Posted by : Unknown junho 05, 2014

Capítulo 14


Os dois dias seguintes transcorreram sem grandes incidentes, a não ser que se levasse em conta o sexto caldeirão derretido por Neville na aula de Poções. O Professor Snape, que, durante as férias, parecia ter alcançado novos níveis em sua gana de se vingar do garoto, deu-lhe uma detenção, da qual Neville voltou com um colapso nervoso, pois teve que destripar uma barrica de iguanas.
— Você sabe por que Snape está nesse mau humor tão grande, não sabe? — perguntou Rony a Harry, enquanto observavam Hermione ensinar a Neville um Feitiço de Limpeza para remover as tripas de iguanas presas sob suas unhas.
— Hum-hum — disse Harry. — Moody.
Era do conhecimento de todos que Snape queria realmente o lugar de professor de Artes das Trevas, e acabara de perdê-lo pelo quarto ano seguido.
Snape detestara todos os professores anteriores dessa matéria e demonstrara isso — mas parecia ter extrema cautela para esconder sua animosidade contra Olho-Tonto Moody. De fato, sempre que Harry via os dois professores juntos — na hora das refeições ou quando passavam pelos corredores — tinha a nítida impressão de que Snape evitava os olhos de Moody, fosse o mágico fosse o normal.
— Acho que Snape tem medo dele, sabe — disse Harry pensativo.
— Imagine se Moody transformasse Snape em iguana — disse Rony, seus olhos se toldando — e fizesse ele ficar saltando pela masmorra...
Os alunos da quarta série da Grifinória estavam tão ansiosos para ter a primeira aula com Moody que, na quinta-feira, chegaram logo depois do almoço e fizeram fila à porta da sala, antes mesmo da sineta tocar. A única pessoa ausente foi Hermione, que chegou no último instante para a aula.
— Estava na...
—... biblioteca — Harry terminou a frase da amiga. Anda logo senão não vamos arranjar lugares decentes.
Eles correram para pegar três cadeiras bem diante da escrivaninha do professor, apanharam seus exemplares de As Forças das Trevas: Um Guia Para Sua Proteção, e esperaram anormalmente quietos. Não tardaram a ouvir os passos sincopados de Moody que vinha pelo corredor e que, ao entrar na sala, parecia mais estranho e amedrontador que nunca. Seu pé de madeira em garra aparecia ligeiramente por baixo das vestes.
— Podem guardar isso — rosnou ele, apoiando-se na escrivaninha para se sentar —, esses livros. Não vão precisar deles.
Os alunos tornaram a guardar os livros nas mochilas, Rony tinha um ar excitado. Moody apanhou a folha de chamada, sacudiu sua longa juba de cabelos grisalhos para afastá-los do rosto contorcido e marcado, e começou a chamar os nomes, seu olho normal percorrendo a lista e o olho mágico girando, fixando-se em cada aluno quando ele respondia.
— Certo, então — concluiu ele, quando a última pessoa confirmara presença.
— Tenho uma carta do Professor Lupin sobre esta turma. Parece que vocês receberam um bom embasamento para enfrentar criaturas das trevas, estudaram bichos-papões, barretes vermelhos, hinkypunks, grindylows, kappas e lobisomens, correto?
Houve um murmúrio geral de concordância.
— Mas estão atrasados, muito atrasados, em maldições — disse Moody. — Então, estou aqui para pôr vocês em dia com o que os bruxos podem fazer uns aos outros. Tenho um ano para lhes ensinar a lidar com as forças das...
— Quê, o senhor não vai ficar? — deixou escapar Rony.
O olho mágico de Moody girou para se fixar em Rony, o garoto ficou extremamente apreensivo, mas, passado um instante, o professor sorriu — a primeira vez que Harry o via fazer isso. O efeito foi entortar mais que nunca o seu rosto muito marcado, mas de qualquer forma foi um alívio saber que ele era capaz de um gesto amigável como sorrir. Rony pareceu profundamente aliviado.
