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Unknown
junho 05, 2014
Capítulo 5
— Ele comeu? — perguntou Fred excitado, estendendo a mão para ajudar Harry a se levantar.
— Comeu — disse Harry se endireitando. — O que era?
— Caramelo Incha-Língua — informou-lhe Fred, animado. — Foi Jorge e eu que inventamos, passamos o verão todo procurando alguém para experimentar...
A pequena cozinha explodiu de risadas; Harry olhou para os lados e viu que Rony e Jorge estavam sentados à mesa da cozinha com dois rapazes ruivos que ele nunca vira antes, embora soubesse na hora quem deviam ser: Gui e Carlinhos, os dois irmãos Weasley mais velhos.
— Como vai, Harry? — disse o que estava mais próximo, sorrindo para ele e estendendo a mão enorme, que Harry apertou sentindo calos e bolhas sob os dedos.
Tinha que ser Carlinhos, que trabalhava com dragões na Romênia. O rapaz tinha o mesmo físico dos gêmeos, mais baixo e mais forte do que Percy e Rony, que eram compridos e magros. Seu rosto era largo e bem-humorado, castigado pelo sol e tão sardento que quase parecia bronzeado; os braços eram musculosos e em um deles havia uma grande e reluzente queimadura.
Gui se levantou, sorrindo, e também apertou a mão de Harry. O rapaz foi uma surpresa. Harry sabia que ele trabalhava para o banco dos bruxos, o Gringotes, e que fora monitor-chefe em Hogwarts, e sempre imaginara que Gui fosse uma versão mais velha de Percy; preocupado com as infrações dos regulamentos e chegado a mandar em todo mundo.
No entanto, Gui era — não havia outra palavra — descolado. Alto, os cabelos compridos presos em um rabo-de-cavalo. Usava um brinco de argola com um berloque pendurado que parecia um dente canino.
Suas roupas não estariam deslocadas em um concerto de rock, exceto pelo detalhe de que as botas não eram feitas de couro de boi, mas de couro de dragão.
Antes que alguém pudesse dizer alguma coisa, ouviu-se um leve estalo e o Sr. Weasley apareceu de repente junto ao ombro de Jorge. Parecia mais zangado do que Harry jamais o vira.
— Não teve graça alguma, Fred! — gritou ele. — Que diabo foi que você deu àquele garoto trouxa?
— Eu não dei nada a ele — disse Fred, com outro sorriso malvado. — Só deixei cair um caramelo... Foi culpa dele se o apanhou e comeu, não o mandei fazer isso.
— Você deixou cair de propósito! — berrou o Sr. Weasley. — Sabia que ele ia comer, sabia que ele estava fazendo regime...
— De que tamanho ficou a língua dele? — perguntou Jorge, ansioso.
— Já estava com mais de um metro quando os pais me deixaram encolhê-la!
Harry e os Weasley caíram na gargalhada outra vez.
— Não tem graça! — gritou o Sr. Weasley. — Esse tipo de comportamento desestabiliza seriamente as relações bruxos-trouxas! Passo metade da vida fazendo campanha contra os maus-tratos aos trouxas e os meus próprios filhos...
— Não demos o caramelo a ele porque é trouxa! — disse Fred.
— Não, demos porque ele é um filho-da-mãe implicante — disse Jorge. — Não é verdade, Harry?
— É, sim, Sr. Weasley — confirmou Harry com sinceridade.
— Isto não vem ao caso! — vociferou o Sr. Weasley. — Espere até eu contar à sua mãe...
— Contar o quê? — perguntou uma voz às costas dele.
A Sra. Weasley acabara de entrar na cozinha. Era uma mulher baixa e gorducha, de rosto bondoso, embora, no momento, seus olhos estivessem apertados numa expressão de desconfiança.
— Ah, olá, Harry querido — disse ela, sorrindo, ao vê-lo. Então seus olhos se voltaram para o marido. — Contar o quê, Arthur?
