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junho 05, 2014
Capítulo 15
Ele se levantou e se vestiu à luz fraca do amanhecer, saiu do dormitório sem acordar Rony e desceu para o salão comunal, àquela hora deserto. Ali apanhou um pedaço de pergaminho na mesa em cima da qual ainda se achava o dever de Adivinhação e escreveu a seguinte carta:
“Caro Sirius,
Acho que imaginei a dor na minha cicatriz, eu estava quase dormindo quando lhe escrevi a última carta. Você não precisa voltar, vai tudo bem aqui. Não se preocupe comigo, sinto a cabeça completamente normal.
Harry”.
Depois, Harry passou pelo buraco do retrato, subiu as escadas do castelo silencioso (só foi detido brevemente por Pirraça, que tentou virar um enorme vaso em cima dele no meio do corredor do quarto andar) e finalmente chegou ao corujal, que ficava no alto da Torre Oeste.
O corujal era uma sala circular revestida de pedra; um tanto fria e varrida por correntes de vento, porque nenhuma das janelas tinha vidro. O chão era coberto de palha, titica de coruja e esqueletos de ratos e arganazes que as corujas regurgitavam. Centenas e mais centenas de corujas de todas as espécies imagináveis estavam aninhadas ali em poleiros que subiam até o alto da torre, quase todas adormecidas, embora aqui e ali um redondo olho cor de âmbar olhasse feio para o garoto.
Harry localizou Edwiges aninhada entre uma coruja-das-torres e uma coruja castanho-amarelada, e correu para ela, escorregando um pouco no chão coberto de excremento.
Levou um certo tempo para convencê-la a acordar e olhar para ele porque sua coruja não parava de mudar de lugar no poleiro, virando-lhe o rabo.
Evidentemente continuava furiosa com a falta de gratidão que ele demonstrara na noite anterior. Por fim, foi a insinuação de Harry que ela poderia estar demasiado cansada e que talvez ele pedisse Pichitinho emprestado a Rony que a fez esticar a perna e permitir ao dono amarrar nela a carta.
— Ache ele, está bem? — pediu Harry, alisando o dorso de Edwiges enquanto a levava no braço até uma das aberturas na parede. — Antes que os dementadores façam isso.
Ela lhe deu uma mordidela no dedo, talvez com mais força do que normalmente teria feito, mas, mesmo assim, piou baixinho de uma maneira que o deixou tranqüilo. Em seguida abriu as asas e levantou vôo para o céu do amanhecer. Harry observou-a desaparecer de vista com a conhecida sensação de mal-estar no estômago. Antes tivera tanta certeza de que a resposta de Sirius aliviaria suas preocupações em vez de aumentá-las.
— Isso foi uma mentira, Harry — falou Hermione com severidade ao café da manhã, quando o garoto contou a ela e a Rony o que fizera. — Você não imaginou que sua cicatriz estava doendo e sabe muito bem disso.
— E daí? — retrucou Harry. — Ele não vai voltar para Azkaban por minha causa.
— Esquece — disse Rony com aspereza a Hermione, quando ela abriu a boca para continuar a discussão e, uma vez na vida, a garota atendeu ao amigo e se calou.
Harry fez o que pôde para não se preocupar com Sirius nas semanas seguintes. É verdade que não conseguia deixar de olhar para os lados, ansiosamente, toda manhã quando as corujas chegavam trazendo o correio e tarde da noite antes de dormir, tinha horríveis visões em que Sirius era encurralado pelos dementadores em alguma rua escura de Londres. Mas entre um momento e outro, ele tentava não pensar no padrinho. Desejou que ainda tivesse o Quadribol para distraí-lo, nada dava tão certo para uma cabeça preocupada quanto um treino exaustivo. Por outro lado, as aulas estavam se tornando cada vez mais difíceis e exigindo que se esforçasse mais do que nunca, principalmente a de Defesa contra as Artes das Trevas.
Para surpresa dos alunos, o Professor Moody anunciara que ia lançar a Maldição Imperius sobre cada um deles, a fim de demonstrar o seu poder e verificar se conseguiam resistir aos seus efeitos.
— Mas... Se o senhor disse que é ilegal, professor — perguntou Hermione incerta, quando Moody afastou as carteiras com um movimento amplo da varinha, deixando uma clareira no meio da sala. — O senhor disse... Que usá-la contra outro ser humano era...
