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Unknown
junho 05, 2014
Capítulo 33
Suas mãos eram como aranhas grandes e pálidas, seus longos dedos brancos acariciaram o próprio peito, os braços, o rosto, os olhos vermelhos, cujas pupilas eram fendas, como as de um gato, brilhavam ainda mais no escuro. Ele ergueu as mãos e flexionou os dedos com uma expressão arrebatada e exultante. Não deu a menor atenção a Rabicho, que continuou tremendo e sangrando no chão, nem à enorme cobra, que reapareceu em cena e recomeçou a descrever círculos em torno de Harry, sibilando. Voldemort enfiou um dos dedos anormalmente longos em um bolso fundo e tirou uma varinha.
Acariciou-a gentilmente também, depois ergueu-a e apontou-a para Rabicho, e ela o guindou do chão e atirou contra a lápide a que Harry estava amarrado, o bruxo caiu aos pés da lápide e ficou ali, encolhido, chorando.
Voldemort voltou seus olhos vermelhos para Harry e soltou uma risada, aquela sua risada aguda, fria e sem alegria.
As vestes de Rabicho agora estavam manchadas de sangue brilhante, o bruxo enrolara nelas o toco de braço.
— Milorde... — disse ele com a voz embargada — milorde... O senhor prometeu... O senhor prometeu...
— Estique o braço — disse Voldemort indolentemente.
— Ah, meu amo... Obrigado, meu amo...
Rabicho esticou o toco sangrento, mas Voldemort deu uma gargalhada.
— O outro braço, Rabicho.
— Meu amo, por favor... Por favor...
Voldemort se curvou e puxou o braço esquerdo de Rabicho; empurrou a manga das vestes do servo acima do cotovelo e Harry viu que havia uma coisa na pele, uma coisa que lembrava uma tatuagem vermelho-vivo — um crânio, com uma cobra saindo da boca —, a mesma imagem que aparecera no céu na Copa Mundial de Quadribol: aMarca Negra. Voldemort examinou-a demoradamente, sem dar atenção ao choro descontrolado de Rabicho.
— Reapareceu — comentou ele baixinho —, todos deverão ter notado... E agora, veremos... Agora saberemos...
Ele comprimiu a marca no braço do servo com seu longo indicador branco.
A cicatriz na testa de Harry ardeu com uma dor aguda e Rabicho deixou escapar um uivo. Voldemort afastou o dedo da marca em Rabicho e Harry viu que ela se tornara muito preta. Com uma expressão de cruel satisfação no rosto, Voldemort se endireitou, atirou a cabeça para trás e começou a examinar o escuro cemitério.
— Quantos terão suficiente coragem para voltar quando sentirem isso? — sussurrou ele, fixando seus olhos vermelhos e brilhantes nas estrelas. — E quantos serão bastante tolos para ficar longe de mim?
Ele começou a andar de um lado para outro diante de Harry e Rabicho, seus olhos percorrendo o cemitério todo o tempo. Decorrido pouco mais de um minuto, ele tornou a olhar para Harry, um sorriso cruel deformando seu rosto viperino.
— Você está em pé, Harry Potter, sobre os restos mortais do meu pai — sibilou ele baixinho. — Um trouxa e um idiota... Muito parecido com a sua querida mãe. Mas os dois tiveram sua utilidade, não? Sua mãe morreu tentando defendê-lo quando criança... E eu matei meu pai e veja como ele se provou útil, depois de morto...
Voldemort soltou outra gargalhada. Para cima e para baixo ele andava, olhando para os lados, e a serpente continuava a circular no meio do capim.
— Você está vendo aquela casa lá na encosta do morro, Potter? Meu pai morava ali. Minha mãe, uma bruxa que vivia no povoado, se apaixonou por ele. Mas foi abandonada quando lhe contou o que era... Ele não gostava de magia, meu pai...
— Ele a abandonou e voltou para os pais trouxas antes de eu nascer, Potter, e ela morreu me dando à luz, me deixando para ser criado em um orfanato de trouxas... Mas eu jurei encontrá-lo... Vinguei-me dele, desse idiota que me deu seu nome... Tom Riddle...
