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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 17
Ele e Rony passaram a maior parte do domingo mais uma vez recuperando o atraso nos deveres, e, embora isso não pudesse ser considerado diversão, em vez de ficarem debruçados sobre as mesas da sala comunal, os dois levaram o trabalho para o jardim e se recostaram à sombra de uma frondosa faia à margem do lago, para aproveitar a despedida do sol outonal. Hermione, que naturalmente estava em dia com os deveres, levou com ela uns novelos de lã e encantou as agulhas de tricô, que clicavam e brilhavam no ar ao seu lado, produzindo mais gorros e cachecóis.
Saber que estavam fazendo alguma coisa para resistir a Umbridge e ao Ministério, e que ele era uma parte importante dessa rebeldia, dava a Harry uma sensação de imenso contentamento. Ele não parava de reviver em sua mente a reunião de sábado: toda aquela gente acorrendo ao seu encontro para aprender Defesa Contra as Artes das Trevas... e as expressões em seus rostos quando ouviram algumas das coisas que ele havia feito... e Cho elogiando o seu desempenho no Torneio Tribruxo — saber que todas aquelas pessoas não o achavam um pirado mentiroso, mas alguém que merecia admiração, inflou de tal forma o seu ego que ele continuava animado na manhã de segunda-feira, apesar da perspectiva iminente de assistir a todas as aulas de que menos gostava.
Ele e Rony desceram do dormitório, discutindo a idéia proposta por Angelina de que deviam trabalhar uma nova jogada chamada Giro da Preguiça, no treino de quadribol daquela noite, e, somente quando já estavam no meio da sala banhada de sol, eles repararam na novidade que já atraíra a atenção de um grupinho de alunos.
Um grande aviso fora afixado ao quadro da Grifinória; tão grande que cobria tudo que ali estava: as ofertas de livros de feitiço de segunda mão, os lembretes sobre o regulamento da escola pregados por Argo Filch, o horário de treinamento do time de quadribol, as propostas para trocar certos cartões de sapos de chocolate por outros, os últimos anúncios dos Weasley pedindo testadores, as datas dos fins de semana em Hogsmeade, e os avisos de achados e perdidos. O novo aviso estava impresso em grandes letras pretas e tinha um selo de aspecto muito oficial embaixo, ao lado de uma assinatura rebuscada e clara.
POR ORDEM DA ALTA INQUISIDORA DE HOGWARTS
Todas as organizações, sociedades, times, grupos e clubes estudantis estão doravante dissolvidos.
Uma organização, sociedade, um time, grupo ou clube é aqui definido como uma reunião regular de três ou mais estudantes.
A permissão para reorganizá-los deverá ser solicitada à Alta Inquisidora (Profª Umbridge).
Nenhuma organização, sociedade, nenhum time, grupo ou clube estudantil poderá existir sem o conhecimento e a aprovação da Alta Inquisidora.
O estudante que tiver organizado ou pertencer a uma organização, sociedade, um time, grupo ou clube não aprovado pela Alta Inquisidora será expulso.
O acima disposto está em conformidade com o Decreto da Educação Número Vinte e Quatro
Assinado: Dolores Joana Umbridge, Alta Inquisidora
Harry e Rony leram o aviso por cima das cabeças de alguns segundanistas ansiosos.
— Isto quer dizer que vão fechar o Clube das Bexigas? — perguntou um deles ao amigo.
— Acho que vai ficar tudo bem com as Bexigas — comentou Rony sombriamente, fazendo o garoto se sobressaltar. — Porém, acho que não teremos tanta sorte, e você? — perguntou a Harry quando os segundanistas se afastaram rapidamente.
Harry estava relendo o aviso todo. A felicidade que se apossara dele no sábado desapareceu. Suas entranhas pulsavam de raiva.
— Isto não é coincidência — disse, fechando os punhos com força. — Ela sabe.
— Não pode saber — disse Rony imediatamente.
— Havia umas pessoas escutando naquele pub. E, vamos encarar os fatos, não sabemos em quantos dos que apareceram podemos confiar... qualquer um poderia ter ido correndo contar a Umbridge...
E pensara que haviam acreditado nele, que até o admiravam...
— Zacarias Smith! — disse Rony na mesma hora, dando um soco na mão. —
Ou... achei que aquele Miguel Corner tinha realmente um olhar maroto, também...
— Será que a Hermione já viu isso? — perguntou Harry, olhando para a porta que levava ao dormitório das garotas.
— Vamos contar pra ela — disse Rony. De um salto, ele abriu a porta e começou a subir a escada em espiral.
Estava no sexto degrau quando ouviu uma buzina alta e triste, e os degraus se fundiram formando um escorrega comprido e liso, como o de um parque de diversões. Por um breve instante, Rony tentou continuar correndo, seus braços e pernas se agitaram como as pás de um moinho, então caiu para trás e deslizou, ligeiro, pelo escorrega recém-criado, indo cair de costas aos pés de
Harry.
— Hum... acho que não querem a gente no dormitório das meninas — disse Harry, ajudando Rony a se levantar e tentando não rir.
Duas garotas do quarto ano desceram a toda pelo escorrega, muito contentes.
— Ôôôôô, quem tentou subir? — riam, pulando em pé, e olhando curiosas para Harry e Rony.
— Eu — respondeu Rony, ainda bastante amarrotado. — Não tinha idéia de que isso poderia acontecer. E não é justo! — acrescentou para Harry, quando as garotas saíram em direção ao buraco do retrato, ainda rindo feito loucas. — Hermione pode ir ao nosso dormitório, como é que não podemos...?
