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Unknown
junho 05, 2014
Capítulo 23
Fred e Jorge fizeram grande sucesso com os seus Cremes de Canário e, nos primeiros dois dias de férias, as pessoas não paravam de explodir em penas por todo o lado. Não tardou muito, porém, todos os alunos da Grifinória aprenderam a olhar a comida que outras pessoas ofereciam com extrema cautela, para a eventualidade de ter Creme de Canário escondido no meio e Jorge confidenciou a Harry que ele e Fred agora estavam trabalhando em outra invenção.
Harry fez uma anotação mental para, no futuro, jamais aceitar sequer uma batata frita de Fred e Jorge. Ele ainda não esquecera Duda e o Caramelo Incha-Língua.
Caía muita neve sobre o castelo e seus terrenos agora. A carruagem azul clara da Beauxbatons parecia uma enorme abóbora coberta de gelo ao lado da casinha de bolo glaçado que era a cabana de Hagrid, enquanto as escotilhas do navio de Durmstrang estavam foscas e o cordame branco de gelo. Os elfos domésticos na cozinha se desdobravam para preparar pratos nutritivos, ensopados que aqueciam e sobremesas deliciosas, e somente Fleur Delacor parecia ser capaz de encontrar de que reclamar.
— É pesada demais, essa comida de Hogwarts — ouviram-na reclamar mal-humorada, quando, certa noite, deixavam a Salão Principal atrás dela (Rony escondendo-se atrás de Harry, cuidando para não ser visto por Fleur). — Não vou caberr nas minhas vestes de baile!
— Aaah, mas que tragédia — comentou Hermione na hora em que Fleur ia chegando ao saguão de entrada. — Ela realmente se acha muito importante, essa aí, não é?
— Hermione, com quem você vai ao baile? — perguntou Rony.
O garoto não parava de assediá-la com essa pergunta, na esperança de fazê-la responder sem querer ao ser perguntada quando menos esperasse. No entanto, Hermione meramente franzia a testa e dizia:
— Não vou lhe contar porque você iria caçoar de mim.
— Você está brincando, Weasley? — disse Malfoy às costas deles. — Você está dizendo que alguém convidou isso para ir ao baile? Não foi o sangue-ruim de molares compridos, foi?
Harry e Rony se viraram na mesma hora, mas Hermione disse em voz alta, acenando para alguém por cima do ombro de Malfoy:
— Olá, Professor Moody!
Malfoy ficou pálido e pulou para trás, procurando Moody com um olhar alucinado, mas o professor ainda estava à mesa, terminando seu ensopado.
— Que doninha nervosinha você é, hein? — comentou Hermione demonstrando desprezo, e ela, Rony e Harry subiram a escadaria de mármore dando boas risadas.
— Hermione — disse Rony, olhando para ela de esguelha e, de repente, franzindo a testa —, os seus dentes...
— Que têm eles?
— Bem, estão diferentes... Acabei de notar...
— Claro que estão, você esperava que eu ficasse com aquelas presas que Malfoy me deu?
— Não, quero dizer, eles estão diferentes do que eram antes de ele lançar o feitiço em você... Estão... Retos e... Do tamanho normal.
Hermione de repente sorriu muito travessamente, e Harry também reparou: era um sorriso diferente do que ele lembrava.
— Bem... Quando fui procurar Madame Pomfrey para consertar os dentes, ela segurou um espelho e me disse para mandar ela parar quando os dentes voltassem ao tamanho normal. E eu deixei ela demorar um pouco mais. — Hermione deu um sorriso ainda maior.
— Papai e mamãe não vão ficar muito satisfeitos. Estou tentando convencer os dois a me deixar reduzir os dentes há séculos, mas eles queriam que eu continuasse com o aparelho. Sabe, eles são dentistas, daí acharem que dentes e magia não devem... Olhem lá! Pichitinho voltou!
A corujinha de Rony piava feito louca no alto da balaustrada enfeitada de pingentes de gelo, um rolo de pergaminho amarrado à perna. As pessoas que passavam apontavam e riam, e um grupo de alunas do terceiro ano parou para comentar: "Ah, olha só que corujinha mínima! Não é uma gracinha?”
— Seu penoso babaca! — sibilou Rony correndo escada acima e agarrando Pichitinho. — Você entrega as cartas direto ao destinatário! Não fica por aí se exibindo! — Pichitinho piou alegremente, a cabeça espichando por cima da mão fechada de Rony. As garotas do terceiro ano pareceram muito chocadas.
— Caiam fora! — disse Rony rispidamente, sacudindo a mão que segurava a coruja, que piou ainda mais alegremente ao sair voando pelos ares. — Aqui, toma, Harry — acrescentou Rony em voz baixa, enquanto as garotas saíam correndo com o ar escandalizado. Ele puxou a resposta da perna de Pichitinho, Harry embolsou-a e os três correram a lê-la na Torre da Grifinória.
Todos na sala comunal estavam demasiado ocupados extravasando a agitação das férias para observar o que alguém mais estivesse fazendo. Harry, Rony e Hermione se sentaram afastados dos colegas, junto a uma janela escura que lentamente se cobria de neve e Harry leu em voz alta.
“Caro Harry,
Parabéns por conseguir passar pelo Rabo-Córneo, quem pôs o seu nome naquele cálice não deve estar se sentindo muito feliz no momento! Eu ia sugerir um Feitiço Conjunctivitus, porque os olhos do dragão são o seu ponto mais fraco...
— Foi o que Krum usou! — murmurou Hermione.
Mas do seu jeito foi melhor, estou impressionado.
Porém, não fique se sentindo muito satisfeito consigo mesmo, Harry. Você só deu conta de uma tarefa, quem o inscreveu no torneio vai ter muitas outras oportunidades se quer realmente lhe fazer mal.
Mantenha os olhos abertos — particularmente quando a pessoa de quem já falamos estiver por perto — e se concentre em não se meter em confusões.
Mande notícias, contínuo querendo saber de qualquer coisa anormal.
Sirius”.
— Ele está falando exatamente a mesma coisa que Moody — disse Harry em voz baixa, guardando a carta dentro das vestes. — "Vigilância constante!" Parece até que eu ando por aí com os olhos fechados, ricocheteando nas paredes...
— Mas ele tem razão, Harry — disse Hermione —, você ainda tem duas tarefas a cumprir. Devia realmente dar uma olhada naquele ovo, sabe, e começar a estudar o que significa...
— Hermione, ainda faltam séculos! — disse Rony com rispidez. — Quer jogar uma partida de xadrez, Harry?
— OK — disse Harry. Depois, vendo a expressão de Hermione. — Vamos, como é que vou me concentrar nessa barulheira? Não vou conseguir nem ouvir o ovo com essa turma berrando.