E andava sem parar, seus olhos correndo de um túmulo para outro.
— Me vejam só recordando minha história de família... — comentou ele baixinho. — Ora, ora, estou ficando muito sentimental... Mas veja Harry! A minha família verdadeira está chegando...
O ar se encheu repentinamente com o rumor de capas esvoaçantes. Entre os túmulos, atrás do teixo, em cada espaço escuro, havia bruxos aparatando... Todos usavam capuzes e máscaras. E um por um, eles se adiantaram... Lentamente, cautelosamente, como se mal conseguissem acreditar no que viam.
Voldemort ficou parado em silêncio, esperando-os. Então um Comensal da Morte se prostrou de joelhos, arrastou-se até Voldemort, e beijou a barra de suas vestes negras.
— Meu amo... Meu amo...
Os Comensais da Morte que vinham atrás o imitaram, um por um, eles se aproximaram de joelhos para beijar as vestes de Voldemort para depois recuar e se levantar, formando um círculo silencioso em torno do túmulo de Tom Riddle, Harry, Voldemort e o monte de vestes que soluçava e sacudia, que era Rabicho.
Mas eles deixaram espaços vazios no círculo, como se esperassem mais gente.
Voldemort, porém, não parecia esperar mais ninguém. Olhou os rostos encapuzados ao seu redor e, embora não houvesse vento, um rumorejo pareceu percorrer o círculo como se perpassasse por ele um arrepio.
— Bem-vindos, Comensais da Morte — disse Voldemort em voz baixa. — Treze anos... Treze anos desde que nos encontramos pela última vez. Contudo, vocês atendem ao meu chamado como se fosse ontem... Então continuamos unidos sob a Marca Negra! Ou será que não?
Ele retomou sua expressão ameaçadora e farejou, dilatando as narinas em forma de fenda.
— Sinto cheiro de culpa — disse ele. — Há um fedor de culpa no ar. — Um segundo surto de arrepios percorreu o circulo, como se cada membro tivesse o desejo, mas não a coragem, de se afastar dali. — Vejo todos vocês, inteiros e saudáveis, com os seus poderes intactos, tão desenvoltos! E me pergunto... Por que esse bando de bruxos nunca foi socorrer seu amo, a quem jurou lealdade eterna?
Ninguém falou. Ninguém se mexeu exceto Rabicho, que continuava no chão, chorando, o braço ensangüentado.
— E eu próprio respondo — sussurrou Voldemort —, porque devem ter acreditado que eu estava derrotado, pensaram que eu acabara. Voltaram a se misturar com os meus inimigos e alegaram inocência, ignorância e bruxaria... E então eu me pergunto, mas como é que vocês podem ter acreditado que eu não me reergueria? Vocês, que conheciam as providências que eu tomara, há muito tempo, para me proteger da morte humana? Vocês que tiveram provas da imensidão do meu poder, na época em que fui mais poderoso do que qualquer bruxo vivente? E eu mesmo respondo, talvez acreditassem que poderia haver um poder ainda maior, um poder capaz de derrotar até Lord Voldemort... Talvez vocês agora prestem lealdade a outro... Talvez àquele campeão da plebe, dos trouxas e sangue-ruins, Alvo Dumbledore?”
À menção do nome de Dumbledore, os membros do circulo se inquietaram, alguns murmuraram e negaram sacudindo a cabeça.
Voldemort ignorou-os.
— Um desapontamento para mim... Confesso que estou desapontado...
Um dos bruxos se atirou subitamente à frente, rompendo o círculo. Tremendo da cabeça aos pés, prostrou-se aos pés de Voldemort.
— Meu amo! — exclamou. — Meu amo, me perdoe! Nos perdoe todos!
Voldemort começou a rir. Ergueu a varinha.
— Crucio!
O Comensal da Morte no chão contorceu-se e gritou, Harry teve certeza de que o som se propagava até as casas vizinhas... Tomara que a polícia chegue, desejou ele desesperado... Alguém... Alguma coisa...
