Posted by : Unknown junho 05, 2014

Capítulo 28


No domingo, Harry, Rony e Hermione subiram ao corujal depois do café da manhã, para enviar uma carta a Percy, perguntando, conforme Sirius sugerira, se ele tinha visto o Sr. Crouch ultimamente.
Usaram Edwiges, porque fazia muito tempo que ela não recebia uma tarefa.
Depois que a viram desaparecer no horizonte pela janela do corujal, desceram à cozinha para dar a Dobby as meias novas. Os elfos domésticos receberam os garotos com grande alegria, fazendo mesuras e reverências e se apressando em preparar um chá. Dobby ficou extasiado com o presente.
— Harry Potter é bom demais para Dobby! — guinchou ele, secando as grossas lágrimas que marejavam seus olhos enormes.
— Você salvou minha vida com aquele guelricho, Dobby, verdade — disse Harry.
— Alguma chance de terem sobrado bombas de creme? — perguntou Rony, olhando para os elfos sorridentes e cheios de mesuras.
— Você acabou de tomar café! — exclamou Hermione irritada, mas uma grande travessa de prata contendo bombas de creme já vinha voando na direção do garoto, trazida por quatro elfos.
— Devíamos arranjar alguma coisa para mandar a Snuffles — murmurou Harry.
— Boa idéia — aprovou Rony. — Dar a Píchi o que fazer. Vocês poderiam nos dar um pouco mais de comida? — perguntou Rony aos elfos que os rodeavam, e eles se inclinaram prazerosamente e correram a apanhar alguma coisa.
— Dobby, onde está Winky? — perguntou Hermione, olhando para os lados.
— Winky está ali adiante junto ao fogo, senhorita — respondeu Dobby em voz baixa, suas orelhas caindo ligeiramente.
— Essa, não! — exclamou Hermione ao localizar Winky.
Harry também olhou para o fogo. Winky estava sentada no mesmo banquinho que da última vez, mas ficara tão imunda que não se conseguia distingui-la imediatamente dos tijolos enegrecidos de fumaça atrás dela. Suas roupas estavam rasgadas e sujas.
Segurava uma garrafa de cerveja amanteigada e cambaleava um pouco no banquinho, olhando fixamente para as chamas do fogão. Enquanto eles a observavam, ela soltou um imenso soluço.
— Winky está entornando seis garrafas por dia agora — Dobby cochichou a Harry.
— Bem, não é uma bebida muito forte — ponderou Harry. Mas Dobby sacudiu a cabeça.
— É forte para um elfo doméstico, meu senhor.
Winky soltou outro soluço. Os elfos que tinham trazido as bombas de creme lançaram a ela um olhar de censura antes de voltarem aos seus afazeres.
— Winky está definhando, Harry Potter — disse Dobby tristemente. — Winky quer ir para casa. Winky ainda acha que o Sr. Crouch é o amo dela, meu senhor, e nada que Dobby diga consegue convencer ela de que o Professor Dumbledore é o novo amo da gente.
— Oi, Winky — disse Harry, tomado de súbita inspiração, indo até o fogão e se abaixando para falar com ela —, você por acaso saberia me dizer o que é que o Sr. Crouch pode estar fazendo? Porque ele parou de aparecer para julgar o Torneio Tribruxo.
Os olhos de Winky pestanejaram. Suas enormes pupilas focalizaram Harry.
Ela cambaleou ligeiramente e perguntou:
— M-meu amo parou, hic, de vir?
— Foi — confirmou Harry —, não o vemos desde a primeira tarefa. O Profeta Diário diz que ele está doente.
Winky balançou mais um pouco, encarando Harry com os olhos baços.
— M-meu amo, hic, doente?
O lábio inferior do elfo começou a tremer.
— Mas não temos certeza de que seja verdade — acrescentou Hermione depressa.
— Meu amo está precisando da, hic, Winky dele! — choramingou o elfo. — Meu amo não, hic, sabe, hic, se cuidar sozinho...
— Outras pessoas conseguem fazer o trabalho de casa sozinhas, sabe, Winky — lembrou Hermione com severidade.
— Winky, hic, não faz só, hic, trabalho de casa para o Sr. Crouch! — guinchou Winky indignada, cambaleando mais que nunca e derramando cerveja amanteigada na blusa já bastante suja. — Meu amo, hic, confiou a Winky, hic, o segredo dele, hic, mais importante, o mais secreto...
— Quê? — exclamou Harry.
Mas Winky sacudiu a cabeça com força, derramando mais cerveja amanteigada pela roupa.
— Winky guarda, hic, os segredos do amo dela — disse com rebeldia, oscilando fortemente para os lados agora, franzindo a testa para Harry com os olhos vesgos. — Você está, hic, bisbilhotando, está sim.
— Winky não deve falar assim com Harry Potter! — disse Dobby aborrecido. — Harry Potter é corajoso e nobre e Harry Potter não é bisbilhoteiro!
— Ele está metendo o nariz, hic, nos segredos e particulares, hic, do meu amo, hic, Winky é um bom elfo doméstico, hic, Winky fica calada, hic, gente querendo, hic, tirar informações, hic... — As pálpebras de Winky se fecharam e, de repente, sem aviso, ela escorregou do banquinho e caiu no fogão, roncando alto.
A garrafa vazia de cerveja amanteigada rolou pelo chão lajeado.
Meia dúzia de elfos domésticos se adiantaram correndo, com ar de repugnância. Um deles apanhou a garrafa, os outros cobriram Winky com uma grande toalha xadrez de mesa e prenderam os lados e pontas por baixo do corpo para escondê-la de vista.
— A gente lamenta que os senhores e a senhorita tenham que assistir a isso! — guinchou um elfo próximo, balançando a cabeça e parecendo muito envergonhado. — A gente espera que os senhores não julguem a gente pela Winky!
— Ela está infeliz! — exclamou Hermione exasperada. — Por que vocês não tentam animar Winky em vez de a esconder?
— Me perdoa, senhorita — disse um elfo fazendo uma grande reverência —, mas elfos domésticos não têm o direito de ficar infelizes quando têm trabalho a fazer e amos para servir.
— Ora, francamente! — exclamou Hermione enraivecida. — Escutem aqui, vocês todos! Vocês têm tanto direito de se sentir infelizes quanto os bruxos! Vocês têm direito a salário, férias e roupas decentes, não têm que fazer tudo o que mandam, olhem só o Dobby!
