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- A tarefa inesperada
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Unknown
junho 05, 2014
Capítulo 22
A voz irritada da Professora McGonagall estalou como um chicote pela aula de Transformação de quinta-feira, os dois garotos levaram um susto e ergueram a cabeça.
A aula chegava ao fim, eles tinham terminado a tarefa dada: as galinhas-da-guiné que tentavam transformar em porquinhos-da-índia já estavam trancadas em uma grande gaiola sobre a escrivaninha da professora (o porquinhos-da-índia de Neville ainda conservava as penas), tinham copiado do quadro-negro o dever de casa ("Descreva, com exemplos, como os Feitiços de Transformação devem ser adaptados ao se fazerem trocas cruzadas entre espécies").
A sineta devia tocar a qualquer momento e Harry e Rony, que andavam travando uma luta de espadas com umas varinhas falsas de Fred e Jorge, no fundo da sala, ergueram a cabeça, Rony agora segurando um papagaio de lata e Harry, um hadoque de borracha.
— Agora que Potter e Weasley tiveram a bondade de parar com as criancices — disse a professora, lançando um olhar feio aos dois no momento em que a cabeça do hadoque de Harry se pendurou para o lado e caiu silenciosamente no chão, o bico do papagaio de Rony se partira momentos antes —, tenho um aviso para dar a todos. O Baile de Inverno está próximo, é uma tradição do Torneio Tribruxo e uma oportunidade para convivermos socialmente com os nossos hóspedes estrangeiros. Agora, o baile só será franqueado aos alunos do quarto ano em diante, embora vocês possam convidar um aluno mais novo se quiserem...
Lilá Brown deixou escapar uma risadinha aguda. Parvari Patil deu-lhe uma cutucada nas costelas com força, o rosto contraindo-se furiosamente enquanto ela, também, lutava para não rir feito boba. As duas viraram a cabeça para olhar Harry. A professora fingiu não vê-las, o que Harry achou que era uma nítida injustiça, pois acabara de chamar a atenção dele e de Rony.
— O traje é a rigor — continuou a professora —, e o baile, no Salão Principal, começará às oito horas e terminara a meia-noite, no dia de Natal. Então...
A Professora McGonagall olhou deliberadamente para a turma.
— O Baile de Inverno naturalmente é uma oportunidade para todos nós... Hum... Para nos soltarmos — disse ela em tom de desaprovação.
Lilá deu mais risadinhas que nunca, tampando a boca com a mão para abafar o som. Dessa vez Harry pôde entender qual era a graça: a Professora McGonagall, com os cabelos presos, não tinha jeito de que algum dia fosse se soltar em nenhum sentido.
— Mas isto não significa — continuou ela — que vamos relaxar os padrões de comportamento que se espera dos alunos de Hogwarts. Ficarei seriamente aborrecida se, de alguma maneira, um aluno da Grifinória envergonhar a escola.
A sineta tocou e ouviram-se os costumeiros ruídos de gente guardando o material nas mochilas e atirando-as por cima dos ombros.
A professora chamou, sobrepondo-se ao barulho geral:
— Potter, uma palavrinha, por favor.
Supondo que fosse alguma coisa relacionada com o hadoque de borracha decapitado, Harry dirigiu-se, com ar de desânimo à escrivaninha da professora. A Professora McGonagall esperou até o resto da turma sair e então disse:
— Potter, os campeões e seus pares...
— Que pares? — perguntou Harry.
A professora olhou desconfiada para o garoto, como se achasse que ele estava querendo ser engraçado.
— Os pares para o Baile de Inverno, Potter — explicou ela com frieza. — Os pares de dança.
As entranhas de Harry pareceram se enroscar e murchar.
— Pares de dança?— Ele sentiu que estava corando. — Eu não danço — disse depressa.
— Ah, dança sim, senhor — disse a professora irritada. — É o que estou lhe dizendo. Tradicionalmente os campeões abrem o baile com os seus pares.
Harry teve uma súbita visão de si mesmo, de casaca e cartola, acompanhado por uma garota com aquele tipo de vestido de babadinhos que a tia Petúnia sempre usava nas festas de negócios do tio Válter.
— Eu não vou dançar.
— É a tradição — disse a Professora Minerva com firmeza. — Você é um dos campeões de Hogwarts e vai fazer o que se espera de você como representante de sua escola. Portanto providencie um par, Potter.
