxo no ano anterior, no entanto, agora, Percy o achava desequilibrado e possivelmente violento.
E, sentindo uma onda de simpatia pelo padrinho, Harry pensou que Sirius provavelmente era a única pessoa que ele conhecia que, de fato, seria capaz de compreender o que estava sentindo naquele momento, porque se encontrava na mesma situação. Quase todas as pessoas no mundo bruxo achavam que ele era um perigoso homicida e um grande seguidor de Voldemort, e ele precisara conviver com isso durante catorze anos...
Harry piscou os olhos. Acabara de ver uma coisa no fogo que não poderia estar ali. Tornara-se visível em um lampejo e desaparecera imediatamente.
Não... não poderia estar ali... ele imaginara porque estivera pensando em
Sirius...
— O.k., escreva aí — disse Hermione a Rony, empurrando-lhe o trabalho e uma folha escrita com sua letra —, e depois acrescente a conclusão que fiz.
— Hermione, sinceramente, você é a pessoa mais maravilhosa que eu já conheci — disse Rony com a voz fraca —, e se eu tornar a ser grosseiro com você...
— Saberei que você voltou ao normal — completou ela. — Harry, o seu está bom, exceto o pedacinho final. Acho que você deve ter entendido mal a Profª Sinistra. A lua Europa é coberta de gelo, não de grelos... Harry?
Harry escorregara da poltrona sobre os joelhos e agora estava agachado no tapete puído e chamuscado, espiando as chamas.
— Hum... Harry? — chamou Rony inseguro. — Por que é que você está aí embaixo?
— Porque acabei de ver a cabeça de Sirius no fogo — disse Harry. Falou isso calmamente; afinal, vira a cabeça de Sirius nesse mesmo fogo no ano anterior, e falara com ele; contudo não tinha muita certeza se realmente a vira desta vez... e desaparecera tão depressa...
— A cabeça de Sirius? — repetiu Hermione. — Você quer dizer como na vez em que ele quis falar com você durante o Torneio Tribruxo? Mas ele não faria isso agora, seria... Sirius!
Ela exclamou, os olhos fixos na lareira; Rony deixou cair a pena. Ali, no meio das línguas de fogo, estava parada a cabeça de Sirius, os cabelos longos e escuros emoldurando o seu rosto sorridente.
— Eu estava começando a pensar que você iria se deitar antes de todos os outros terem desaparecido — disse ele. — Tenho verificado de hora em hora.
— Você tem aparecido no fogo de hora em hora? — perguntou Harry com um ar de riso no rosto.
— Só por uns segundos para ver se a barra estava limpa...
— Mas e se alguém o tivesse visto? — perguntou Hermione, ansiosa.
— Bom, acho que uma garota... caloura pelo jeito... talvez tenha me visto de relance mais cedo, mas não se preocupe — apressou-se Sirius a dizer, quando
Hermione levou a mão à boca —, desapareci no instante em que ela me encarou, e aposto que deve ter pensado que eu era uma tora de madeira de forma esquisita ou outra coisa qualquer.
— Mas, Sirius, isto é um risco enorme — começou Hermione.
— Você está parecendo a Molly. Esta foi a única maneira que pude imaginar de responder à carta de Harry sem recorrer a um código: os códigos são decifráveis.
A menção da carta de Harry, Hermione e Rony se viraram para encarar o amigo.
— Você não contou que tinha escrito a Sirius! — disse Hermione em tom de acusação.
— Me esqueci. — O que era absolutamente verdade; seu encontro com Cho no corujal varrera todo o resto de sua cabeça. — Não me olhe assim, Hermione, não havia nenhuma maneira de alguém ter extraído informações secretas da carta, havia, Sirius?
— Não, estava muito boa — disse ele sorrindo. — Em todo o caso, é melhor nos apressarmos, caso alguém venha nos perturbar... a sua cicatriz.
— O quê...? — perguntou Rony, mas Hermione o interrompeu.
— Nós lhe falaremos depois. Continue, Sirius.
— Bom, eu sei que não tem a menor graça quando dói, mas achamos que não há realmente nada com que se preocupar. Ela doeu o tempo todo no ano passado, não foi?
— Foi, e Dumbledore disse que isso acontecia toda vez que Voldemort estava sentindo uma emoção muito intensa — confirmou Harry, ignorando, como sempre, as caretas de Rony e Hermione. — Então, talvez ele estivesse apenas, sei lá, realmente furioso ou outra coisa qualquer na noite em que cumpri aquela detenção.
— Bem, agora que ele voltou deverá doer com mais freqüência — disse Sirius.
— Então você acha que não teve nenhuma ligação com o fato da Umbridge me tocar quando eu estava cumprindo a detenção? — perguntou Harry.
— Duvido. Conheço a reputação dela, e tenho certeza de que não é uma Comensal da Morte...
— Ela é maligna bastante para ser — disse Harry em tom sombrio, e Rony e Hermione concordaram vigorosamente com a cabeça.
— É, mas o mundo não está dividido entre os bons e os Comensais da Morte
— disse Sirius com um sorriso enviesado. — Mas sei que ela não é flor que se cheire... você devia ouvir o que o Remo diz dela.
— Lupin a conhece? — perguntou Harry, lembrando-se dos comentários da Umbridge sobre mestiços perigosos na primeira aula.
— Não, mas ela apresentou um projeto de lei contra lobisomens há dois anos, que torna quase impossível para ele arranjar um emprego.
Harry se lembrou da aparência mais andrajosa de Lupin ultimamente, e a sua raiva da Umbridge aumentou ainda mais.