— Senhorita, por favor, deixa o Dobby fora disso — murmurou o elfo, com uma expressão amedrontada. Os sorrisos alegres desapareceram dos rostos dos elfos na cozinha. De repente fitaram Hermione como se ela fosse louca e perigosa.
— A gente separou a comida extra! — guinchou um elfo ao cotovelo de Harry empurrando um grande presunto, uma dúzia de bolos e umas frutas nos braços do garoto. — Tchau.
Os elfos domésticos se aglomeraram ao redor de Harry, Rony e Hermione e começaram a levar os garotos lentamente para fora da cozinha, muitas mãozinhas os empurraram pela cintura.
— Obrigado pelas meias, Harry Potter! — gritou Dobby desalentado lá do fogão, onde se achava parado ao lado da toalha que cobria as formas de Winky.
— Você não podia ter ficado calada, não é, Mione? — exclamou Rony enraivecido quando a porta da cozinha se fechou às costas deles. — Agora eles não vão querer receber visitas nossas! Poderíamos ter tentado extrair de Winky mais alguma coisa sobre o Crouch!
— Ah, como se você se importasse com isso! — desdenhou Hermione. — Você só gosta de vir aqui embaixo para comer!
Foi um dia meio irritante depois disso. Harry ficou tão cansado de Rony e Hermione se agredirem durante o dever de casa, na sala comunal, que, naquela noite, levou sozinho a comida de Sirius para o corujal.
Pichitinho era demasiado pequeno para transportar sozinho um presunto inteiro até a montanha, por isso Harry recrutou a ajuda de mais duas corujas-das-torres.
Quando o grupo de aves saiu pelo crepúsculo, parecendo esquisitíssimo com aquele enorme pacote entre elas, Harry se apoiou no parapeito da janela para contemplar os jardins ao anoitecer, as copas farfalhantes das árvores da Floresta Proibida, as velas enfunadas no navio de Durmstrang. Um mocho atravessou a serpentina de fumaça que saía da chaminé de Hagrid, voou em direção ao castelo, contornou o corujal e desapareceu de vista.
Olhando para baixo, Harry viu Hagrid cavando energicamente a terra diante de sua cabana. E se perguntou o que o amigo estaria fazendo, parecia estar preparando mais um canteiro de hortaliças. Enquanto ele observava, Madame Máxime saiu da carruagem da Beauxbatons e se dirigiu a Hagrid. Pelo jeito estava tentando puxar conversa. Hagrid se apoiou na pá, mas não pareceu estar muito interessado em prolongar o diálogo, porque a bruxa voltou à carruagem pouco depois.
Sem vontade de voltar à Torre da Grifinória e ouvir Rony e Hermione rosnarem um para o outro, o garoto ficou observando Hagrid cavar até a escuridão engoli-lo e as corujas ao seu redor começarem a acordar, passarem por ele e desaparecerem na noite.
No dia seguinte, à hora do café da manhã, o mau humor de Rony e Hermione já se desgastara e, para alívio de Harry, as previsões sombrias de Rony de que os elfos domésticos mandariam comida de qualidade abaixo do normal para a mesa da Grifinória, porque Hermione os ofendera, se provaram falsas, o bacon com ovos e o peixe defumado estavam bons como sempre.
Quando o correio-coruja chegou, Hermione ergueu os olhos, ansiosa; parecia estar à espera de alguma coisa.
— Ainda não deu tempo para Percy responder — disse Rony. — Só despachamos a Edwiges ontem.
— Não, não é isso — falou Hermione. — Fiz outra nova assinatura do Profeta Diário, estou cheia de descobrir o que acontece pela boca da turma da Sonserina.
— Bem pensado! — exclamou Harry, também erguendo os olhos para as corujas. — Ei, Mione acho que você está com sorte... — Uma coruja cinzenta vinha descendo em direção à garota.
— Mas ela não está trazendo nenhum jornal — comentou Hermione, com ar de desapontamento. — Mas para seu espanto, a coruja cinzenta pousou diante do seu prato acompanhada de perto por mais quatro corujas de igreja, uma coruja parda e uma avermelhada.
— Quantas assinaturas você fez? — perguntou Harry agarrando a taça de Hermione antes que ela fosse derrubada pelo ajuntamento de corujas, todas se empurrando para chegar mais perto e entregar as cartas que traziam primeiro.
— Que diabo...? — exclamou Hermione, tirando a carta da coruja cinzenta e abrindo a para ler. — Ora francamente! — disse ela com veemência, corando.
— Que é? — perguntou Rony.
— É, ora que ridículo... — A garota empurrou a carta para Harry, que observou que não era manuscrita, mas composta por letras aparentemente recortadas do Profeta Diário.

“Você não PresTA. HaRRy PottEr meREce umA gaRotA melhoR
Volte paRa o seu lugAR trOUxa”.

— São todas iguais! — exclamou Hermione desesperada, abrindo uma carta atrás da outra.

"Harry Potter pode arranjar uma namorada melhor do que alguém da sua laia...”

"Você merece ser cozida com ovas de rã..."

— Ai!
Hermione abrira o último envelope e um líquido verde-amarelado, que cheirava fortemente a gasolina, derramou-se em suas mãos, fazendo irromper nelas grandes tumores amarelos.
— Pus de bubotúbera puro! — disse Rony, apanhando, desajeitado, o envelope e cheirando-o.
— Ai! — exclamou Hermione, as lágrimas enchendo seus olhos quando tentou limpar as mãos em um guardanapo, mas seus dedos agora estavam tão cobertos de feridas dolorosas que ela parecia até estar usando um par de grossas luvas com bolotas.
— É melhor você ir depressa à ala hospitalar — disse Harry, quando as corujas ao redor da amiga levantaram vôo — diremos à Professora Sprout aonde é que você foi...
— Eu avisei a ela! — disse Rony quando Hermione saiu correndo do Salão Principal aninhando as mãos no colo. — Avisei a ela para não aborrecer Rita Skeeter! Olhe só esta aqui... — Ele leu uma das cartas que Hermione tinha deixado para trás.

"Li no Semanário das Bruxas como você está enganando o Harry Potter, um garoto que já teve uma vida bastante atribulada, por isso no próximo correio vou lhe mandar um feitiço, é só eu encontrar um envelope suficientemente grande.”

— Caracas, é melhor ela se cuidar!