— Ah, imagino que não — suspirou ela, se sentando para assistir à partida, que terminou num excitante xeque-mate de Rony, envolvendo dois peões corajosos, mas imprudentes e um bispo muito violento.
Harry acordou, de repente, na manhã de Natal. Imaginando o que teria causado o seu abrupto retorno à consciência, ele abriu os olhos e viu uma coisa de olhos muito grandes, verdes e redondos que o encarava na escuridão, tão próximo que a coisa e ele estavam quase nariz contra nariz.
— Dobby!— berrou Harry, afastando-se do elfo tão depressa que quase caiu da cama. — Não faz isso!
— Dobby sente muito, meu senhor! — esganiçou-se o elfo com a voz cheia de ansiedade, saltando pra trás com os longos dedos cobrindo a boca. — Dobby só está querendo desejar a Harry Potter "Feliz Natal" e lhe trazer um presente, meu senhor! Harry Potter disse que Dobby podia vir vê-lo um dia desses, meu senhor!
— Tudo bem — disse Harry, ainda respirando muito acelerado, enquanto seu coração voltava ao normal. — Da próxima vez é só me cutucar ou outra coisa assim, não se debruça sobre mim desse jeito...
Harry afastou as cortinas da cama, apanhou os óculos na mesa de cabeceira e colocou-os. Seu berro acordara Rony, Simas, Dino e Neville. Os quatro estavam espiando entre as cortinas de suas camas, as pálpebras pesadas e os cabelos desmanchados.
— Alguém está atacando você, Harry? — perguntou Simas sonolento.
— Não, é só o Dobby — resmungou Harry. — Pode voltar a dormir.
— Ah... Presentes! — exclamou Simas, vendo a montanha aos pés de sua cama.
Rony, Dino e Neville resolveram que, uma vez que estavam acordados, era melhor começarem a abrir os presentes, também. Harry se voltou para Dobby, que agora estava de pé, nervoso, ao lado de sua cama, ainda com o ar preocupado por ter perturbado o garoto. Havia um enfeite de Natal preso à argola do seu abafador.
— Dobby pode dar o presente dele a Harry Potter? — perguntou ele hesitante.
— Claro que pode. Hum... Também tenho uma coisinha para você.
Era mentira; não comprara nada para Dobby, mas abriu depressa o seu malão e tirou um par de meias enrolado, e particularmente cheias de bolotinhas.
Eram suas meias mais velhas e piores, amarelo-mostarda e, tempos atrás, tinham pertencido ao tio Válter. A razão por que estavam tão emboloradas é que Harry as usava para embrulhar o bisbilhoscópio. Ele desembrulhou o objeto e entregou as meias a Dobby, dizendo:
— Desculpe, me esqueci de embrulhar...
Mas Dobby ficou absolutamente encantado.
— As meias são as peças favoritas, favoritas mesmo, de Dobby, meu senhor! — disse o elfo rasgando as meias velhas que calçava e pondo as do tio Válter.
— Agora tenho sete, meu senhor... Mas, meu senhor... — disse ele arregalando os olhos, depois de puxar as meias até onde pôde, de modo que elas chegaram à bainha dos seus shorts — eles se enganaram na loja, Harry Potter, lhe venderam duas meias iguais!
— Ah, não, Harry, como foi que você não viu isso! — exclamou Rony, rindo lá de sua cama, que agora estava juncada de papel de embrulho. — Vou dizer o que vou fazer, Dobby, aqui, tome mais duas e você pode combiná-las como deve ser. E aqui está seu suéter.
O garoto atirou para Dobby um par de meias roxas que acabara de desembrulhar e o suéter tricotado à mão que a Sra. Weasley lhe mandara.
Dobby não coube em si de contentamento.
— Meu senhor, o senhor é muito bondoso! — guinchou ele com os olhos transbordantes de lágrimas, fazendo profundas reverências para Rony. — Dobby sabia que o senhor devia ser um grande bruxo, porque é o maior amigo de Harry Potter, mas Dobby não sabia que também era tão grande em generosidade de alma, tão nobre, tão sem egoísmo...
— São apenas meias — disse Rony, cujas orelhas coraram ligeiramente, embora ele parecesse muito satisfeito. — Uau, Harry — ele acabara de abrir o presente de Harry, um boné do Chudley Cannon. — Maneiro! — Enfiou o boné na cabeça, onde a cor se chocou violentamente com os seus cabelos.
Dobby em seguida entregou um pacotinho a Harry, que continha nada menos que... Meias.
— Dobby fez elas com as próprias mãos, meu senhor! — disse o elfo alegremente. — Comprou a lã com o ordenado dele, meu senhor!
A meia esquerda era vermelho-berrante e tinha uns desenhos de vassouras, a direita era verde, com um desenho de nós.
— Elas são... Elas são realmente... Ah, muito obrigado, Dobby — disse Harry e calçou-as, fazendo os olhos de Dobby marejarem novamente de felicidade.
— Dobby precisa ir agora, meu senhor, já estamos preparando o almoço de Natal na cozinha! — E saiu apressado do dormitório, acenando um adeus para Rony e os outros garotos ao passar.
Os outros presentes de Harry foram muito mais satisfatórios do que as meias desparelhadas de Dobby — com exceção óbvia do presente dos Dursley, que consistia em uma única folha de papel absorvente, o mais pobre que já recebera, Harry supôs que eles, também, deviam estar se lembrando do Caramelo Incha-Língua.
Hermione dera a Harry um livro intitulado Os Times de Quadribol da Grã-Bretanha e da Irlanda, Rony, uma grande sacola de bombas de bosta, Sirius, um canivete maneiro com acessórios para abrir qualquer porta e desfazer qualquer nó e Hagrid, uma enorme caixa de doces com todos os que Harry mais gostava — Feijõezinhos de Todos os Sabores Bertie Botts, Sapos de Chocolate, Chicles de Baba-Bola e Delícias Gasosas. Ganhara, também, é claro, o pacote habitual da Sra. Weasley, incluindo um novo suéter (verde com a estampa de um dragão — Harry imaginou que Carlinhos lhe contara tudo sobre o Rabo-Córneo) e uma grande quantidade de tortas caseiras de frutas secas.
Harry e Rony se encontraram com Hermione na sala comunal e desceram juntos para tomar o café da manhã. Os três passaram a maior parte da manhã na Torre da Grifinória, onde todos se divertiam com os presentes recebidos, depois voltaram ao Salão Principal para um almoço magnífico, que incluía no mínimo uns cem perus e pudins de Natal e montanhas de Bolachas Mágicas de Cribbage.
Os garotos saíram para os jardins à tarde, a neve estava intocada, exceto pelas valas fundas feitas pelos estudantes de Durmstrang e Beauxbatons a caminho do castelo. Hermione preferiu assistir à batalha de bolas de neve de Harry com os Weasley, em vez de tomar parte nela e, às cinco horas, disse que ia subir para se preparar para o baile.