— Dumbledore quer que vocês aprendam qual é o efeito que ela produz em uma pessoa — disse Moody, o olho mágico girando para a garota e se fixando nela sem piscar, com uma expressão misteriosa. — Se a senhorita preferir aprender pelo método difícil... Quando alguém a lançar contra a senhorita para controlá-la... Para mim está bem. A senhorita está dispensada da aula. Pode se retirar.
Ele apontou um dedo nodoso para a porta. Hermione ficou muito vermelha e murmurou alguma coisa no sentido de que a pergunta não significava que ela quisesse sair. Harry e Rony sorriram um para o outro. Eles sabiam que Hermione preferia beber pus de bubotúberas do que perder uma lição daquela importância.
O professor começou a chamar os alunos à frente e a lançar a maldição sobre eles, um de cada vez. Harry observou os colegas fazerem as coisas mais extraordinárias sob a influência da Imperius. Dino Thomas deu três voltas pela sala aos saltos, cantando o hino nacional. Lilá Brown imitou um esquilo. Neville executou uma série de acrobacias surpreendentes, que ele certamente não teria conseguido em condições normais. Nenhum deles parecia ser capaz de resistir à maldição, e cada um só voltava ao normal quando Moody a desfazia.
— Potter — rosnou Moody —, você é o próximo.
O garoto se adiantou até o meio da sala, no espaço que Moody deixara livre. O professor ergueu a varinha, apontou-a para Harry e disse:
— Império.
Foi uma sensação maravilhosa. Harry sentiu que flutuava e todos os pensamentos e preocupações em sua mente desapareceram suavemente, deixando apenas uma felicidade vaga e inexplicável. Ele ficou ali extremamente relaxado, vagamente consciente de que todos o observavam.
Então, ouviu a voz de Olho-Tonto Moody ecoar em uma célula distante do seu cérebro vazio: Salte para cima da carteira... Salte para cima da carteira...
Harry dobrou os joelhos obedientemente, preparando-se para saltar.
Salte para cima da carteira...
Mas por quê? Outra voz despertara no fundo de sua mente. Que coisa boba para alguém fazer, francamente, disse a voz.
Salte para cima da carteira...
Não, acho que não, obrigado, disse a segunda voz, com mais firmeza... Não, não quero...
Salte! AGORA!
A próxima coisa que Harry sentiu foi uma imensa dor. Ele saltou e tentou não saltar ao mesmo tempo, o resultado foi se estatelar em cima de uma carteira, derrubando-a, e, pela dor que sentiu nas pernas, fraturar as duas rótulas.
— Agora está melhor! — rosnou a voz de Moody e, de repente, Harry percebeu que a sensação de vazio e os ecos tinham desaparecido de sua mente.
Lembrou-se com exatidão do que estava acontecendo e a dor nos joelhos pareceu dobrar de intensidade.
— Olhem só isso, vocês todos... Potter resistiu! Lutou contra a maldição e quase a venceu! Vamos experimentar de novo, Potter, e vocês prestem atenção, observem os olhos dele, é onde vocês vão ver, muito bem, Potter, muito bem mesmo! Eles vão ter trabalho para controlar você!
— Pelo jeito que ele fala — resmungou Harry, ao sair mancando da aula de Defesa contra as Artes das Trevas, uma hora depois (Moody insistira que Harry mostrasse do que era capaz, quatro vezes seguidas, até o garoto conseguir resistir inteiramente à maldição) —, a gente poderia pensar que vai ser atacado a qualquer momento.
— É, eu sei — respondeu Rony, que estava saltitando, um passo sim outro não.
Tivera muito mais dificuldade com a maldição do que Harry, embora Moody lhe garantisse que os efeitos passariam até a hora do almoço. — Falando em paranóia... — Rony espiou nervosamente por cima do ombro para verificar se estavam mesmo fora do campo de audição de Moody, e continuou: — Não me admira que tenham ficado contentes em se livrar dele no Ministério. Você ouviu quando ele contou ao Simas o que fez com a bruxa que gritou "buu" atrás dele, no dia primeiro de abril? E quando é que a gente vai ter como resistir à Maldição Imperius com todo o resto que tem para fazer?
Todos os alunos do quarto ano haviam notado que decididamente houvera um aumento na quantidade de deveres exigida deles neste trimestre. A Professora Minerva explicou o porquê, quando a turma gemeu particularmente alto à vista do dever de Transformação que ela passava.