Hermione não apareceu na aula de Herbologia. Quando Harry e Rony deixaram a estufa para a aula de Trato das Criaturas Mágicas, viram Malfoy, Crabbe e Goyle descendo os degraus da entrada do castelo. Pansy Parkinson cochichava e ria atrás deles com a turminha de garotas da Sonserina. Ao avistar Harry, ela gritou:
— Potter, você já brigou com a sua namorada? Por que ela estava tão perturbada no café da manhã?
Harry ignorou-a, não queria dar a Pansy a satisfação de saber quanto mal o artigo do Semanário das Bruxas causara.
Hagrid, que avisara na aula anterior que haviam terminado com os unicórnios, estava aguardando os alunos à frente da cabana, com um estoque recém-chegado de caixotes, abertos aos seus pés. O ânimo de Harry afundou ao avistar os caixotes — com certeza não era outra ninhada de explosivins? — mas quando se aproximou o suficiente para ver dentro, deparou com uma quantidade de bichos peludos e negros com longos focinhos. As patas dianteiras eram curiosamente chatas como pás, e eles erguiam os olhos piscando para a classe, parecendo educadamente intrigados com toda aquela atenção.
— São pelúcios — anunciou Hagrid, quando a turma se agrupou ao seu redor.
— São encontrados principalmente em minas. Gostam de coisas brilhantes... aí vêm eles, olhem. Um dos bichos tinha saltado repentinamente e tentado arrancar o relógio de ouro de Pansy Parkinson do pulso. Ela gritou e deu um pulo para trás.
— São bastante úteis para procurar pequenos tesouros — disse Hagrid satisfeito. — Achei que podíamos nos divertir com eles hoje. Estão vendo ali adiante? — Ele apontou para um terreno em que a terra fora recentemente revolvida e que Harry o vira preparar da janela do corujal. — Enterrei ali algumas moedas de ouro. Tenho um prêmio para quem apanhar o pelúcio que encontrar mais moedas. Guardem as coisas valiosas que estiverem usando, escolham um bicho e se preparem para soltá-lo.
Harry tirou o relógio que ele continuava usando só por hábito, porque não funcionava mais, e enfiou-o no bolso. Depois apanhou um pelúcio. O bicho enfiou o longo focinho na orelha de Harry e cheirou-a entusiasmado. Era realmente muito fofo.
— Esperem um instante — disse Hagrid olhando para dentro do caixote —, tem umpelúcio sobrando aqui... Quem está faltando? Onde está Hermione?
— Ela precisou ir à ala hospitalar — informou Rony.
— A gente explica mais tarde — murmurou Harry; Pansy Parkinson estava escutando.
Foi sem dúvida a maior diversão que já tinham tido em Trato das Criaturas Mágicas. Ospelúcios entravam e saiam da terra como se fossem água, cada qual correndo de volta ao aluno que o soltara e cuspindo ouro em suas mãos. O de Rony foi particularmente eficiente, não tardou a encher seu colo de moedas.
— Pode se comprar um desses como bicho de estimação, Hagrid? — perguntou o garoto excitado, quando o pelúcio dele tornou a mergulhar no solo sujando suas vestes de lama.
— Sua mãe não iria ficar feliz, Rony — disse Hagrid sorrindo —, eles destroem uma casa, esses pelúcios. Calculo que agora eles já encontraram tudo que enterrei — acrescentou, andando pelo terreno, enquanto os bichos continuavam a mergulhar. — Só enterrei cem moedas. Ah, aí está você, Hermione!
A garota vinha atravessando o gramado em direção à turma. Tinha as mãos enfaixadas e parecia bem infeliz. Pansy Parkinson a observou com desconfiança.
— Bem, vamos verificar como foi que vocês se saíram! — disse Hagrid. — Contem suas moedas! E não adianta tentar roubar nenhuma, Goyle — acrescentou ele, estreitando os olhos negros de besouro. — É ouro de duende irlandês, de leprechaun. Desaparece depois de algumas horas.
Goyle esvaziou os bolsos, emburradissimo. O resultado final foi que o pelúcio de Rony tinha sido o mais bem-sucedido, então Hagrid entregou ao garoto o prêmio: uma enorme barra de chocolate da Dedosdemel. A sineta ecoou pelos jardins anunciando o almoço, o restante da turma saiu em direção ao castelo, mas Harry, Rony e Hermione ficaram para ajudar Hagrid a guardar os pelúcios nos caixotes. Harry notou que Madame Maxime os observava da janela da carruagem.
— Que foi que você fez com as suas mãos, Mione? — perguntou Hagrid, com o ar preocupado.
A garota lhe contou sobre as cartas anônimas que recebera àquela manhã e sobre o envelope cheio de pus de bubotúberas.
— Aaah, não se preocupe — disse Hagrid brandamente, fitando-a. — Recebo cartas assim desde que a Rita escreveu sobre minha mãe. "Você é um monstro e devia ser morto." "Sua mãe matou gente inocente e se você tivesse alguma decência se atiraria no lago.”
— Não! — exclamou Hermione chocada.
— Sim! — respondeu Hagrid, erguendo os caixotes de pelúcios para guardá-los junto à parede da cabana. — É gente que não bate bem, Mione. Não abra mais cartas quando as receber. Jogue todas direto na lareira.
— Você perdeu uma aula realmente boa — comentou Harry com Hermione quando regressavam ao castelo. — São legais, os pelúcios, não são Rony?
Rony, porém, estava franzindo a testa para o chocolate dado por Hagrid.
Parecia absolutamente desapontado com alguma coisa.
— Que foi? — perguntou Harry. — Sabor errado?
— Não — disse Rony com rispidez. — Por que você não me falou do ouro?
— Que ouro? — perguntou Harry.
— O ouro que lhe dei na Copa Mundial de Quadribol — disse Rony. — O ouro deleprechaun que lhe paguei pelos meus onióculos. No camarote de honra. Por que você não me contou que ele desapareceu?
Harry teve que pensar um instante para entender do que é que Rony estava falando.
— Ah... — disse, quando finalmente se lembrou. — Não sei... Nunca reparei que tinha desaparecido. Eu estava mais preocupado com a minha varinha, não era?
Os três subiram os degraus para o saguão de entrada e foram para o Salão Principal almoçar.
— Deve ser legal — falou Rony abruptamente, depois que se sentaram e começaram a se servir de rosbife e pudim de Yorkshire, massa assada embaixo de carne sangrenta. — Ter tanto dinheiro que nem se repara que os galeões guardados no bolso desapareceram.
