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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 30
Fred e Jorge tomaram providências para ninguém esquecê-los cedo demais. Primeiro, porque não haviam deixado instruções sobre o modo de remover o pântano que ainda enchia o corredor do quinto andar na ala leste. Umbridge e Filch tinham sido vistos experimentando diferentes métodos para removê-lo, mas sem sucesso. Com o tempo, a área foi fechada e Filch, rilhando os dentes furiosamente, recebeu a tarefa de carregar, através do pântano, os estudantes às suas salas de aula. Harry tinha certeza de que professores como McGonagall e Flitwick poderiam ter removido o pântano em um instante, mas, tal como no caso dos Fogos Espontâneos, eles preferiam assistir a Umbridge se descabelar.
Depois, havia os dois grandes rombos em forma da vassoura na porta da sala da Umbridge, que as Cleansweeps de Fred e Jorge haviam feito ao sair para se reunir aos seus donos. Filch substituíra a porta e levara a Firebolt de Harry para as masmorras onde, comentava-se, Umbridge postara um trasgo de segurança armado para guardá-la. Mas os problemas da diretora estavam longe de terminar.
Inspirados no exemplo dos gêmeos, muitos estudantes agora competiam pelos lugares de chefes dos Criadores de Caso que eles haviam deixado vagos.
Apesar da nova porta, alguém conseguira escorregar para dentro da sala de Umbridge um pelúcio de nariz peludo, que imediatamente destruiu o local à procura de objetos brilhantes, saltou sobre a diretora quando ela entrou e tentou arrancar, a dentadas, os anéis em seus dedos curtos e grossos. Bombas de Bosta e Chumbinhos Fedorentos eram atirados com tanta freqüência nos corredores que se tornou moda os estudantes se protegerem com Feitiços Cabeça-de-Bolha antes de sair das salas de aula, o que lhes garantia um suprimento de ar fresco, ainda que lhes desse a aparência esquisita de estarem usando aquários invertidos na cabeça.
Filch patrulhava os corredores com um açoite nas mãos, desesperado para apanhar vilões, mas o problema é que agora havia tantos deles que ele nunca sabia para que lado se virar. A Brigada Inquisitorial tentava ajudá-lo, mas não paravam de acontecer coisas estranhas aos seus membros. Warrington, da equipe de quadribol da Sonserina, procurou a ala hospitalar com um terrível problema na pele, que parecia ter sido coberta de cornflakes; Pansy Parkinson, para alegria de Hermione, faltou a todas as aulas do dia seguinte porque havia lhe crescido uma galhada na cabeça.
Entrementes, tornou-se conhecido o número de kits Mata-Aula que Fred e Jorge tinham conseguido vender antes de deixar Hogwarts. Umbridge só precisava entrar na sala de aula para os estudantes ali reunidos começarem a desmaiar, vomitar, sentir febres perigosas ou, então, deitar sangue pelas narinas. Gritando de raiva e frustração, ela procurou descobrir a origem dos misteriosos sintomas, mas os alunos teimavam em lhe dizer que estavam sofrendo de "Umbridgetite". Depois de pôr em detenção quatro turmas sucessivas, ela, incapaz de descobrir o segredo, foi forçada a desistir e deixar os estudantes que sangravam, desmaiavam, vomitavam e suavam abandonarem sua sala em bandos.
Mas nem os usuários dos kits conseguiam competir com o senhor do caos, Pirraça, que parecia ter levado profundamente a sério as palavras de despedida de Fred. Gargalhando alucinado, ele voava pela escola, virando mesas, irrompendo de quadros-negros, derrubando estátuas e vasos; duas vezes ele prendeu Madame Nor-r-ra dentro de uma armadura, de onde foi resgatada, miando alto, pelo furioso zelador. Pirraça quebrou lanternas e apagou velas, fez malabarismos com archotes acesos por cima das cabeças de estudantes aos berros, fez pilhas bem arrumadas de pergaminho caírem dentro das lareiras ou fora das janelas; inundou o segundo andar, arrancando todas as torneiras dos banheiros, deixou cair um saco de tarântulas no meio do Salão Principal durante o café da manhã e, sempre que lhe dava na telha fazer uma pausa, passava horas seguidas flutuando atrás de Umbridge, imitando o ruído de puns com a boca todas as vezes que ela falava.
Nenhum funcionário de Hogwarts, exceto Filch, parecia estar se mexendo para ajudá-la. Na verdade, uma semana depois de Fred e Jorge partirem, Harry viu a Profª McGonagall passar por Pirraça, que estava decidido a soltar um lustre de cristal, e ele poderia jurar que a ouviu dizer ao poltergeist pelo canto da boca: "Desenrosca para o outro lado."
Para completar, Montague ainda não se recuperara da temporada no vaso sanitário; continuava confuso e desorientado, e seus pais foram vistos em uma manhã de terça-feira subindo a estrada da escola extremamente zangados.
— Será que devíamos dizer alguma coisa? — arriscou Hermione preocupada, comprimindo o rosto contra a janela da sala de Feitiços, o que lhe permitiu ver o casal Montague entrar. — Sobre o que aconteceu com ele? Caso ajude Madame Pomfrey a curá-lo?
— Claro que não, ele se recuperará — disse Rony indiferente.
— Em todo o caso, mais problemas para a Umbridge, não é? — disse Harry em tom satisfeito.
Ele e Rony bateram de leve com a varinha nas xícaras que deveriam enfeitiçar.
A de Harry ganhou quatro pernas curtas que não conseguiam alcançar a escrivaninha e se sacudiam em vão no ar. A de Rony ganhou quatro perninhas finas que ergueram a xícara com grande dificuldade, tremeram por alguns segundos, então se dobraram, fazendo a xícara se partir em dois.
— Reparo — disse Hermione depressa, consertando a xícara de Rony com um aceno da varinha. — Tudo está muito bem, mas e se o Montague ficar permanentemente lesado?
— Quem se importa? — exclamou Rony irritado, enquanto sua xícara se erguia como bêbeda, os joelhos tremendo violentamente. — Montague não devia ter tentado tirar todos aqueles pontos da Grifinória, não é? Se você quiser se preocupar com alguém, Hermione, se preocupe comigo!
— Com você? — admirou-se ela, apanhando a xícara que fugia precipitadamente pela mesa com as quatro perninhas robustas com textura de salgueiro, e recolocando-a à sua frente. — Por que eu deveria me preocupar com você?