— Bom, é uma regra antiquada — disse Hermione, que acabara de escorregar tranqüilamente até eles, sentada em um tapete, e agora se levantava —, masHogwarts: uma história conta que os fundadores acharam que os meninos mereciam menos confiança do que as meninas. Em todo o caso, por que vocês estavam tentando entrar lá?
— Para falar com você... vem ver isso! — disse Rony, arrastando-a até o quadro de avisos.
Os olhos de Hermione relancearam pelo aviso. Sua expressão petrificou.
— Alguém deve ter contado a ela! — disse Rony, zangado.
— Não podem ter feito isso — contestou Hermione, em voz baixa.
— Você é tão ingênua! Acha que só porque é honrada e digna de confiança...
— Não, eles não podem ter feito isso, porque lancei um feitiço no pergaminho que todos assinamos — disse Hermione, séria. — Pode crer, se alguém foi correndo contar a Umbridge, nós saberemos exatamente quem foi, e a pessoa vai realmente se arrepender.
— Que é que vai acontecer? — perguntou Rony, ansioso.
— Bom, vamos dizer que a acne da Heloísa Midgeon vai parecer umas sardas engraçadinhas. Anda, vamos descer para tomar café e ver o que os outros acham... será que isso foi afixado em todas as casas?
Ficou imediatamente óbvio ao entrarem no Salão Principal que o aviso de
Umbridge não aparecera apenas na Torre da Grifinória. Havia uma intensidade peculiar nas conversas, e uma multiplicação das idas e vindas de alunos correndo às mesas e se consultando sobre o que haviam lido. Harry, Rony e Hermione tinham acabado de sentar quando Neville, Dino, Fred, Jorge e Gina caíram em cima deles.
— Vocês viram?
— Acham que ela sabe?
— Que vamos fazer?
Todos olhavam para Harry. Ele passou os olhos pelo salão para ter certeza de que não havia professores por perto.
— Claro que vamos continuar do mesmo jeito — confirmou em voz baixa.
— Eu sabia que você ia dizer isso — disse Jorge, abrindo um grande sorriso e dando pancadinhas no braço de Harry.
— Os monitores também? — perguntou Fred, olhando curioso para Rony e Hermione.
— Claro — disse Hermione calmamente.
— Aí vêm Ernesto e Ana Abbott — disse Rony, olhando por cima do ombro.
— E aqueles caras da Corvinal e Smith... e nenhum deles parece ter marcas no rosto.
Hermione teve uma reação de alarme.
— Esqueça as marcas, os idiotas não podem vir aqui agora, vai parecer realmente suspeito; vão sentar! — vociferou Hermione para Ernesto e Ana, fazendo gestos frenéticos para voltarem à mesa da Lufa-Lufa. — Mais tarde!
Falaremos... com... vocês... depois!
— Vou dizer ao Miguel — disse Gina, impaciente, deslizando para fora do banco —, o boboca, francamente...
Ela correu para a mesa da Corvinal; Harry observou-a afastando-se. Cho estava sentada não muito longe, conversando com a amiga de cabelos crespos que levara ao Cabeça de Javali. Será que o aviso da Umbridge a faria recear novos encontros?
Mas eles só perceberam a amplitude das repercussões do aviso quando estavam saindo do Salão Principal para a aula de História da Magia.
— Harry! Rony!
Era Angelina que corria em seu encalço, com um ar absolutamente desesperado.
— Tudo bem — disse Harry baixinho, quando ela se aproximou o suficiente para ouvi-lo. — Vamos continuar...
— Você não está entendendo que ela incluiu o quadribol nisso? Teremos de procurá-la e pedir permissão para reorganizar a equipe da Grifinória!
— Quê? — disse Harry.
— Nem pensar — disse Rony, estarrecido.
— Vocês leram o aviso, ela menciona os times também! Então, escute aqui, Harry... estou dizendo isso pela última vez... por favor, por favor, não perca a cabeça com a Umbridge de novo ou ela pode não deixar a gente jogar mais!
— O.k., o.k. — concordou Harry, porque Angelina parecia à beira das lágrimas. — Não se preocupe. Vou me comportar...
— Aposto como a Umbridge vai estar na História da Magia — disse Rony com ferocidade, quando se encaminhavam para a aula de Binns. — Ela ainda não o inspecionou... aposto que vai estar lá.
Mas se enganou; o único professor presente quando entraram era Binns, flutuando alguns centímetros acima de sua cadeira, como sempre, preparando-se para continuar sua monótona lengalenga sobre a guerra dos gigantes. Harry nem sequer tentou acompanhar o que ele estava dizendo; rabiscava a esmo em seu pergaminho, fingindo não entender os olhares e cutucadas freqüentes de Hermione, até que uma, particularmente dolorosa, nas costelas, o fez erguer os olhos aborrecido.
— Que foi?
Ela apontou para a janela. Harry olhou. Edwiges estava encarra-pitada no estreito peitoril, olhando fixamente para ele pela grossa vidraça, uma carta amarrada à perna. Harry não entendeu; tinham acabado de tomar o café da manhã; por que ela não entregara a carta então, como sempre? Muitos dos seus colegas estavam apontando Edwiges uns para os outros também.
— Ah, eu sempre adorei essa coruja, é tão linda — Harry ouviu Lilá suspirar para Parvati.
Ele olhou para o Prof. Binns, que continuava a ler suas anotações, serenamente inconsciente de que a atenção da turma estava ainda menos concentrada nele do que o normal. Harry saiu discretamente da carteira, abaixou-se e percorreu a fila até a janela, onde soltou o trinco, e a abriu muito devagarinho.