— Quê, você precisa de três horas? — perguntou Rony, olhando para ela incrédulo e pagando por esse lapso de concentração: uma enorme bola, atirada por Jorge, atingiu-o com força do lado da cabeça. — Com quem é que você vai? — gritou ele para Hermione, mas a garota apenas acenou e desapareceu pela escada de acesso ao castelo.
Não houve o chá de Natal àquela tarde porque o baile incluía um banquete, de modo que às sete horas, quando ficou difícil fazer pontaria direito, os garotos abandonaram a batalha de bolas de neve e marcharam de volta ao salão comunal.
A Mulher Gorda estava sentada em sua moldura com a amiga Violeta do andar de baixo, as duas extremamente tontas, caixas vazias de bombons recheados de licor amontoadas sob o quadro.
— Lutas de Covil é isso aí! — riu-se ela quando os garotos disseram a senha, e ela girou o quadro para frente para deixá-los passar.
Harry, Rony, Simas, Dino e Neville trocaram a roupa por vestes a rigor no dormitório, todos se sentindo muito constrangidos, mas nenhum tanto quanto Rony, que se examinou no comprido espelho a um canto, com cara de desgosto.
Não havia como contornar o fato de que as vestes dele pareciam mais um vestido do que qualquer outra coisa. Numa tentativa desesperada de fazê-las parecer mais masculinas, ele usou um Feitiço de Corte nos babados do decote e das mangas. Funcionou bastante bem, pelo menos se livrara das rendas, embora não tivesse feito um trabalho muito caprichado, e as barras ainda parecessem lastimavelmente esfiapadas quando eles desceram.
— Eu ainda não consigo entender como foi que vocês dois ficaram com as garotas mais bonitas do ano — murmurou Dino.
— Magnetismo animal — disse Rony deprimido, puxando fiapos das bainhas dos punhos.
O salão comunal estava com um ar estranho, cheio de gente usando diferentes cores em lugar da massa negra de sempre. Parvati esperava Harry ao pé da escada. Estava realmente muito bonita, com vestes rosa-choque, sua longa trança negra entrelaçada com ouro e pulseiras de ouro reluzindo nos braços.
Harry se sentiu aliviado de ver que ela não estava dando risadinhas.
— Você... Hum... Está bonita — disse ele sem jeito.
— Obrigada. Padma vai se encontrar com você no saguão de entrada — acrescentou para Rony.
— Certo — disse Rony, olhando à volta. — Cadê Hermione?
Parvati deu de ombros.
— Vamos descer, então, Harry?
— OK — concordou o menino, desejando poder continuar no salão comunal.
Fred piscou para ele ao passar pelo buraco do retrato.
O saguão de entrada também estava apinhado de estudantes, todos andando por ali à espera de que dessem oito horas, quando as portas para o Salão Principal seriam abertas. As pessoas que iam encontrar pares de outras Casas procuravam atravessar a aglomeração, tentando localizar uns aos outros.
Parvati encontrou a irmã Padma e levou-a até Harry e Rony.
— Oi — cumprimentou Padma, que estava tão bonita quanto Parvati, de vestes turquesa-forte. Mas não parecia muito entusiasmada com a idéia de ter Rony como par, seus olhos escuros se demoraram nas mangas e no decote esfiapados das vestes do garoto quando o examinou de alto a baixo.
— Oi — disse Rony sem olhar para ela, mas espiando os convidados. — Ah, não...
Ele dobrou ligeiramente os joelhos para se esconder atrás de Harry, porque Fleur Delacour ia passando, absolutamente fantástica com suas vestes de cetim cinza-prateado, acompanhada pelo capitão do time de Quadribol da Corvinal, Rogério Davies. Quando os dois desapareceram, Rony se endireitou e ficou examinando as cabeças das pessoas que estavam de costas.
— Cadê a Hermione? — indagou outra vez.
Um grupo de alunos da Sonserina vinha subindo as escadas do seu salão comunal na masmorra.
Malfoy à frente; usava vestes de veludo negro com a gola alta, que na opinião de Harry o faziam parecer um padre. Pansy Parkinson estava agarrada ao braço de Malfoy, com vestes rosa-claro cheias de babadinhos. Crabbe e Goyle vinham de verde, pareciam pedregulhos cobertos de limo e nenhum dos dois, Harry ficou satisfeito de constatar, conseguira encontrar um par.
As portas de carvalho da entrada se abriram e todos se viraram para olhar os alunos de Durmstrang entrarem com o Professor Karkaroff. Krum vinha à frente da delegação, acompanhado por uma garota bonita, de vestes azuis, que Harry não conhecia.
Por cima das cabeças do grupo, ele viu que a área do gramado logo à entrada do castelo fora transformada em uma espécie de gruta cheia de luzes encantadas — ou seja, centenas de fadinhas vivas encontravam-se sentadas nas roseiras que tinham sido conjuradas ali e esvoaçavam sobre as estátuas que pareciam representar Papai Noel e suas renas.
Então a voz da Professora Minerva McGonagall chamou:
— Campeões aqui, por favor!
Parvati ajeitou as franjas, sorridente, ela e Harry disseram "Vemos vocês daqui a pouco", para Rony e Padma, e se adiantaram, a aglomeração de pessoas que conversavam se abriu para deixá-los passar. A professora, que trajava vestes a rigor de tartan vermelho, e enfeitara a aba do chapéu com uma guirlanda bem feiosa de cardos — a flor nacional da Escócia —, mandou-os esperar a um lado das portas, enquanto os demais entravam. Eles deviam entrar no Salão Principal em cortejo, quando os outros estudantes se sentassem. Fleur Delacour e Rogério Davies pararam mais próximos às portas. Davies parecia tão aturdido com a sua sorte de ter Fleur como par que mal conseguia desgrudar os olhos dela.
Cedrico e Cho ficaram ao lado de Harry, o garoto desviou o olhar para não precisar conversar com eles. Em lugar disso, seu olhar recaiu sobre a garota ao lado de Krum. Seu queixo caiu.
Era Hermione.
Mas ela não parecia nadinha com a Hermione. Fizera alguma coisa com os cabelos, não estavam mais lanzudos, mas lisos e brilhantes e enrolados num elegante nó na nuca. Estava usando vestes feitas de um tecido etéreo azul-pervinca, e tinha uma postura um tanto diferente — ou talvez fosse meramente a ausência dos vinte e tantos livros que ela normalmente carregava às costas. E sorria — um sorriso um pouco nervoso, era verdade — mas a redução no tamanho dos dentes da frente era mais visível que nunca.
Harry não conseguia compreender como não a vira antes.
— Oi, Harry! — disse ela. — Oi, Parvati!