O Sr. Weasley hesitou. Harry percebeu que, por mais zangado que estivesse com Fred e Jorge, ele não pretendera realmente contar a Sra. Weasley o que tinha acontecido. Fez-se silêncio, enquanto o Sr. Weasley encarava a esposa, nervoso. Então duas meninas apareceram à porta da cozinha atrás da Sra. Weasley. Uma, de cabelos castanhos muito fofos e os dentes da frente um tanto grandes, era a amiga de Harry e Rony, Hermione Granger. A outra, pequena e ruiva, era a irmã mais nova de Rony, Gina. As duas sorriram para Harry, que retribuiu o sorriso, fazendo Gina ficar escarlate — tinha um xodó por Harry desde a primeira visita dele à Toca.
— Contar o quê, Arthur? — repetiu a Sra. Weasley, num tom de voz perigoso.
— Não é nada, Molly — resmungou o marido. — Fred e Jorge... Mas eu já tive uma conversa com eles...
— Que foi que eles fizeram desta vez? — perguntou a Sra. Weasley. — Se foi alguma coisa relacionada com as "Gemialidades" Weasley...
— Por que você não mostra ao Harry aonde ele vai dormir, Rony? — sugeriu Hermione da porta.
— Ele já sabe aonde vai dormir — respondeu Rony. — No meu quarto, foi lá que dormiu da última...
— Então todos podemos ir — disse Hermione, sublinhando as palavras.
— Ah — fez Rony, entendendo. — Certo.
— É, nós também vamos — disse Jorge.
— Vocês ficam onde estão!— vociferou a Sra. Weasley.
Harry e Rony saíram de fininho da cozinha e seguiram com as meninas pelo corredor estreito, subiram a escada desconjuntada e saíram ziguezagueando pela casa até os últimos andares.
— Que são "Gemialidades" Weasley? — perguntou Harry quando subiam.
Rony e Gina riram, embora Hermione continuasse seria.
— Mamãe encontrou uma pilha de formulários de pedidos quando estava limpando o quarto de Fred e Jorge — disse Rony em voz baixa. — Listas enormes de preços de coisas que eles inventaram. Artigos para logros e brincadeiras, sabe. Varinhas de imitação, doces-surpresa, um monte de coisas.
— Genial. Eu não sabia que eles estavam inventando tanta coisa...
— Há muito tempo que ouvíamos explosões no quarto deles, mas nunca pensamos que estavam fabricando coisas — explicou Gina —, achamos que era só vontade de fazer barulho.
— Só que, a maior parte das coisas, bom, na realidade, tudo... Era meio perigoso — disse Rony — e, sabe, eles estavam planejando vender os artigos em Hogwarts para ganhar dinheiro, e mamãe ficou uma fera. Disse que eles estavam proibidos de fabricar aquelas coisas e queimou todos os formulários... Já estava furiosa mesmo porque eles não conseguiram tantos N.O.M’s quanto ela esperava.
Os N.O.M’s eram Níveis Ordinários de Magia, os exames que os alunos de Hogwarts faziam aos quinze anos.
— Depois houve uma briga danada — disse Gina —, porque mamãe queria que eles entrassem para o Ministério da Magia como papai, e os dois responderam que o que eles querem é abrir uma loja de logros e brincadeiras.
Nessa hora, uma porta se abriu no segundo patamar e um rosto com óculos de aros de tartaruga e expressão mal-humorada espiou pra fora.
— Oi, Percy — cumprimentou Harry.
— Ah, olá, Harry. Eu estava imaginando quem é que estava fazendo essa barulheira. Estou tentando trabalhar aqui dentro, sabe, tenho um relatório do escritório para terminar, e é difícil me concentrar se as pessoas não param de subir e descer fazendo as escadas reboarem.
— Não estamos fazendo as escadas reboarem — retrucou Rony irritado. — Estamos andando. Desculpe se perturbamos o trabalho secreto do Ministério da Magia.
— No que é que você está trabalhando? — perguntou Harry.
— Sei, sei, tudo bem — interrompeu-o Rony e recomeçou a subir as escadas.