— Escuta aqui, eu tinha outras preocupações na cabeça aquela noite! — retrucou Harry com impaciência. — Todos tínhamos, lembra?
— Eu não sabia que ouro de leprechaun desaparecia — murmurou Rony. — Achei que estava lhe pagando. Você não devia ter me dado aquele boné do Chudley Cannon no Natal.
— Esquece isso, tá? — disse Harry.
Rony espetou uma batata assada com o garfo e ficou olhando para ela. Depois disse:
— Detesto ser pobre.
Harry e Hermione se entreolharam. Nenhum dos dois sabia realmente o que dizer.
— É uma droga — disse Rony, ainda encarando a batata. — Não posso culpar o Fred e o Jorge por tentarem ganhar um dinheirinho extra. Gostaria de saber fazer o mesmo. Gostaria de ter um pelúcio.
— Bem, então já sabemos o que comprar para você no próximo Natal — disse Hermione animada. Mas vendo que o amigo continuava chateado, acrescentou:
— Vamos Rony, podia ser pior. Pelo menos os seus dedos não estão cheios de pus. — Hermione estava encontrando muita dificuldade para usar os talheres, de tão inchados e duros que seus dedos estavam. — Odeio aquela Skeeter! — explodiu a garota com raiva. — Vou me vingar dela nem que seja a última coisa que eu faça!
As cartas anônimas continuaram a chegar para Hermione nas semanas seguintes e, embora ela tivesse seguido o conselho de Hagrid e parado de abri-las, vários remetentes odiosos mandaram berradores, que explodiam à mesa da Grifinória gritando-lhe ofensas que o salão inteiro podia ouvir. Até as pessoas que não liam o Semanário das Bruxas agora sabiam tudo sobre o suposto triângulo Harry-Krum-Hermione. Harry estava ficando farto de explicar a todo mundo que Hermione não era sua namorada.
— Mas isso vai passar — disse ele à amiga —, é só a gente ignorar... As pessoas já acharam um tédio o último artigo que ela escreveu sobre mim...
— Quero saber como é que ela está conseguindo escutar conversas particulares se supostamente foi banida dos terrenos da escola! — disse Hermione zangada.
Ela continuou na sala quando terminou a aula seguinte de Defesa contra as Artes das Trevas para fazer uma pergunta ao Professor Moody. O restante da turma estava ansioso para sair, o professor lhes dera uma prova tão difícil sobre deflexão de feitiços que alguns alunos estavam cuidando de pequenos ferimentos.
Harry teve um caso grave de Comichão nas Orelhas e precisou tampá-las com as mãos ao sair da sala.
— Bem, decididamente Rita não está usando uma Capa da Invisibilidade! — ofegou Hermione ao alcançar Harry e Rony cinco minutos mais tarde, no saguão de entrada, e puxar a mão de Harry para afastá-la de uma orelha que se contorcia sozinha, para que o garoto pudesse ouvi-la. — Moody disse que não viu Skeeter nas proximidades da mesa dos juizes no dia da segunda tarefa, nem em lugar algum perto do lago!
— Hermione, será que adianta lhe dizer para deixar isso para lá? — perguntou Rony.
— Não! — exclamou a garota teimosamente. — Quero saber como foi que ela me ouviu falando com o Vítor! E como foi que ela descobriu a história da mãe de Hagrid!
— Talvez ela tenha posto um grampo em você — disse Harry.
— Um grampo? — perguntou Rony sem entender. — O quê... pôs um prendedor no cabelo dela ou outra coisa assim?
Harry começou a explicar os microfones escondidos e os equipamentos de gravação. Rony ficou fascinado, mas Hermione os interrompeu.
— Será que vocês nunca vão ler “Hogwarts: Uma História”?
— Para quê? — respondeu Rony. — Você conhece o livro de cor, é só a gente lhe perguntar.
— Todas as alternativas para a magia que os trouxas usam, eletricidade, computadores, radar, etc., entram em pane perto de Hogwarts, tem magia demais no ar. Não, Rita está usando magia para escutar conversas, se eu ao menos conseguisse descobrir o que é... Aah, se for ilegal, eu pego ela...
— Será que a gente já não tem bastante preocupação? — perguntou Rony à amiga. — Temos que começar também uma vendeta contra a Rita?
— Não estou pedindo a você para ajudar! — retrucou Hermione. — Vou fazer isso sozinha!
E subiu a escadaria de mármore sem sequer olhar para trás. Harry tinha certeza absoluta de que ela estava indo à biblioteca.
— Quer apostar que ela volta com uma caixa cheia de distintivos “Odeio Rita Skeeter!”?
Hermione, porém, não pediu a Harry e Rony para ajudá-la a se vingar de Rita Skeeter, pelo que os dois ficaram muito gratos, porque a carga de deveres dos garotos aumentou muito nos dias que antecederam as férias da Páscoa. Harry ficou maravilhado que Hermione pudesse pesquisar métodos mágicos para a pessoa escutar sem ser vista e ainda dar conta de todas as tarefas que tinha que fazer. Ele mesmo estava trabalhando sem descanso só para conseguir terminar todos os deveres, embora fizesse questão de mandar, regularmente, pacotes de comida para a caverna de Sirius, no morro, depois das férias de verão Harry ainda não esquecera o que era ficar continuamente esfomeado. Incluía neles bilhetes a Sirius informando que não acontecera nada de extraordinário e que continuavam aguardando uma resposta de Percy.
Edwiges só voltou no fim das férias da Páscoa. A carta de Percy veio acompanhando um pacote de ovos de Páscoa enviado pela Sra. Weasley. Os de Harry e Rony eram do tamanho de ovos de dragão e cheios de caramelos caseiros. O de Hermione, porém, era menor do que um ovo de galinha. A garota ficou desapontada ao recebê-lo.
— Por acaso sua mãe lê o Semanário das Bruxas, Rony? — perguntou ela baixinho.
— Lê — disse Rony, que tinha a boca cheia de caramelos. — Tem assinatura por causa das receitas de comida.
Hermione ficou olhando tristemente o ovinho recebido.
— Não quer ver o que Percy escreveu? — perguntou Harry a ela, depressa.
A carta de Percy era curta e irritada.

“Conforme canso de dizer ao Profeta Diário, o Sr. Crouch está tirando um merecido descanso. Ele me manda, regularmente, corujas trazendo instruções.