Parvati mirava Hermione com depreciativa incredulidade. E não era a única, tampouco, quando as portas do Salão Principal se abriram, o fã-clube de Krum que fazia ponto na biblioteca passou, lançando a Hermione olhares de profundo desprezo. Pansy Parkinson boquiabriu-se ao passar com Malfoy, e mesmo ele não pareceu capaz de encontrar uma ofensa para atirar a Hermione. Rony, porém, passou direto por ela sem sequer olhar.
Depois que estavam todos sentados no salão, a Professora Minerva mandou os campeões e seus pares formarem um cortejo, de dois em dois, e a seguiram. Os garotos obedeceram e todos no salão aplaudiram, quando eles entraram e se dirigiram a uma grande mesa redonda no fundo do salão, onde estavam sentados os juizes.
As paredes do salão estavam cobertas de gelo prateado e cintilante, com centenas de guirlandas de visco e azevinho cruzando o teto escuro salpicado de estrelas.
As mesas das Casas haviam desaparecido; em lugar delas havia umas cem mesinhas iluminadas com lanternas, que acomodavam, cada uma, doze pessoas.
Harry se concentrou em não tropeçar nos próprios pés. Parvati parecia estar se divertindo, sorria radiante para todos, conduzindo Harry com tanta firmeza que ele teve a sensação de que era um cachorrinho de concurso que ela estava ensinando a desfilar. Ele avistou Rony e Padma ao se aproximar da mesa principal. Rony observava Hermione passar com os olhos apertados. Padma parecia chateada.
Dumbledore sorriu feliz quando os campeões se aproximaram da mesa principal, mas Karkaroff tinha uma expressão parecidíssima com a de Rony ao ver Krum e Hermione se aproximarem.
Ludo Bagman, esta noite de vestes roxo-berrante, com grandes estrelas amarelas, batia palmas com tanto entusiasmo quanto qualquer estudante e Madame Maxime, que trocara o uniforme costumeiro de cetim negro por um vestido rodado de seda lilás, os aplaudia educadamente. Mas o Sr. Crouch, Harry percebeu de súbito, não estava presente. A quinta cadeira à mesa estava ocupada por Percy Weasley.
Quando os campeões e seus pares chegaram à mesa, Percy puxou uma cadeira vazia ao seu lado, olhando significativamente para Harry. Harry entendeu a deixa e se sentou ao lado do garoto, que trajava vestes a rigor azul-marinho, novíssimas, e exibia uma expressão de grande presunção.
— Fui promovido — disse Percy, antes mesmo que Harry lhe perguntasse e, pelo seu tom, parecia estar anunciando sua eleição para Supremo Dirigente do Universo. — Agora sou assistente pessoal do Sr. Crouch, e estou aqui para representá-lo.
— Por que é que ele não veio? — perguntou Harry. Não se sentia nada ansioso para passar o jantar ouvindo uma aula sobre o fundo dos caldeirões.
— Receio que o Sr. Crouch não esteja passando bem, nada bem. Não tem estado bem desde a Copa Mundial. O que não chega a surpreender, excesso de trabalho. Já não é tão jovem quanto era, embora continue genial, é claro, a cabeça continua brilhante como sempre foi. Mas a Copa Mundial foi um fiasco para todo o Ministério, e depois, o Sr. Crouch sofreu um grande choque pessoal com o mau comportamento do seu elfo doméstico, Blinky, ou sei lá que nome tinha. Naturalmente ele a dispensou em seguida, mas, bem, como disse, meu chefe está ficando velho, precisa de alguém para cuidar dele, e acho que seu conforto em casa sofreu um decidido baque desde que o elfo foi embora. Depois, então, tivemos que organizar o torneio, e o rescaldo da Copa Mundial para resolver, aquela nojenta da Skeeter xeretando por toda parte, não, coitado, ele está passando um tranqüilo e merecido Natal. Só fico satisfeito por ele saber que tem alguém de confiança para substituí-lo.
Harry teve muita vontade de perguntar se o Sr. Crouch já parara de chamar Percy de "Wearherby", mas resistiu à tentação. Ainda não havia comida nas travessas de ouro, apenas pequenos menus diante de cada conviva. Harry apanhou o dele hesitante e espiou para os lados — não havia garçons.
Dumbledore, no entanto, examinou atentamente o próprio menu, depois ordenou muito claramente ao seu prato:
— Costeletas de porco!
E as costeletas de porco apareceram. Entendendo a idéia, os demais ocupantes da mesa também fizeram os pedidos aos seus pratos. Harry olhou para Hermione a ver o que ela achava desse novo e complicado método de jantar — certamente significava muito mais trabalho para os elfos domésticos! —, mas, ao menos uma vez na vida, Hermione não parecia estar pensando no F.A.L.E. Estava profundamente absorta conversando com Vítor Krum e parecia nem notar o que estava comendo.
Agora ocorria a Harry que ele nunca chegara a ouvir Krum falar antes, mas sem dúvida o garoto estava falando agora e, pelo visto, com muito entusiasmo.
— Pom, temos um castelo também, non é ton grrande quanto este, nem ton conforrtável, acho — ia ele dizendo a Hermione. — Temos só quatro andarres, e as larreirras só são acesas parra finalidades mágicas. Mas a prroprriedade em que ecstá a escola é ainda maiorr do que esta, emborra no inverrno a gente tenha muito pouca luz solarr, porr isso não aprroveitamos muito os jarrdins. Mas no verrão todo o dia sobrrevoamos os lagos e montanhas...
— Ora, ora, Vítor! — disse Karkaroff, com uma risada que não se estendeu aos seus olhos frios. — Não vá contar mais nada, agora, ou a nossa encantadora amiga vai saber exatamente onde nos encontrar!
Dumbledore sorriu, seus olhos cintilando.
— Igor, tanto segredo... A pessoa poderia até pensar que você não quer visitas.
— Bom, Dumbledore — disse Karkaroff, mostrando os dentes amarelos —, todos protegemos os nossos domínios, não? Todos não guardamos zelosamente os templos de saber que nos foram confiados? Não estamos certos em nos orgulhar de que somente nós conhecemos os segredos de nossas escolas, e, mais uma vez, certos em protegê-las?
— Ah, eu nunca sonharia em presumir que conheço todos os segredos de Hogwarts, Igor — disse Dumbledore amigavelmente. — Ainda hoje de manhã, por exemplo, a caminho do banheiro, virei para o lado errado e me vi em um aposento de belas proporções que eu nunca vira antes, e que continha uma coleção realmente magnífica de penicos. Quando voltei para investigá-lo mais de perto, descobri que o aposento desaparecera. Mas preciso ficar atento para reencontrá-lo. É possível que só esteja acessível às cinco e meia da manhã. Ou talvez só apareça com a lua em quartil ou quando quem procura está com a bexiga excepcionalmente cheia.