— Vocês agora estão entrando numa fase importantíssima da sua educação em magia! — disse ela, os olhos faiscando perigosamente por trás dos óculos quadrados. — O exame para obter os Níveis Ordinários de Magia estão se aproximando...
— Mas não vamos fazer exames de nivelamento até a quinta série! — exclamou Dino Thomas indignado.
— Talvez não, Thomas, mas, me acredite, vocês precisam de toda a preparação que puderem obter! A Srta. Granger foi a única aluna desta turma que conseguiu transformar um porco-espinho em uma almofadinha de alfinetes razoável. Eu talvez possa lhe lembrar, Thomas, que a sua almofadinha ainda se encolhe de medo quando alguém se aproxima dela com um alfinete!
Hermione, que tornara a corar, parecia estar fazendo um esforço para não parecer cheia de si demais.
Harry e Rony acharam muita graça quando a Professora Trelawney lhes disse que tinham tirado a nota máxima no dever da aula anterior de Adivinhação. Ela leu longos trechos das predições que eles fizeram, comentando a impassível aceitação dos horrores que os aguardavam, mas os garotos não acharam tanta graça quando ela pediu que fizessem outra projeção para dali a dois meses: eles tinham quase esgotado as idéias para catástrofes.
Entrementes, o Professor Binns, o fantasma que ensinava História da Magia, mandou-os escrever ensaios semanais sobre a Revolta dos Duendes no século XVIII. O Professor Snape estava obrigando-os a pesquisar antídotos. A turma levou o dever a sério, porque ele insinuou que talvez envenenasse um deles antes do Natal para ver se o antídoto que encontrassem faria efeito. O Professor Flitwick lhes pedira que lessem mais três livros, em preparação para a aula de Feitiços Convocatórios.
E até Hagrid aumentara a carga de trabalho de seus alunos. Os explosivins estavam crescendo em um ritmo excepcional, dado que ninguém ainda descobrira o que comiam. Hagrid estava encantado e, como parte da "pesquisa", sugeriu que fossem à sua cabana em noites alternadas para observar os bichos e tomar notas sobre o seu extraordinário comportamento.
— Eu não vou — disse Draco Malfoy com indiferença, quando o professor fez essa proposta com ar de Papai Noel tirando um brinquedo muito vistoso do saco. — Já vejo o bastante dessas nojeiras durante as aulas, obrigado.
O sorriso desapareceu do rosto de Hagrid.
— Você vai fazer o que mando — rosnou ele — ou vou seguir o exemplo do Professor Moody... Ouvi falar que você ficou muito bem de doninha, Malfoy.
Os alunos da Grifinória deram grandes gargalhadas. Malfoy enrubesceu de raiva, mas pelo visto, a lembrança do castigo de Moody ainda era suficientemente dolorosa para impedi-lo de responder.
Harry, Rony e Hermione voltaram para o castelo no fim da aula, muito animados, ver Hagrid desmoralizar Malfoy era particularmente gostoso porque, no ano anterior, o garoto se esforçara o máximo para fazer com que Hagrid fosse despedido.
Quando chegaram ao saguão de entrada, viram-se impedidos de prosseguir pela aglomeração de alunos que havia ali, em torno de um grande aviso afixado ao pé da escadaria de mármore. Rony, o mais alto dos três, ficou nas pontas dos pés para ver por cima das cabeças à sua frente e ler o aviso em voz alta para os outros dois.
TORNEIO TRIBRUXO
As delegações de Beauxbatons e Durmstrang chegarão às seis horas, sexta-feira, 30 de outubro. As aulas terminarão uma hora antes...
— Genial! — exclamou Harry. — É Poções a última aula de sexta-feira! Snape não terá tempo de envenenar todos nós!
Os alunos deverão guardar as mochilas e livros em seus dormitórios e se reunir na entrada do castelo para receber os nossos hóspedes antes da Festa de Boas-Vindas.
— É daqui a uma semana! — exclamou Ernesto MacMillan da Lufa-Lufa, saindo da aglomeração, os olhos brilhando. — Será que o Cedrico sabe? Acho que vou avisar a ele...
— Cedrico? — repetiu Rony sem entender, enquanto Ernesto saía apressado.
— Diggory — disse Harry. — Ele deve estar inscrito no torneio.