Não, na realidade não o tenho visto, mas acho que podem acreditar que conheço a caligrafia do meu superior. Tenho muito que fazer no momento, sem precisar estar desmentindo esses boatos ridículos. Por favor, não me incomodem mais a não ser que seja para alguma coisa importante.
Feliz Páscoa”.

O início do trimestre de verão normalmente significava que Harry estaria treinando com vontade para a última partida de Quadribol da temporada. Este ano, porém, era para a terceira e última tarefa do Torneio Tribruxo que ele precisava se preparar, mas o garoto ainda não sabia qual ia ser. Finalmente, na última semana de maio, a Professora McGonagall o reteve depois da aula de Transformação.
— Você deve ir ao campo de Quadribol hoje à noite, às nove horas, Potter –disse ela. — O Sr. Bagman vai estar lá para falar aos campeões sobre a terceira tarefa.
Então, às oito e meia da noite, Harry deixou Rony e Hermione na Torre da Grifinória e desceu a escada. Quando atravessou o saguão de entrada, Cedrico vinha subindo da sala comunal da Corvinal.
— Que é que você acha que vai ser? — perguntou ele a Harry, quando desciam juntos os degraus para o jardim e para a noite nebulosa. — Fleur não pára de falar em túneis subterrâneos, acha que vamos ter que encontrar um tesouro.
— Isso não seria nada mau — comentou Harry, pensando que bastaria pedir a Hagrid um pelúcio para realizar sua tarefa.
Eles caminharam pelos gramados escuros até o estádio de Quadribol, atravessaram uma abertura sob as arquibancadas e saíram no campo.
— Que foi que fizeram com o campo? — exclamou Cedrico indignado, parando de chofre.
O campo de Quadribol deixara de ser plano e liso. Parecia que alguém andara construindo por todo ele muretas longas, que seguiam em meandros e o cruzavam em todas as direções.
— São sebes! — exclamou Harry, se curvando para examinar a mais próxima.
— Alô, vocês aí! — gritou uma voz animada.
Ludo Bagman estava parado no meio do campo em companhia de Krum e Fleur. Harry e Cedrico procuraram chegar até o grupo, saltando por cima das sebes. Fleur abriu um grande sorriso para Harry quando ele se aproximou. Sua atitude para com o garoto mudara completamente desde que ele tirara sua irmã do lago.
— Bem, que é que vocês acham? — perguntou Bagman alegre, quando Harry e Cedrico transpuseram a última sebe. — Estão crescendo bem, não? Dêem mais um mês e Hagrid vai fazê-las alcançar cinco metros de altura. Não se preocupem — acrescentou ele ao ver as expressões pouco satisfeitas no rosto de Harry e Cedrico —, vocês vão ter o seu campo de Quadribol normal depois que terminarem a tarefa! Agora, imagino que podem adivinhar o que estamos fazendo aqui?
Ninguém falou por um momento. Depois...
— Labirinto — resmungou Krum.
— Acertou! — disse Bagman. — Um labirinto. A terceira tarefa na realidade é muito simples. A taça do Torneio Tribruxo será colocada no centro do labirinto. O primeiro campeão que puser a mão nela recebe a nota máxima.
— Temes samplement que atravessar o labirinto? — perguntou Fleur.
— Haverá obstáculos — disse Bagman alegremente, balançando-se sobre a sola dos pés. — Hagrid está providenciando algumas criaturas... E haverá também feitiços que vocês precisarão desfazer... Essas coisas que vocês já conhecem. Agora, os campeões que estão liderando a contagem de pontos entrarão primeiro no labirinto. — Bagman sorriu para Harry e Cedrico. — Depois entrará o Sr. Krum... Depois a Srta. Delacour. Mas todos terão a mesma possibilidade de vencer, dependendo da perícia com que superarem os obstáculos. Será divertido, não acham?
Harry, que sabia muito bem que tipo de criaturas Hagrid iria arranjar para um evento de tal porte, achou muito improvável que fosse divertido. Contudo, concordou educadamente com a cabeça, como os demais campeões.
— Muito bem... Se não tiverem nenhuma pergunta a fazer, vamos voltar para o castelo, está meio frio...
Bagman apressou-se a caminhar ao lado de Harry quando começaram a deixar o labirinto em crescimento. O garoto teve a impressão de que o bruxo ia começar a oferecer ajuda novamente, mas nesse instante, Krum bateu em seu ombro.
— Posso falarr com focê?
— Claro que sim — disse Harry ligeiramente surpreso.
— Focê pode andarr um pouco comigo?
— OK. — disse o garoto curioso.
Bagman pareceu ligeiramente perturbado.
— Esperarei por você, Harry, está bem?
— Não, está tudo OK, Sr. Bagman — disse Harry contendo um sorriso. — Acho que posso encontrar o caminho para o castelo sozinho, obrigado.
Harry e Krum saíram juntos do estádio, mas Krum não tomou o rumo do navio de Durmstrang. Em vez disso, dirigiu-se à Floresta.
— Para que estamos indo nesta direção? — perguntou Harry, ao passarem pela cabana de Hagrid e a carruagem iluminada da Beauxbatons.
— Non querro que me ouçam — disse o rapaz secamente.
Quando finalmente chegaram a um trecho sossegado, a poucos passos do picadeiro dos cavalos da Beauxbatons, Krum parou à sombra de um grupo de árvores e se virou para encarar Harry.
— Querro saberr — disse ele amarrando a cara — que é que há entre focê e Hermi-ô-nini.
Harry, que pela maneira sigilosa de Krum esperara algo muito mais sério que aquilo, ergueu os olhos para Krum, admirado.
— Nada — disse ele. Mas Krum amarrou a cara, e Harry, mais uma vez admirado com o tamanho de Krum, explicou melhor. — Somos amigos. Ela não é minha namorada nem nunca foi. Aquela tal da Skeeter está inventando coisas.
— Hermi-ô-nini fala muito de focê — disse Krum, olhando desconfiado para Harry.
— Claro, porque somos amigos.
Ele não estava conseguindo acreditar muito bem que estivesse tendo aquela conversa com Vítor Krum, o famoso jogador internacional de Quadribol. Era como se o Krum, com seus dezoito anos, achasse que ele, Harry, fosse seu igual, um rival de verdade...
— Focê nunca... focê non...
— Não — disse Harry com firmeza.