— Mas eu... Não...
— Você me ouviu, Potter — disse ela, em tom de quem encerra a conversa.
Há uma semana, Harry teria dito que arranjar um par para dançar era moleza se comparado a enfrentar um Rabo-Córneo húngaro. Mas agora que cumprira aquela tarefa e se confrontava com a perspectiva de convidar uma garota para o baile, ele achou que preferia enfrentar mais uma rodada com o dragão.
Harry nunca vira tanta gente inscrever os nomes para passar o Natal em Hogwarts, ele sempre se inscrevia, naturalmente, porque sua alternativa, em geral, era regressar à Rua dos Alfeneiros, mas até agora ele sempre fora minoria.
Este ano, porém, todo mundo do quarto ano para cima parecia querer ficar, e todos pareciam a Harry obcecados pelo tal baile — ou, pelo menos, todas as garotas estavam, e era espantoso quantas garotas Hogwarts de repente parecia abrigar; ele nunca reparara muito bem nisso.
Garotas que davam risadinhas e cochichavam pelos corredores, garotas que riam alto quando os garotos passavam por elas, garotas que comparavam informações, excitadas, sobre o que iam usar na noite de Natal...
— Por que é que elas têm que andar em bandos? — perguntou Harry a Rony, quando uma dúzia de garotas passou por eles, rindo e olhando para Harry. — Como é que se vai encontrar uma sozinha para se convidar?
— Que tal laçar uma — sugeriu Rony. — Já tem idéia de quem é que você vai tentar convidar?
Harry não respondeu. Sabia perfeitamente quem é que ele gostaria de convidar, mas arranjar coragem para fazê-lo era outra conversa... Cho era um ano mais velha do que ele; era muito bonita, era uma boa jogadora de Quadribol e também muito popular.
Rony parecia saber o que se passava na cabeça de Harry.
— Escuta, você não vai ter nenhuma dificuldade. Você é campeão. Acabou de derrotar o Rabo-Córneo húngaro. Aposto como elas vão fazer fila para ir com você.
Em homenagem à amizade recém-remendada entre os dois, Rony procurou deixar um mínimo absoluto de amargura transparecer em sua voz. Além disso, para sua surpresa, Harry descobriu que o amigo tinha razão.
Uma terceiranista da Lufa-Lufa, de cabelos crespos, com quem Harry jamais falara na vida, convidou-o para ir ao baile com ela, logo no dia seguinte. Ele ficou tão surpreso que respondeu "não" antes mesmo de parar para refletir sobre o convite.
A garota se afastou parecendo bem magoada, e Harry teve que aturar as piadas de Dino, Simas e Rony sobre ela durante toda a aula de História da Magia.
No dia seguinte, mais duas garotas o convidaram, uma do segundo ano e (para seu horror) uma do quinto ano, que parecia ser capaz de nocauteá-lo se ele recusasse.
— Ela era bem jeitosa — disse Rony querendo ser justo, depois que parou de dar risadas.
— Ela era bem uns trinta centímetros mais alta que eu — disse Harry, ainda nervoso. — Imagina com que cara eu ia ficar tentando dançar com ela.
As palavras de Hermione a respeito de Krum não paravam de lhe voltar à lembrança: "Elas só gostam dele porque ele é famoso!" Harry duvidava muito que as garotas que até então o haviam convidado para ser seu par iriam querer acompanhá-lo ao baile se ele não fosse campeão da escola. Depois se perguntou se isto o incomodaria se fosse Cho que o convidasse.
Mas, de modo geral, Harry teve que admitir que, mesmo com a perspectiva constrangedora de abrir o baile dali a uns dias, a vida decididamente melhorara desde que ele cumprira a primeira tarefa.
Não atraía mais tantos comentários desagradáveis no corredor, no que ele suspeitava que havia dedo de Cedrico — tinha a impressão de que o campeão talvez tivesse dito ao pessoal da Lufa-Lufa para deixar Harry em paz, em gratidão pela dica que recebera sobre os dragões. Parecia haver menos “Apóie CEDRICO DIGGORY” pela escola, também. Draco Malfoy, naturalmente, continuava a citar o artigo de Rita Skeeter para ele sempre que encontrava oportunidade, mas cada dia arrancava menos risadas — e só para melhorar a sensação de bem-estar de Harry, não aparecera história alguma sobre Hagrid no Profeta Diário.