— Que é que ela tem contra lobisomens? — perguntou Hermione, indignada.
— Tem medo, imagino — disse Sirius, sorrindo da indignação da garota. — Aparentemente, ela tem aversão a semi-humanos; no ano passado também fez campanha para que os sereianos fossem arrebanhados e etiquetados. Imagine desperdiçar tempo e energia perseguindo sereianos quando há biltres como o Monstro à solta por aí.
Rony riu, mas Hermione pareceu aborrecida.
— Sirius! — disse em tom de censura. — Francamente, se você fizesse um mínimo esforço com o Monstro, tenho certeza de que ele corresponderia. Afinal de contas, você é o único membro da família dele que restou, e o Prof. Dumbledore disse...
— Então, como são as aulas da Umbridge? — interrompeu-a Sirius. — Está treinando vocês para matar mestiços?
— Não — respondeu Harry, ignorando a cara de ofendida de Hermione por ter sido interrompida em sua defesa do Monstro. — Ela não está deixando a gente usar magia.
— Só o que fazemos é ler livros-texto idiotas — disse Rony
— Ah, bom, era de esperar. A informação que temos de dentro do Ministério é que Fudge não quer que vocês recebam treinamento de combate.
— Treinamento de combate! — repetiu Harry incrédulo. — Que é que ele acha que estamos fazendo aqui, formando um exército bruxo?
— É exatamente o que ele acha que vocês estão fazendo — disse Sirius —, ou melhor, é exatamente o que ele receia que Dumbledore esteja fazendo —, formando seu exército particular, com o qual poderá tomar de assalto o
Ministério da Magia.
Ao ouvir isso, os garotos fizeram uma pausa, depois Rony disse:
— Essa é a coisa mais idiota que eu já ouvi, mesmo levando em conta todas as que Luna Lovegood inventa.
— Então estamos sendo impedidos de aprender Defesa Contra as Artes das Trevas porque Fudge tem medo que a gente use os feitiços contra o Ministério? — perguntou Hermione, furiosa.
— É — confirmou Sirius. — Fudge acha que Dumbledore não se deterá diante de nada para tomar o poder. Está ficando cada dia mais paranóico com relação a Dumbledore. É uma questão de tempo ele mandar prendê-lo sob alguma acusação fajuta. Isto lembrou a Harry a carta de Percy.
— Você sabe se vai sair alguma coisa sobre o Dumbledore no Profeta Diário amanhã? Percy, o irmão de Rony, acha que sairá...
— Não sei. Não vi ninguém da Ordem o fim de semana inteiro, estão todos ocupados. Ficamos somente o Monstro e eu...
Havia uma nítida nota de amargura na voz de Sirius.
— Então você também não teve nenhuma notícia de Hagrid?
— Ah... — disse Sirius — bom, ele já devia estar de volta, ninguém tem muita certeza do que aconteceu. — Então, notando a expressão chocada dos garotos, acrescentou depressa: — Mas Dumbledore não está preocupado, então vocês não precisam ficar nervosos. Tenho certeza de que Hagrid está ótimo.
— Mas se ele já devia estar de volta — comentou Hermione com uma vozinha ansiosa.
— Ele e Madame Maxime estavam juntos, estivemos em contato com ela e soubemos que os dois tiveram de se separar na volta... mas não há nada que sugira que ele esteja machucado ou... bem, nada que sugira que ele não esteja perfeitamente bem.
Pouco convencidos, Harry, Rony e Hermione se entreolharam preocupados.
— Escute, não saia por aí fazendo perguntas sobre a ausência de Hagrid — acrescentou Sirius. — Assim, irá atrair mais atenção para o fato de ele não ter voltado, e sei que Dumbledore não quer isso. Hagrid é durão, vai se sair bem.
— E quando viu que os garotos não pareceram se animar, Sirius perguntou: —
E, afinal, quando é o próximo fim de semana de vocês em Hogsmeade? Estive pensando, nós saímos muito bem com o disfarce de cachorro na estação, não foi? Achei que podia...
— NÃO! — exclamaram Harry e Hermione juntos, muito alto.
— Sirius, você não leu o Profeta Diário? — perguntou Hermione, nervosa.
— Ah, aquilo — comentou Sirius rindo —, sempre estão adivinhando onde estou, mas não têm realmente a menor idéia...
— É, mas acho que desta vez eles têm — disse Harry. — O Malfoy disse uma coisa no trem que nos fez pensar que ele sabia que era você, e o pai dele estava na plataforma, Sirius... você sabe, o Lúcio Malfoy... então não apareça por aqui em hipótese alguma. Se Malfoy o reconhecer de novo...
— Está bem, está bem, entendi o recado. — Ele pareceu desgostoso. — Foi só uma idéia, pensei que você talvez gostasse de se encontrar comigo.
— Gostaria, só não quero ver você atirado de volta em Azkaban! Houve uma pausa em que Sirius olhou para Harry, uma ruga entre seus olhos fundos.
— Você parece menos com o seu pai do que eu pensei — disse finalmente, com uma inconfundível frieza na voz. — O risco teria sido a arte mais divertida para o Tiago.
— Olhe...
— Bom, é melhor eu ir andando. Estou ouvindo Monstro descer as escadas — disse Sirius, mas Harry teve certeza de que ele estava mentindo. — Vou lhe escrever dizendo quando poderei voltar ao fogo, então, está bem? Se você puder arriscar.
Ouviu-se um estalido mínimo e o ponto em que estivera a cabeça de Sirius foi retomado pelas chamas saltitantes.

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