Harry riu para dentro do prato de gulache. Percy franziu a testa, mas Harry poderia jurar que Dumbledore lhe dera uma piscadela quase imperceptível.
Entrementes, Fleur Delacour criticava as decorações de Hogwarts com Rogério Davies.
— Isse non é nada — disse ela contemplando as paredes cintilantes do Salão Principal com ar de pouco caso. — No Palace de Beauxbatons, tems esculturres de gelo em volta da sala de jantarr no Natall. Eles não derretem, é clarro... parrecem enorrmes estátues de diamante, faiscande pela sala. E a comida é simplesman superrbe. E temes corres de ninfes das mates, cantando serrenatas enquanto comemes. Não temes essas armadurras feies nos corrredorres e se um dia um polterrgeisr entrrasse em Beauxbatons, serria expulso assim. — E ela bateu a mão com impaciência na mesa.
Rogério Davies observava a garota falar com uma expressão aturdida no rosto e a toda hora errava ao levar o garfo à boca. Harry teve a impressão de que o garoto estava ocupado demais admirando Fleur para escutar uma única palavra do que ela dizia.
— Absolutamente certa — disse ele depressa, batendo com a própria mão na mesa como fizera Fleur. — Assim. É claro.
Harry correu os olhos pelo salão. Hagrid estava sentado a uma das mesas reservadas aos professores, voltara a vestir o seu horrível terno peludo marrom, e tinha os olhos fixos na mesa principal.
Harry o viu dar um discreto aceno e, ao olhar para os lados, viu Madame Maxime retribuir o aceno, suas opalas faiscando à luz das velas. Hermione agora ensinava Krum a pronunciar seu nome corretamente; ele não parava de chamá-la de Hermy-on.
— Her-mi-o-ne — dizia ela lenta e claramente.
— Herm-on-nini.
— Está bastante parecido — disse ela, encontrando os olhos de Harry e sorrindo.
Quando toda a comida fora consumida, Dumbledore se levantou e pediu aos estudantes que fizessem o mesmo. Então, a um aceno de sua varinha, as mesas se encostaram às paredes, deixando o salão vazio, em seguida ele conjurou uma plataforma ao longo da parede direita. Sobre ela foram colocados uma bateria, alguns violões, um alaúde, um violoncelo e algumas gaitas de foles.
As Esquisitonas subiram, então, no palco sob aplausos delirantemente entusiásticos, eram todas extremamente cabeludas, trajavam vestes negras que haviam sido artisticamente rasgadas. Apanharam seus instrumentos e Harry, que estivera tão interessado em observá-las que quase esqueceu o que viria a seguir, de repente percebeu que as lanternas de todas as outras mesas tinham se apagado e que os outros campeões e seus pares estavam em pé.
— Anda! — sibilou Parvati. — Temos que dançar!
Harry tropeçou nas vestes ao se levantar. As Esquisitonas tocaram uma música lenta e triste, Harry entrou na pista de dança bem iluminada, evitando cuidadosamente o olhar dos colegas (ele viu Simas e Dino acenarem para ele entre risinhos), e no momento seguinte, Parvati agarrara suas mãos, colocara uma em torno da própria cintura e segurava a outra na dela. Não foi tão mal como poderia ter sido, pensou Harry, girando lentamente no mesmo lugar (Parvati o conduzia). Mantinha os olhos fixos sobre as cabeças das pessoas que assistiam, mas dali a pouco muitas delas também vieram para a pista de dança, de modo que os campeões deixaram de ser o centro das atenções. Neville e Gina dançavam próximos a ele — Harry via Gina fazer freqüentes caretas sempre que Neville pisava seus pés — e Dumbledore valsava com Madame Maxime. Ficava tão pequeno junto a ela que a ponta do seu chapéu cônico mal roçava o queixo da bruxa, no entanto, Madame Máxime se movia graciosamente para uma mulher daquele tamanho.
Olho-Tonto Moody estava seguindo um compasso de dois tempos extremamente desajeitado com a Professora Sinistra, que nervosamente evitava a perna de madeira do seu par.
— Belas meias, Potter — rosnou Moody ao passar, seu olho mágico espiando através das vestes de Harry.
— Ah... São, Dobby, o elfo doméstico, tricotou-as para mim — disse Harry, sorrindo.
— Ele dá arrepios! — sussurrou Parvati, quando Moody se afastou batendo a perna de pau. — Acho que não deviam permitir aquele olho dele!
Harry ouviu a última nota trêmula da gaita de foles com alívio. As Esquisitonas pararam de tocar, os aplausos encheram mais uma vez o Salão Principal e Harry soltou Parvati.
— Vamos sentar um pouco?
— Ah... Mas... Agora vem uma realmente boa! — disse Parvati, ao ouvir as Esquisitonas começarem uma nova música, que era muito mais movimentada.
— Não, não gosto dessa — mentiu Harry e conduziu a garota para fora da pista de dança, passando por Fred e Angelina, que dançavam com tanta exuberância que as pessoas à volta deles se afastavam com medo de se machucar, e se dirigiram à mesa em que Rony e Padma estavam sentados.
— Como é que vocês estão indo? — perguntou Harry a Rony, se sentando e abrindo uma garrafa de cerveja amanteigada.
Rony não respondeu. Olhava feio para Hermione e Krum, que dançavam ali perto. Padma estava sentada com os braços e as pernas cruzadas, um pé balançando ao ritmo da música. De vez em quando ela lançava um olhar aborrecido a Rony, que a ignorava completamente. Parvati se sentou do outro lado de Harry, cruzou os braços e as pernas também e, minutos depois, foi convidada a dançar por um garoto da Beauxbatons.
— Você se importa, Harry? — perguntou Parvati.
— Quê? — disse Harry, que estava observando Cho e Cedrico.
— Ah, nada — retrucou Parvati e saiu com o garoto da Beauxbatons. Quando a música terminou, ela não voltou. Hermione apareceu e se sentou na cadeira vazia de Parvati. Estava com o rosto um pouco afogueado de dançar.
— Oi — disse Harry. Rony não disse nada.
— Está quente, não acham? — disse ela se abanando com a mão. — Vítor foi apanhar alguma coisa para a gente beber. — Rony lhe lançou um olhar irritado.
— Vítor?— disse ele. — Ele ainda não lhe pediu para chamá-lo de Vitinho?
Hermione olhou para o garoto surpresa.
— Que é que há com você?
— Se você não sabe — disse ele sarcasticamente —, não sou eu que vou lhe dizer.
Hermione encarou-o demoradamente, depois Harry, mas este sacudiu os ombros.
— Rony, que é...
— Ele é da Durmstrang — vociferou Rony. — Está competindo contra o Harry! Contra Hogwarts! Você... Você está... — Rony obviamente estava procurando palavras suficientemente fortes para descrever o crime de Hermione — confraternizando com o inimigo, é isso que você está fazendo!