— Ela não parecia muito interessada em criaturas mágicas, para lhe dizer a verdade — contou Hagrid, quando Harry, Rony e Hermione lhe perguntaram como correra sua entrevista com a jornalista na última aula de Trato das Criaturas Mágicas do trimestre. Para grande alívio dos garotos, Hagrid desistira do contato direto com os explosivins, e os alunos tinham simplesmente se abrigado nos fundos da cabana, sentados a uma mesa de cavalete, para preparar uma seleção fresca de alimentos com os quais tentar os bichos.
— Ela só queria que eu falasse sobre você, Harry —, continuou Hagrid em voz baixa. — Bem, eu contei que somos amigos desde que fui buscá-lo na casa dos Dursley. “Nunca teve que ralhar com ele em quatro anos?", ela perguntou. "Nunca fez bagunça na sua aula?" Eu disse que não e parece que ela não gostou nem um pouco da resposta. Acho que queria que eu dissesse que você era uma dor de cabeça, Harry.
— Claro que queria — disse Harry, atirando pedaços de fígado de dragão numa grande tigela de metal e apanhando a faca para continuar a cortar. — Ela não pode continuar a escrever que sou um heroizinho trágico, vai acabar ficando chato.
— Ela quer um novo ângulo — comentou Rony sensatamente enquanto descascava ovos de salamandra. — Queria que você dissesse que Harry era um delinqüente doidão!
— Mas ele não é! — exclamou Hagrid parecendo sinceramente chocado.
— A Rita devia ter entrevistado Snape — disse Harry sério. — Ele teria dado o serviço completo sobre mim sem pestanejar. “Potter tem transgredido limites desde que chegou a esta escola...”
— Ele disse isso, foi? — perguntou Hagrid enquanto Rony e Hermione davam risadas. — Você pode ter atropelado algumas regras, Harry, mas sinceramente você é um bom menino, não é?
— Obrigado, Hagrid — disse Harry rindo.
— Você vai a esse tal baile no dia de Natal, Hagrid? — perguntou Rony.
— Pensei em dar uma passada lá — respondeu ele com impaciência. — Vai ser legal, acho. Você vai abrir o baile, não é, Harry? Quem é que você vai levar?
— Por enquanto ninguém — respondeu o garoto, sentindo que estava corando.
Hagrid não insistiu no assunto.
A última semana do trimestre foi ficando cada vez mais animada à medida que os dias passavam. Corriam boatos sobre o Baile de Inverno por todo lado, embora Harry não acreditasse nem na metade. Por exemplo, que Dumbledore comprara oitocentos barris de quentão de Madame Rosmerta. Mas parecia ser verdade que ele contratara asEsquisitonas. Exatamente quem ou o quê eram as Esquisitonas o garoto não sabia, pois nunca tivera acesso à rádio bruxa, mas deduzia, pela excitação gerada nos garotos que haviam crescido ouvindo a RRB (Rede Radiofônica dos Bruxos), que eram um famoso grupo musical.
Alguns professores, como o nanico Professor Flitwick, desistiram de tentar ensinar aos garotos alguma coisa quando suas cabecinhas estavam tão visivelmente longe dali, ele os deixou fazerem jogos durante a aula de quarta-feira, e passou a maior parte do tempo conversando com Harry sobre maneiras de aperfeiçoar o Feitiço Convocatórioque ele usara durante a primeira tarefa do Torneio Tribruxo. Outros professores não foram tão generosos. Nada poderia jamais desviar o Professor Binns, por exemplo: continuou a dar as revoltas dos duendes — como Binns não permitira sequer que a própria morte o impedisse de continuar ensinando, os garotos supunham que uma bobagem feito o Natal não fosse perturbá-lo. Era espantoso como o professor conseguia fazer até as revoltas mais sangrentas e encarniçadas parecerem tão tediosas quanto o relatório de Percy sobre os fundos dos caldeirões.
Os professores McGonagall e Moody também fizeram os garotos trabalhar até o último segundo de aula, e quanto a Snape, seria mais fácil ele adotar Harry do que deixar seus alunos fazerem jogos durante a aula. Contemplando a turma com um ar malvado, informou-a de que aplicaria um teste sobre antídotos de venenos na última aula do trimestre.