Esperou que Edwiges esticasse a perna para ele remover a carta e depois voasse para o corujal, mas, no instante em que a janela abriu o suficiente, ela pulou para dentro, piando triste. Ele fechou a janela lançando um olhar ansioso ao Prof. Binns, tornou a se abaixar e a voltar correndo para sua carteira, com Edwiges ao ombro. Sentou-se de novo, transferiu a coruja para o colo e fez menção de remover a carta amarrada à sua perna.
Só então percebeu que as penas da coruja estavam estranhamente arrepiadas, algumas tinham sido dobradas para trás e ela mantinha as asas em um ângulo esquisito.
— Ela está ferida! — sussurrou Harry, curvando-se para a ave. Hermione e Rony se inclinaram para mais perto; Hermione chegou mesmo a descansar a pena. — Olhem... tem alguma coisa errada com a asa dela...
Edwiges estava tremendo; quando Harry fez menção de tocar sua asa, ela se assustou, eriçando as penas como se estivesse se enchendo de ar, e deu ao dono um olhar de censura.
— Prof. Binns — chamou Harry em voz alta, e todos na classe se viraram para olhá-lo. — Não estou me sentindo bem.
O professor ergueu os olhos de seus papéis, parecendo espantado, como sempre, de ver diante dele uma sala cheia de gente.
— Não está se sentindo bem? — repetiu nebulosamente.
— Nada bem — disse Harry com firmeza, levantando-se com Edwiges escondida às costas. — Acho que preciso ir à ala hospitalar.
— Sei — disse o professor, nitidamente muito constrangido. — Sei... sei, ala hospitalar... bem, vá então, Perkins...
Uma vez fora da sala, Harry repôs Edwiges no ombro e saiu apressado pelo corredor, somente se detendo para pensar quando a porta de Binns já desaparecera de vista. A primeira pessoa que ele escolheria para tratar de Edwiges teria sido Hagrid, naturalmente, mas como não fazia idéia de onde andava, a única opção que lhe restava era encontrar a Profª Grubbly-Plank e esperar que ela o ajudasse.
Ele espiou os terrenos ventosos e nublados da escola pela janela. Não viu sinal da professora próximo à cabana de Hagrid; se não estava dando aulas, provavelmente estaria na sala dos professores. Ele resolveu descer com Edwiges balançando em seu ombro e piando fraco.
Duas gárgulas de pedra ladeavam a sala dos professores. Quando Harry se aproximou, uma delas crocitou:
— Você devia estar na aula, filhinho.
— É urgente — disse Harry com rispidez.
— Oôôôô, urgente é? — comentou a segunda gárgula, numa voz esganiçada.
— Bom, isto nos põe em nosso lugar, não é?
Harry bateu à porta. Ouviu passos, a porta se abriu, e deparou com a Profª McGonagall.
— Você não recebeu mais uma detenção! — exclamou ao vê-lo, seus óculos quadrados faiscando assustadoramente.
— Não, professora! — apressou-se a tranqüilizá-la.
— Então, por que não está na aula?
— Pelo jeito é urgente — comentou a segunda gárgula em tom de crítica.
— Estou procurando a Profª Grubbly-Plank — explicou Harry. — A minha coruja está ferida.
— Coruja ferida, foi o que disse?
A Profª Grubbly-Plank apareceu ao ombro da McGonagall, fumando um cachimbo e trazendo nas mãos um exemplar do Profeta Diário.
— Foi — confirmou Harry, retirando Edwiges cuidadosamente do ombro —, apareceu depois das outras corujas de correio com a asa esquisita, veja...
A professora prendeu o cachimbo firmemente entre os dentes e recebeu a coruja de Harry, observada pela Profª McGonagall.
— Humm — fez a professora, o cachimbo balançando ligeiramente enquanto falava. — Parece que alguma coisa a atacou. Mas não imagino o que poderia ter sido. Os Testrálios às vezes caçam pássaros, mas Hagrid treinou os de Hogwarts muito bem para não tocarem em corujas.
Harry não sabia nem se importava com o que seriam Testrálios; só queria saber se Edwiges ia ficar boa. A Profª McGonagall, porém, olhou para o garoto com perspicácia, e perguntou:
— Você sabe que distância essa coruja viajou, Potter?
— Hum, acho que veio de Londres.
Seus olhos encontraram os dela brevemente e ele percebeu, pelo jeito com que as sobrancelhas da professora se juntaram sobre o nariz, que compreendia que Londres significava o largo Grimmauld, doze.
A Profª Grubbly-Plank tirou um monóculo de dentro das vestes e encaixou-o no olho para examinar mais atentamente a asa de Edwiges.
— Devo poder resolver isso se você deixá-la comigo, Potter, em todo o caso ela não deve voar muito longe por alguns dias.
— Hum... certo... obrigado — disse Harry, na hora em que a sineta anunciava o intervalo.
— Tudo bem — disse a Profª Grubbly-Plank, tornando a entrar na sala dos professores.
— Um momento, Guilhermina! — chamou McGonagall. —A carta de Potter!
— Ah, é! — exclamou Harry, que momentaneamente esquecera o pergaminho atado à perna de Edwiges. A Profª Grubbly-Plank entregou-a e desapareceu no interior da sala de professores, levando a coruja que olhava fixamente para Harry, como se não pudesse acreditar que o dono fosse abandoná-la assim. Sentindo um ligeiro remorso, ele se virou para sair, mas a Profª McGonagall o chamou.