Krum pareceu um pouco mais feliz. Fitou Harry durante alguns segundos, depois disse:
— Focê foa muito bem. Fiquei assistindo a você durante a primeira tarefa.
— Obrigado — disse Harry com um grande sorriso, se sentindo subitamente muito maior.
— Vi você na Copa Mundial de Quadribol. Naquela Finta de Wronski, você realmente...
Mas alguma coisa se mexeu às costas de Krum, entre as árvores, e Harry, que tinha alguma experiência com coisas que rondam a Floresta, instintivamente agarrou Krum pelo braço e o puxou para um lado.
— Que foi?
Harry balançou a cabeça, examinando com atenção o lugar em que percebera o movimento. Meteu a mão dentro das vestes à procura da varinha.
No momento seguinte um homem saiu cambaleando de trás de um alto carvalho. Por um instante Harry não o reconheceu... Depois percebeu que era o Sr. Crouch.
Tinha a aparência de quem estava viajando há dias. Os joelhos de suas vestes estavam rasgados e ensangüentados, seu rosto estava arranhado e ele, barbudo e cinzento de exaustão. Os cabelos e bigodes sempre impecáveis estavam precisando de um xampu e de um corte. Sua estranha aparência, porém, não era nada comparada à maneira com que estava agindo. Resmungava e gesticulava, parecia estar falando com alguém que somente ele conseguia ver.
Lembrava a Harry vividamente um velho vagabundo que o garoto vira quando fora às compras com os Dursley. O tal homem também conversava, alterado, com o vento, tia Petúnia agarrara Duda pela mão e o arrastara para o outro lado da rua para evitar o homem, tio Válter então brindara a família com um longo discurso sobre o que gostaria de fazer com mendigos e vagabundos.
— Ele non erra um dos juizes? — perguntou Krum de olhos arregalados para o Sr. Crouch. — Non é do seu ministérrio?
Harry confirmou com um aceno de cabeça, hesitou por um instante, depois se dirigiu lentamente ao Sr. Crouch, que não olhou para ele, mas continuou a falar com uma árvore próxima:
—... E depois que fizer isso, Weatherby, mande uma coruja a Dumbledore confirmando o número de estudantes de Durmstrang que virão ao torneio, Karkaroff acabou de mandar uma mensagem dizendo que serão doze...
— Sr. Crouch? — chamou Harry cautelosamente.
—... E depois mande outra coruja à Madame Maxime, porque ela talvez queira aumentar o número de estudantes que vai trazer, agora que Karkaroff arredondou para uma dúzia... Faça isso, Weatherby, por favor? Por favor? Por... — Os olhos do Sr. Crouch estavam saltados. Ele continuou encarando a árvore, resmungando silenciosamente para ela. Então, cambaleou para os lados e caiu de joelhos.
— Sr. Crouch? — chamou Harry em voz alta. — O senhor está bem?
Os olhos de Crouch reviravam nas órbitas. Harry olhou para os lados procurando Krum, que o seguira até as árvores e olhava para Crouch assustado.
— Que é que ele tem?
— Não faço idéia — murmurou Harry. — Escuta aqui, é melhor você ir buscar alguém...
— Dumbledore! — arquejou o Sr. Crouch. Ele esticou a mão e agarrou com firmeza as vestes de Harry e arrastou-o para perto, embora seus olhos estivessem olhando por cima da cabeça de Harry. — Preciso... Ver... Dumbledore.
— OK — disse Harry —, se o senhor se levantar, Sr. Crouch, podemos ir até...
— Fiz... Uma... Idiotice... — murmurou o Sr. Crouch. Parecia completamente demente. Revirava os olhos esbugalhados e um fio de saliva escorria pelo seu queixo. Cada palavra que ele dizia parecia custar um esforço terrível. — Preciso... Falar... Dumbledore...
— Levante, Sr. Crouch — disse Harry em alto e bom som. — Levante e eu levo o senhor a Dumbledore!
Os olhos de Crouch giraram focalizando Harry.
— Quem é você? — sussurrou o bruxo.
— Sou aluno da escola — disse Harry, olhando para Krum à procura de ajuda, mas o outro mantinha-se um pouco afastado, parecendo extremamente nervoso.
— Você não é... Dele? — sussurrou Crouch, deixando o queixo cair.
— Não — respondeu Harry, sem ter a menor idéia do que Crouch estava falando.
— De Dumbledore?
— Isso mesmo — disse Harry.
Crouch puxou o garoto mais para perto, Harry tentou soltar a mão do bruxo que agarrava suas vestes, mas ele era demasiado forte.
— Avise... Dumbledore...
— Vou buscar Dumbledore se o senhor me largar — disse Harry. — Me largue Sr. Crouch, e eu vou buscar o diretor...
— Obrigado, Weatherby, e quando você terminar isso, eu gostaria de tomar uma xícara de chá. Minha mulher e meu filho vão chegar daqui a pouco, vamos assistir a um concerto hoje à noite com o Sr. e a Sra. Fudge. — Crouch voltara a falar fluentemente com a árvore e parecia completamente despercebido da presença de Harry, o que surpreendeu o garoto de tal modo que ele nem reparou que Crouch o soltara.
— Meu filho recentemente obteve doze N.O.M.’s com boas notas, obrigado, claro, realmente muito orgulhosos. Agora se você puder me trazer aquele memorando do Ministério da Magia de Andorra, acho que terei tempo de preparar uma resposta...
— Você fica aqui com ele! — disse Harry a Krum. — Eu vou buscar Dumbledore, faço isso mais rápido, sei onde é o escritório dele...
— Ele está doido — disse Krum hesitante, olhando para Crouch, que ainda tagarelava com a árvore, aparentemente convencido de que falava com Percy.
— Só precisa ficar aqui com ele — falou Harry começando a se levantar, mas seu movimento pareceu disparar outra mudança súbita no Sr. Crouch, que o agarrou com força pelos joelhos e o puxou de volta ao chão.
— Não... Me... Deixe! — sussurrou ele, os olhos se esbugalhando outra vez. — Eu... Fugi... Preciso avisar... Preciso contar... Ver Dumbledore... Minha culpa... Tudo minha culpa... Berta... Morta... Tudo minha culpa... Meu filho... Minha culpa... Diga a Dumbledore... Harry Potter... O Lord das Trevas... Mais forte... Harry Potter...
— Vou buscar Dumbledore se o senhor me deixar ir, Sr. Crouch! — disse Harry. Ele olhou indignado para Krum. — Quer me ajudar, por favor?