— Perverso é o que ele é — disse Rony, com amargura, àquela noite na sala comunal da Grifinória. — Dar um teste no último dia. Estragar o finalzinho do trimestre com um monte de revisões.
— Hum... Mas não se pode dizer que você esteja se matando de estudar, não é? — comentou Hermione, olhando para o garoto por cima dos seus apontamentos sobre Poções. Rony estava entretido construindo um castelo de cartas com o baralho de Snap Explosivo, um passatempo muito mais interessante do que o que se faz com o baralho dos trouxas, dada a possibilidade da coisa toda explodir a qualquer instante.
— É Natal, Hermione — disse Harry cheio de preguiça, o garoto estava relendo Voando com os Cannons, pela décima vez, numa poltrona ao lado da lareira.
Hermione lhe lançou, também, um olhar severo.
— Pensei que você estaria fazendo alguma coisa construtiva, Harry, mesmo que não queira aprender os antídotos!
— Como o quê? — perguntou Harry, enquanto acompanhava Joey Jenkins dos Cannons rebater violentamente um balaço contra o artilheiro do Ballycastle Bats.
— Aquele ovo! — sibilou Hermione.
— Ah, vai, Hermione, tenho até o dia vinte e quatro de fevereiro — respondeu o garoto.
Harry guardara o ovo de ouro em seu malão no dormitório e não o abrira desde a festa de comemoração da primeira tarefa. Afinal, ainda faltavam dois meses até que lhe exigissem o significado daquele grito de agouro.
— Mas pode levar semanas para você chegar a uma conclusão! Você vai parecer um perfeito idiota se os outros campeões souberem a resposta para a próxima tarefa e você não.
— Deixa ele em paz, Mione, ele conquistou o direito de tirar uma folga — disse Rony enquanto colocava as duas últimas cartas no topo do castelo e a coisa toda explodia chamuscando suas sobrancelhas.
— Ficou legal, Rony... Vai combinar bem com as suas vestes a rigor, ah, isso vai. Eram Fred e Jorge. Sentaram-se à mesa com os três garotos enquanto Rony apalpava o rosto para avaliar o estrago.
— Rony, podemos pedir Pichitinho emprestado? — perguntou Jorge.
— Não, ele está fora entregando uma carta. Por quê?
— Porque Jorge quer convidar sua coruja para ir ao baile — disse Fred sarcasticamente.
— Porque nós gostaríamos de mandar uma carta, seu panacão — disse Jorge.
— Para quem é que você tanto escreve, hein? — perguntou Rony.
— Não mete o nariz, Rony, ou vou queimar ele para você, também — disse Fred, acenando a varinha num gesto de ameaça. — Então... Vocês já arranjaram par para o baile?
— Não — respondeu Rony.
— Então é melhor andarem depressa, companheiros, ou todas as garotas legais vão estar ocupadas — disse Fred.
— Com quem é que vocês vão, então?
— Angelina — disse Fred prontamente, sem o menor constrangimento.
— Quê? — disse Rony espantado. — Você já a convidou?
— Bem lembrado — disse Fred. E virando a cabeça gritou para o outro extremo da sala comunal: — Oi! Angelina!
Angelina, que estava conversando com Alicia Spinnet perto da lareira, olhou para o garoto.
— Que foi? — perguntou em resposta.
— Quer ir ao baile comigo?
Angelina lançou um olhar a Fred como se o avaliasse.
— Tudo bem — disse ela e tornou a se virar para Alicia para retomar a conversa, com um sorrisinho no rosto.
— Pronto — disse Fred a Harry e Rony —, moleza. Levantou-se, então, se espreguiçou e disse:
— É melhor usarmos uma coruja da escola, então, Jorge, vamos...
Os dois saíram. Rony parou de apalpar as sobrancelhas e olhou para Harry por cima dos restos fumegantes do seu castelo de cartas.
— A gente devia começar a se mexer, sabe... Convidar alguém. Ele tem razão. Não queremos acabar com um par de trasgos.
Hermione deixou escapar uma exclamação de indignação.
— Com licença... Um par do quê?
— Bom... Sabe — respondeu Rony, encolhendo os ombros —, eu prefiro ir sozinho do que com... Com Heloisa Midgeon, digamos.