Voldemort ergueu a varinha. O Comensal da Morte torturado se estatelou no chão, arfando.
— Levante-se, Avery — disse Voldemort baixinho. — Ponha-se de pé. Você está me pedindo perdão? Eu não perdôo. Eu não esqueço. Treze longos anos... Quero um pagamento por esses treze anos antes de perdoar-lhes. Rabicho aqui já pagou parte da dívida, não foi, Rabicho?
Ele baixou os olhos para o bruxo mutilado, que continuava a soluçar.
— Você voltou para mim, não por lealdade, mas por medo dos seus antigos amigos. Você merece sentir dor, Rabicho. Você sabe disso, não sabe?
— Sei, meu amo — gemeu Rabicho —, por favor, meu amo... Por favor...
— Contudo você me ajudou a recuperar meu corpo — disse Voldemort friamente, observando o servo soluçar no chão. — Mesmo inútil e traiçoeiro como é, você me ajudou... E Lord Voldemort recompensa quem o ajuda...
Voldemort tornou a erguer a varinha e girou-a no ar. Um fio que parecia feito de prata liquefeita prolongou-se da varinha e pairou no ar. Momentaneamente informe, o fio se agitou e em seguida se transformou na réplica brilhante de uma mão humana, clara como o luar, que saiu voando e foi se prender ao pulso sangrento de Rabicho.
Os soluços do bruxo pararam abruptamente. Com a respiração rascante e falha, ele levantou a cabeça e fitou, incrédulo, a mão prateada, agora ligada sem costura ao seu braço, como se ele estivesse usando uma luva luminosa. O bruxo flexionou os dedos reluzentes, depois, trêmulo, apanhou um graveto no chão e pulverizou-o.
— Milorde — sussurrou ele. — Meu amo... É linda... Muito obrigado... Muito obrigado...
Ele avançou de joelhos e beijou a barra das vestes de Voldemort.
— Que a sua lealdade jamais volte a vacilar, Rabicho — disse Voldemort.
— Não, milorde... Nunca, milorde...
Rabicho se levantou e tomou posição no círculo, sem tirar os olhos da mão nova e poderosa, seu rosto lavado de lágrimas. Voldemort se aproximou então do homem à direita de Rabicho.
— Lúcio, meu ardiloso amigo — murmurou ele se detendo diante do bruxo. — Ouço dizer que você não renunciou aos seus hábitos antigos, embora para o mundo você apresente uma imagem respeitável. Acredito que continue pronto para assumir a liderança de uma torturazinha de trouxas? No entanto você nunca tentou me encontrar, Lúcio... As suas aventuras na Copa Mundial de Quadribol foram engraçadas, devo dizer... Mas será que suas energias não teriam sido melhor empregadas em procurar ajudar seu amo?
— Milorde, sempre estive constantemente alerta — ouviu-se na mesma hora a voz de Lúcio Malfoy saindo por baixo do capuz. — Se tivesse havido algum sinal do senhor, algum rumor sobre seu paradeiro, eu teria ido imediatamente para o seu lado, nada teria me detido...
— Contudo, você correu da minha marca, quando um leal Comensal da Morte a projetou no céu no verão passado — comentou displicentemente Voldemort, e o Sr. Malfoy parou abruptamente de falar. — É, sei de tudo que aconteceu, Lúcio... Você me desapontou... Espero serviços mais leais no futuro.
— Naturalmente, milorde, naturalmente... O senhor é misericordioso, obrigado...
Voldemort continuou a andar e parou, reparando no espaço — suficientemente grande para duas pessoas — que separava Malfoy do comensal seguinte.
— Os Lestrange deveriam estar aqui — disse Voldemort baixinho. — Mas estão enterrados vivos em Azkaban. Foram fiéis. Preferiram ir para Azkaban a renunciar a mim... Quando Azkaban for aberta, os Lestrange receberão honras que ultrapassarão todos os seus sonhos. Os dementadores se unirão a nós... São nossos aliados naturais... Chamaremos de volta os gigantes banidos... Todos os meus servos devotados me serão devolvidos e um exército de criaturas que todos temem...