Percy bateu a porta do quarto. Quando Harry, Hermione e Gina iam começar a acompanhar Rony na subida de mais três lances de escada, ouviram os ecos dos gritos na cozinha. Pelo jeito o Sr. Weasley contara a Sra. Weasley sobre os caramelos.
O quarto em que Rony dormia, no último andar da casa, conservava a mesma aparência da última vez que Harry viera passar dias com o amigo; os mesmos pôsteres do time favorito de Quadribol de Rony, os Chudley Cannons, em que os jogadores acenavam das paredes e do teto inclinado, o aquário no peitoril da janela que anteriormente abrigara ovas de rã agora continha um enorme sapo.
O velho rato de Rony, Perebas, não morava mais ali, em seu lugar havia a coruja minúscula que entregara a carta de Rony na Rua dos Alfeneiros. Saltitava numa gaiolinha, piando feito louca.
— Cala a boca, Píchi — disse Rony, manobrando para passar entre duas das quatro camas que haviam sido espremidas no quarto.
— Fred e Jorge estão aqui conosco, porque Gui e Carlinhos ficaram com o quarto dos dois — disse Rony a Harry. — Percy conseguiu ficar com o quarto só para ele porque tem que trabalhar.
— Hum... Por que é que você chama essa coruja de Píchi? — perguntou Harry a Rony.
— Porque Rony está sendo idiota — disse Gina. — O nome todo é Pichitinho.
— É, e isso não é um nome nem um pouco idiota — comentou Rony sarcasticamente.
— Foi Gina que o batizou — explicou a Harry. — Ela acha que é um nome bonitinho. Tentei mudar, mas já era tarde demais, ele não responde a nenhum outro. Então ficou Píchi. Tenho que trancar ele aqui porque vive chateando o Errol e o Hermes. Pensando bem, chateia a mim também.
Pichitinho voava alegremente pela gaiola, piando em tom agudo. Harry conhecia Rony muito bem para levá-lo a sério. Tinha reclamado o tempo todo do seu velho rato Perebas, mas ficara aborrecidíssimo quando pareceu que o gato de Hermione, Bichento, o comera.
— Por onde anda o Bichento? — perguntou Harry a Hermione nessa hora.
— No jardim, espero. Ele gosta de caçar gnomos, nunca tinha visto nenhum.
— Então o Percy está gostando do trabalho? — perguntou Harry se sentando em uma das camas e se pondo a observar os Chudley Cannons entrando e saindo velozes dos pôsteres no teto.
— Gostando? — disse Rony misterioso. — Acho que nem voltaria para casa se papai não obrigasse. Está obcecado. Nem puxe conversa sobre o chefe dele. O Sr. Crouch diz... Como eu ia dizendo ao Sr. Crouch... O Sr. Crouch é de opinião... O Sr. Crouch esteve me dizendo... Qualquer dia desses vão anunciar o noivado dos dois.
— Como foi o seu verão, Harry, bom? — perguntou Hermione.
— Recebeu os pacotes de comida que mandamos e tudo o mais?
— Recebi, muito obrigado. Salvaram minha vida, aqueles bolos.
— E você teve notícias de...? — Rony começou, mas a um olhar de Hermione calou a boca. Harry sabia que Rony ia perguntar por Sirius. Rony e Hermione tinham participado tão intensamente da fuga de Sirius do Ministério da Magia que estavam quase tão preocupados com o padrinho de Harry quanto o garoto.
Porém, falar dele na frente de Gina não era uma boa idéia. Ninguém a não ser eles e o Professor Dumbledore sabiam como o padrinho de Harry havia fugido ou acreditavam em sua inocência.
— Acho que eles pararam de discutir — disse Hermione, para disfarçar o momento de constrangimento, porque Gina olhava com curiosidade de Rony para Harry. — Vamos descer e ajudar sua mãe com o jantar?
— Tudo bem — disse Rony. Os quatro tornaram a descer e encontraram a Sra. Weasley sozinha na cozinha, parecendo extremamente mal-humorada.