— A acne dela melhorou à beça ultimamente, e ela é bem legal!
— Tem o nariz fora de esquadro.
— Ah, entendo — disse Hermione, encrespando. — Então, basicamente, você vai levar a garota mais bonita que aceitar você, mesmo que ela seja completamente intragável?
— Hum... É, é por aí — disse Rony.
— Eu vou dormir — retorquiu Hermione e saiu num repelão em direção à escada para o dormitório das garotas, sem dizer mais nada.
Os funcionários de Hogwarts, demonstrando um constante interesse em impressionar os visitantes de Beauxbatons e Durmstrang pareciam decididos a mostrar o castelo em sua melhor forma neste Natal.
Quando armaram as decorações, Harry reparou que eram as mais fantásticas que ele já vira no interior da escola. Pingentes de gelo perene tinham sido presos nos balaústres da escadaria de mármore, as doze árvores de Natal que sempre eram montadas no Salão Principal estavam enfeitadas com tudo, desde frutinhas vermelhas luminosas até corujas douradas vivas que piavam, e as armaduras tinham sido enfeitiçadas para cantar canções tradicionais de Natal quando alguém passasse por elas. Era impressionante ouvir "O vinde adoremos” cantado por um elmo vazio que só sabia metade da letra.
Várias vezes, Filch, o zelador, teve que retirar Pirraça de dentro da armadura, onde ele pegara a mania de se esconder, preenchendo as lacunas das canções com palavras de sua própria invenção, todas muito grosseiras.
E Harry ainda não convidara Cho para o baile. Ele e Rony estavam ficando muito nervosos agora, embora Harry lembrasse que o amigo pareceria muito menos idiota sem par do que ele, Harry teria que abrir o baile com os outros campeões.
— Imagino que sempre tem a Murta Que Geme — disse Harry desanimado, referindo-se ao fantasma que assombrava o banheiro das garotas no segundo andar.
— Harry, a gente só tem que cerrar os dentes e mandar ver — disse Rony na sexta-feira pela manhã, num tom que sugeria que os dois estavam planejando tomar de assalto uma fortaleza inexpugnável. — Quando voltarmos ao salão comunal hoje à noite, teremos arranjado dois pares, topa?
— Hum... OK — disse Harry.
Mas todas as vezes que ele viu Cho naquele dia — no intervalo das aulas, depois do almoço, e uma vez a caminho da aula de História da Magia — ela estava cercada de amigas. Será que a garota nunca ia a lugar algum sozinha? Será que ele talvez pudesse surpreendê-la quando estivesse entrando no banheiro?
Mas não, parecia até que ela entrava ali também com um séqüito de quatro ou cinco colegas. Contudo, se ele não a convidasse logo, quando o fizesse ela já teria sido convidada por outro.
Harry achou difícil se concentrar no teste de Snape sobre antídotos e, em conseqüência, esqueceu de acrescentar um ingrediente básico — o benzoar —, o que significou que recebeu uma nota baixa. Mas ele não se incomodou, estava ocupado demais reunindo coragem para o que pretendia fazer. Quando a sineta tocou, ele agarrou a mochila e correu para a porta da masmorra.
— Encontro vocês na hora do jantar — disse a Rony e Hermione, e saiu correndo escada acima. Teria que pedir a Cho uma palavrinha em particular, só isso... Assim, saiu apressado pelos corredores apinhados procurando a garota e encontrou-a (mais cedo do que esperava), saindo da aula de Defesa contra as Artes das Trevas.
— Hum... Cho? Posso dar uma palavrinha com você?
Risadinhas deviam ser proibidas por lei, pensou Harry furioso, quando as garotas à volta de Cho começaram a rir. Mas ela não. Respondeu:
— OK — e acompanhou-o até ficarem fora do alcance dos ouvidos das colegas. Harry virou-se para olhá-la e seu estômago afundou de um jeito esquisito, como se ele tivesse descido dois degraus de uma vez, sem querer.
— Hum — começou ele.
Não podia convidá-la. Não podia. Mas tinha que convidá-la.
Cho ficou parada ali com uma expressão intrigada, olhando para ele. As palavras saíram antes que Harry conseguisse tirar a língua do caminho.
— Quer ir ao baile comigo?