— Aquele idiota, campeão de Hogwarts? — disse Rony, quando abriam caminho pelo ajuntamento de alunos para chegar à escadaria.
— Ele não é idiota, você simplesmente não gosta dele porque ele derrotou a Grifinória no Quadribol — disse Hermione. — Ouvi falar que é realmente um bom aluno, e é monitor!
Ela falou isso como se encerrasse a questão.
— Você só gosta dele porque ele é bonito — respondeu Rony com desdém.
— Perdão, eu não gosto de pessoas só porque são bonitas! — retrucou Hermione indignada.
Rony fingiu que pigarreava alto, um som que estranhamente lembrava "Lockhart!". A afixação do aviso no saguão de entrada teve um efeito sensível nos moradores do castelo.
Durante a semana seguinte, parecia haver um assunto nas conversas, onde quer que Harry fosse: o Torneio Tribruxo. Os boatos voavam de um aluno para outro como um germe excepcionalmente contagioso: quem ia tentar ser o campeão de Hogwarts, que é que o torneio exigia, e em que os alunos de Beauxbatons e Durmstrang se diferenciavam deles.
Harry notou, também, que o castelo estava sofrendo uma faxina mais do que rigorosa. Vários retratos encardidos tinham sido escovados para descontentamento dos retratados, que se sentavam encolhidos nas molduras, resmungando sombriamente e fazendo caretas ao apalpar os rostos vermelhos.
As armaduras de repente brilhavam e mexiam sem ranger e Argo Filch, o zelador, estava agindo com tanta agressividade com os alunos que se esquecessem de limpar os sapatos que aterrorizou duas garotas do primeiro ano levando-as à histeria. Outros funcionários também pareciam estranhamente tensos.
— Longbottom, tenha a bondade de não revelar que você não consegue sequer lançar um simples Feitiço de Troca diante de alguém de Durmstrang! — vociferou a Professora Minerva ao fim de uma aula particularmente difícil, em que Neville acidentalmente transplantara as próprias orelhas para um cacto.
Quando eles desceram para o café na manhã do dia 30 de outubro, descobriram que o Salão Principal fora ornamentado durante a noite. Grandes bandeiras de seda pendiam das paredes, cada uma representando uma casa de Hogwarts. A vermelha com um leão dourado da Grifinória, a azul com uma águia de bronze da Corvinal, a amarela com um texugo negro da Lufa-Lufa e a verde com uma serpente de prata da Sonserina. Por trás da mesa dos professores, a maior bandeira de todas tinha o brasão de Hogwarts: leão, águia, texugo e serpente unidos em torno de uma grande letra "H".
Harry, Rony e Hermione viram Fred e Jorge à mesa da Grifinória. Mais uma vez, e muito anormalmente, os dois estavam sentados à parte dos demais e conversavam em voz baixa. Rony se encaminhou para os dois.
— É chato, sim — dizia Jorge sombriamente a Fred. — Mas se ele não quer falar conosco pessoalmente, temos que lhe mandar uma carta. Ou enfiá-la na mão dele, ele não pode ficar nos evitando para sempre.
— Quem é que está evitando vocês? — perguntou Rony, sentando-se ao lado deles.
— Gostaria que fosse você — disse Fred, mostrando-se irritado com a interrupção.
— Que é que é chato? — perguntou Rony a Jorge.
— Ter um babaca metido feito você como irmão — disse Jorge.
— Vocês já tiveram alguma idéia para o Torneio Tribruxo? — perguntou Harry. — Continuaram pensando como vão tentar se inscrever?
— Perguntei a McGonagall como é que os campeões são escolhidos, mas ela não quis dizer — respondeu Jorge com amargura. — Só me disse para calar a boca e continuar transformando o meu guaxinim.
— Fico imaginando quais vão ser as tarefas — disse Rony pensativo. — Sabe, aposto que poderíamos dar conta, Harry e eu já fizemos coisas perigosas antes...
— Não na frente de uma banca de juizes, isso vocês não fizeram — disse Fred. — McGonagall disse que os campeões recebem pontos pela perfeição com que executam as tarefas.
— Quem são os juizes? — perguntou Harry.
— Bem, os diretores das escolas participantes sempre fazem parte da banca — disse Hermione e todos a olharam surpresos —, porque os três ficaram feridos durante o torneio de 1792, quando um basilisco que os campeões deviam capturar saiu destruindo tudo.