Com um ar extremamente apreensivo, Krum se adiantou e se acocorou ao lado do Sr. Crouch.
— Não deixa ele sair daqui — disse Harry se desvencilhando do Sr. Crouch. — Eu volto com Dumbledore.
— Non demorre, por favorr — Krum gritou quando Harry se afastou correndo da Floresta e já ia subindo os gramados na escuridão. Estavam desertos, Bagman, Cedrico e Fleur haviam desaparecido.
Harry galgou aos saltos os degraus da entrada, passou pelas portas de carvalho e continuou pela escadaria de mármore acima em direção ao segundo andar. Cinco minutos depois precipitava-se em direção a uma gárgula de pedra que ficava no meio de um corredor vazio.
— Sorvete de limão!— ofegou ele.
Essa era a senha para a escada oculta que levava ao escritório de Dumbledore, ou pelo menos tinha sido dois anos atrás. Porém, a senha evidentemente mudara, porque a gárgula de pedra não criou vida nem saltou para o lado, mas continuou imóvel encarando Harry com malevolência.
— Mexa-se! — Harry gritou para o ornamento. — Anda!
Mas nada em Hogwarts jamais se mexia só porque alguém mandava, ele sabia que não adiantava. Olhou para um lado e outro do corredor. Quem sabe Dumbledore estaria na sala dos professores? Ele começou a correr o mais rápido que pôde em direção à escada...
— POTTER!
Harry parou derrapando e olhou para trás.
Snape acabara de emergir da escada oculta atrás da gárgula de pedra. A parede ia outra vez se fechando atrás dele, na hora exata em que mandou Harry voltar.
— Que é que você está fazendo aqui, Potter?
— Preciso ver o Professor Dumbledore! — disse Harry, correndo de volta, e novamente derrapando até parar diante de Snape. — É o Sr. Crouch... Ele acabou de aparecer... Está na Floresta... Está pedindo...
— Que tolice é essa? — exclamou Snape, seus olhos negros faiscando. — Do que é que você está falando?
— O Sr. Crouch — gritou Harry. — Do Ministério! Ele está doente ou outra coisa qualquer, está na Floresta, quer ver Dumbledore! Me diga qual é a senha para entrar...
— O diretor está ocupado, Potter — informou Snape, sua boca fina se crispando num sorriso desagradável.
— Tenho que informar a Dumbledore! — berrou Harry.
— Você não escutou o que eu disse, Potter?
Harry podia perceber que Snape estava se divertindo intensamente em recusar o que ele queria ao vê-lo em pânico.
— Olhe — disse Harry com raiva —, Crouch não está bem... Ele está... Ele está delirando... Diz que precisa prevenir...
A parede de pedra às costas de Snape se abriu. Dumbledore surgiu à entrada, trajando longas vestes verdes e tinha uma expressão de curiosidade no rosto.
— Algum problema? — perguntou ele, olhando de Harry para Snape.
— Professor! — disse Harry, dando um passo para o lado antes que Snape pudesse responder. — O Sr. Crouch está aqui, está lá na floresta, diz que quer falar com o senhor!
Harry esperava que Dumbledore fizesse perguntas, mas, para seu alívio, ele não fez nada disso.
— Leve-me até lá — disse o diretor prontamente, e saiu para o corredor acompanhando Harry e deixando Snape parado ao lado da gárgula com uma cara duas vezes mais feia.
— Que foi que o Sr. Crouch disse, Harry? — perguntou Dumbledore enquanto desciam apressados a escadaria de mármore.
— Disse que quer prevenir o senhor... Disse que fez uma coisa horrível... Mencionou o filho... E Berta Jorkins... E... E Voldemort... Alguma coisa sobre Voldemort estar ficando mais forte...
— De fato — disse Dumbledore e apertou o passo quando saíram para a escuridão de breu.
— Ele não está agindo normalmente — disse Harry correndo ao lado de Dumbledore. — Parece que não sabe onde está. Fala o tempo todo como se achasse que Percy Weasley está lá e depois muda e diz que precisa ver o senhor. Deixei-o com Vítor Krum.
— Deixou? — exclamou Dumbledore com severidade e começou a dar passadas ainda maiores, de modo que Harry precisou correr para acompanhá-lo.
— Você sabe se mais alguém viu o Sr. Crouch?
— Não — respondeu Harry. — Krum e eu estávamos conversando, o Sr. Bagman tinha acabado de nos falar sobre a terceira tarefa, ficamos para trás e então vimos o Sr. Crouch saindo da Floresta...
— Onde é que eles estão? — perguntou Dumbledore ao ver a carruagem da Beauxbatons emergir da escuridão.
— Ali na frente — disse Harry adiantando-se ao diretor Dumbledore e mostrando o caminho entre as árvores. Ele não ouvia mais a voz de Crouch, mas sabia onde estava indo, não era muito além da carruagem... Em algum lugar por aqui...
— Vítor? — chamou Harry.
Ninguém respondeu.
— Deixei os dois aqui — disse Harry a Dumbledore. — Decididamente estavam em algum lugar por aqui...
— Lumus — ordenou Dumbledore, acendendo sua varinha e erguendo-a.
O feixe fino de luz se deslocou de um tronco a outro, iluminando o chão. Então recaiu sobre dois pés.
Harry e Dumbledore acorreram. Krum estava estatelado no chão da Floresta. Parecia ter perdido os sentidos. Não havia nem sinal do Sr. Crouch.
Dumbledore se curvou para Krum e gentilmente ergueu uma de suas pálpebras.
— Estuporado — comentou baixinho. Seus oclinhos de meia-lua cintilaram à luz da varinha quando ele examinou as árvores que os rodeavam.
— O senhor quer que eu vá buscar alguém? — perguntou Harry. — Madame Pomfrey?
— Não — disse Dumbledore na mesma hora. — Fique aqui.
O diretor ergueu a varinha e apontou-a para a cabana de Hagrid. Harry viu-a disparar uma coisa prateada que voou entre as árvores como um pássaro fantasmagórico. Então Dumbledore tornou a se curvar para Krum, apontou a varinha para o rapaz e murmurou:
— Enervate.
Krum abriu os olhos. Parecia atordoado. Quando viu Dumbledore, tentou se sentar, mas o diretor pousou a mão no ombro dele e o fez continuar deitado.