— Potter!
— Sim, senhora professora.
Ela olhou para os dois lados do corredor; havia estudantes vindo de ambas as direções.
— Não se esqueça — disse depressa em voz baixa, seus olhos no pergaminho que ele segurava — de que os canais de comunicação, de e para Hogwarts, podem estar sendo vigiados, sim?
— Eu... — começou a dizer Harry, mas as ondas de estudantes que vinham pelo corredor estavam quase alcançando-os. A professora lhe fez um breve aceno com a cabeça e se retirou, deixando Harry ser empurrado para o pátio pela multidão. Ele localizou Rony e Hermione, já parados em um canto abrigado, as golas das capas viradas para cima para protegê-los do vento.
Harry abriu o pergaminho, correu para os amigos e leu cinco palavras na caligrafia de Sirius.
Hoje, mesma hora, mesmo lugar.
— Edwiges está bem? — perguntou Hermione ansiosa, assim que a distância permitiu que ele a ouvisse.
— Aonde foi que você a levou? — perguntou Rony.
— Para a Grubbly-Plank. Encontrei a McGonagall... escutem...
E contou-lhes o que a professora dissera. Para sua surpresa, nenhum dos dois pareceu se abalar. Ao contrário, trocaram olhares muito significativos.
— Quê? — disse Harry, olhando de Rony para Hermione e novamente para o amigo.
— Bom, eu estava justamente dizendo ao Rony... e se alguém tivesse tentado interceptar Edwiges? Quero dizer, ela nunca se machucou em um vôo antes, não é?
— Afinal, de quem é a carta? — perguntou Rony, tirando o bilhete da mão de Harry.
— Snuffles — disse Harry baixinho.
— "Mesma hora, mesmo lugar?" Ele quer dizer a lareira na sala comunal?
— É óbvio — disse Hermione, lendo também o pergaminho. Mas manifestou sua apreensão. — Só espero que ninguém mais tenha lido isso...
— Mas ainda estava lacrado e tudo — disse Harry, tentando convencer a si mesmo e a Hermione. — E ninguém ia entender o que quer dizer se não soubesse que falei com ele antes, ia?
— Não sei — disse Hermione nervosa, pendurando a mochila às costas, quando a sineta tornou a tocar —, não seria difícil tornar a lacrar um pergaminho usando magia... e se alguém estiver vigiando a Rede de Flu... mas não vejo como podemos avisá-lo para não vir sem interceptarem o aviso também!
Eles desceram a escada para as masmorras onde tinham aula de Poções, os três absortos em seus pensamentos, mas, ao chegarem ao último degrau, foram chamados à realidade pela voz de Draco Malfoy, que estava parado bem à porta da sala de Snape, sacudindo um pergaminho de aspecto oficial e falando mais alto do que necessário para que eles pudessem ouvir todas as palavras que dizia.
— É, na mesma hora a Umbridge deu à equipe da Sonserina permissão para continuar a jogar. Fui pedir a ela logo que acordei. Bom, seria automático, quero dizer, ela conhece meu pai muito bem, ele está sempre entrando e saindo do Ministério... vai ser interessante ver se a Grifinória vai ganhar permissão para continuar a jogar, não acham?
— Não aceitem provocação — cochichou Hermione, implorando a Harry e Rony, que observavam Malfoy, os rostos tensos e os punhos fechados. — É o que ele quer.
— Quero dizer — continuou Malfoy, alteando um pouco mais a voz, os olhos cinzentos brilhando malevolamente para Harry e Rony — , se é uma questão de influência com o Ministério, acho que eles não têm muita chance... pelo que diz meu pai, há anos que estão procurando uma desculpa para despedir o Arthur Weasley... e quanto a Potter... meu pai diz que é apenas uma questão de tempo, logo o Ministério vai mandar despachá-lo para o Hospital St. Mungus... parece que lá tem uma enfermaria especial para gente que teve o cérebro fundido por magia.
Malfoy fez uma careta grotesca com a boca aberta e os olhos girando nas órbitas. Crabbe e Goyle deram os seus habituais grunhidos de riso, e Pansy
Parkinson guinchou de prazer.
Alguma coisa colidiu com força contra o ombro de Harry, empurrando-o para o lado. Uma fração de segundo depois, ele percebeu que Neville, às suas costas, acabara de avançar diretamente contra Malfoy.
— Neville, não!
Harry saltou para a frente e agarrou Neville pelas vestes; o garoto lutou freneticamente, os punhos sacudindo no ar, tentando desesperadamente chegar a Malfoy, que pareceu, por um instante, extremamente espantado.
— Me ajude! — gritou Harry para Rony, conseguindo passar um braço pelo pescoço de Neville e puxá-lo para trás, afastando-o dos alunos da Sonserina. Crabbe e Goyle flexionaram os braços colocando-se à frente de Malfoy, prontos para brigar. Rony agarrou os braços de Neville e juntos, ele e Harry, conseguiram arrastar o garoto para junto dos alunos da Grifinória. O rosto dele estava escarlate; a pressão que Harry fazia sobre sua garganta deixava-o ininteligível, saltavam palavras estranhas de sua boca.
— Não... graça... não... Mungus... mostre... a ele...
A porta da masmorra se abriu. Apareceu Snape. Seus olhos negros correram pelos alunos da Grifinória até o ponto em que Harry e Rony lutavam com Neville.
— Brigando, Potter, Weasley, Longbottom? — indagou, com sua voz fria e desdenhosa. — Dez pontos a menos para a Grifinória. Solte Longbottom, Potter, ou receberá uma detenção. Para dentro todos vocês.