— Você deve ser filho do Arthur Weasley? — disse Moody. — Seu pai me tirou de uma enrascada há alguns dias... É, vou ficar apenas este ano. Um favor especial a Dumbledore... Um ano e depois volto ao sossego da minha aposentadoria.
Ele deu uma risada áspera e então juntou as palmas das mãos nodosas.
— Então... Vamos direto ao assunto. Maldições. Elas têm variados graus de força e forma. Agora, segundo o Ministério da Magia, eu devo ensinar a vocês as contra-maldições e parar por aí. Não devo lhes mostrar que cara têm as maldições ilegais até vocês chegarem ao sexto ano. Até lá, o Ministério acha que vocês não têm idade para lidar com elas. Mas o Professor Dumbledore tem uma opinião mais favorável dos seus nervos e acha que vocês podem aprendê-las, e eu digo que quanto mais cedo souberem o que vão precisar enfrentar, melhor. Como vão se defender de uma coisa que nunca viram? Um bruxo que pretenda lançar uma maldição ilegal sobre vocês não vai avisar o que pretende. Não vai lançá-la de forma suave e educada bem na sua cara. Vocês precisam estar preparados. Precisam estar alertas e vigilantes. A senhorita deve guardar isso, Srta. Brown, enquanto eu estiver falando.
Lilá levou um susto e corou. Estivera mostrando a Parvati o horóscopo que aprontara por baixo da carteira. Aparentemente o olho mágico de Moody podia ver através da madeira, tão bem quanto pela nuca.
— Então... Algum de vocês sabe que maldições são mais severamente punidas pelas leis da magia?
Vários braços se ergueram hesitantes, inclusive os de Rony e Hermione.
Moody apontou para Rony, embora seu olho mágico continuasse mirando Lilá.
— Hum — disse Rony sem muita certeza —, meu pai me falou de uma... ChamaMaldição Imperius ou coisa assim?
— Ah, sim — disse Moody satisfeito. — Seu pai conheceria essa. Certa vez, deu ao Ministério muito trabalho, essa Maldição Imperius.
Moody se apoiou pesadamente nos pés desiguais, abriu a gaveta da escrivaninha e tirou um frasco de vidro. Três enormes aranhas pretas corriam dentro dele.
Harry sentiu Rony se encolher ligeiramente ao seu lado, Rony detestava aranhas. Moody meteu a mão dentro do frasco, apanhou uma aranha e segurou-a na palma da mão, de modo que todos pudessem vê-la. Apontou, então, a varinha para o inseto e murmurou "Império!" A aranha saltou da mão de Moody para um fio de seda e começou a se balançar para frente e para trás como se estivesse em um trapézio. Esticou as pernas rígidas e deu uma cambalhota, partindo o fio e aterrissando sobre a mesa, onde começou a plantar bananeiras em círculos.
Moody agitou a varinha, e a aranha se ergueu em duas patas traseiras e saiu dançando um inconfundível sapateado. Todos riram, todos exceto Moody.
— Acharam engraçado, é? — rosnou ele. — Vocês gostariam se eu fizesse isso com vocês?
As risadas pararam quase instantaneamente.
— Controle total — disse o professor em voz baixa, quando a aranha se enrolou e começou a rodar sem parar. — Eu poderia fazê-la saltar pela janela, se afogar, se enfiar pela garganta de vocês abaixo...
Rony teve um tremor involuntário.
— Há alguns anos, havia muitos bruxos e bruxas controlados pela Maldição Imperius— disse Moody, e Harry entendeu que ele estava se referindo ao tempo em que Voldemort fora todo-poderoso. — Foi uma trabalheira para o Ministério separar quem estava sendo forçado a agir de quem estava agindo por vontade própria.
— A Maldição Imperius pode ser neutralizada, e vou lhes mostrar como, mas é preciso força de caráter real e nem todos a possuem. Por isso é melhor evitar ser amaldiçoado com ela se puderem. “VIGILÂNCIA CONSTANTE!" — vociferou ele, e todos os alunos se assustaram.
Moody apanhou a aranha acrobata e atirou-a de volta ao frasco.