— Quando a próxima carta da mamãe acabar de passar pelo processo de censura da Umbridge — disse Rony amargurado, agora segurando sua xícara, cujas perninhas tentavam suportar o próprio peso —, vou estar bem enrolado. Não ficarei surpreso se ela me mandar outro Berrador.
— Mas...
— Vai me culpar por Fred e Jorge terem ido embora, espere só — disse sombriamente. — Vai dizer que eu devia ter impedido os gêmeos de ir, devia ter agarrado as vassouras deles pelas pontas... é, vai ser minha culpa.
— Bom, se ela realmente disser isso, vai ser uma baita injustiça, você não poderia ter feito nada! Mas tenho certeza de que ela não fará isso, quero dizer, se é verdade que eles arranjaram uma loja no Beco Diagonal, devem estar planejando isso há séculos.
— É, mas isto é outra coisa, como foi que eles arranjaram uma loja? — disse Rony, batendo a varinha com tanta força na xícara que as pernas dela tornaram a ceder e ficaram se torcendo à sua frente. — É meio suspeito, não é não? Precisarão de uma montanha de galeões para alugar uma loja em um lugar como o Beco Diagonal. Ela vai querer saber o que andaram fazendo para pôr as mãos em tanto ouro.
— Bom, é, isso também me ocorreu — comentou Hermione, deixando sua xícara correr em círculos precisos em torno da de Harry, cujas pernas curtas continuavam incapazes de alcançar o tampo da mesa. — Estive me perguntando se Mundungo teria convencido os gêmeos a vender mercadoria roubada ou qualquer outra coisa horrível.
— Ele não fez isso — disse Harry brevemente.
— Como é que você sabe? — perguntaram Rony e Hermione juntos.
— Porque... — Harry hesitou, mas o momento de confessar parecia ter finalmente chegado. Não havia nada a ganhar em continuar calado, se isto levasse as pessoas a suspeitarem que Fred e Jorge eram criminosos. — Porque receberam o dinheiro de mim. Entreguei a eles o meu prêmio no Torneio Tribruxo em junho passado.
Houve um silêncio de perplexidade, em seguida a xícara de Hermione saiu correndo pela borda da mesa e se espatifou no chão.
— Ah, Harry, você não fez isso! — exclamou ela.
— Fiz, sim — respondeu ele com rebeldia. — E não me arrependo, tampouco. Eu não precisava do ouro, e eles serão um sucesso com uma loja de logros.
— Mas que ótimo! — exclamou Rony, vibrando. — Então a culpa é toda sua, Harry, mamãe não pode me culpar de nada! Posso contar para ela?
— Pode, acho que é melhor — respondeu desanimado —, principalmente se ela pensar que eles estão recebendo caldeirões roubados ou coisas do gênero.
Hermione não falou mais nada até o fim da aula, mas Harry suspeitou com perspicácia que o controle dela não fosse resistir por muito tempo. E acertou, quando deixaram o castelo no intervalo e pararam sob o fraco sol de maio, ela fixou em Harry um olhar penetrante e abriu a boca com um ar decidido. Harry interrompeu-a antes que chegasse a falar.
— Não adianta ralhar comigo, está feito — disse com firmeza. — Fred e Jorge têm o ouro, já gastaram um bocado, pelo que parece, e não posso pedi-lo de volta nem quero fazer isso. Portanto, poupe o seu fôlego, Hermione.
— Eu não ia falar nada sobre Fred e Jorge! — disse ela sentida. Rony reprimiu uma risadinha, incrédulo, e Hermione lhe lançou um olhar feio.
— Não, não ia não! — protestou zangada. — Na verdade, ia perguntar a Harry quando é que ele vai procurar o Snape e pedir mais aulas de Oclumência!
Harry se sentiu deprimido. Uma vez esgotado o assunto da partida dramática de Fred e Jorge, que sem dúvida rendera muitas horas, Rony e Hermione quiseram saber notícias de Sirius. Como Harry não lhes contara por que queria falar com o padrinho, ficara difícil pensar no que responder; acabou dizendo, sinceramente, que Sirius queria que ele retomasse as aulas de Oclumência.
Arrependia-se desde então; Hermione não deixava o assunto morrer, e o retomava quando Harry menos esperava.
— Você não vai me dizer que parou de ter sonhos esquisitos, por que Rony me contou que você estava outra vez resmungando durante o sono ontem à noite.
Harry lançou a Rony um olhar furioso. Rony teve o decoro de parecer envergonhado.
— Você só estava resmungando um pouquinho — murmurou ele em tom de desculpa. — Algo como "só um pouquinho mais".
— Sonhei que estava assistindo a vocês jogarem quadribol — mentiu Harry descaradamente. — Eu estava tentando fazer você se esticar mais um pouquinho para agarrar a goles.
As orelhas de Rony ficaram vermelhas. Harry sentiu um certo prazer vingativo; é claro que não sonhara com nada parecido.
A noite passada, ele percorrera mais uma vez o corredor do Departamento de Mistérios. Atravessara a sala circular, depois a sala com os estalidos e a luz tremulante, até se encontrar novamente na sala cavernosa, cheia de estantes, em que se alinhavam as esferas de vidro empoeiradas.
Correra diretamente para a estante número noventa e sete, virara à esquerda e continuara a correr ao longo dela... fora provavelmente então que falara alto... só um pouquinho mais... porque sentira o seu eu consciente lutando para acordar... e, antes que tivesse chegado ao fim da estante, vira-se novamente deitado, olhando para o dossel da sua cama de pilares.
— Você está tentando bloquear sua mente, não está? — perguntou Hermione, lançando um olhar penetrante a Harry. — Você está continuando a praticar Oclumência?
— Claro que estou — respondeu Harry, tentando demonstrar que a pergunta era ofensiva, mas sem encarar Hermione nos olhos. A verdade é que sentia uma curiosidade tão intensa sobre o que estava escondido na sala cheia de globos empoeirados, que queria muito que os sonhos continuassem.
O problema era que, faltando apenas um mês para a realização dos exames, e com todos os momentos livres dedicados às revisões, sua mente parecia tão saturada de informação que quando ia se deitar tinha dificuldade até para dormir; e, quando dormia, seu cérebro esgotado o presenteava na maioria das noites com sonhos bobos sobre os exames. Ele suspeitava também que parte de sua mente, a parte que sempre falava com a voz da Hermione, agora se sentia culpada nas noites em que andava pelo corredor da porta preta, e procurava acordá-lo antes que chegasse ao fim da jornada.
— Sabe — falou Rony, cujas orelhas ainda estavam vermelhíssimas —, se Montague não se recuperar antes da Sonserina jogar contra a Lufa-Lufa, poderíamos ter chance de ganhar a copa.