Ele continuou sua caminhada. Passou por alguns comensais em silêncio, mas parou diante de outros para lhes falar.
— Macnair... Eliminando animais perigosos para o Ministério da Magia agora, segundo me conta Rabicho. Breve você terá melhores vítimas, Macnair. Lord Voldemort irá providenciá-las...
— Obrigado, meu amo... Obrigado — murmurou Macnair.
— E aqui — Voldemort prosseguiu dirigindo-se aos dois maiores vultos encapuzados — temos Crabbe... Você vai trabalhar melhor desta vez, não vai, Crabbe? E você, Goyle?
Os dois fizeram uma reverência desajeitada, murmurando com uma certa lentidão:
— Sim, meu amo...
— Trabalharemos, meu amo...
— O mesmo se aplica a você, Nott — disse Voldemort baixinho, ao passar pelo vulto curvado à sombra do Sr. Goyle.
— Milorde, eu me prostrei diante do senhor, sou o seu mais fiel...
— Basta — disse Voldemort.
Ele chegou, então, à maior lacuna no círculo, e parou contemplando-a com seus olhos parados e vermelhos, como se pudesse ver pessoas em pé ali.
— E aqui temos seis Comensais da Morte ausentes... Três mortos a meu serviço. Um demasiado covarde para voltar... Ele me pagará. Um que eu acredito ter me deixado para sempre... Este será morto, é claro... E um que continua sendo meu mais fiel servo, e que já reingressou no meu serviço.
Os Comensais da Morte se agitaram, Harry viu que eles se entreolhavam por trás das máscaras.
— Ele está em Hogwarts, esse servo fiel, e foi graças aos seus esforços que o nosso jovem amigo chegou aqui esta noite... Sim, — disse Voldemort, um sorriso crispando sua boca sem lábios, quando os olhares do círculo convergiram para Harry. — Harry Potter teve a gentileza de se reunir a nós para comemorar a minha ressurreição. Poderíamos até chamá-lo de meu convidado de honra.
Fez-se silêncio. Em seguida o Comensal da Morte à direita de Rabicho deu um passo à frente, e a voz de Lúcio Malfoy falou por baixo da máscara.
— Meu amo, é grande o nosso desejo de saber... Suplicamos que nos conte... Como foi que o senhor conseguiu este... Milagre... Como conseguiu voltar para nós...
— Ah, que história extraordinária, Lúcio! — disse Voldemort. — E ela começa... E termina... Com o meu jovem amigo aqui.
Ele caminhou descansadamente e parou ao lado de Harry, fazendo com que os olhos de todo o círculo se voltassem para os dois. A cobra continuava a rastejar em círculos.
— Vocês sabem, naturalmente, que muitos chamam este garoto de minha perdição! — disse Voldemort baixinho, os olhos fixos em Harry, cuja cicatriz começou a arder tão ferozmente que ele quase gritou de agonia. — Vocês todos sabem que na noite em que perdi meus poderes e o meu corpo, tentei matá-lo. A mãe dele morreu, tentando salvá-lo, e, sem saber, o resguardou com uma proteção que, devo admitir, eu não havia previsto... Eu não pude tocar no rapaz.
Voldemort ergueu um longo dedo branco e levou-o até próximo do rosto de Harry.
— A mãe deixou nele os vestígios do seu sacrifício... Isto é magia antiga, de que eu devia ter me lembrado, foi uma tolice tê-la esquecido... Mas isso não importa. Eu agora posso tocá-lo.
Harry sentiu a ponta fria do longo dedo branco tocá-lo, e pensou que sua cabeça ia explodir de dor. Voldemort riu de mansinho na orelha do garoto, depois afastou o dedo e continuou a se dirigir aos Comensais da Morte.