— Mais alguém conhece mais alguma? Outra maldição ilegal?
A mão de Hermione voltou a se erguer e, para surpresa de Harry, a de Neville também. A única aula em que Neville normalmente voluntariava informações era a de Herbologia, que era, sem favor algum, a matéria que ele sabia melhor. O garoto pareceu surpreso com a própria ousadia.
— Qual? — perguntou Moody, seu olho mágico dando um giro completo para se fixar em Neville.
— Tem uma, a Maldição Cruciatus — disse Neville, numa voz fraca, mas clara.
Moody olhou Neville com muita atenção, desta vez com os dois olhos.
— O seu nome é Longbottom? — perguntou ele, o olho mágico girando para verificar a folha de chamada. Neville confirmou, nervoso, com a cabeça, mas o professor não fez outras perguntas.
Tornando a voltar sua atenção à classe, ele meteu a mão no frasco mais uma vez, apanhou outra aranha e colocou-a no tampo da escrivaninha, onde o inseto permaneceu imóvel, aparentemente demasiado assustado para se mexer.
— A Maldição Cruciatus — começou Moody. — Preciso de uma maior para lhes dar uma idéia — disse ele, apontando a varinha para a aranha. — Engorgio!
A aranha inchou. Estava agora maior do que uma tarântula.
Abandonando todo o fingimento, Rony empurrou a cadeira para trás, o mais longe que pôde da escrivaninha de Moody. O professor tornou a erguer a varinha, apontou-a para a aranha e murmurou:
— Crucio!
Na mesma hora, as pernas da aranha se dobraram sob o corpo, ela virou de barriga para cima e começou a se contorcer horrivelmente, balançando de um lado para outro. Não emitia som algum, mas Harry teve certeza de que, se tivesse voz, estaria berrando. Moody não afastou a varinha e a aranha começou a estremecer e a se debater violentamente...
— Pare! — gritou Hermione com a voz aguda.
Harry olhou para a amiga. Ela estava com os olhos postos não na aranha, mas em Neville, e Harry, ao seguir a direção do seu olhar, viu que as mãos do garoto se agarravam à carteira diante dele, os nós dos dedos brancos, seus olhos arregalados e horrorizados. Moody ergueu a varinha. As pernas da aranha se descontraíram, mas ela continuou a se contorcer.
— Reducio — murmurou Moody, e a aranha encolheu e voltou ao tamanho normal. Ele a repôs no frasco.
— Dor — explicou Moody em voz baixa. — Não se precisa de alicates nem de facas para torturar alguém quando se é capaz de lançar a Maldição Cruciatus... Ela também já foi muito popular. Certo... mais alguém conhece alguma outra?
Harry olhou para os lados. Pela expressão no rosto dos colegas, ele achou que estavam todos pensando no que aconteceria com a última aranha. A mão de Hermione tremia levemente quando, pela terceira vez, ela a ergueu no ar.
— Sim! — disse Moody olhando-a.
— Avada Kedavra — sussurrou a garota.
Vários colegas a olharam constrangidos, inclusive Rony.
— Ah — exclamou Moody, outro sorrisinho torcendo sua boca enviesada. — Ah, a última e a pior. Avada Kedavra... A maldição da morte.
Ele enfiou a mão no frasco e, quase como se soubesse o que a esperava, a terceira aranha correu freneticamente pelo fundo do objeto, tentando fugir aos dedos de Moody, mas ele a apanhou e a colocou sobre a escrivaninha. O inseto começou a correr, desvairado, pela superfície de madeira. Moody ergueu a varinha e Harry sentiu um repentino pressentimento.
— Avada Kedavra!— berrou Moody.
Houve um relâmpago de ofuscante luz verde e um rumorejo, como se algo vasto e invisível voasse pelo ar, instantaneamente a aranha virou de dorso, sem uma única marca, mas inconfundivelmente morta. Várias alunas abafaram gritinhos, Rony se atirara para trás, quase caindo da cadeira, quando a aranha escorregou em sua direção. Moody empurrou a aranha morta para fora da mesa.