— Desculpe, não ouvi — disse Cho.
— Você quer... Você quer ir ao baile comigo? — disse Harry. Por que tinha que ficar vermelho justamente agora? Por quê?
— Ah! — exclamou Cho, corando também. — Ah, Harry, sinceramente sinto muito — e seu rosto parecia confirmar isso. — Eu já disse que iria com outro garoto.
— Ah — disse Harry.
Era estranho, um momento antes suas entranhas estavam revirando como cobras, mas de repente ele parecia não ter mais entranhas.
— Ah, OK, não faz mal.
— Sinto muito mesmo — repetiu a garota.
— Tudo bem.
Eles ficaram ali parados se olhando, então Cho disse:
— Bom...
— É — disse ele.
— Então, tchau — disse a garota ainda muito vermelha. E se afastou.
Harry chamou-a antes que pudesse se conter.
— Com quem é que você vai?
— Ah... Cedrico. Cedrico Diggory.
— Ah, certo.
As entranhas dele tinham voltado ao lugar. Pareciam ter-se enchido de chumbo durante a ausência. Esquecendo-se completamente do jantar, ele subiu devagarinho a escada para a Torre da Grifinória. A voz de Cho ecoava em seus ouvidos a cada passo. "Cedrico... Cedrico Diggory". Harry tinha até começado a gostar de Cedrico — se dispusera a esquecer o fato de que o garoto o derrotara no Quadribol, e era bonito e popular, e era praticamente o campeão favorito da escola. Agora, de repente, ele se dava conta de que Cedrico era na realidade um garoto bonito e inútil que não tinha cérebro suficiente para encher um oveiro.
— Luzes encantadas — disse secamente à Mulher Gorda, a senha fora trocada na véspera.
— Com certeza, meu querido! — chilreou ela, acertando a faixa de lantejoulas nos cabelos ao girar para a frente para admitir o garoto.
Ao entrar na sala comunal, Harry correu os olhos pelo aposento, e para sua surpresa, viu Rony sentado, de rosto branco, num canto distante. Gina estava ao seu lado conversando, aparentemente numa voz baixa de quem consola.
— Que aconteceu, Rony? — perguntou Harry se juntando aos dois.
Rony ergueu os olhos para Harry, uma expressão de horror no rosto.
— Por que fiz aquilo? — perguntou ele enlouquecido. — Não sei o que me obrigou a fazer aquilo!
— O quê?
— Ele... Hum... Convidou Fleur Delacour para ir ao baile — disse Gina. Parecia que estava fazendo força para não rir, mas continuou a dar palmadinhas no braço de Rony, demonstrando sua solidariedade.
— Você o quê?
— Não sei o que me obrigou a fazer aquilo! — exclamou Rony outra vez. — Quem é que eu estava fingindo que era? Havia gente, a toda volta, fiquei maluco, todo mundo olhando! Eu estava passando por ela no saguão de entrada, Fleur estava parada conversando com Diggory, e uma coisa parece que se apoderou de mim, e convidei!
Rony gemeu e enterrou o rosto nas mãos. Ele não parava de falar embora fosse difícil distinguir o que dizia.
— A garota olhou para mim como se eu fosse um verme ou coisa parecida.
Nem me respondeu. E então... Não sei... Parece que recuperei o juízo e me mandei dali.
— Ela é parte Veela — disse Harry. — Você tinha razão, a avó dela era Veela. Não foi sua culpa, aposto como você passou na hora em que ela estava jogando charme para Diggory e você foi atingido, mas ela está perdendo tempo. Ele vai levar Cho.
Rony levantou a cabeça.
— Eu acabei de convidá-la para ir comigo — disse Harry sem emoção —, e ela me contou.
Gina de repente parara de sorrir.
— Isso é uma piração — disse Rony —, somos os únicos que não têm ninguém, bem, tirando o Neville. Ei, adivinha quem ele convidou? Mione!
— Quê! — exclamou Harry, completamente distraído pela surpreendente notícia.
— É, eu sei! — disse Rony, um pouco de cor voltando ao seu rosto quando ele começou a rir. — Neville me contou depois da aula de Poções! Disse que ela sempre foi muito legal, que o ajudava nos estudos, mas Mione falou que já estava indo com alguém. Ah! Como se fosse! Ela só não queria ir com o Neville... Quero dizer, quem iria querer?