— Eu calculei mal, meus amigos, admito. Minha maldição foi refratada pelo tolo sacrifício da mulher e ricocheteou contra mim. Ah... A dor que ultrapassa a dor, meus amigos, nada poderia ter me preparado para aquilo. Fui arrancado do meu corpo, me tornei menos que um espírito, menos que o fantasma mais insignificante... Mas, ainda assim, continuei vivo. Em que me transformei, nem eu mesmo sei... Eu que cheguei mais longe do que qualquer outro no caminho que leva à imortalidade. Vocês conhecem o meu objetivo, vencer a morte. E agora fui testado, e aparentemente uma, ou mais de uma, das minhas experiências foi bem sucedida... Pois eu não morri, embora a maldição devesse ter me matado. Contudo, fiquei tão impotente quanto a mais fraca criatura viva e sem meios de ajudar a mim mesmo... Pois não possuía mais corpo, e qualquer feitiço que pudesse ter me ajudado exigia o uso da varinha... Só me lembro de me obrigar, sem dormir, sem cessar, segundo a segundo, a existir... Fui morar em um lugar distante, numa floresta e esperei... Certamente um dos meus fiéisComensais da Morte tentaria me encontrar... Um deles viria e realizaria por mim a mágica necessária para eu recuperar meu corpo... Mas esperei em vão...
O arrepio tornou a perpassar o círculo de atentos Comensais da Morte.
Voldemort deixou o silêncio espiralar de modo terrível antes de prosseguir:
— Só me restara um poder. Eu podia me apossar do corpo de outros. Mas eu não me atrevia a ir aonde viviam muitos humanos, pois eu sabia que os aurores continuavam a viajar pelo exterior à minha procura. Por vezes eu habitava animais, as cobras, é claro, eram minhas preferidas, mas eu não ficava muito melhor dentro delas do que como puro espírito, porque seus corpos eram mal equipados para realizar mágicas... E apossar-me delas encurtava suas vidas, nenhuma delas sobreviveu muito tempo... Então... Há quatro anos... Os meios para o meu retorno me pareceram garantidos. Um bruxo, jovem, tolo e crédulo, cruzou o meu caminho na floresta em que eu vivia. Ah, ele parecia exatamente a chance com que eu sonhara... Porque era professor na escola de Dumbledore... Era dócil à minha vontade... E me trouxe de volta a este país e, pouco depois, me apoderei do seu corpo para vigiá-lo de perto enquanto cumpria minhas ordens. Mas meu plano fracassou. Não consegui roubar a Pedra Filosofal. Não pude obter a vida eterna. Fui impedido... Fui impedido, mais uma vez, por Harry Potter...
Novamente o silêncio, nada se movia, nem mesmo as folhas do teixo. Os Comensais da Morte permaneceram muito quietos, os olhos cintilantes em suas máscaras fixos em Voldemort e Harry.
— Meu servo morreu quando abandonei seu corpo, e fiquei mais fraco do que jamais estive. Voltei ao meu esconderijo distante, e não vou fingir que não receei então que talvez jamais recuperasse meus poderes... Sim, aquela talvez tenha sido a hora mais negra da minha vida... Eu não poderia esperar que caísse do céu outro bruxo para eu me apoderar... E já perdera as esperanças de que algum Comensal da Morte se importasse com o que me acontecera...
Uns dois bruxos mascarados no círculo se mexeram constrangidos, mas Voldemort não lhes deu a menor atenção.
— Então, há menos de um ano, quando eu praticamente abandonara toda esperança, aconteceu... Um servo voltou para mim, o Rabicho aqui, que simulara a própria morte para fugir à justiça, foi forçado a se expor por aqueles que no passado tinham sido seus amigos, e resolveu voltar para o seu amo. Ele me procurou no campo onde houvera boatos de que eu estaria escondido... Ajudado, naturalmente, pelos ratos que encontrou em seu caminho. Rabicho tem uma curiosa afinidade por ratos, não é mesmo, Rabicho? Seus imundos amiguinhos lhe contaram que havia um lugar, no meio de uma floresta albanesa que eles evitavam, onde pequenos animais como eles encontravam a morte pelas mãos de um vulto escuro que os possuía... Mas a viagem de regresso não correu tranqüilamente para mim, não é, Rabicho? Certa noite, esfomeado, na orla da floresta em que esperava me encontrar, ele parou, tolamente, em uma estalagem para comer alguma coisa... E quem ele haveria de encontrar lá, se não Berta Jorkins, uma bruxa do Ministério da Magia?