Harry largou Neville, que ficou ofegando, de cara amarrada para ele.
— Tive de segurar você — exclamou Harry, apanhando sua mochila. — Crabbe e Goyle iam estraçalhar você.
Neville não disse nada, apenas agarrou a própria mochila e entrou na masmorra.
— Em nome de Merlim — perguntou Rony lentamente, ao acompanharem Neville —, o que foi aquilo?
Harry nada respondeu. Sabia exatamente por que o assunto de pessoas confinadas em St. Mungus, vítimas de danos ao cérebro produzidos por magia, perturbava Neville fortemente, mas jurara a Dumbledore que não contaria a ninguém o segredo de Neville. Nem mesmo Neville imaginava que ele soubesse.
Harry, Rony e Hermione ocuparam seus lugares habituais no fundo da sala, tiraram seus pergaminhos, penas e exemplares de Mil ervas e fungos mágicos. A sua volta, a turma murmurava sobre o que Neville acabara de fazer, mas, quando Snape fechou a porta da masmorra com uma pancada ressonante, todos imediatamente se calaram.
— Vocês irão notar — disse Snape, com sua voz baixa e desdenhosa — que hoje temos uma convidada conosco.
Ele indicou, com um gesto, um canto sombrio da masmorra, e Harry viu a Profª Umbridge sentada, com a prancheta sobre os joelhos. Olhou de esguelha para Rony e Hermione, as sobrancelhas erguidas. Snape e Umbridge, os dois professores que mais detestava. Ficava difícil decidir qual ele queria que vencesse qual.
— Hoje vamos continuar a nossa Solução para Fortalecer. Vocês encontrarão suas misturas como as deixaram na última aula; se foram feitas corretamente, elas deverão ter maturado a contento durante o fim de semana... as instruções... — ele acenou com a varinha — ... no quadro. Podem começar.
A Profª Umbridge passou a primeira meia hora da aula tomando notas em seu canto. Harry estava muito interessado em ouvi-la questionar Snape; tão interessado, que começou a descuidar de sua poção outra vez.
— Sangue de salamandra, Harry! — gemeu Hermione, agarrando o pulso dele para impedi-lo de adicionar o ingrediente errado pela terceira vez —, e não suco de romã!
— Certo — respondeu Harry distraído, pondo o frasco de lado e continuando a observar o canto. Umbridge acabara de se levantar. – Ah — exclamou baixinho, quando ela passou entre duas filas de carteiras em direção a Snape, que estava curvado para o caldeirão de Dino Thomas.
— Bom, a turma parece bastante adiantada para seu nível — disse ela, animada, para as costas de Snape. — Embora eu questione se é aconselhável lhes ensinar uma poção como a Solução para Fortalecer. Acho que o Ministério preferiria que fosse retirada do programa.
Snape se endireitou, lentamente, e se virou para encarar Umbridge.
— Agora... há quanto tempo você está ensinando em Hogwarts? — perguntou ela, com a pena em posição sobre a prancheta.
— Catorze anos. — A expressão de Snape era indefinível. Com os olhos em Snape, Harry acrescentou algumas gotas à sua poção; o líquido sibilou ameaçadoramente e mudou de turquesa para laranja.
— Você se candidatou primeiro ao cargo de professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, não foi? — perguntou a professora a Snape.
— Foi — respondeu ele em voz baixa.
— Mas não foi aceito?
O lábio de Snape se crispou.
— É óbvio.
A Profª Umbridge fez uma anotação na prancheta.
— E você tem se candidatado regularmente àquele cargo desde que foi admitido na escola?
— Sim — respondeu Snape, quase sem mover os lábios, a voz baixa. Parecia muito irritado.
— Tem alguma idéia por que Dumbledore tem se recusado consistentemente a nomeá-lo? — perguntou Umbridge.
— Sugiro que pergunte a ele — respondeu Snape aos arrancos.
— Ah, perguntarei — disse a professora com um sorriso meigo.
— Suponho que isto seja relevante? — perguntou Snape, estreitando os olhos negros.
— Ah é, é, sim, o Ministério quer ter uma compreensão abrangente dos professores... hum... sua vida pregressa.
Ela virou as costas, saiu em direção a Pansy Parkinson e começou a interrogá-la sobre as aulas. Snape olhou para Harry, e seus olhos se encontraram por um segundo. O garoto baixou os olhos depressa para sua poção, que agora congelava abominavelmente, soltando um cheiro forte de borracha queimada.
— Então, sem nota outra vez, Potter — disse Snape maliciosamente, esvaziando o caldeirão de Harry com um aceno da varinha. — Você vai me fazer um trabalho escrito sobre a composição correta desta poção, indicando como e por que errou, para me entregar na próxima aula, entendeu?
— Sim, senhor — respondeu Harry furioso. Snape já passara dever de casa para a turma e havia um treino de quadribol à noite; isto significaria mais umas duas noites sem dormir. Parecia impossível que tivesse acordado àquela manhã se sentindo muito feliz. Só o que sentia agora era um desejo ardente de ver o fim deste dia.
— Talvez eu mate a aula de Adivinhação — disse, deprimido, quando chegaram ao pátio depois do almoço, o vento açoitando as barras das vestes e dos chapéus. — Vou fingir que estou doente e fazer o trabalho do Snape na hora da aula, então não terei de ficar acordado metade da noite.
— Você não pode matar a aula de Adivinhação — disse Hermione severamente.
— Olhem quem está falando, você abandonou Adivinhação e detesta a Trelawney! — disse Rony indignado.