— Vamos comer no jardim — disse ela quando os garotos entraram. — Não há lugar para onze pessoas aqui dentro. Podem levar os pratos para fora, meninas? Gui e Carlinhos estão armando as mesas. Facas e garfos, por favor, vocês dois — disse ela a Rony e Harry, e apontou a varinha com um pouco mais de força do que pretendera para um monte de batatas na pia, que saíram da casca demasiado depressa e acabaram ricocheteando nas paredes e nos tetos.
— Ah, pelo amor de Deus! —, exclamou ela, agora apontando a varinha para uma pá, que saltou de lado e começou a patinar pelo piso, recolhendo as batatas. — Aqueles dois! —, explodiu ela furiosa, agora tirando tachos e panelas de um armário, e Harry entendeu que ela estava se referindo a Fred e Jorge. — Não sei o que vai ser deles, realmente não sei. Não têm ambição, a não ser que se leve em conta toda confusão que são capazes de aprontar...
Ela bateu com uma grande caçarola de cobre na mesa da cozinha e começou a agitar a mão para os lados. Um molho cremoso foi escorrendo da ponta da varinha à medida que ela mexia.
— Não é que não tenham inteligência — continuou ela irritada, levando a caçarola para o fogão e acendendo-o com um toque da varinha —, mas estão desperdiçando a que têm e, a não ser que tomem jeito depressa, vão se meter em apuros. Já recebi mais corujas de Hogwarts a respeito dos dois do que de todos os outros juntos. Se continuarem assim, vão terminar tendo que comparecer a Seção de Controle do Uso Indevido da Magia.
A Sra. Weasley apontou a varinha para a gaveta de talheres, que se abriu com violência. Harry e Rony saltaram para o lado ao ver várias facas saírem voando, atravessarem a cozinha e começarem a cortar as batatas que tinham acabado de ser devolvidas à pia pela pá.
— Não sei onde foi que erramos com os gêmeos — disse a Sra. Weasley descansando a varinha e recomeçando a tirar mais caçarolas do armário. — Tem sido sempre assim há anos, uma coisa atrás da outra, e eles não dão ouvidos... AH, OUTRA VEZ, NÃO!
Ela apanhara a varinha da mesa, e a coisa emitira um guincho alto e se transformara em um enorme camundongo de borracha.
— Mais uma varinha falsa fabricada por eles! — gritou ela. — Quantas vezes já disse aos dois para não deixarem essas coisas largadas por aí?
Ela agarrou a própria varinha, e quando se virou descobriu que o molho no fogão estava soltando fumaça.
— Vamos — disse Rony depressa a Harry, enfiando a mão na gaveta e tirando uma mão cheia de talheres —, vamos ajudar o Gui e o Carlinhos.
Eles deixaram a Sra. Weasley e saíram pela porta dos fundos em direção ao quintal. Tinham dado apenas alguns passos quando o gato de Hermione, de pêlo amarelo e pernas arqueadas, saiu saltando do jardim, o rabo de escova de limpar garrafas esticado no ar, caçando alguma coisa que parecia uma batata com pernas, suja de terra.
Harry reconheceu-a instantaneamente, era um gnomo. Mal chegava aos vinte e cinco centímetros de altura, os pezinhos cascudos batendo célere no chão ao atravessar o quintal e mergulhar de cabeça em uma das botas espalhadas à porta da casa. Harry ouviu o gnomo se acabar de rir quando Bichento enfiou a pata na bota, tentando alcançá-lo. Entrementes, ouvia-se um estrépito de coisas que batiam do outro lado da casa. A origem do barulho surgiu quando eles entraram no jardim e viram Gui e Carlinhos, de varinhas em punho, fazendo duas mesas velhas voarem alto pelo gramado e colidirem, cada qual tentando derrubar a outra no chão. Fred e Jorge aplaudiam; Gina ria e Hermione estava parada junto à sebe, pelo jeito dividida entre o riso e a aflição.
A mesa de Gui bateu na de Carlinhos com estrondo e perdeu uma das pernas. Eles ouviram um barulho no alto, todos ergueram os olhos e viram a cabeça de Percy aparecer à janela do segundo andar.
— Dá para vocês maneirarem? — berrou ele.