Hermione ficou boquiaberta.
— Não seja tão burro! — respondeu ela após um momento. — O inimigo! Francamente, quem é que ficou todo excitado quando viu o Krum chegar? Quem é que queria pedir um autógrafo a ele? Quem é que tem um modelinho dele no dormitório?
Rony preferiu ignorar as perguntas.
— Suponho que ele a tenha convidado para vir com ele quando os dois estavam na biblioteca?
— Isso mesmo — disse Hermione, as manchas rosadas em seu rosto se intensificando. — E daí?
— Que aconteceu, estava tentando convencê-lo a participar do fale, é?
— Não, não estava, não! Se você quer realmente saber, ele... Ele disse que estava indo todos os dias à biblioteca para tentar falar comigo, mas não conseguia reunir coragem.
Hermione disse isso muito depressa e corou tanto que ficou quase da mesma cor do vestido de Parvati.
— E, é... Isto é o que ele conta — disse Rony em tom desagradável.
— E o que é que você quer dizer com isso?
— É óbvio, não é? Ele é aluno do Karkaroff não é? E sabe que você anda em companhia do... Ele só está tentando se aproximar do Harry, tirar informações sobre ele ou até chegar perto bastante para azarar ele...
Hermione pareceu ter sido esbofeteada por Rony. Quando falou, tinha a voz trêmula.
— Para sua informação, ele não me fez uma única pergunta sobre o Harry, nem umazinha...
Rony mudou o rumo da conversa com a velocidade da luz.
— Então está na esperança de você o ajudar a decifrar a mensagem do ovo! Suponho que tenham andado juntando as cabeças durante aquelas sessõezinhas íntimas na biblioteca...
— Eu nunca o ajudaria com aquele ovo! — exclamou Hermione, com ar de indignação. — Nunca. Como é que você pode dizer uma coisa dessas... Eu quero que Harry vença o torneio. Harry sabe disso, não sabe, Harry?
— Você tem um jeito engraçado de demonstrar isso — desdenhou Rony.
— O torneio é justamente para se conhecer bruxos estrangeiros e fazer amizade com eles! — disse Hermione com voz aguda.
— Não é não. É para se ganhar!
As pessoas estavam começando a olhar para eles.
— Rony — disse Harry em voz baixa —, eu não tenho nada contra Hermione vir com o Krum...
Mas Rony não deu atenção a Harry tampouco.
— Por que você não vai procurar o Vitinho, ele deve estar se perguntando aonde é que você anda — disse Rony.
— Pare de chamá-lo de Vitinho!— Hermione ficou de pé e saiu decidida pela pista de dança, desaparecendo na multidão.
Rony acompanhou-a com uma expressão no rosto que misturava raiva e satisfação.
— Você não vai me convidar para dançar? — perguntou Padma a ele.
— Não — disse Rony, ainda olhando feio para as costas de Hermione.
— Ótimo — retrucou Padma se levantando e indo se juntar a Parvati e ao garoto de Beauxbatons, que conjurou um amigo para se reunir a eles tão depressa que Harry seria capaz de jurar que chamara o amigo com um Feitiço Convocatório.
— Onde está Hermi-o-nini? — perguntou uma voz.
Krum acabara de chegar à mesa segurando duas cervejas amanteigadas.
— Não faço idéia — disse Rony emburrado, erguendo os olhos. — Perdeu ela, foi?
Krum ficou mais uma vez carrancudo.
— Pom, se focê a virr, diga que apanhei as bebidas — disse ele se afastando curvado.
— Fez amizade com Vítor Krum, Harry?
Percy apareceu animado, esfregando as mãos e com um ar extremamente pomposo.
— Excelente! Essa é a idéia, sabe, da Cooperação Internacional em Magia.
Para contrariedade de Harry, Percy imediatamente ocupou a cadeira que Padma deixara livre. A mesa principal agora estava vazia; o Professor Dumbledore dançava com a Professora Sprout, Ludo Bagman com a Professora McGonagall, Maxime com Hagrid abriam uma estrada pela pista de dança ao valsar entre os estudantes, e Karkaroff não estava à vista. Quando a música seguinte terminou, todos aplaudiram mais uma vez e Harry viu Ludo Bagman beijar a mão da Professora McGonagall e refazer seu caminho entre os dançarinos, momento em que Fred e Jorge o assediaram.
— Que é que eles acham que estão fazendo, importunando um funcionário do primeiro escalão do Ministério? — sibilou Percy, observando os gêmeos, desconfiado. — Que falta de respeito...
Mas Ludo Bagman se desvencilhou dos garotos muito rapidamente e, ao ver Harry, acenou e se aproximou da mesa.
— Espero que meus irmãos não o tenham incomodado, Sr. Bagman! — disse Percy na mesma hora.
— Quê? Ah, não, de modo algum, de modo algum! Não, eles estavam me dizendo mais alguma coisa sobre aquelas varinhas falsas que inventaram. Queriam saber se eu podia sugerir como comercializá-las. Prometi colocá-los em contato com alguns conhecidos na Zonko’s...
Percy não pareceu nada feliz com a resposta e Harry podia apostar que o irmão iria correndo contar à Sra. Weasley no minuto em que chegasse em casa.
Pelo visto, os planos dos gêmeos haviam se tornado mais ambiciosos ultimamente, se estavam pensando em vender seus produtos no varejo.
Bagman abriu a boca para perguntar alguma coisa a Harry, mas Percy o distraiu.
— Como é que o senhor acha que o torneio está correndo, Sr. Bagman? O nosso departamento está bastante satisfeito, o probleminha com o Cálice de Fogo — ele lançou um olhar a Harry — foi lamentável, naturalmente, mas as coisas parecem ter corrido muito bem até agora, o senhor não acha?
— Ah, sim — respondeu Bagman animado —, tem sido um grande divertimento. Como anda o velho Bartô? Que pena que ele não pôde vir.
— Ah, tenho certeza de que o Sr. Crouch não vai tardar a melhorar e voltar ao trabalho — disse Percy cheio de importância —, mas, nesse meio tempo, estou preparado para cobrir a lacuna. Claro que não é somente comparecer a bailes — ele deu uma breve risada —, ah, não, tenho precisado cuidar de problemas de todo o tipo que surgem na ausência dele, o senhor ouviu falar que Ali Bashir foi apanhado contrabandeando um carregamento de tapetes voadores para dentro do país? E que temos tentado persuadir a Transilvânia a assinar uma sanção internacional aos duelos, tenho uma reunião com o chefe da cooperação em magia transilvano no próximo ano...
— Vamos dar uma volta — murmurou Rony para Harry —, sair de perto de Percy...