Ela notou que todos a olhavam e disse, com o seu costumeiro ar de impaciência quando via que ninguém mais lera os mesmos livros que ela:
— Está tudo em Hogwarts: Uma História. Embora, é claro, esse livro não seja cem por cento confiável. “Uma história Revista de Hogwarts” seria um título mais preciso. Ou, então, “Uma História Seletiva e Muito Parcial de Hogwarts”, que aborda brevemente os aspectos mais desfavoráveis da escola.
— Do que é que você está falando? — perguntou Rony, embora Harry soubesse o que vinha pela frente.
— Elfos domésticos!— disse Hermione em voz alta, comprovando que Harry acertara. — Nem uma vez, em mais de mil páginas, Hogwarts: Uma História menciona que somos todos coniventes na opressão de centenas de escravos!
Harry sacudiu a cabeça e se concentrou nos ovos mexidos. A falta de entusiasmo dele e de Rony não conseguiu refrear a decisão de Hermione de obter justiça para os elfos domésticos. Era verdade que os dois tinham pago os dois sicles pelo distintivo do F.A.L.E., mas só o tinham feito para fazê-la calar-se.
Os sicles, no entanto, tinham sido gastos em vão, se produziram algum efeito foi o de tornar Hermione ainda mais vociferante. A garota andava atormentando os dois desde então, primeiro para usarem o distintivo, depois para persuadirem outros a fazer o mesmo, e ela também passara a caminhar pela sala comunal da Grifinória todas as noites, encostando os colegas na parede e sacudindo a latinha de coleta debaixo do nariz deles.
— Vocês têm consciência de que os seus lençóis são trocados, as lareiras, acesas, as salas de aula limpas e a comida preparada por um grupo de criaturas mágicas que não recebem salário e são escravizadas? — ela não parava de lembrar a todos com veemência.
Alguns colegas, como Neville, tinham pago só para Hermione parar de fazer cara feia para eles. Alguns pareceram ligeiramente interessados no que a garota tinha a dizer, mas relutavam em assumir um papel mais ativo no movimento. Muitos encaravam a coisa toda como piada.
Rony agora contemplou o teto, que banhava a todos com um sol de outono e Fred fingiu-se extremamente interessado no bacon que havia em seu prato (os gêmeos tinham se recusado a comprar um distintivo do F.A.L.E.). Jorge, no entanto, chegou para mais perto de Hermione.
— Escuta aqui, Mione, você já foi à cozinha?
— Não, claro que não — respondeu a garota secamente. — Nem posso imaginar que os alunos devam...
— Bom, nós já fomos — disse Jorge, indicando Fred — várias vezes para afanar comida. E encontramos os elfos e eles estão felizes. Acham que têm o melhor emprego do mundo...
— É porque eles não têm instrução e sofrem lavagem cerebral! — começou Hermione acaloradamente, mas suas palavras seguintes foram abafadas pelo ruído de asas que vinha do alto anunciando a chegada das corujas com o correio.
Harry ergueu os olhos e, na mesma hora, avistou Edwiges que voava em sua direção. Hermione parou de falar abruptamente; ela e Rony observaram a coruja, ansiosos, enquanto a ave batia as asas rapidamente para descer e pousar no ombro de Harry, depois fechou-as e estendeu a perna, cansada.
Harry desamarrou a resposta de Sirius e ofereceu a Edwiges suas aparas de bacon, que ela comeu, grata. Então, verificando que Fred e Jorge estavam absortos em novas discussões sobre o Torneio Tribruxo, Harry leu a carta de Sirius, aos cochichos, para Rony e Hermione.
“Não me convenceu, Harry.
Estou de volta ao país e bem escondido. Quero que me mantenha informado de tudo que estiver acontecendo em Hogwarts. Não use Edwiges, troque de corujas e não se preocupe comigo, cuide-se. Não se esqueça do que lhe disse sobre a cicatriz.
Sirius”.
— Por que é que você precisa trocar de corujas? — perguntou Rony em voz baixa.
— Edwiges chamará muita atenção — respondeu Hermione na mesma hora. — Ela se destaca. Uma coruja muito branca que fica voltando para o lugar em que ele está escondido... Quero dizer, ela não é um pássaro nativo, não é mesmo?