— É, imagino que sim — disse Harry, contente com a mudança de assunto.
— Quero dizer, ganhamos uma, perdemos uma... se a Sonserina perder para a Lufa-Lufa no próximo sábado...
— É, verdade — disse Harry, já sem saber com o que estava concordando. Cho Chang acabara de atravessar o pátio, evitando olhar para ele de propósito.
A partida final da temporada de quadribol, Grifinória contra Corvinal, teria lugar no último fim de semana de maio. Embora Lufa-Lufa tivesse tido uma vitória apertada sobre Sonserina no último jogo, Grifinória não se atrevia a esperar uma vitória, principalmente por causa da abissal quantidade de frangos que Rony já engolira (embora é claro ninguém lhe dissesse isso). Ele, no entanto, parecia ter encontrado uma razão para otimismo.
— Quero dizer, não posso piorar, posso? — disse a Harry e Hermione sombriamente ao café da manhã no dia da partida. — Não há nada a perder agora, há?
— Sabe — disse Hermione, quando ela e Harry desciam para o campo um pouco mais tarde em meio a uma multidão excitável —, acho que Rony talvez jogue melhor sem Fred e Jorge por perto. Eles nunca demonstraram muita confiança nele.
Luna Lovegood alcançou-os com algo que parecia uma águia viva encarrapitada na cabeça.
— Puxa, me esqueci! — exclamou Hermione, vendo a águia bater as asas quando Luna passou serenamente por um grupo de alunos da Sonserina que riam e apontavam. — Cho vai jogar, não vai?
Harry, que não se esquecera disso, meramente grunhiu.
Eles encontraram lugares na penúltima fila das arquibancadas. Fazia um dia claro e bonito; Rony não poderia desejar um dia melhor e, contra todas as probabilidades, Harry se viu desejando que Rony não desse aos alunos da
Sonserina motivo para mais coros crescentes de "Weasley é nosso rei".
Lino Jordan, que andava muito desanimado desde a partida de Fred e Jorge, era como sempre o locutor. Quando as equipes entraram em campo ele anunciou o nome dos jogadores com menos prazer do que o seu normal.
"... Bradley... Davies... Chang", disse, e Harry sentiu seu estômago se manifestar, foi menos que um salto para trás, mais uma guinadinha quando Cho apareceu em campo, os cabelos negros e brilhantes ondeando à leve brisa.
Ele não tinha mais certeza do que queria que acontecesse, exceto que não poderia agüentar mais brigas. Até mesmo a visão da garota conversando animadamente com Rogério Davies ao se prepararem para montar as vassouras lhe causava apenas uma fisgadinha de ciúmes.
"E começou a partida!" anunciou Lino. "E Davies agarra a goles imediatamente. O capitão da Corvinal, Davies, detém a posse da goles, dribla Johnson, dribla Bell e dribla Spinnet também... está voando direto para o gol! Vai atirar... e... e..." Lino soltou um sonoro palavrão. "... foi gol."
Harry e Hermione gemeram com os demais colegas da Grifinória. Previsivelmente, horrivelmente, os torcedores da Sonserina do lado oposto das arquibancadas começaram a cantar:
Weasley não pega nada
Não defende aro algum...
— Harry — disse uma voz rouca no ouvido dele. — Hermione...
Harry se virou e viu o enorme rosto barbudo de Hagrid destacando-se na arquibancada. Pelo visto, ele se espremera pela carreira de trás, porque os alunos do primeiro e segundo anos pelos quais ele acabara de passar pareciam agitados e amassados. Por alguma razão, Hagrid se curvara à frente, como que ansioso para não ser visto, embora continuasse a ter pelo menos um metro a mais que todo o mundo.
— Escutem — sussurrou —, vocês podem vir comigo? Agora? Enquanto o pessoal está assistindo ao jogo?
— Ah... não dá para esperar, Hagrid? — perguntou Harry. — Até acabar o jogo?
— Não. Não, Harry, tem de ser agora... enquanto estão olhando para outro lado... por favor?
O nariz de Hagrid escorria sangue lentamente. Os dois olhos estavam roxos. Harry não o via tão perto desde sua volta à escola; parecia absolutamente desconsolado.
— Claro — disse Harry na mesma hora —, claro que iremos.
Ele e Hermione saíram, provocando muita reclamação dos estudantes que precisaram se levantar. As pessoas na fileira de Hagrid não estavam apenas reclamando, mas tentando se encolher o máximo possível.
— Eu agradeço aos dois, realmente agradeço — disse Hagrid ao chegarem às escadas. Ele não parava de olhar para os lados, nervoso, enquanto desciam em direção aos gramados. — Espero que ela não note a saída da gente.
— Você quer dizer a Umbridge? — disse Harry. — Não vai notar, não, a Brigada Inquisitorial está toda sentada ao lado dela, você não viu? Deve estar prevendo alguma confusão durante o jogo.
— É, bom, uma confusãozinha não faria mal — disse Hagrid, parando para espiar em torno das arquibancadas para ter certeza de que o gramado até sua cabana estava deserto. — Nos daria mais um tempo.
— Para o quê, Hagrid? — perguntou Hermione, olhando para ele com uma expressão preocupada no rosto, enquanto caminhavam apressados em direção à orla da Floresta.
— Vocês... vocês vão ver daqui a pouco — disse espiando por cima do ombro na hora em que uma enorme gritaria se erguia das arquibancadas. — Ei... será que alguém acabou de fazer gol?
— Deve ter sido a Corvinal — comentou Harry pesaroso.
— Bom... bom... — falou Hagrid, distraído. — Que bom...
Os garotos tiveram de correr para acompanhá-lo enquanto atravessava o gramado olhando para os lados a cada passo. Quando chegaram à cabana, Hermione virou automaticamente para a esquerda, em direção à porta de entrada. Hagrid, porém, passou direto e entrou sob as árvores que contornavam a Floresta, onde apanhou um arco encostado a uma árvore. Quando percebeu que os meninos não estavam com ele, virou-se.
— Vamos entrar aqui — disse ele, indicando com a cabeça lanzuda a Floresta às suas costas.
— Na Floresta? — perguntou Hermione, perplexa.
— É. Vamos agora, depressa, antes que nos vejam!
Harry e Hermione se entreolharam, então entraram rapidamente sob as árvores, atrás de Hagrid, que já se afastava a passos largos na penumbra esverdeada, o arco por cima do braço. Harry e Hermione correram para acompanhá-lo.