— Ele me atacou! — murmurou Krum, levando a mão à cabeça. — O velho doido me atacou! Eu estava olhando parra os lados parra verr onde Potterr tinha ido e ele me atacou pelas costas!
— Fique deitado um pouco — mandou Dumbledore.
Um reboar de fortes passadas chegou aos ouvidos do grupo e Hagrid apareceu ofegante com Canino nos calcanhares. Trazia o arco.
— Professor Dumbledore! — disse ele arregalando os olhos. — Harry que dia...?
— Hagrid, preciso que você vá buscar o Professor Karkaroff — disse Dumbledore. — O aluno dele foi atacado. Quando terminar, por favor, alerte o Professor Moody...
— Não é necessário, Dumbledore — ouviu-se um rosnado asmático —, já estou aqui. — Moody vinha mancando em direção a eles, apoiado na bengala, a varinha acesa.
— Porcaria de perna — reclamou furioso. — Teria chegado mais rápido... Que foi que houve? Snape me disse alguma coisa sobre Crouch...
— Crouch? — repetiu Hagrid sem entender.
— Karkaroff, por favor, Hagrid! — disse Dumbledore energicamente.
— Ah, sim... Certo, professor... — disse Hagrid e, dando as costas, desapareceu entre as árvores escuras, Canino trotando ao seu lado.
— Não sei aonde foi parar Bartô Crouch — disse Dumbledore a Moody — mas é essencial que o encontremos.
— Já estou indo — rosnou Moody e, puxando a varinha, saiu coxeando pela Floresta. Nem Dumbledore nem Harry tornaram a falar até ouvirem os sons inconfundíveis de Hagrid e Canino voltando. Karkaroff seguia apressado atrás deles. Usava suas elegantes peles prateadas e parecia pálido e agitado.
— Que é isso? — exclamou, quando viu Krum no chão, e Dumbledore e Harry ao lado do rapaz. — Que é que está acontecendo?
— Fui atacado! — informou Krum, agora se sentando e esfregando a cabeça. — O Sr. Crrouch ou que nome tenha...
— Crouch o atacou? Crouch atacou você? O juiz do Tribruxo?
— Igor — começou a falar Dumbledore, mas Karkaroff se erguera puxando as peles para perto do corpo, o rosto lívido.
— Traição! — urrou ele apontando para Dumbledore. — É uma conspiração! Você e o seu Ministro da Magia me atraíram até aqui sob falsos pretextos, Dumbledore! Isto não é uma competição honesta! Primeiro você sorrateiramente inscreve Potter no torneio, embora ele seja menor de idade! Agora um dos seus amigos do Ministério tenta pôr o meu campeão fora de ação! Estou farejando falsidade e corrupção nesse torneio todo e você, Dumbledore, você, com a sua conversa de estreitar os vínculos entre os bruxos estrangeiros, de refazer velhos laços, de esquecer as velhas diferenças, isto é o que penso de você!
Karkaroff cuspiu no chão aos pés de Dumbledore. Com um movimento rápido, Hagrid agarrou o bruxo pela gola das peles, ergueu-o no ar e empurrou-o contra uma árvore próxima.
— Peça desculpas! — rosnou Hagrid, enquanto Karkaroff tentava respirar com aquele punho maciço em sua garganta, seus pés balançando no ar.
— Hagrid, não! — gritou Dumbledore com os olhos faiscando.
Hagrid soltou a mão que prendia Karkaroff contra a árvore, o bruxo escorregou pelo tronco e desmontou numa massa informe aos seus pés, alguns gravetos caíram em sua cabeça.
— Tenha a bondade de acompanhar Harry até o castelo, Hagrid — disse Dumbledore energicamente. Respirando ruidosamente, Hagrid lançou a Karkaroff um olhar carrancudo.
— Talvez seja melhor eu ficar aqui, diretor...
— Você vai levar Harry de volta ao castelo, Hagrid — repetiu Dumbledore com firmeza. — Leve-o diretamente à Torre da Grifinória. E Harry, quero que fique lá. Qualquer coisa que queira fazer, corujas que queira despachar, pode esperar até de manhã, está me entendendo bem?
— Hum, sim, senhor — aquiesceu Harry, com os olhos no diretor. Como Dumbledore soubera que naquele exato momento ele estava pensando em mandar Pichitinho direto a Sirius para lhe contar o que acontecera?
— Vou deixar Canino com o senhor, diretor — disse Hagrid, ainda olhando ameaçadoramente para Karkaroff, que continuava caído ao pé da árvore enredado em peles e raízes. — Parado, Canino. Vamos, Harry.
Eles passaram em silêncio pela carruagem da Beauxbatons e subiram em direção ao castelo.
— Como é que ele se atreve — rosnou Hagrid, quando margeavam o lago. — Como é que ele se atreve a acusar Dumbledore. Como se Dumbledore fosse capaz de uma coisa dessas. Como se Dumbledore quisesse que você participasse do torneio, para começar. Preocupado! Não me lembro de ter visto Dumbledore mais preocupado do que tem estado ultimamente. E você! — disse Hagrid voltando-se zangado para Harry, que ergueu os olhos para ele, espantado. — Que é que você estava fazendo andando por aí com esse desgraçado do Krum? Ele é aluno de Durmstrang, Harry! Podia ter azarado você ali mesmo, não podia? Será que Moody não lhe ensinou nada? Imagina deixar ele afastar você dos outros...
— Krum é legal! — interrompeu-o Harry, quando subiam os degraus para o saguão de entrada. — Ele não estava tentando me azarar, só queria conversar comigo sobre a Mione...
— Eu é que vou ter uma conversinha com ela — falou Hagrid mal-humorado, subindo os degraus com estrondo. — Quanto menos vocês tiverem contato com esses estrangeiros, melhor vão ficar. Não se pode confiar em nenhum deles.
— Você parece que está se dando muito bem com a Madame Maxime — respondeu Harry, aborrecido.
— Não fale dela comigo! — disse Hagrid, e naquele instante parecia assustador. — Agora já sei quem ela é! Tentando voltar às minhas boas graças para eu contar a ela qual vai ser a terceira tarefa. Ah! Não se pode confiar em nenhum deles!
Hagrid estava tão mal-humorado que Harry ficou feliz de se despedir dele diante do quadro da Mulher Gorda. Passou pelo buraco do retrato, desembocando na sala comunal e correu direto para o canto em que Rony e Hermione estavam sentados, para narrar aos dois o que acontecera.

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