— Nada bonito — disse calmamente. — Nada agradável. E não existe contra maldição. Não há como bloqueá-la. Somente uma pessoa no mundo já sobreviveu a ela e está sentada bem aqui na minha frente.
Harry sentiu seu rosto corar quando os (dois) olhos de Moody fitaram os dele. Sentiu que toda a turma também estava olhando para ele. Harry encarou o quadro-negro limpo como se estivesse fascinado por sua superfície, mas na realidade sem sequer vê-lo...
Então fora assim que seus pais tinham morrido... Exatamente como aquela aranha. Será que tinham morrido sem desfiguração nem marcas, também? Será que tinham simplesmente visto um relâmpago verde e ouvido o rumorejo da morte que se aproximou célere, antes que a vida fosse varrida de seus corpos?
Harry imaginara a morte dos pais muitas vezes nesses três anos, desde que descobrira que tinham sido assassinados, desde que descobrira o que acontecera naquela noite: como Rabicho informara o esconderijo de seus pais a Voldemort, que viera procurá-los em casa. Como o bruxo matara primeiro o pai de Harry. Como Tiago Potter tentara atrasá-lo, enquanto gritava para a mulher apanhar Harry e correr... E Voldemort avançara para Lílian Potter, dissera-lhe para se afastar para ele poder matar Harry... Como sua mãe suplicara para que a matasse no lugar do filho, recusara-se a deixar de proteger o filho com o corpo... E então Voldemort a assassinara também, antes de virar a varinha contra Harry...
Harry conhecia esses detalhes porque ouvira a voz dos pais quando enfrentara os dementadores no ano anterior, pois esse era o terrível poder dessas criaturas: forçar suas vítimas a reviverem as piores lembranças de suas vidas e se afogarem, impotentes, no próprio desespero...
Harry teve a impressão de que Moody recomeçara a falar de muito longe.
Com um enorme esforço, ele se obrigou a voltar ao presente e fixar a atenção no que o professor dizia.
— Avada Kedavra é uma maldição que exige magia poderosa para lançá-la, vocês podem apanhar as varinhas agora, apontá-las para mim, dizer as palavras e duvido que consigam sequer que o meu nariz sangre. Mas isto não importa. Não estou aqui para ensiná-los a lançá-la.
— Ora, se não há uma contra-maldição, por que estou lhes mostrando essa maldição? Porque vocês precisam conhecê-la. Vocês têm que reconhecer o pior. Vocês não querem se colocar em uma situação em que precisem enfrentá-la.
— “VIGILÂNCIA PERMANENTE!" — berrou ele e a turma inteira tornou a se sobressaltar.
— Agora... Essas três maldições, Avada Kedavra, Imperius e Cruciatus, são conhecidas como as Maldições Imperdoáveis. O uso de qualquer uma delas em um semelhante humano é suficiente para ganhar uma pena de prisão perpétua em Azkaban. É isso que vão ter que enfrentar. É isso que preciso lhes ensinar a combater. Vocês precisam estar preparados. Vocês precisam de armas. Mas, acima de tudo, precisam praticar uma vigilância constante, permanente. Apanhem suas penas... Copiem o que vou ditar...
Os alunos passaram o resto da aula tomando notas sobre cada uma das Maldições Imperdoáveis. Ninguém falou até a sineta tocar, mas quando Moody os dispensou e eles saíram da sala, explodiram em um falatório irrefreável. A maioria dos alunos discutia as maldições em tom de assombro: "Você viu ela se contorcendo?", e “quando ele matou a aranha, assim!”
Comentavam a aula, pensou Harry, como se ela tivesse sido um espetáculo fantástico, mas ele não a achara nada divertida, tampouco Hermione.
— Anda logo — disse ela tensa para Harry e Rony.
— Não é a biblioteca outra vez, é? — perguntou Rony.
— Não — respondeu a garota, secamente, apontando para um corredor lateral. — Neville.