Harry enrolou a carta e guardou-a dentro das vestes, se perguntando se estaria se sentindo mais ou menos preocupado do que antes. Supunha que o fato de Sirius ter conseguido voltar sem ser apanhado já era muito. Tampouco podia negar que a idéia de que seu padrinho estava muito mais próximo era reconfortante, pelo menos não teria que esperar tanto por uma resposta todas as vezes que lhe escrevesse.
— Obrigado, Edwiges — disse, acariciando-a. Ela piou sonolenta, meteu o bico rapidamente no cálice de suco de laranja do garoto, depois tornou a levantar vôo, visivelmente desesperada para tirar um longo sono no corujal.
Havia uma sensação de agradável expectativa no ar aquele dia. Ninguém prestou muita atenção às aulas, pois estavam bem mais interessados na chegada das comitivas de Beauxbatons e Durmstrang à noite, até Poções foi mais tolerável do que de costume, porque durou meia hora a menos. Quando a sineta tocou mais cedo, Harry, Rony e Hermione subiram depressa para a Torre da Grifinória, largaram as mochilas e os livros, conforme as instruções que tinham recebido, vestiram as capas e desceram correndo para o saguão de entrada.
Os diretores das Casas estavam organizando os alunos em filas.
— Weasley, endireite o chapéu — disse a Professora Minerva secamente a Rony. — Srta. Patil, tire essa coisa ridícula dos cabelos.
Parvati fez cara feia e retirou o enorme enfeite de borboleta da ponta da trança.
— Sigam-me, por favor — mandou a professora —, alunos da primeira série à frente... Sem empurrar... Eles desceram os degraus da entrada e se enfileiraram diante do castelo. Fazia um fim de tarde frio e límpido, o crepúsculo vinha chegando devagarinho e uma lua pálida e transparente já brilhava sobre a Floresta Proibida. Harry, postado entre Rony e Hermione na quarta fileira da frente para trás, viu Denis Creevey decididamente trêmulo de expectativa entre os colegas da primeira série.
— Quase seis horas — comentou Rony, verificando o relógio e depois espiando o caminho que levava aos portões da escola. — Como é que vocês acham que eles vêm? De trem?
— Duvido — respondeu Hermione.
— Como então? Vassouras? — arriscou Harry, erguendo os olhos para o céu estrelado.
— Acho que não... Não vindo de tão longe...
— De chave de portal? — aventurou Rony. — Ou quem sabe aparatando, talvez tenham permissão de fazer isso antes dos dezessete anos no lugar de onde vêm?
— Não se pode aparatar nos terrenos de Hogwarts. Quantas vezes tenho que repetir isso a vocês — falou Hermione com impaciência.
Os garotos examinavam excitados e atentos os jardins cada vez mais escuros, mas nada se movia, tudo estava quieto, silencioso, como sempre. Harry começava a sentir frio. Desejou que os visitantes chegassem logo... Talvez os estudantes estrangeiros estivessem preparando uma entrada teatral... Lembrou-se do que o Sr. Weasley dissera no acampamento antes da Copa Mundial de Quadribol: "Sempre os mesmos, não resistimos à tentação de fazer farol quando nos reunimos...”
E então Dumbledore falou em voz alta da última fileira, onde aguardava com os outros professores:
— Aha! A não ser que eu muito me engane, a delegação de Beauxbatons está chegando!
— Onde? — perguntaram muitos alunos ansiosos, olhando em diferentes direções.
— Ali! — gritou um aluno da sexta série, apontando para o céu sobre a Floresta.
Alguma coisa grande, muito maior do que uma vassoura — ou, na verdade, cem vassouras —, voava em alta velocidade pelo céu azul-escuro em direção ao castelo, e se tornava cada vez maior.
— É um dragão! — gritou esganiçada uma aluna da primeira série, perdendo completamente a cabeça.
— Deixa de ser burra... É uma casa voadora! — disse Dênis Creevey.
O palpite de Dênis estava mais próximo... Quando a sombra gigantesca e escura sobrevoou as copas das árvores da Floresta Proibida, e as luzes que brilhavam nas janelas do castelo a iluminaram, eles viram uma enorme carruagem azul-clara do tamanho de um casarão, que voava para eles, puxada por doze cavalos alados, todos baios, cada um parecendo um elefante de tão grande.
As três primeiras fileiras de alunos recuaram quando a carruagem foi baixando para pousar a uma velocidade fantástica — então, com um baque estrondoso que fez Neville saltar para trás e pisar no pé de um aluno da quinta série da Sonserina —, os cascos dos cavalos, maiores que pratos, bateram no chão. Um segundo mais tarde, a carruagem também pousou, balançando sobre as imensas rodas, enquanto os cavalos dourados agitavam as cabeçorras e reviravam os grandes olhos cor de fogo.