— Hagrid, por que você está armado? — perguntou Harry.
— Só uma precaução — respondeu, sacudindo os ombros maciços.
— Você não trouxe o arco no dia em que nos mostrou os Testrálios — comentou Hermione timidamente.
— Nam, bom, não íamos nos embrenhar tão fundo naquele dia. E de qualquer jeito, aquilo foi antes de Firenze ir embora da Floresta, não foi?
— Por que a saída de Firenze faz diferença? – perguntou Hermione curiosa.
— Porque os centauros estão bem irritados comigo, por isso — disse em voz baixa, olhando para os lados. — Eles costumavam ser... bom, não posso dizer que fossem amigáveis... mas convivíamos bem. Ficavam na deles, mas sempre apareciam se eu queria dar uma palavrinha. Isso acabou.
Ele suspirou profundamente.
— Firenze disse que estão aborrecidos porque ele foi trabalhar para Dumbledore — disse Harry, tropeçando em uma raiz saliente porque estava olhando para Hagrid.
— É — disse Hagrid tristemente. — Bom, aborrecidos não é bem o termo. Lívidos de fúria. Se eu não tivesse me metido, calculo que teriam matado Firenze aos coices...
— Eles o atacaram? — disse Hermione, parecendo chocada.
— Atacaram — disse Hagrid rouco, abrindo caminho entre vários ramos baixos. — Metade do rebanho caiu em cima dele.
— E você impediu? — perguntou Harry, surpreso e impressionado.
— Sozinho?
— Claro que sim, não podia ficar parado assistindo matarem Firenze, podia? Por sorte, eu ia passando, e acho que ele deveria ter se lembrado disso antes de começar a me mandar avisos idiotas! — acrescentou inesperadamente, inflamado.
Harry e Hermione se entreolharam, espantados, mas Hagrid, franzindo a testa, não explicou.
— Em todo o caso — continuou, respirando com mais dificuldade do que o normal —, desde então os centauros ficaram danados comigo, e o problema é que eles têm muita influência na Floresta... são os mais inteligentes por aqui.
— É por isso que estamos aqui, Hagrid? — perguntou Hermione. — Os centauros?
— Não, não — disse Hagrid, sacudindo a cabeça negativamente —, não, não são eles. Bom, naturalmente, eles poderiam complicar o problema, verdade... mas vocês vão ver o que quero dizer daqui a pouco.
Com essa nota enigmática, ele se calou e continuou avançando à frente, dando um passo para cada três dos garotos, tornando muito difícil acompanhá-lo.
A trilha foi se adensando, as árvores crescendo mais juntas à medida que se aprofundavam na Floresta, e foi escurecendo como se anoitecesse. Não tardaram a se distanciar da clareira em que Hagrid lhes mostrara os Testrálios, mas Harry não se sentiu apreensivo até vê-lo sair abruptamente da trilha e começar a serpear entre as árvores rumo ao centro escuro da Floresta.
— Hagrid! — chamou Harry, abrindo caminho por silvados muito trançados, por cima dos quais o amigo passava sem problemas, e lembrando muito vividamente o que lhe acontecera na vez anterior em que saíra da trilha da Floresta. — Aonde estamos indo?
— Um pouquinho mais adiante — disse Hagrid por cima do ombro. — Vamos, Harry... precisamos ficar juntos agora.
Era um grande esforço acompanhar o passo de Hagrid, ainda mais com ramos e espinheiros sobre os quais ele marchava como se fossem apenas teias de aranha, mas que se prendiam nas vestes de Harry e Hermione, muitas vezes com tanta firmeza que eles precisavam parar durante alguns minutos para se desvencilhar. Os braços e pernas de Harry logo se cobriram de pequenos cortes e arranhões. Aprofundaram-se tanto na Floresta que Harry por vezes só conseguia distinguir Hagrid como um vulto maciço à sua frente. Qualquer som parecia ameaçador no silêncio abafado. A quebra de um graveto produzia um enorme eco, e o menor movimento, mesmo partindo de um inocente pardal, fazia Harry procurar na penumbra o responsável. Ocorreu-lhe que jamais conseguira penetrar tão fundo na Floresta sem encontrar algum tipo de bicho; a ausência deles parecia-lhe muito agourenta.
— Hagrid, será que poderíamos acender nossas varinhas? — perguntou Hermione em voz baixa.
— Aah... tudo bem — sussurrou em resposta. — Na verdade...
Ele parou de repente e se virou; Hermione só parou ao colidir com ele e cair de costas. Harry segurou-a quando estava prestes a bater no chão da Floresta.
— Talvez fosse melhor a gente parar um momento, para eu poder... contar a
vocês — disse Hagrid. — Antes de chegarmos lá.
— Ótimo! – exclamou Hermione, enquanto Harry a ajudava a levantar. Os dois murmuraram: "Lumus!", e as pontas de suas varinhas se iluminaram. O rosto de Hagrid flutuou na penumbra à luz trêmula dos dois feixes de luz, e Harry notou mais uma vez que o amigo parecia nervoso e triste.
— Certo — disse Hagrid. — Bom... entendem... o caso é que... — E tomou fôlego.
— Bom, tem uma boa chance de que eu vá ser despedido qualquer dia desses.
Harry e Hermione se entreolharam e tornaram a olhar para Hagrid.
— Mas você conseguiu se manter até agora — disse Hermione hesitante. — O que faz você pensar...
— Umbridge calcula que fui eu que pus o pelúcio na sala dela.
— E foi? — perguntou Harry, antes que pudesse se refrear.
— Não, a droga é que não fui! — respondeu ele indignado. — Basta uma coisa ter a ver com criaturas mágicas para a Umbridge achar que deve ter sido eu. Vocês sabem que ela está procurando uma chance de se livrar de mim desde que voltei. Não quero ir embora, é claro, mas se não fossem... bom... circunstâncias especiais que vou explicar a vocês, eu iria embora agora mesmo, antes que ela pudesse fazer isso na frente de toda a escola, como fez com a Trelawney.
Harry e Hermione soltaram exclamações de protesto, mas Hagrid ignorou-as com um aceno da sua mão enorme.
— Não é o fim do mundo, poderei ajudar Dumbledore depois que sair daqui, posso ser útil à Ordem. E vocês terão a Grubbly-Plank, terão... e vão passar bem no exame.
Sua voz tremeu e falhou.