Neville estava em pé sozinho, no meio do corredor, de olhos fixos na parede de pedra oposta, com a mesma expressão horrorizada e pasma que fizera quando Moody demonstrara a Maldição Cruciatus.
— Neville? — chamou Hermione de mansinho.
Neville virou a cabeça.
— Ah, alô — disse ele, a voz mais aguda do que habitualmente.
— Aula interessante, não foi? Que será que tem para o jantar, estou... Estou morto de fome, vocês não?
— Neville, você está bem? — perguntou Hermione.
— Ah, claro, estou ótimo — balbuciou o garoto, na voz anormalmente aguda. — Jantar muito interessante... Quero dizer, aula... Que será que tem para se comer?
Rony lançou a Harry um olhar assustado.
— Neville, que...?
Mas eles ouviram às costas um som seco e metálico estranho e, ao se virarem, viram o Professor Moody vindo em sua direção. Os quatro ficaram em silêncio, observando-o apreensivos, mas quando ele falou, foi com um rosnado bem mais baixo e gentil do que tinham ouvido até então.
— Está tudo bem, filho — disse ele a Neville. — Por que não vem até a minha sala? Vamos... Podemos tomar uma xícara de chá...
Neville ficou ainda mais assustado ante a perspectiva de tomar chá com Moody. Ele não se mexeu nem falou. Moody virou o olho mágico para Harry.
— Você está bem, não está, Potter?
— Estou — disse Harry, quase em tom de desafio.
O olho azul de Moody estremeceu de leve na órbita ao examinar Harry. Então falou:
— Vocês têm que saber. Parece cruel, talvez, mas vocês têm que saber. Não adianta fingir... Bom... Venha, Longbottom, tenho uns livros que podem lhe interessar.
Neville olhou suplicante para Harry, Rony e Hermione, mas eles não disseram nada, de modo que o garoto não teve escolha senão se deixar conduzir, uma das mãos nodosas de Moody em seu ombro.
— Que foi que houve? — perguntou Rony, observando Neville e Moody virarem para outro corredor.
— Não sei — disse Hermione, parecendo pensativa.
— Mas foi uma aula e tanto, hein? — disse Rony a Harry, quando se dirigiam ao Salão Principal. — Fred e Jorge tinham razão, não é? Ele realmente conhece o assunto. Quando ele lançou a Avada Kedavra, o jeito com que aquela aranha simplesmente morreu, apagou na hora...
Mas Rony se calou de súbito ao ver a expressão no rosto de Harry, e não tornou a falar até chegarem ao salão, quando comentou que era melhor eles começarem a preparar as predições da Professora Trelawney àquela noite, porque iam demorar horas naquilo.
Hermione não entrou na conversa de Harry e Rony durante o jantar, mas comeu furiosamente depressa e, em seguida, foi para a biblioteca. Harry e Rony voltaram à Torre da Grifinória, e Harry, que não pensara em outra coisa durante todo o jantar, agora levantou o assunto das Maldições Imperdoáveis.
— Moody e Dumbledore não ficariam encrencados se o Ministério soubesse que vimos lançar as maldições? — perguntou Harry ao se aproximarem da Mulher Gorda.
— Provavelmente — disse Rony. — Mas Dumbledore sempre fez as coisas do jeito dele, não é, e Moody, eu imagino, já anda encrencado há anos. Atacar primeiro e fazer perguntas depois, veja só a história das latas de lixo. Biruta.
A Mulher Gorda girou para frente, revelando a passagem e eles entraram na sala comunal da Grifinória, que estava cheia e barulhenta.
— Vamos apanhar o nosso material de Adivinhação, então? — disse Harry.
— Acho que sim — gemeu Rony.
Os dois subiram ao dormitório para apanhar os livros e mapas e encontraram Neville sozinho, sentado na cama, lendo. Parecia bem mais calmo do que ao fim da aula de Moody, embora ainda não estivesse completamente normal.
Seus olhos estavam muito vermelhos.
— Você está bem, Neville? — perguntou Harry.
— Ah, estou. Estou ótimo, obrigado. Lendo o livro que o Professor Moody me emprestou...