Fingindo que queriam se reabastecer de bebidas, Harry e Rony saíram da mesa, contornaram a pista de dança e seguiram para o saguão de entrada. As portas estavam abertas de par em par e as fadinhas luminosas no roseiral piscavam e cintilavam quando os garotos desceram os degraus da entrada e se viram cercados de plantas que formavam caminhos serpeantes e de grandes estátuas de pedra. Harry ouviu um rumorejo de água caindo, que lhe pareceu uma fonte. Aqui e ali as pessoas estavam sentadas em bancos entalhados. Os dois garotos tomaram um dos caminhos que passava pelo roseiral, mas tinham dado apenas alguns passos quando ouviram uma voz desagradável e conhecida.
—... Não vejo com o que tem de se preocupar, Igor.
— Severo, você não pode fingir que isto não está acontecendo! — a voz de Karkaroff era baixa e ansiosa como se cuidasse para ninguém os ouvir. — Tem se tornado cada vez mais nítida nos últimos meses. Estou começando a me preocupar seriamente, não posso negar...
— Então, fuja — disse a voz de Snape secamente. — Fuja, eu apresentarei suas desculpas. Eu, no entanto, vou permanecer em Hogwarts.
Os dois professores contornaram um canto. Snape levava a varinha na mão e ia estourando roseiras, com a expressão mal-humoradíssima. Ouviam-se gritinhos em muitos arbustos e vultos escuros saiam correndo para fora deles.
— Dez pontos a menos para Lufa-Lufa, Fawcett! — rosnou Snape, quando uma garota passou correndo por ele. — E dez para Corvinal, também, Stebbins! — quando um garoto passou no encalço dela. — E que é que vocês dois estão fazendo? — acrescentou ele, avistando Harry e Rony mais adiante no caminho.
Karkaroff, percebeu Harry, pareceu ligeiramente desconfortável ao vê-los parados ali. Levou a mão nervosamente à barbicha e começou a enrolá-la com o dedo.
— Estamos passeando — respondeu Rony secamente. — Não é contra a lei, é?
— Então continuem passeando! — rosnou Snape, e passou roçando por eles, sua longa capa negra se abrindo como uma vela enfunada às suas costas.
Karkaroff apressou-se em alcançar o colega. Os dois garotos continuaram a descer pelo caminho.
— Que será que deixou o Karkaroff tão preocupado? — murmurou Rony.
— E desde quando ele e Snape estão se chamando pelo nome de batismo? — indagou Harry lentamente.
Os garotos tinham chegado a uma enorme rena de pedra agora, por cima da qual avistaram o jorro cintilante de um alto chafariz. Avistaram também, sentadas em um banco de pedra, as silhuetas escuras de duas pessoas, que contemplavam a água ao luar. Então Harry ouviu a voz de Hagrid.
— O momento em que vi você, eu soube — ia ele dizendo, numa voz estranhamente rouca.
Harry e Rony se imobilizaram. Por alguma razão aquilo não parecia o tipo de cena que eles deviam interromper... Harry virou-se para olhar o caminho e viu Fleur Delacour e Rogério Davies parados, meio escondidos por uma roseira próxima. Bateu no ombro de Rony e acenou a cabeça para o lado dos dois, querendo indicar que ele e Rony poderiam facilmente sair por ali sem serem notados (Fleur e Davies pareceram a Harry muito ocupados), mas Rony, os olhos se arregalando de terror ao ver Fleur, sacudiu a cabeça com vigor e puxou Harry para mais junto das sombras atrás da rena.
— Que é que você soube, Agrrid? — perguntou Madame Maxime, com um audível ronronar na voz baixa.
Harry decididamente não queria escutar aquilo, sabia que Hagrid iria odiar ser entreouvido numa situação daquelas (ele teria sentido o mesmo) — se fosse possível, o garoto teria enfiado os dedos nos ouvidos e cantarolado alto, mas isto não era realmente uma opção. Em lugar disso, tentou se interessar por um besouro que rastejava pelo dorso da rena, mas o besouro simplesmente não era interessante o bastante para bloquear as palavras seguintes de Hagrid.
— Eu simplesmente soube... Soube que você era como eu... Puxou ao seu pai ou à sua mãe?
— Eu... Eu não sei o que você querr dizerr com isso, Agrrid...
— Puxei à minha mãe — disse Hagrid em voz baixa. — Ela foi uma das últimas na Grã-Bretanha. Claro, eu não consigo me lembrar muito bem dela... Ela foi embora, entende. Quando eu tinha uns três anos. Não era um tipo muito maternal. Bem... Não é natureza delas, não é mesmo? Não sei o que aconteceu com ela, pode até ter morrido pelo que sei...
Madame Maxime não respondeu. E Harry, contra sua vontade, tirou os olhos do besouro e espiou por cima dos chifres da rena, escutando... Ele nunca ouvira Hagrid falar da infância antes.
— Meu pai ficou com o coração partido quando ela foi embora. Um cara miudinho, o meu pai era. Quando cheguei aos seis anos podia levantar e colocar ele em cima da cômoda quando me contrariava. Costumava fazer ele rir... — A voz grave de Hagrid quebrou. Madame Maxime o escutava, imóvel, aparentemente contemplando o chafariz de prata. — Papai me criou... Mas ele morreu é claro, logo depois que entrei para a escola. Meio que tive de abrir o meu caminho sozinho depois disso. Mas veja, Dumbledore foi uma grande ajuda. Muito bom para mim, ele foi...
Hagrid puxou um grande lenço de seda encardido e assoou o nariz com força.
— Então... Em todo o caso... Chega de falar de mim. E você? De que lado você herdou?
Mas Madame Maxime repentinamente se pusera de pé.
— Está frio — disse ela. Mas fosse qual fosse a temperatura que fazia, não chegava nem de longe à frieza na voz dela. — Acho que vou entrar agora.
— Eh? — disse Hagrid sem entender. — Não, não vá, nunca encontrei alguém igual a mim antes!
— Alguém exatamente como? — perguntou Madame Maxime, num tom de voz cortante.
Harry poderia ter dito a Hagrid que era melhor não responder; ficou parado ali nas sombras, cerrando os dentes, desejando por tudo no mundo que o amigo não respondesse, mas não adiantou nada.
— Alguém meio gigante, é claro — disse Hagrid.
— Como é que você se atreve? — gritou Madame Maxime. Sua voz explodiu na noite tranqüila como uma buzina de nevoeiro, às costas deles, Harry ouviu Fleur e Roger despencarem da roseira em que estavam. — Nunca fui mais insultada na vida! Meio gigante? Moi? Eu tenho... Eu tenho os ossos grraúdos!
Ela saiu intempestivamente, grandes enxames de fadinhas multicoloridas se ergueram no ar quando ela passou, empurrando arbustos para os lados. Hagrid continuou sentado no banco, acompanhando-a com o olhar parado. Estava escuro demais para distinguir a expressão do seu rosto.