— Eu não detesto a Trelawney — contestou Hermione, com ar superior. — Acho simplesmente que ela é uma professora apavorante e uma charlatona velha das boas. Mas Harry já faltou à História da Magia e acho que ele não devia perder mais nenhuma aula hoje!
Havia verdade demais no argumento para não escutá-lo, então, meia hora
depois, Harry ocupou o seu lugar no ambiente excessivamente perfumado e quente da aula de Adivinhação, sentindo-se aborrecido com todos. A Profª Trelawney estava mais uma vez distribuindo os exemplares do Oráculo dos sonhos. Harry achou que seu tempo seria mais bem empregado no ensaio pedido por Snape, por castigo, do que sentado ali, tentando encontrar sentido em sonhos inventados.
Mas, pelo visto, ele não era a única pessoa em Adivinhação que estava de mau humor. A Profª Trelawney bateu com um exemplar do Oráculo na mesa entre Harry e Rony e se afastou majestosa, os lábios contraídos; jogou o exemplar seguinte em Simas e Dino, que passou de raspão pela cabeça de Simas, e empurrou o último exemplar no peito de Neville com tanta força que ele escorregou do pufe.
— Muito bem, podem começar! — disse a professora alto, a voz aguda e meio histérica —, vocês sabem o que fazer! Ou será que sou uma professora tão subcapacitada que vocês nunca aprenderam a abrir um livro?
A turma olhou para ela perplexa, depois se entreolhou, embora Harry soubesse qual era o problema. Quando a professora voltou num movimento brusco para sua cadeira de espaldar alto, os olhos, aumentados pelas lentes, cheios de lágrimas de raiva, ele inclinou a cabeça para Rony e murmurou:
— Acho que ela recebeu o resultado da inspeção.
— Professora? — disse Parvati Patil com a voz abafada (ela e Lilá sempre haviam admirado a Profª Trelawney). — Professora, há algum... hum... problema?
— Problema! — exclamou ela com a voz pulsante de emoção. — Certamente que não! Fui insultada, certamente... fizeram insinuações contra mim... acusações infundadas... mas, não, não há nenhum problema, certamente que não!
Ela tomou fôlego, estremecendo, e desviou o olhar de Parvati, as lágrimas de raiva vazando por baixo dos óculos.
— Nem quero falar — sua voz embargou — dos dezesseis anos de serviço dedicado... eles passaram, aparentemente, despercebidos... mas não vou admitir insultos... não, não vou admitir!
— Mas, professora, quem está insultando a senhora? — perguntou Parvati timidamente.
— A Instituição — respondeu ela numa voz grave, dramática e trêmula. — Aqueles que têm os olhos demasiado nublados pelas coisas mundanas para Ver o que Vejo, Saber o que Sei... naturalmente, nós, Videntes, sempre fomos temidos, sempre perseguidos... é, infelizmente, a nossa sina.
Ela engoliu em seco, enxugou as faces molhadas com a ponta do xale, depois puxou um lencinho bordado de dentro da manga e assoou o nariz com força, fazendo um barulho parecido com o de Pirraça soprando puns com a boca. Rony deu uma risadinha. Lilá lançou-lhe um olhar de censura.
— Professora — disse Parvati —, a senhora está se referindo... é alguma coisa que a Profª Umbridge...?
— Não me fale nessa mulher! — exclamou Trelawney, pondo-se repentinamente de pé, suas contas tilintando e seus óculos soltando lampejos.
— Faça o favor de continuar o seu trabalho!
E ela passou o resto da aula caminhando entre os alunos, as lágrimas ainda escorrendo por baixo dos óculos, resmungando baixinho palavras que pareciam ameaças.
—... posso muito bem preferir me retirar... a indignidade da coisa... em observação... veremos... como é que ela ousa...
— Você e Umbridge têm alguma coisa em comum — disse Harry a Hermione, baixinho, quando tornaram a se encontrar em Defesa Contra as Artes das Trevas. — Ela obviamente também considera Trelawney uma charlatã velha... parece que a pôs em observação.
Umbridge entrou na sala nesse instante, usando seu laço de veludo preto e uma expressão de grande satisfação íntima.
— Boa-tarde, turma.
— Boa-tarde, Profª Umbridge — repetiram eles sem entusiasmo.
— Guardem as varinhas, por favor.
Mas, desta vez, não houve nenhuma agitação em resposta; ninguém se dera o trabalho de tirar a varinha da mochila.
— Por favor, abram na página trinta e quatro de Teoria da defesa em magia, e leiam o terceiro capítulo, intitulado "O Caso das Respostas Não-Ofensivas ao Ataque Mágico". Não haverá...
—... necessidade de conversar — disseram, baixinho, Harry, Rony e
Hermione.
— Não tem treino de quadribol — disse Angelina em tom cavo, quando Harry, Rony e Hermione entraram na sala comunal depois do jantar daquela noite.
— Mas eu me controlei! — disse Harry horrorizado. — Não disse nada pra ela, Angelina, juro, eu...
— Eu sei, eu sei — respondeu Angelina, infeliz. — Ela simplesmente falou que precisava de um tempo para pensar.
— Pensar o quê? — perguntou Rony zangado. — Ela deu permissão a Sonserina, por que não a nós?
Mas Harry podia imaginar o quanto Umbridge estava se deliciando em manter sobre a cabeça deles a ameaça de não haver uma equipe de quadribol da Grifinória, e podia facilmente compreender por que tão cedo ela não iria querer abrir mão dessa arma que mantinha apontada para eles.