Ele mostrou o livro: Plantas Mediterrâneas e Suas Propriedades Mágicas.
— Parece que a Professora Sprout disse a ele que sou realmente bom em Herbologia — disse Neville. Havia um quê de orgulho em sua voz que Harry raramente ouvira antes. — O professor achou que eu gostaria deste.
Repetir para Neville o que a Professora Sprout dissera, pensou Harry, fora uma maneira muito delicada de animar o garoto, porque Neville raramente ouvia alguém dizer que ele era bom em alguma coisa. Era o tipo de coisa que o Professor Lupin teria feito.
Harry e Rony apanharam seus exemplares de Esclarecendo o Futuro e voltaram à sala comunal, procuraram uma mesa e começaram a trabalhar nas predições para o mês seguinte. Uma hora mais tarde, tinham feito pouco progresso, embora a mesa estivesse coalhada de pedaços de pergaminho cobertos com somas e símbolos e o cérebro de Harry estivesse enevoado, como se impregnado pela fumaça da lareira da Professora Trelawney.
— Não tenho a menor idéia do significado disso — falou ele examinando a longa lista de cálculos.
— Sabe de uma coisa — disse Rony, cujos cabelos estavam de pé de tanto o garoto passar os dedos por eles, cheio de frustração. — Acho que voltamos à velha regra da Adivinhação.
— Quê... Inventar?
— É — disse Rony, varrendo da mesa o monte de anotações e mergulhando a pena no tinteiro para começar a escrever.
— Na próxima segunda-feira — disse ele enquanto escrevia — há grande probabilidade de eu apanhar uma tosse, devido à infeliz conjunção de Marte com Júpiter. — Ele ergueu os olhos para Harry.
— Você conhece ela, escreve uma porção de desgraças que ela engole tudo.
— Certo — disse Harry, amassando seu primeiro rascunho e atirando-o por cima das cabeças de um grupo de alunos do primeiro ano que conversavam. — Muito bem... Na segunda-feira vou correr o perigo de... Hum... Me queimar.
— E vai mesmo — disse Rony sombriamente —, vamos ver os explosivins de novo. Na, terça-feira, vou... Hum...
— Perder algo valioso — disse Harry, que folheava o Esclarecendo o Futuro à procura de idéias.
— Boa — disse Rony, copiando-a. — Por causa de... Hum... Mercúrio. Por que você não leva uma punhalada pelas costas de alguém que você pensou que fosse amigo?
— Legal... — disse Harry, anotando a sugestão — por que... Vênus está na décima segunda casa.
— E na quarta-feira, acho que vou levar a pior em uma briga.
— Aah, eu ia ter uma briga. O.K., vou perder uma aposta.
— É, você vai apostar que vou ganhar a minha briga...
Os garotos continuaram a inventar predições (que foram se tornando mais trágicas) por mais uma hora, enquanto a sala comunal se esvaziava à medida que as pessoas iam se deitar. Bichento foi até os dois, deu um salto leve para uma cadeira vazia e mirou Harry misteriosamente, de um modo semelhante ao de Hermione quando sabia que os garotos não estavam fazendo o dever de casa direito.
Correndo o olhar pela sala, tentando pensar em alguma desgraça que ainda não tivesse usado, Harry viu Fred e Jorge sentados junto à parede oposta, as cabeças encostadas uma na outra, as penas na mão, examinando um pedaço de pergaminho. Era muito estranho ver os dois escondidos em um canto, trabalhando em silêncio, em geral eles gostavam de ficar no meio da confusão e de serem o centro das atenções. Havia um certo sigilo no jeito como estudavam um único pergaminho, e Harry se lembrou dos dois sentados juntos, escrevendo alguma coisa, lá na Toca. Ele pensara na época que era outro formulário para as "Gemialidades" Weasley, mas desta vez parecia diferente, se não, eles com certeza teriam deixado Lino Jordan participar da travessura. Harry ficou imaginando se teria alguma coisa a ver com a inscrição no Torneio Tribruxo.