Harry só teve tempo de ver que a porta da carruagem tinha um brasão (duas varinhas cruzadas, e de cada uma saíam três estrelas) antes que ela se abrisse. Um garoto de roupas azuis-claras saltou da carruagem, curvado para a frente, mexeu por um momento em alguma coisa que havia no chão da carruagem e abriu uma escadinha de ouro. Em seguida, recuou respeitosamente. Então Harry viu um sapato preto e lustroso sair de dentro da carruagem — um sapato do tamanho de um trenó de criança — acompanhado, quase imediatamente, pela maior mulher que ele já vira na vida.
O tamanho da carruagem e dos cavalos ficou imediatamente explicado. Algumas pessoas exclamaram.
Harry só vira, até então, uma pessoa tão grande quanto essa mulher: Hagrid; ele duvidou que houvesse dois centímetros de diferença na altura dos dois. Mas, por alguma razão — talvez simplesmente porque estava habituado a Hagrid —, esta mulher (agora ao pé da escada, que olhava para as pessoas que a esperavam de olhos arregalados) parecia ainda mais anormalmente grande. Ao entrar no círculo de luz projetado pelo saguão de entrada, ela revelou um rosto bonito de pele morena, grandes olhos negros que pareciam líquidos e um nariz um tanto bicudo. Seus cabelos estavam puxados para trás e presos em um coque na nuca. Vestia-se da cabeça aos pés de cetim negro, e brilhavam numerosas opalas em seu pescoço e nos dedos grossos.
Dumbledore começou a aplaudir; os estudantes, acompanhando a deixa, prorromperam em palmas, muitos deles nas pontas dos pés, para poder ver melhor a mulher.
O rosto dela se descontraiu em um gracioso sorriso e ela se dirigiu a Dumbledore, estendendo a mão faiscante de anéis. O diretor, embora alto, mal precisou se curvar para beijar-lhe a mão.
— Minha cara Madame Maxime — disse. — Bem-vinda a Hogwarts.
— Dumbly-dorr — disse Madame Maxime, com uma voz grave. — Esperro encontrrá-lo de boa saúde.
— Excelente, obrigado — respondeu Dumbledore.
— Meus alunos — disse Madame Maxime, acenando descuidadamente uma de suas enormes mãos para trás.
Harry, cuja atenção estivera focalizada inteiramente em Madame Maxime, reparou, então, que uns doze garotos e garotas — todos, pelo físico, no fim da adolescência — haviam descido da carruagem e agora estavam parados atrás de Madame Maxime. Eles tremiam de frio, o que não surpreendia, pois suas vestes eram feitas de finíssima seda e nenhum deles usava capa. Alguns tinham enrolado echarpes e xales na cabeça. Pelo que Harry pôde ver de seus rostos (estavam à enorme sombra de sua diretora), eles olhavam para o castelo, com uma expressão apreensiva.
— Karrkarroff já chegou? — perguntou Madame Maxime.
— Deve chegar a qualquer momento — disse Dumbledore. — Gostaria de esperar aqui para recebê-lo ou prefere entrar para se aquecer um pouco?
— Me aquecerr, acho. Mas os cavalos...
— O nosso professor de Trato das Criaturas Mágicas ficará encantado de cuidar deles — disse Dumbledore — assim que terminar de resolver um probleminha que ocorreu com alguns de seus outros... Protegidos.
— Explosivins — murmurou Rony para Harry, rindo.
— Meus corrcéis ecsigem... Hum... Um trratadorr forrte — disse Madame Maxime, com uma expressão de dúvida quanto à capacidade de um professor de Trato das Criaturas Mágicas em Hogwarts para dar conta da tarefa. — Eles son muito forrtes...
— Posso lhe assegurar que Hagrid poderá cuidar da tarefa — disse o diretor, sorrindo.
— Ótimo — disse Madame Maxime, fazendo uma ligeira reverência —, por favorrr inforrrme a esse Agrid que os cavalos só bebem uísque de um malte.
— Farei isso — respondeu Dumbledore, retribuindo a reverência.
— Venham — disse Madame Maxime imperiosamente aos seus alunos e o pessoal de Hogwarts se afastou para deixá-los subir os degraus de pedra.