Depois, passado um minuto, ele se levantou e se afastou, mas não voltou ao castelo, saiu pelos jardins escuros em direção à sua cabana.
— Anda — disse Harry muito baixinho a Rony. — Vamos embora...
Mas Rony não se mexeu.
— Que é que está havendo? — perguntou Harry, olhando para o amigo.
Rony se virou para Harry, a expressão realmente muito séria.
— Você sabia? — sussurrou. — Que Hagrid era meio gigante?
— Não — disse Harry, sacudindo os ombros. — E daí?
Harry percebeu imediatamente pelo olhar de Rony que, mais uma vez, estava revelando sua ignorância sobre o universo da magia. Criado pelos Dursley, havia muita coisa que os bruxos aceitavam naturalmente e que eram verdadeiras revelações para Harry, mas essas surpresas tinham se tornado menos freqüentes à medida que ele progredia na escola. Agora, porém, ele percebia que a maioria dos bruxos não teria dito "E daí?" ao descobrir que um amigo tivera uma giganta por mãe.
— Eu lhe explico lá dentro — disse Rony baixinho. — Vamos...
Fleur e Rogério Davies tinham desaparecido, provavelmente em uma moita de arbustos com mais privacidade. Harry e Rony voltaram ao Salão Principal.
Parvati e Padma agora estavam sentadas a uma mesa distante com um grande grupo de garotos da Beauxbatons, e Hermione estava mais uma vez dançando com Krum. Harry e Rony se sentaram a uma mesa bem longe da pista de dança.
— Então? — perguntou Harry a Rony. — Qual é o problema de ser gigante?
— Bom, eles... Eles... Não são muito legais — terminou Rony sem graça.
— Quem se importa? — exclamou Harry. — Não há nada errado com Hagrid!
— Eu sei que não tem, mas... Caracas, não admira que ele fique na moita — disse Rony, balançando a cabeça. — Eu sempre achei que ele talvez tivesse ficado no caminho de um Feitiço de Ingurgitamento ruim quando era criança ou outra coisa do gênero. E não gostasse de mencionar isso...
— Mas qual é o problema da mãe dele ter sido uma giganta? — perguntou Harry.
— Bem... Ninguém que o conhece vai se importar, porque sabe que ele não é perigoso — disse Rony lentamente. — Mas... Harry eles são apenas gigantes cruéis. É como Hagrid disse, é da natureza deles, são como os trasgos... Gostam de matar, todo mundo sabe disso. Mas hoje não tem mais gigantes na Grã-Bretanha.
— Que foi que aconteceu com eles?
— Bem, eles estavam acabando mesmo, então um monte deles foi morto pelos aurores. Mas dizem que há gigantes no exterior... A maioria escondida em montanhas...
— Não sei quem é que a Maxime pensa que está enganando — disse Harry, observando a bruxa sentada sozinha à mesa dos juizes, com o ar muito sério.
— Se Hagrid é meio gigante, decididamente ela também é. Ossos graúdos... A única coisa que tem ossos maiores do que ela é um dinossauro.
Harry e Rony passaram o resto do baile discutindo gigantes a um canto, nenhum dos dois com a menor inclinação para dançar. Harry tentou não olhar para Cho e Cedrico, sentiu uma enorme vontade de chutar alguma coisa.
Quando as Esquisitonas terminaram de tocar à meia-noite, receberam mais uma rodada de aplausos estrepitosos e começaram a sair em direção ao saguão de entrada. Muitas pessoas expressaram o desejo de que o baile pudesse continuar por mais tempo, mas Harry estava absolutamente satisfeito de ir se deitar, e, se alguém quisesse saber, a noite não fora lá essas coisas.
Já no saguão de entrada, Harry e Rony viram Hermione se despedindo de Krum antes do garoto se retirar para o navio de Durmstrang. Ela lançou a Rony um olhar gelado, e passou por ele a caminho da escadaria de mármore sem falar.
Os dois amigos a seguiram, mas, no meio da escada, Harry ouviu alguém que o chamava.
— Ei... Harry!
Era Cedrico Diggory. Harry viu que Cho ficara à espera dele no saguão.
— Que foi? — respondeu Harry com frieza, quando o garoto correu escada acima ao seu encontro. Cedrico fez cara de quem não queria dizer o que viera dizer na frente de Rony, que encolheu os ombros, parecendo aborrecido, e continuou a subir as escadas.
— Escuta... — Cedrico baixou a voz quando Rony desapareceu. — Eu lhe devo um favor por ter me falado dos dragões. Sabe o ovo de ouro? O seu solta um grito agourento quando você o abre?
— Solta.
— Então... Toma um banho, OK?
— Quê?
— Tome um banho e... Hum, leve o ovo junto e... Hum, reflita um pouco debaixo da água quente. Vai ajudar você a pensar... Acredite em mim.
Harry ficou olhando para ele.
— Vou lhe dizer uma coisa — disse Cedrico —, use o banheiro dos monitores. Quarta porta à esquerda daquela estátua de Bons, o Pasmo, no quinto andar. A senha éFrescor de Pinho. Tenho que ir... Quero dizer boa-noite...
Ele tornou a sorrir para Harry e desceu depressa as escadas para se juntar a Cho. Harry voltou para a Torre da Grifinória sozinho. Recebera um conselho estranhíssimo. Por que um banho o ajudaria a descobrir o significado do ovo que gritava?
Será que Cedrico estava gozando a cara dele? Será que estava tentando fazer Harry parecer bobo, para que, ao comparar os dois, Cho gostasse ainda mais dele?
A Mulher Gorda e sua amiga Vi estavam tirando um cochilo no quadro que cobria a entrada da Casa. Harry teve que berrar Luzes Encantadas! para que elas acordassem, e ao fazer isso, as duas ficaram muitíssimo irritadas. Quando entrou na sala comunal, encontrou Rony e Hermione tendo uma briga daquelas.
Mantendo uma distância de três metros, os dois vociferavam um com o outro, as caras vermelhas como pimentões.
— Ora, se você não gosta, então sabe qual é a solução, não sabe? — berrava Hermione, agora seus cabelos iam se soltando do elegante coque, e seu rosto se contraía de raiva.
— Ah, é? — berrava Rony em resposta. — Qual é?
— Da próxima vez que houver um baile, me convide antes que outro garoto faça isso, e não como último recurso!
A boca de Rony ficou mexendo sem emitir som algum como a de um peixe de aquário fora da água, enquanto Hermione virava as costas e subia batendo os pés a escada do dormitório das garotas para se deitar. Rony se virou para Harry.
— Bom — balbuciou, completamente abismado —, bom, isso prova que ela não entendeu nada...
Harry não respondeu. Estava gostando demais de ter feito pazes com o amigo para dizer o que estava pensando naquele momento — mas, em todo o caso, ele achava que Hermione entendera melhor do que Rony.