— Não se preocupem comigo — acrescentou imediatamente, quando Hermione fez menção de lhe dar uma palmadinha no braço. Puxou, então, um enorme lenço manchado do bolso do colete e enxugou os olhos. — Olhem, eu nem estaria contando isso a vocês se não fosse obrigado. Vejam, se eu for... bom, não posso ir embora sem... sem contar para alguém... porque eu... eu vou precisar que vocês dois me ajudem. E Rony se ele quiser.
— Claro que ele vai ajudar — disse Harry na mesma hora. — Que é que você quer da gente?
Hagrid fungou com força e, em silêncio, deu uma palmada no ombro de Harry com tal força que o garoto bateu de lado em uma árvore.
— Eu sabia que você ia dizer sim — falou Hagrid para dentro do lenço —, mas não vou... esquecer... jamais... bom... vamos... só mais um pouquinho adiante, por aqui... cuidado, agora, tem urtigas...
Eles andaram em silêncio mais uns quinze minutos; Harry ia abrindo a boca para perguntar quanto ainda faltava, quando Hagrid levantou o braço direito para sinalizar que deviam parar.
— Muita calma — disse baixinho. — Bem quietos agora...
Eles avançaram com muita cautela, e Harry viu que estavam diante de um monte de terra, liso e grande, quase da altura de Hagrid, que ele achou, com um sobressalto de temor, que devia ser a toca de um animal enorme. A toda a volta do monte, as árvores haviam sido arrancadas pelas raízes, de modo que ele se erguia em um trecho nu do terreno, protegido por pilhas de troncos e galhos que formavam uma espécie de cerca ou barricada, atrás da qual Harry,
Hermione e Hagrid agora se encontravam.
— Dormindo — sussurrou Hagrid.
Sem dúvida, Harry podia ouvir um ronco distante e ritmado que parecia vir de pulmões em atividade. Ele olhou de lado para Hermione, que contemplava o monte com a boca ligeiramente aberta. Tinha uma expressão de absoluto terror.
— Hagrid — perguntou em um murmúrio quase inaudível face ao ruído da criatura adormecida —, quem é?
Harry achou a pergunta estranha... "Que é?", era a que pretendera fazer.
— Hagrid, você nos disse... — falou Hermione, a varinha agora tremendo na mão —, você nos disse que nenhum deles quis vir!
Harry olhou da amiga para Hagrid e, então, compreendeu e virou-se para o monte com uma exclamação de horror.
O grande monte de terra, em que ele, Hermione e Hagrid podiam ter facilmente subido, arfava lentamente no mesmo ritmo que a respiração profunda e ruidosa. Não era monte algum. Eram sem dúvida as costas curvadas de um...
— Bom... não... ele não queria vir — disse Hagrid, parecendo desesperado. — Mas tive de trazê-lo, Hermione, simplesmente tive!
— Mas por quê? — perguntou Hermione, que dava a impressão de querer chorar. — Por que... que... ah, Hagrid!
— Eu sabia que se o trouxesse comigo — disse Hagrid, que também parecia prestes a chorar — e... e o ensinasse a se comportar... poderia mostrar ao mundo que ele é inofensivo!
— Inofensivo! — exclamou Hermione se esganiçando, e Hagrid fez gestos frenéticos quando a enorme criatura à frente deles resmungou alto e mudou de posição dormindo... — Esse tempo todo ele tem batido em você, não é? É por isso que você está nesse estado!
— Ele não sabe a força que tem! — disse Hagrid convicto. — E está melhorando, não está mais brigando tanto...
— Então foi por isso que você levou dois meses para chegar! — disse Hermione espantada. — Ah, Hagrid, por que você o trouxe se ele não queria vir? Ele não teria sido mais feliz com o povo dele?
— Estavam abusando dele, Hermione, porque ele é muito pequeno!
— Pequeno? — exclamou Hermione. — Pequeno?
— Hermione, eu não poderia deixá-lo — disse Hagrid, as lágrimas agora escorrendo pelo rosto ferido, e se perdendo na barba. — Entende... ele é meu irmão!
Hermione simplesmente arregalou os olhos para ele, boquiaberta.
— Hagrid, quando você diz "irmão" — perguntou Harry lentamente —, você quer dizer...?
— Bom... meio-irmão — corrigiu Hagrid. — Acabou que minha mãe foi viver com outro gigante quando deixou meu pai, e foi e teve Grope...
— Grope? — repetiu Harry.
— É... bom, é o som que se ouve quando diz o nome dele — disse Hagrid ansioso. — Ele não fala muito inglês... Andei tentando ensinar... em todo o caso, minha mãe parece que não gostou mais dele do que de mim. Entende, entre as gigantas, o que conta é procriar filhos grandes, e ele sempre foi meio nanico para um gigante: tem menos de cinco metros...
— Ah, é, pequenininho! — disse Hermione com uma espécie de ironia histérica. — Absolutamente minúsculo!
— Estava sendo maltratado por todos... eu simplesmente não podia deixar Grope lá.
— Madame Maxime queria trazê-lo? — perguntou Harry.
— Ela... bom, ela viu que era muito importante para mim — disse Hagrid, torcendo as mãos enormes. — Mas... mas se cansou um pouco depois de algum tempo, devo confessar... então nos separamos na viagem de volta... mas ela prometeu não contar a ninguém...
— Nossa, como foi que você voltou com ele sem ninguém notar? — perguntou Harry.
— Bom, foi por isso que demorou tanto, entende. Só podia viajar à noite e por terra despovoada e outras coisas. Claro que ele cobre uma boa distância quando quer, mas passou o tempo todo querendo voltar.
— Ah, Hagrid, nossa, por que você não o deixou lá? — perguntou Hermione, se largando em cima de uma árvore arrancada e escondendo o rosto nas mãos.
— Que é que você acha que vai fazer com um gigante violento que nem ao menos quer ficar aqui!?
— Bom, violento é um pouco exagerado — protestou Hagrid, ainda torcendo as mãos, agitado. — Admito que ele tentou me acertar umas duas vezes quando estava de mau humor, mas está melhor, muito melhor, está se ajustando bem.
— Então para que são essas cordas? — perguntou Harry.
Harry acabara de reparar nas cordas grossas como pernas que haviam sido esticadas do tronco das árvores próximas maiores até o lugar em que Grope estava enroscado no chão, de costas para eles.
— Você tem de mantê-lo amarrado? — perguntou Hermione com a voz fraca.
— Bom... é... — disse Hagrid, parecendo ansioso. — Entende... é como eu digo... ele não sabe realmente a força que tem.
Harry entendia agora por que achara suspeita a falta de outros seres vivos nesta parte da Floresta.