— Não! — disse Gina aborrecida. — Não ria...
Naquele instante Hermione vinha passando pelo buraco do retrato.
— Por que vocês dois não foram jantar? — perguntou ela, vindo se reunir ao grupo.
— Por que... Ah, parem de rir, vocês dois... Porque as garotas que eles convidaram acabaram de recusar o convite! — disse Gina.
Isso fez os dois calarem a boca.
— Obrigado, Gina — disse Rony azedo.
— Todas as garotas bonitas já estão ocupadas, Rony? — perguntou Hermione com um ar superior. — A Heloisa Midgen está começando a parecer bem bonita, agora, não está não? Bem, tenho certeza de que vocês vão encontrar em algum lugar alguém que queira vocês.
Mas Rony estava encarando Hermione como se, de repente, a visse sob uma luz totalmente nova.
— Hermione, Neville tem razão, você é uma garota...
— Bem observado — respondeu ela com azedume.
— Então... Você poderia acompanhar um de nós!
— Não, não poderia — retorquiu Hermione.
— Ah, vai — disse ele impaciente —, precisamos de pares, vamos fazer um papel realmente idiota se não tivermos nenhum, todos os outros têm...
— Não posso ir com vocês — disse Hermione, agora corando —, porque já estou indo com uma pessoa.
— Não, não está! — disse Rony. — Você só disse isso para se livrar de Neville!
— Ah, foi? — Os olhos de Hermione faiscaram perigosamente. — Só porque você levou três anos para reparar, Rony, não significa que mais ninguém tenha percebido que eu sou uma garota!
Rony arregalou os olhos para ela. Depois tornou a sorrir.
— OK, OK, sabemos que você é uma garota. Satisfeita? Você vai com a gente agora?
— Eu já falei! — disse Hermione muito zangada. — Estou indo com outra pessoa!
E saiu decidida em direção à escada para o dormitório das garotas.
— Ela está mentindo — sentenciou Rony, acompanhando-a com o olhar.
— Não está não — disse Gina baixinho.
— Quem é a pessoa, então?
— Não vou dizer, não é da sua conta.
— Certo — disse ele, que parecia ofendido —, essa história está ficando idiota. Gina você pode ir com o Harry e eu vou...
— Não posso — respondeu Gina, e ela ficou vermelha também.
— Estou indo com... Com Neville. Ele me convidou quando Hermione disse não e eu achei... Bem... De outro jeito eu não poderia ir, não estou no quarto ano. — Ela parecia infelicíssima. — Acho que vou descer para jantar — e dizendo isso, se levantou e saiu pelo buraco do retrato, de cabeça baixa.
Rony ficou olhando abobado para Harry.
— Que será que deu nelas? — perguntou.
Mas Harry acabara de ver Parvati e Lilá entrando pelo buraco do retrato.
Chegara a hora de tomar atitudes drásticas.
— Espere aqui — disse ele a Rony, se levantou, saiu numa linha reta até Parvati e disse:
— Parvati? Quer ir ao baile comigo?
Parvati teve um acesso de risinhos. Harry esperou que ela terminasse, os dedos cruzados dentro do bolso das vestes.
— Tudo bem — disse por fim a garota, corando furiosamente.
— Obrigado — disse Harry, aliviado. — Lilá, você quer ir com o Rony?
— Ela vai com o Simas — respondeu Parvati e as duas tiveram outro acesso de risinhos ainda mais forte.
Harry suspirou.
— Sabem de alguém que pudesse ir com o Rony? — disse ele, baixando a voz de modo que o amigo não o ouvisse.
— Que tal a Hermione Granger? — sugeriu Parvati.
— Ela está indo com outra pessoa.
A garota fez cara de espanto.
— Aaaah... Quem? — perguntou interessada.
Harry encolheu os ombros.
— Não faço idéia. Então, e o Rony?
— Bem... — disse Parvati lentamente. — Imagino que minha irmã talvez... Padma, sabe... Da Corvinal. Eu pergunto a ela se você quiser.
— Quero, seria ótimo. Me avisa, está bem?
E ele voltou para onde Rony estava, com a sensação de que esse tal baile dava muito mais trabalho do que merecia, e desejou que o nariz de Padma Patil fosse bem centrado no rosto.