— Desculpe, Percy — disse Gui rindo. — Como é que vão os fundos dos caldeirões?
— Muito mal — disse Percy irritado e tornou a fechar a janela com uma pancada.
Rindo, Gui e Carlinhos devolveram as mesas em segurança ao chão, juntaram-nas pelas extremidades e, então, com um golpe de varinha, Gui colou de volta a perna da mesa e conjurou toalhas do nada.
Às sete horas, as duas mesas rangiam sob o peso de travessas e mais travessas da excelente comida da Sra. Weasley, e os nove Weasley, Harry e Hermione se sentaram para jantar sob um céu azul escuro e limpo. Para alguém que andara sobrevivendo com refeições de bolos cada vez mais secos o verão inteiro, aquilo era o paraíso e, no primeiro momento, Harry escutou mais do que falou, se servindo de empadão de galinha e presunto, batatas cozidas e salada.
Na ponta da mesa, Percy contava ao pai todos os detalhes do seu relatório sobre os fundos dos caldeirões.
— Eu prometi ao Sr. Crouch que aprontaria o relatório até terça-feira — dizia Percy pomposo. — É um pouco mais cedo do que ele pediu, mas gosto de estar um passo à frente. Acho que ele ficará agradecido por eu ter terminado em menos tempo. Quero dizer, há muito trabalho em nosso departamento neste momento, com todas as providências para a Copa Mundial. Não estamos recebendo a colaboração necessária do Departamento de Jogos e Esportes Mágicos. Ludo Bagman...
— Eu gosto do Ludo — disse o Sr. Weasley em tom ameno. — Foi ele que nos arranjou aqueles excelentes lugares para a Copa. Fiz um favorzinho a ele: o irmão, Otto, se meteu em uma pequena confusão, um cortador de grama com poderes fora do comum, eu acertei o problema.
— Ah, Bagman é uma pessoa agradável, é claro — disse Percy fugindo à questão —, mas como conseguiu ser chefe do departamento... Quando o comparo ao Sr. Crouch! Não posso imaginar o Sr. Crouch perdendo um funcionário do departamento sem tentar descartar Berta Jorkins que está desaparecida há mais de um mês? Saiu de férias para a Albânia e nunca mais voltou?
— Verdade, indaguei ao Ludo sobre isso — respondeu o Sr. Weasley enrugando a testa. — Ele me disse que Berta já se perdeu uma porção de vezes antes, embora eu deva dizer que se fosse alguém no meu departamento eu ficaria preocupado...
— Ah, a Berta não toma jeito, é verdade — falou Percy. — Ouvi dizer que ela é empurrada de departamento para departamento há anos, dá mais trabalho do que trabalha... Mas, mesmo assim, Bagman devia estar tentando encontrá-la. O Sr. Crouch tem demonstrado interesse pessoal, sabe, ela chegou a trabalhar no nosso departamento e acho que o Sr. Crouch gostava bastante dela, mas Bagman fica rindo e dizendo que ela provavelmente leu mal o mapa e em vez da Austrália acabou na Albânia. Contudo — Percy deixou escapar um imponente suspiro, e tomou um bom gole do vinho de flor de sabugueiro —, já temos muito com o que nos preocupar no Departamento de Cooperação Internacional em Magia sem ficar tentando achar funcionários de outros departamentos. Como o senhor sabe, já temos outro grande evento para organizar logo depois da Copa.
Ele pigarreou cheio de importância e olhou para a ponta da mesa em que Harry, Rony e Hermione estavam sentados.
— O senhor sabe do que estou falando, papai. — E ergueu ligeiramente a voz. — O evento secreto.
Rony girou os olhos para o alto, e murmurou para Harry e Hermione:
— Ele está tentando fazer a gente perguntar que evento é esse desde que começou a trabalhar. Provavelmente uma exposição de caldeirões com fundo grosso.
No centro da mesa, a Sra. Weasley discutia com Gui por causa do brinco, que aparentemente era uma aquisição recente.
—... Com um canino horroroso pendurado, francamente Gui, que é que eles dizem lá no banco?