— Bem — disse Hermione —, olhe o lado bom da coisa, pelo menos agora você vai ter tempo de fazer o trabalho do Snape!
— E isso é um lado bom, é? — retrucou Harry, enquanto Rony olhava incrédulo para Hermione. — Nada de quadribol e uma dose extra de Poções?
Harry se largou em uma cadeira, puxou com relutância o trabalho de Poções para fora da mochila e começou a trabalhar. Foi muito difícil se concentrar; mesmo sabendo que Sirius só apareceria na lareira muito mais tarde, não conseguia deixar de olhar o fogo, a intervalos de minutos, só para ter certeza.
Havia ainda uma zoeira incrível na sala. Fred e Jorge, aparentemente, haviam aperfeiçoado um tipo de kit Mata-Aula, e se alternavam em demonstrá-lo para uma turma que dava vivas e gritos.
Primeiro, Fred dava uma mordida na ponta laranja de um doce, e em seguida vomitava espetacularmente em um balde que colocara à sua frente. Depois, ele se forçava a engolir a ponta roxa do doce, ao que a vontade de vomitar cessava imediatamente. Lino Jordan, que estava ajudando na demonstração, fazia desaparecer o vômito a intervalos regulares, sem pressa, com o mesmo Feitiço da Desaparição que Snape vivia usando para as poções de Harry.
Com a repetição regular dos vômitos e aplausos, e o barulho que Fred e Jorge faziam, anotando os pedidos antecipados dos colegas, Harry estava achando excepcionalmente difícil se concentrar no método correto para preparar a Solução para Fortalecer. Hermione não estava ajudando a melhorar nada; os aplausos e ruídos do vômito batendo no fundo do balde eram pontuados por seus sonoros resmungos de desaprovação, que para Harry, no mínimo, tinham o poder de desconcentrá-lo ainda mais.
— Então vai lá e faz eles pararem! — disse irritado, depois de riscar o peso da garra de grifo em pó que errara pela quarta vez.
— Não posso, tecnicamente eles não estão fazendo nada errado — disse Hermione trincando os dentes. — Eles têm todo o direito de comer as porcarias que quiserem, e não encontro nenhuma regra que diga que os outros idiotas não têm o direito de comprá-las, não até que fique provado que elas sejam de alguma maneira perigosas, e pelo visto não são.
Ela, Harry e Rony assistiram a Jorge projetar o vômito no balde, engolir o resto do doce e se erguer, sorrindo, com os braços abertos, para receber os prolongados aplausos.
— Sabem, eu não entendo por que Fred e Jorge só foram aprovados em três N.O.M.s cada um — disse Harry, observando como Fred, Jorge e Lino recebiam ouro dos colegas pressurosos. — Eles realmente sabem das coisas.
— Eles só sabem coisas espalhafatosas que não têm real utilidade para ninguém — disse Hermione depreciando.
— Não têm real utilidade? — disse Rony em tom tenso. — Hermione, eles já ganharam uns vinte e seis galeões!
Levou muito tempo para o ajuntamento em volta dos gêmeos Weasley se dispersar, depois Fred, Lino e Jorge ficaram acordados, ainda um bom tempo, contando o dinheiro, por isso já passava muito da meia-noite quando Harry, Rony e Hermione conseguiram ficar sozinhos na sala comunal. Finalmente, Fred fechou a porta para os dormitórios dos meninos, sacudindo sua caixa de galeões, com estardalhaço, para ver Hermione amarrar a cara. Harry, que fizera pouquíssimo progresso com o trabalho de Poções, decidiu parar por aquela noite. Ao guardar os livros, Rony, que tirava um cochilo na poltrona, deu um ronco abafado, acordou e olhou com a vista ainda turva para a lareira.
— Sirius! — exclamou.
Harry se virou depressa. O rosto e a cabeleira negra e desgrenhada de Sirius pairavam nas chamas.
— Oi — saudou-os sorridente.
— Oi — responderam Harry, Rony e Hermione em coro, e se ajoelharam no tapete diante da lareira. Bichento ronronou alto e chegou perto do fogo, tentando, apesar do calor, aproximar o focinho de Sirius.
— Como vão as coisas?
— Não muito boas — respondeu Harry, enquanto Hermione afastava Bichento, para impedi-lo de chamuscar os bigodes. — O Ministério nos impôs mais um decreto, o que significa que não podemos ter equipes de quadribol...
— Nem grupos secretos de Defesa Contra as Artes das Trevas? — perguntou Sirius.
Houve uma breve pausa.
— Como é que você soube? — indagou Harry.
— Vocês precisam escolher com mais cuidado o local onde se reúnem — disse Sirius, dando um sorriso ainda maior. — Logo o Cabeça de Javali, eu lhe pergunto?
— Bom, era melhor do que o Três Vassouras — disse Hermione defensivamente. — Está sempre lotado...
— O que significa que seria mais difícil ouvir vocês — disse Sirius. — Você tem muito que aprender, Hermione.
— Quem nos ouviu? — perguntou Harry.
— Mundungo, é claro — e quando todos fizeram cara de espanto, ele deu uma risada. — Era a bruxa de véu.
— Aquela era Mundungo? — exclamou Harry atordoado. — Que é que ele estava fazendo no Cabeça de Javali?
— Que é que você acha que ele estava fazendo? — perguntou Sirius impaciente. — Vigiando você, é claro.
— Eu continuo sendo seguido? — indagou Harry aborrecido.
— Continua, sim, e ainda bem, não é, se a primeira coisa que você faz no fim de semana de folga é organizar um grupo ilegal de Defesa!