Enquanto Harry observava, Jorge sacudiu a cabeça para Fred, rabiscou alguma coisa com a pena e disse, num tom muito baixo que, mesmo assim, ecoou pela sala quase deserta:
— Não... Assim parece que nós o estamos acusando. Temos que ter cuidado...
Então Jorge deu uma olhada na sala e viu que Harry o observava. Harry sorriu e voltou depressa às suas predições, não queria que Jorge pensasse que ele estava bisbilhotando. Logo depois, os gêmeos enrolaram o pergaminho, deram boa-noite e foram se deitar.
Fred e Jorge tinham saído havia uns dez minutos quando o buraco do retrato se abriu e Hermione entrou na sala comunal, trazendo um rolo de pergaminho em uma das mãos e uma caixa, cujo conteúdo fazia barulho, na outra.
Bichento arqueou as costas, ronronando.
— Alô — disse ela —, acabei!
— Eu também! — disse Rony em tom triunfante, largando a pena.
Hermione se sentou, deixou as coisas que carregava em uma poltrona vazia e puxou as predições de Rony para ver.
— Não vai ter um mês nada bom, hein? — disse ela ironicamente, quando Bichento veio se enroscar em seu colo.
— Bom, pelo menos estou prevenido — bocejou Rony.
— Você parece que vai se afogar duas vezes — disse a garota.
— Ah, vou, é? — disse Rony baixando os olhos para suas predições. — É melhor eu trocar uma delas por um acidente com um hipogrifo desembestado.
— Você não acha que está um pouco óbvio que você inventou isso tudo? — perguntou Hermione.
— Como é que você se atreve! — exclamou Rony, fingindo-se ofendido. — Estivemos trabalhando como elfos domésticos aqui!
Hermione ergueu as sobrancelhas.
— É só uma expressão — acrescentou ele depressa.
Harry pousou a pena, tendo acabado de predizer a própria morte por decapitação.
— Que é que tem nessa caixa? — perguntou ele, apontando-a.
— Engraçado você perguntar — respondeu a garota com um olhar feio para Rony. Tirou então a tampa e mostrou o conteúdo aos garotos. Dentro havia uns cinqüenta distintivos, de cores diferentes, mas todos com os mesmos dizeres: F.A.L.E.
— Fale? — estranhou Harry, apanhando um distintivo e examinando-o. — Que significa isso?
— Não é fale — protestou Hermione impaciente. — É F-A-L-E. Quer dizer, Fundo de Apoio à Liberação dos Elfos.
— Nunca ouvi falar nisso — disse Rony.
— Ora, é claro que não ouviu — disse Hermione energicamente. — Acabei de fundar o movimento.
— Ah, é? — disse Rony com um ar levemente surpreso. — E quantos membros já tem?
— Bom, se vocês dois se alistarem... Três.
— E você acha que queremos andar por aí usando distintivos que dizem "fale", é? — falou Rony.
— F-A-L-E! — corrigiu-o Hermione irritada. — Eu ia pôr "Fim ao Abuso Ultrajante dos Nossos Irmãos Mágicos" e "Campanha para Mudar sua Condição", mas não dava certo. Então F.A.L.E. é o título do nosso manifesto.
Ela brandiu um rolo de pergaminho para os garotos.
— Andei pesquisando minuciosamente na biblioteca. A escravatura dos elfos já existe há séculos. Custo a acreditar que ninguém tenha feito nada contra ela até agora.
— Hermione, abra bem os ouvidos — disse Rony em voz alta. — Eles. Gostam disso. Gostam de ser escravizados!
— A curto prazo os nossos objetivos — disse Hermione, falando ainda mais alto do que o amigo e agindo como se não tivesse ouvido uma única palavra — são obter para os elfos um salário mínimo justo e condições de trabalho decentes. A longo prazo, os nossos objetivos incluem mudar a lei que proíbe o uso da varinha e tentar admitir um elfo no Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas, porque eles são vergonhosamente sub-representados.
— E como é que vamos fazer tudo isso? — perguntou Harry.