— Então, que é que você quer que a gente faça? — perguntou Hermione apreensiva.
— Que cuide dele — disse Hagrid rouco. — Depois que eu for embora.
Harry e Hermione trocaram olhares angustiados, ele incomodamente consciente de que já prometera a Hagrid que faria o que o amigo pedisse.
— E que é que a gente teria de fazer, exatamente? — indagou Hermione.
— Não é comida nem nada! — disse Hagrid ansioso. — Ele sabe caçar a própria comida sem problema. Aves e veados e outras coisas... não, é de companhia que ele precisa. Se eu soubesse que alguém estava continuando o esforço de ajudá-lo um pouco... ensinar a ele, sabem.
Harry não disse nada, mas se virou para dar uma espiada no vulto gigantesco que dormia no chão da Floresta. Ao contrário de Hagrid, que parecia apenas um ser humano grande demais, Grope parecia estranhamente deformado. O que Harry pensara ser um vasto pedregulho musgoso à esquerda do monte de terra, reconhecia agora ser a cabeça do gigante. Era proporcionalmente muito maior que uma cabeça humana, era uma esfera quase perfeita coberta de cabelos muito crespos e densos cor de samambaia. A borda de uma única orelha grande e carnuda era visível no alto da cabeça, que parecia assentar, à semelhança da do tio Válter, diretamente sobre os ombros, com pouco ou quase nenhum pescoço de permeio. As costas, sob uma peça de roupa que lembrava uma bata parda e suja feita de peles de animais toscamente costuradas, eram muito largas; e enquanto Grope dormia, a roupa parecia repuxar um pouco nas costuras. As pernas estavam encolhidas sob o corpo.
Harry via as solas de pés descalços, enormes, sujos, do tamanho de trenós, descansando um sobre o outro na terra.
— Você quer que a gente ensine a ele? — perguntou Harry com a voz cava.
Agora entendia o aviso de Firenze. A tentativa dele não está dando certo. Seria melhor que a abandonasse. Naturalmente, os outros habitantes da Floresta deviam ter ouvido as infrutíferas tentativas de Hagrid de ensinar inglês a Grope.
— É... mesmo que vocês só falem um pouco com ele — disse Hagrid esperançoso. — Porque calculo que, se ele puder falar com gente, vai compreender melhor que todos gostamos dele realmente, e queremos que fique.
Harry se virou para Hermione, que o espiou por entre os dedos que cobriam seu rosto.
— Até faz a gente desejar que tivesse o Norberto de volta, não? — comentou Harry, e Hermione deu uma risada vacilante.
— Vocês vão fazer isso, então? — perguntou Hagrid, que não parecia ter entendido o que Harry acabara de dizer.
— Bom... — disse o garoto, já preso por sua promessa. — Vamos tentar.
— Eu sabia que podia contar com vocês, Harry — disse Hagrid, sorrindo de um jeito lacrimejante, e secando o rosto com o lenço. — E não quero que vocês saiam muito do seu caminho... sei que têm exames... se vocês puderem dar uma corridinha aqui com a Capa da Invisibilidade talvez uma vez por semana para bater um papo com ele. Vou acordar Grope então... apresentar vocês...
— Qu... não! — exclamou Hermione se levantando de um salto. — Hagrid, não, não o acorde, sinceramente, não precisamos...
Mas Hagrid já passara por cima do grande tronco à frente e se encaminhava para Grope. Quando chegou a uns três metros de distância, ergueu do chão um longo galho partido, sorrindo de forma tranqüilizadora para Harry e Hermione por cima do ombro, então deu um cutucão no meio das costas do irmão com a ponta do galho.
O gigante deu um urro que ecoou pela Floresta silenciosa; os passarinhos no topo das árvores saíram dos poleiros, piando, e voaram para longe. A frente dos garotos, o gigante foi se levantando do chão, que vibrou quando ele apoiou a mão descomunal para se ajoelhar. Grope virou a cabeça para ver quem o incomodara.
— Tudo bem, Gropinho? — perguntou Hagrid com pretensa animação, recuando com o longo galho em riste, pronto para cutucar o irmão. — Tirou uma boa soneca, eh?
Harry e Hermione recuaram o mais longe que puderam, mantendo o gigante à vista. Grope se ajoelhou entre duas árvores que ainda não arrancara. Os garotos ergueram os olhos para o seu rosto espantosamente grande, que lembrava uma lua cheia acinzentada, flutuando na penumbra da clareira. Era como se suas feições tivessem sido talhadas em uma grande bola de pedra. O nariz era curto e sem forma, a boca enviesada e cheia de dentes amarelos e tortos do tamanho de meios tijolos; os olhos, pequenos pelos padrões dos gigantes, eram um castanho-esverdeado e opaco, e no momento estavam meio colados de sono. Grope levou os nós dos dedos sujos, do tamanho de uma bola de críquete, aos olhos, esfregou-os vigorosamente, então, sem aviso, pôs-se de pé com surpreendente agilidade e rapidez.
— Puxa vida! — Harry ouviu Hermione guinchar aterrorizada, ao seu lado.
As árvores, às quais estavam presas as pontas das cordas amarradas aos tornozelos e pulsos de Grope, rangeram agourentamente. Ele tinha, conforme Hagrid dissera, no mínimo uns cinco metros de altura. Relanceando ao redor com a vista turva, o gigante esticou a mão grande como uma barraca de praia, agarrou um ninho nos galhos mais altos de um altíssimo pinheiro e virou-o para baixo com um rugido de aparente insatisfação porque não havia passarinho algum dentro; os ovos caíram no chão como granadas e Hagrid levou os braços à cabeça para se proteger.
— Em todo o caso, Gropinho — gritou Hagrid, erguendo a cabeça apreensivo para ver se caíam mais ovos —, trouxe uns amigos para conhecer você. Lembra que eu disse que talvez fizesse isso? Lembra que eu disse que poderia ter de viajar e deixar eles cuidando de você um tempinho? Lembra, Gropinho?
Mas o gigante meramente soltou um rugido baixo; era difícil saber se estava escutando Hagrid ou se sequer reconhecia os sons que o irmão fazia como uma linguagem. Agarrava agora o topo do pinheiro e o puxava contra o corpo, evidentemente pelo simples prazer de ver até onde a árvore iria quando ele a largasse.
— Vamos, Grope, não faça isso! — berrou Hagrid. — Foi assim que você acabou arrancando as outras...
E de fato, Harry viu a terra em volta das raízes do pinheiro começar a rachar.