Mas ele não parecia zangado nem preocupado. Pelo contrário, olhava Harry com visível orgulho.
— Por que Dunga estava se escondendo da gente? — perguntou Rony desapontado. — Teríamos gostado de revê-lo.
— Ele foi expulso do Cabeça de Javali há vinte anos — disse Sirius — , e o barman tem boa memória. Perdemos a Capa da Invisibilidade sobressalente de Moody quando Estúrgio foi preso, então ultimamente o Dunga tem se vestido muitas vezes de bruxa... em todo o caso... primeiro, Rony, jurei lhe passar um recado de sua mãe.
— Foi? — exclamou Rony apreensivo.
— Ela manda dizer que em hipótese alguma você deve tomar parte em um grupo secreto e ilegal de Defesa Contra as Artes das Trevas. Manda dizer que, sem a menor dúvida, você será expulso e o seu futuro arruinado. Ela manda dizer que mais tarde haverá muito tempo para você aprender a se defender e que ainda é muito criança para estar se preocupando com isso agora. Ela também aconselha — (os olhos de Sirius se voltaram para os outros dois) — Harry e Hermione a não continuarem com o grupo, embora reconheça que não tem autoridade alguma sobre nenhum dos dois, e simplesmente suplica que se lembrem de que ela quer o bem de ambos. Ela teria escrito tudo isso, mas, se a coruja fosse interceptada, vocês estariam realmente enrascados, e não pôde vir falar pessoalmente porque está de serviço hoje à noite.
— Como de serviço hoje à noite? — perguntou Rony depressa.
— Não se preocupe, coisas da Ordem — disse Sirius. — Por isso fiquei sendo o mensageiro, não se esqueça de dizer a ela que transmiti a mensagem completa, porque acho que ela não confia em mim.
Houve mais uma pausa em que Bichento, miando, tentou alcançar a cabeça de Sirius com a pata, e Rony brincou com um buraco no tapete.
— Então, você quer que eu diga que não vou tomar parte no grupo de Defesa? — murmurou ele finalmente.
— Eu? Com certeza que não! — exclamou Sirius fazendo uma cara surpresa. — Acho uma idéia excelente!
— Acha mesmo? — disse Harry, sentindo o peito aliviado.
— Claro que sim! Você acha que seu pai e eu teríamos baixado a cabeça e aceitado ordens de uma megera velha como a Umbridge?
— Mas... no período passado você só fez me dizer para ter cuidado e não correr riscos...
— No ano passado, todos os indícios mostravam que alguém dentro de Hogwarts estava tentando matar você, Harry! — disse Sirius impaciente. — Este ano, sabemos que tem alguém fora de Hogwarts que gostaria de matar todos nós, por isso acho que aprender a se defender corretamente é uma excelente idéia!
— E se formos expulsos? — perguntou Hermione, com uma expressão intrigada no rosto.
— Mas, Hermione, essa história toda foi idéia sua! — exclamou Harry olhando para a amiga.
— Eu sei que foi. Eu só queria saber a opinião de Sirius — disse ela sacudindo os ombros.
— Bom, é melhor ser expulso e capaz de se defender do que se sentar em segurança na escola sem ter idéia de nada.
— Apoiado, apoiado — exclamaram Harry e Rony entusiasticamente.
— Então, como é que vocês estão organizando o grupo? Onde vão se encontrar?
— Bom, isso é um probleminha — disse Harry. — Não sei onde vamos poder nos encontrar.
— Que tal a Casa dos Gritos? — sugeriu Sirius.
— Ei, seria ideal! — exclamou Rony excitado, mas Hermione manifestou seu ceticismo, e os três olharam para ela, a cabeça de Sirius girando nas chamas.
— Bom, Sirius, é que vocês eram só quatro a se encontrar na Casa dos Gritos quando estavam na escola — comentou Hermione — , e todos eram capazes de se transformar em animais e suponho que pudessem se espremer embaixo de uma única Capa da Invisibilidade, se quisessem. Mas nós somos vinte e oito e nenhum é animago, por isso iríamos precisar não de uma capa, mas de um toldo da invisibilidade...
— Um bom argumento — disse Sirius, parecendo ligeiramente desapontado. — Bom, tenho certeza que vocês vão arranjar algum lugar. Costumava haver uma passagem secreta bem espaçosa atrás daquele espelho grande no quarto andar, talvez vocês tivessem bastante espaço para praticar azarações ali.
— Fred e Jorge me disseram que foi bloqueada — disse Harry, balançando a cabeça. — Ruiu ou coisa assim.
— Ah... — disse Sirius, enrugando a testa. — Bom, terei de pensar e voltar... Ele parou de falar. Seu rosto tornou-se de repente tenso. Virou-se de lado, parecendo olhar para a parede sólida da lareira.
— Sirius? — chamou Harry ansioso.
Mas ele desaparecera. Harry ficou olhando boquiaberto para as chamas por um instante, depois se voltou para Rony e Hermione.
— Por que será...?
Hermione soltou uma exclamação de horror e ficou em pé de um pulo, ainda fixando o fogo.
Aparecera uma mão entre as chamas, tateando como se quisesse agarrar alguma coisa: uma mão gorducha de dedos curtos, coberta de anéis feios e antiquados.
Os três saíram correndo. A porta do dormitório dos meninos, Harry olhou para trás. A mão de Umbridge ainda gesticulava entre as chamas, como se soubesse exatamente onde estivera momentos antes a cabeleira de Sirius, e continuava decidida a agarrá-la.