— Vamos começar recrutando novos membros — disse Hermione feliz. — Achei que dois sicles para entrar, o que paga o distintivo, e o produto da venda pode financiar a distribuição de folhetos. Você é o tesoureiro, Rony, tenho lá em cima uma latinha para você fazer a coleta, e você, Harry, o secretário, por isso você talvez queira anotar tudo que estou dizendo agora, para registrar a nossa primeira reunião.
Houve uma pausa em que Hermione sorriu radiante para os dois, e Harry se dilacerou entre a exasperação com a amiga e a vontade de rir da cara de Rony.
O silêncio foi quebrado, não por Rony, que de qualquer maneira parecia estar temporariamente mudo de espanto, mas por umas batidinhas leves na janela.
Harry correu os olhos pela sala agora vazia e viu, iluminada pelo luar, uma coruja branquíssima encarapitada no peitoril da janela.
— Edwiges! — gritou ele, precipitando-se pela sala para abrir a janela do lado oposto. Edwiges entrou, voou pela sala e pousou na mesa em cima das predições de Harry.
— Até que enfim! — exclamou Harry, correndo atrás da coruja.
— Ela trouxe uma resposta! — exclamou Rony, excitado, apontando para um pedaço sujo de pergaminho preso à perna de Edwiges.
Harry desamarrou-o depressa e se sentou para ler, depois do que Edwiges voou para o joelho do garoto, piando baixinho.
— Que é que ele diz? — perguntou Hermione ofegante.
A carta era muito curta e parecia ter sido escrita com muita pressa. Harry leu-a em voz alta.

“Harry,
Estou viajando para o norte imediatamente. A notícia sobre a sua cicatriz é o último de uma série de acontecimentos estranhos que têm chegado aos meus ouvidos.
Se ela tornar a doer, procure imediatamente Dumbledore, dizem que ele tirou Olho-Tonto da aposentadoria, o que significa que tem identificado os sinais, mesmo que os outros não os vejam.
Logo entrarei em contato com você. Dê minhas lembranças a Rony e Hermione.
Fique de olhos abertos, Harry.
Sirius”.

Harry olhou para Rony e Hermione, que retribuíram o seu olhar.
— Ele está viajando para o norte? — sussurrou Hermione. — Está voltando?
— Dumbledore tem identificado que sinais? — perguntou Rony, parecendo perplexo.
— Harry, que é que está acontecendo?
Pois Harry acabara de dar um soco na própria testa, sacudindo Edwiges para fora do colo.
— Eu não devia ter contado a ele! — disse Harry furioso.
— Do que é que você está falando? — perguntou Rony, surpreso.
— Fiz ele pensar que precisa voltar! — disse Harry, agora batendo o punho na mesa de modo que a coruja foi parar no espaldar da cadeira de Rony, piando indignada. — Precisa voltar porque acha que estou correndo perigo! E não há nada errado comigo! E não tenho nada para você — falou ele com rispidez para Edwiges, que batia o bico, esperançosa — vai ter que ir para o corujal se quiser comida.
Edwiges lançou ao dono um olhar extremamente ofendido saiu voando pela janela aberta, raspando a asa na cabeça dele ao sair.
— Harry — começou Hermione, numa voz tranqüilizadora.
— Vou me deitar — disse Harry impaciente. — Vejo vocês de manhã.
Em cima, no dormitório, ele vestiu o pijama e enfiou-se na cama de colunas, mas não se sentiu nem um pouco cansado.
Se Sirius voltasse e fosse apanhado seria culpa dele, Harry. Por que não ficara calado? Uma dorzinha à-toa e ele fora tagarelar... Se tivesse tido o juízo de guardar a dor só para si...
Ele ouviu Rony entrar no dormitório pouco depois, mas não falou com o amigo.
Durante um longo tempo, Harry ficou contemplando o dossel escuro de sua cama. O dormitório estava completamente silencioso e, se ele estivesse menos preocupado, teria reparado que a ausência dos costumeiros roncos de Neville significava que ele não era o único que estava acordado.

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