— De que tamanho você acha que os cavalos de Durmstrang vão ser? — perguntou Simas Finnigan, esticando-se por trás de Lilá e Parvati para falar com Harry e Rony.
— Bom, se eles forem maiores do que esses, nem Hagrid vai ser capaz de cuidar deles — comentou Harry. — Isto é, se ele já não foi atacado pelos explosivins. Qual será o problema com eles?
— Talvez tenham fugido — arriscou Rony esperançoso.
— Ah, não diz uma coisa dessas — falou Hermione, com um arrepio. — Imaginem aqueles bichos soltos pela propriedade...
Eles continuaram parados, agora tremendo um pouco de frio, à espera da delegação de Durmstrang. A maioria das pessoas contemplava o céu, esperançosa. Durante alguns minutos, o silêncio só foi interrompido pelos cavalões de Madame Maxime que resfolegavam e pateavam. Mas então...
— Vocês estão ouvindo alguma coisa? — perguntou Rony de repente.
Harry prestou atenção, um barulho alto e estranho chegava até eles através da escuridão, um ronco abafado mesclado a um ruído de sucção, como se um imenso aspirador de pó estivesse se deslocando pelo leito de um rio...
— O lago! — berrou Lino Jordan apontando. — Olhem para o lago!
De sua posição, no alto dos gramados, de onde descortinavam a propriedade, eles tinham uma visão desimpedida da superfície escura e lisa da água — exceto que ela repentinamente deixara de ser lisa.
Ocorria alguma perturbação no fundo do lago, grandes bolhas se formavam no centro, e suas ondas agora quebravam nas margens de terra — e então, bem no meio do lago, apareceu um rodamoinho, como se alguém tivesse retirado uma tampa gigantesca do seu leito... Algo que parecia um pau comprido e preto começou a emergir lentamente do rodamoinho... E então Harry avistou o velame...
— É um mastro! — disse ele a Rony e Hermione.
Lenta e imponentemente o navio saiu das águas, refulgindo ao luar. Tinha uma estranha aparência esquelética, como se tivesse ressuscitado de um naufrágio, e as luzes fracas e enevoadas que brilhavam nas escotilhas lembravam olhos fantasmagóricos. Finalmente, com uma grande movimentação de água, o navio emergiu inteiramente, balançando nas águas turbulentas, e começou a deslizar para a margem.
Alguns momentos depois, ouviram a âncora ser atirada na água rasa e o baque surdo de um pranchão ao ser baixado sobre a margem.
Havia gente desembarcando, os garotos viram silhuetas passarem pelas luzes das escotilhas. Os recém-chegados pareciam ter físicos semelhantes aos de Crabbe e Goyle... Mas então, quando subiram as encostas dos jardins e chegaram mais próximos à luz que saía do saguão de entrada, Harry viu que aquela aparência maciça se devia às capas de peles de fios longos e despenteados que estavam usando. Mas o homem que os conduzia ao castelo usava peles de um outro tipo; sedosas e prateadas como os seus cabelos.
— Dumbledore! — cumprimentou ele cordialmente, ainda subindo a encosta. — Como vai, meu caro, como vai?
— Otimamente, obrigado, Professor Karkaroff.
O homem tinha uma voz ao mesmo tempo engraçada e untuosa; quando ele entrou no círculo de luz das portas do castelo, os garotos viram que era alto e magro como Dumbledore, mas seus cabelos brancos eram curtos, e a barbicha (que terminava em um cachinho) não escondia inteiramente o seu queixo fraco.
Quando alcançou Dumbledore, apertou-lhe a mão com as suas duas.
— Minha velha e querida Hogwarts! — exclamou, erguendo os olhos para o castelo e sorrindo, seus dentes eram um tanto amarelados, e Harry reparou que seu sorriso não abrangia os olhos, que permaneciam frios e astutos. — Como é bom estar aqui, como é bom... Vítor, venha, venha para o calor... Você não se importa, Dumbledore? Vítor está com um ligeiro resfriado...
Karkaroff fez sinal para um de seus estudantes avançar. Quando o rapaz passou, Harry viu de relance um nariz grande e curvo e sobrancelhas escuras e espessas.
Não precisava do soco que Rony lhe deu no braço, nem do cochicho na orelha para reconhecer aquele perfil.
— Harry, é o Krum!