— Trouxe visitas para você! — berrou Hagrid. — Visitas, veja! Olhe para baixo, seu grande palhaço, trouxe uns amigos para você!
— Ah, Hagrid, não — gemeu Hermione, mas ele já reerguera o galho que segurava e cutucava com força o joelho do irmão.
O gigante soltou o pinheiro, que balançou assustadoramente, despejando sobre Hagrid uma chuva de agulhas, e olhou para baixo.
— Este — disse Hagrid, correndo para onde Harry e Hermione estavam parados — é Harry, Grope! Harry Potter! Ele talvez venha visitar você se eu precisar viajar, entendeu?
O gigante acabara de perceber a presença dos garotos. Eles acompanharam, com grande apreensão, Grope baixar sua descomunal cabeça de pedregulho para examiná-los com a vista ainda turva.
— E esta é Hermione, entende? Her... — Hagrid hesitou. Virando-se para a garota, perguntou: — Se incomoda se ele chamar você de Hermi, Hermione? Porque é um nome difícil para ele lembrar.
— Não, imagine — esganiçou-se Hermione.
— Esta é Hermi, Grope! Ela vai vir aqui e tudo o mais! Não é bom? Eh? Dois amigos para você... GROPINHO, NÃO?
A mão do gigante se deslocou de repente em direção a Hermione; Harry agarrou a amiga e puxou-a para trás de uma árvore, de modo que a mão de Grope arranhou o tronco, mas não pegou nada.
— QUE FEIO, GROPE! — eles ouviram Hagrid berrar, enquanto Hermione se abraçava a Harry atrás da árvore, tremendo e choramingando. — MUITO FEIO! NÃO AGARRE AS PESSOAS... Al!
Harry pôs a cabeça para fora de trás do tronco e viu Hagrid caído de costas, a mão cobrindo o nariz. O irmão, aparentemente perdendo o interesse, tornara a se erguer e mais uma vez estava ocupado em vergar o pinheiro até o limite.
— Certo — disse Hagrid com a voz pastosa, e se levantou, apertando o nariz para estancar o sangue, empunhando na outra mão o arco —, bom, então é isso... vocês já o conheceram e... e agora ele vai reconhecê-los quando vocês voltarem. É... bom...
E ergueu o olhar para o irmão, que agora estava puxando o pinheiro com uma expressão de prazer alienado no rosto de pedregulho; as raízes estalaram quando ele as arrancou da terra.
— Bom, imagino que seja suficiente por hoje — disse Hagrid. — Bom... ah... vamos voltar agora, está bem?
Harry e Hermione concordaram com a cabeça. Hagrid tornou a pôr o arco no ombro e, ainda apertando o nariz, foi indicando o caminho entre as árvores.
Ninguém falou por algum tempo, nem mesmo quando ouviram o estrondo distante que significava que Grope finalmente arrancara a árvore. Hermione tinha o rosto pálido e contraído. Harry não conseguia pensar em nada para dizer. Caramba, o que iria acontecer quando alguém descobrisse que Hagrid escondera Grope na Floresta Proibida? E Harry prometera que ele, Rony e Hermione continuariam as tentativas totalmente inúteis de civilizar o gigante.
Como é que Hagrid podia, mesmo com a sua imensa capacidade de se iludir que monstros com presas eram amoráveis e inofensivos, pensar que o irmão algum dia estaria em condições de conviver com seres humanos?
— Esperem — pediu Hagrid de repente, na hora em que Harry e Hermione iam atravessando com dificuldade um trecho em que a sanguinária era alta e densa. Ele puxou uma flecha da aljava presa ao ombro e encaixou-a no arco.
Harry e Hermione ergueram as varinhas; agora que tinham parado de andar, eles também ouviram um movimento próximo.
— Ah, caramba — exclamou Hagrid baixinho.
— Pensei que tínhamos avisado, Hagrid — disse uma voz grave masculina —, que você não é mais bem-vindo aqui?
O tronco nu de um homem pareceu por um momento estar flutuando em direção a eles na semi-obscuridade malhada de verde; depois, eles viram que a cintura se ligava suavemente a um corpo castanho de cavalo. Este centauro tinha um rosto soberbo de malares altos e longos cabelos negros. Como Hagrid, estava armado; trazia uma aljava cheia de flechas e um arco pendurados em seus ombros.
— Como vai, Magoriano? — cumprimentou Hagrid preocupado. As árvores atrás do centauro farfalharam, e mais quatro ou cinco centauros surgiram às suas costas. Harry reconheceu o barbudo Agouro, de corpo negro, a quem encontrara quase quatro anos antes na mesma noite em que conhecera Firenze. Agouro não demonstrou ter encontrado Harry antes.
— Então — disse com uma inflexão desagradável na voz, antes de se virar imediatamente para Magoriano. — Acho que tínhamos concordado sobre o que faríamos se este humano voltasse a mostrar a cara na Floresta...
— "Este humano" é como me chama agora? — exclamou Hagrid irritado. — Só porque impedi vocês de cometerem um assassinato?
— Você não devia ter se metido, Hagrid — disse Magoriano. — Os nossos costumes não são os seus, nem as nossas leis. Firenze nos traiu e desonrou.
— Não sei como vocês chegaram a essa conclusão — retrucou Hagrid impaciente. — Ele não fez nada além de ajudar Alvo Dumbledore.
— Firenze se tornou servo dos humanos — disse um centauro cinzento com um rosto duro e rugas profundas.
— Servo! — exclamou Hagrid sarcasticamente. — Ele está prestando um favor a Dumbledore, e é só...
— Ele está mascateando o nosso conhecimento e os nossos segredos para os humanos — disse Magoriano. — Não há como reverter uma vergonha dessas.
— Se você diz que é assim — replicou Hagrid, sacudindo os ombros —, mas pessoalmente acho que estão cometendo um grande erro...
— Tal como você, humano — disse Agouro —, voltando à nossa Floresta quando o prevenimos...
— Agora, escutem aqui — disse Hagrid zangado. — Se não se importarem, vamos falar menos em "nossa" Floresta. Não são vocês quem decidem quem entra e sai daqui...
— Nem você, tampouco — respondeu Magoriano suavemente. — Deixarei você passar hoje porque está acompanhado dos seus filhotes...
— Não são dele! — interrompeu Agouro, desdenhoso. — Estudantes, Magoriano, da escola! Provavelmente já se beneficiaram dos ensinamentos do traidor Firenze.
— Ainda assim — falou Magoriano calmamente —, a matança de crias é um crime terrível: não tocamos nos inocentes. Hoje, Hagrid, você passa. Doravante, fique longe deste lugar. Você traiu a amizade dos centauros quando ajudou o traidor Firenze a fugir.