— Mamãe, ninguém lá no banco liga a mínima para a roupa que eu uso desde que eu traga muito ouro para eles — disse Gui pacientemente.
— E seus cabelos estão sem corte, querido — disse a Sra. Weasley passando os dedos, carinhosamente, pelos cabelos do filho. — Gostaria que você me deixasse aparar...
— Eu gosto deles assim — disse Gina, que estava sentada ao lado de Gui. — Você é tão antiquada, mamãe. Mesmo desse tamanho, eles não chegam nem perto do comprimento dos cabelos do Professor Dumbledore...
Ao lado da Sra. Weasley, Fred, Jorge e Carlinhos discutiam animadamente a Copa Mundial.
— Vai ser da Irlanda — disse Carlinhos com a voz enrolada por causa das batatas que lhe enchiam a boca. — Eles acabaram com o Peru nas semifinais.
— Mas a Bulgária tem o Vítor Krum — comentou Fred.
— O Krum é apenas um jogador decente, a Irlanda tem sete — cortou Carlinhos. — Mas eu gostaria que a Inglaterra tivesse passado para as finais. Foi um vexame, ah, foi.
— Que aconteceu? — perguntou Harry pressuroso, lamentando mais do que nunca o seu alheamento do mundo mágico quando ficava atolado na Rua dos Alfeneiros. Harry era apaixonado por Quadribol.
Jogava como apanhador no time da Grifinória desde o primeiro ano em Hogwarts e era dono de uma Firebolt, uma das melhores vassouras de corrida do mundo.
— Perdeu para a Transilvânia, por trezentos e noventa a dez — disse Carlinhos sombriamente. — Um desempenho sinistro. E Gales perdeu para Uganda, e a Escócia foi massacrada por Luxemburgo.
O Sr. Weasley conjurou velas para clarear o jardim antes de comerem a sobremesa (sorvete de morango feito em casa), e na altura em que o jantar terminou, as mariposas voavam baixo sobre a mesa e o ar morno estava perfumado com o aroma de relva e madressilvas.
Harry se sentia muitíssimo bem alimentado e em paz com o mundo, e observava vários gnomos saltarem por dentro das roseiras, rindo como loucos, perseguidos de perto por Bichento.
Rony correu os olhos, cauteloso, pela mesa, verificando se o resto da família estava entretida conversando, depois perguntou baixinho a Harry:
— Então... Tem tido notícias de Sirius ultimamente?
Hermione olhou para os lados, apurando os ouvidos.
— Tenho — disse Harry baixinho —, duas vezes. Tenho a impressão de que está bem. Escrevi para ele anteontem. Talvez receba resposta enquanto estou aqui.
De repente ele se lembrou do motivo por que escrevera a Sirius e, por um instante, esteve prestes a contar aos dois amigos que a cicatriz voltara a doer e que um sonho o acordara... Mas na realidade não queria preocupá-los naquele momento, não quando ele próprio estava se sentindo tão feliz e tranqüilo.
— Gente, olhe as horas! — exclamou subitamente a Sra. Weasley, consultando o relógio de pulso. — Vocês deviam estar na cama, todos vocês, vão ter que acordar quase de madrugada para ir à Copa. Harry, se você deixar a sua lista de material escolar, eu compro tudo para você amanhã, no Beco Diagonal. Vou comprar o dos meus meninos. Talvez não haja tempo depois da Copa Mundial, da última vez o jogo durou cinco dias.
— Uau... Espero que aconteça o mesmo desta vez! — exclamou Harry entusiasmado.
— Eu espero que não — disse Percy, virtuosamente. — Estremeço só de pensar no estado da minha caixa de entrada se eu me ausentar cinco dias do trabalho.
— Um, alguém poderia deixar bosta de dragão nela outra vez, hein, Percy? — comentou Fred.
— Aquilo foi uma amostra de fertilizante da Noruega! — protestou Percy, corando. Não foi nada contra mim.
— Foi sim — cochichou Fred para Harry, quando eles se levantavam da mesa. — Fomos nós que mandamos.