— Não vou ser expulso da Floresta por um bando de mulas velhas como vocês! — bradou Hagrid.
— Hagrid — chamou Hermione com a voz aguda e aterrorizada, quando Agouro e o centauro cinzento começaram a patear o chão —, vamos embora, por favor, vamos!
Hagrid começou a andar, mas seu arco continuava erguido e seus olhos ameaçadoramente fixos em Magoriano.
— Nós sabemos o que você está guardando na Floresta, Hagrid! — gritou Magoriano quando os centauros desapareciam de vista. — E nossa tolerância está se esgotando!
Hagrid se virou e deu impressão de querer voltar diretamente para Magoriano.
— Vocês vão tolerá-lo enquanto ele estiver aqui, a Floresta pertence tanto a ele quanto a vocês! — berrou, enquanto Harry e Hermione o empurravam com todas as forças pela cintura, procurando impedi- lo de avançar. Ainda de cara amarrada, ele olhou para baixo; sua expressão se alterou para demonstrar surpresa ao ver os dois a empurrá-lo; parecia não ter sentido nada antes. — Se acalmem, os dois — disse, virando-se para continuar a caminhada enquanto os garotos ofegavam atrás dele. — Não passam de mulas velhas.
— Hagrid — disse Hermione sem ar, contornando o trecho das urtigas pelo qual haviam passado na ida —, se os centauros não querem humanos na Floresta, realmente parece que Harry e eu não vamos poder...
— Ah, vocês ouviram o que eles disseram — respondeu Hagrid contestando —, não machucariam filhotes, quero dizer, garotos. Em todo o caso, não podemos permitir que mandem na gente.
— Boa tentativa — murmurou Harry para Hermione, que parecia desconcertada.
Finalmente eles retomaram a trilha e uns dez minutos depois as árvores começaram a ficar mais espaçadas; já dava para ver outra vez pedaços do céu azul e, a distância, ouvir os sons inegáveis de vivas e gritos.
— Será que foi outro gol? — indagou Hagrid, parando sob o abrigo das árvores quando avistaram o campo de quadribol. — Ou vocês acham que o jogo acabou?
— Não sei — respondeu Hermione desconsolada. — Harry reparou que a amiga estava com um aspecto péssimo; os cabelos cheios de gravetos e folhas, as vestes rasgadas em vários lugares e havia numerosos arranhões em seu rosto e nos braços. Sabia que não devia estar muito melhor.
— Calculo que terminou, sabem! — disse Hagrid apertando os olhos para ver o estádio. — Olhem... já tem gente saindo... e se vocês dois se apressarem poderão se misturar aos espectadores, e ninguém vai saber que não estiveram lá!
— Boa idéia — disse Harry. — Bom... a gente se vê, então, Hagrid.
— Eu não acredito — disse Hermione com a voz muito vacilante, no momento em que se distanciaram o suficiente de Hagrid para não ser ouvidos. — Eu não acredito. Realmente não acredito.
— Calma — pediu Harry.
— Calma! — exclamou ela febril. — Um gigante! Um gigante na Floresta! E Hagrid espera que a gente dê aulas de inglês a ele! Sempre supondo, é claro, que conseguiremos passar por um rebanho de centauros assassinos para entrar e sair! Eu... não... acredito!
— Ainda não temos de fazer nada! — Harry tentou tranqüilizá-la, ao se reunirem à torrente de alunos da Lufa-Lufa, que falavam agitados voltando para o castelo. — Ele não está nos pedindo para fazer nada a não ser que seja demitido, e isso talvez não aconteça.
— Ah, pare com isso, Harry! — disse Hermione zangada, estacando subitamente e obrigando as pessoas que vinham atrás a se desviar dela. — Claro que vai ser demitido e, para ser perfeitamente sincera, depois do que acabamos de ver, quem pode culpar a Umbridge?
Houve uma pausa em que Harry a encarou com ferocidade, e os olhos dela se encheram de lágrimas.
— Você não está falando sério — disse ele em voz baixa.
— Não... bom... tudo bem... não falei — respondeu Hermione enxugando os olhos com raiva. — Por que é que ele tem de criar dificuldades para ele... para nós?
— Não sei...
Weasley é nosso rei,
Weasley é nosso rei,
Não deixou a bola entrar
Weasley é nosso rei...
— E eu gostaria que parassem de cantar essa música idiota — disse Hermione infeliz —, será que ainda não tripudiaram bastante?
Uma grande onda de estudantes vinha saindo do estádio e subia os gramados.
— Ah, vamos entrar antes que a gente dê de cara com o pessoal da Sonserina — disse Hermione.
Weasley defende qualquer bola
Nunca deixa o aro livre
É por isso que a Grifinória canta
Weasley é o nosso rei.
— Hermione... — disse Harry lentamente.
A cantoria estava aumentando, mas não vinha da multidão de alunos da Sonserina, vestida de verde e prata, mas de uma massa de vermelho e ouro que se deslocava gradualmente para o castelo, levando uma figura solitária nos ombros.
Weasley é nosso rei,
Weasley é nosso rei,
Não deixou a bola entrar
Weasley é nosso rei...
— Não! — exclamou Hermione aos sussurros.
— SIM! — falou Harry em voz alta.
— HARRY, HERMIONE! — berrou Rony, balançando a taça de prata do quadribol no ar, parecendo fora de si de felicidade. — CONSEGUIMOS! GANHAMOS!
Os dois sorriram para o amigo que passava. Houve um rolo na porta do castelo e a cabeça de Rony bateu com força na viga superior, mas ninguém parecia querer colocá-lo no chão. Ainda cantando, a multidão se comprimiu no Saguão de Entrada e desapareceu de vista. Harry e Hermione ficaram vendo os colegas se afastarem, sorrindo, até que os últimos ecos do refrão "Weasley é nosso rei" morreram ao longe. Então viraram-se um para o outro e seus sorrisos se desfizeram.
— Vamos guardar as nossas notícias para amanhã, não é? — disse Harry.
— É, certo — disse Hermione preocupada. — Não estou com a menor pressa.
Os dois subiram os degraus juntos. A porta, instintivamente se voltaram para contemplar a Floresta Proibida. Harry não teve certeza se era ou não sua imaginação, mas pensou ter visto uma pequena nuvem de pássaros irrompendo no ar por cima das árvores distantes, quase como se aquela em que se aninhavam tivesse acabado de ser arrancada pela raiz.