— Agora vejam como o destino favorece Lord Voldemort. Isto poderia ter sido o fim de Rabicho e da minha última chance de regeneração. Mas Rabicho — revelando uma presença de espírito que eu jamais esperaria dele — convenceu Berta Jorkins a acompanhá-lo em um passeio noturno. Ele a dominou... E a trouxe até mim. E Berta Jorkins, que poderia ter posto tudo a perder, em vez disso provou ser uma dádiva que superou as minhas expectativas mais extravagantes... Pois, com um nadinha de persuasão, tornou-se uma verdadeira mina de informações. Ela me contou que este ano seria realizado um Torneio Tribruxo em Hogwarts. E que conhecia um Comensal da Morte fiel que teria muito prazer em me ajudar, se eu o procurasse. Ela me contou muitas coisas... Mas os meios que usei para romper o Feitiço da Memória que a dominava foram fortes, e depois que extrai dela toda informação útil, sua mente e seu corpo ficaram irrecuperavelmente danificados. Servira a sua finalidade. Mas eu não poderia me apossar do seu corpo. Descartei-a.
Voldemort sorriu, aquele sorriso medonho, seus olhos vermelhos vidrados e cruéis.
— O corpo de Rabicho, naturalmente, era pouco próprio para uma possessão, já que todos o presumiam morto e ele atrairia demasiada atenção se fosse visto. Contudo, era o servo fisicamente válido de que eu precisava. E, embora fosse um bruxo medíocre, foi capaz de seguir as instruções que lhe dei e que me devolveriam um corpo rudimentar e fraco porém meu, um corpo que eu poderia habitar enquanto esperava os ingredientes essenciais para uma verdadeira ressurreição... Uns feitiços de minha própria invenção... Uma ajudazinha de Nagini — os olhos de Voldemort se voltaram para a cobra que circulava a lápide sem parar —, uma poção feita com sangue de unicórnio, veneno de cobra fornecido por Nagini... E logo eu recuperei uma forma quase humana e suficientemente forte para viajar. Não havia mais esperanças de roubar a Pedra Filosofal, pois eu sabia que Dumbledore teria tomado providências para destruí-la. Mas eu estava disposto a abraçar mais uma vez a vida mortal antes de perseguir a imortal. Estabeleci objetivos mais modestos... Aceitei ter o meu antigo corpo e a minha antiga força de volta.
— Eu sabia que para obter isso, que é uma velha peça de Magia Negra a poção que me reanimou hoje à noite, eu precisaria de três poderosos ingredientes. Bem, um deles já estava à mão, não é mesmo, Rabicho? A carne doada por um servo... O osso do meu pai, naturalmente, significava que eu teria que vir até aqui, onde ele estava enterrado. Mas o sangue de um inimigo... Rabicho queria que eu usasse um bruxo qualquer, não foi, Rabicho, eu sabia do que precisava, se era para me reerguer mais poderoso do que tinha sido antes da queda. Eu queria o sangue de Harry Potter. Eu queria o sangue daquele que tinha me despojado do poder há treze anos, porque a proteção duradoura que a mãe dele tinha lhe dado circularia em minhas veias também... Mas como apanhar Harry Potter? Porque ele foi protegido muito mais do que acho que ele sabe, protegido de várias maneiras criadas por Dumbledore há muito tempo, quando recebeu o encargo de cuidar do futuro do garoto.
— Dumbledore invocou uma mágica antiga para garantir a proteção ao garoto enquanto estivesse aos cuidados dos parentes. Nem mesmo eu posso tocá-lo em casa deles... Depois, naturalmente houve a Copa Mundial de Quadribol... Achei que a proteção dele enfraqueceria ali, longe dos parentes e de Dumbledore, mas eu ainda não estava suficientemente forte para tentar seqüestrá-lo em meio a uma horda de bruxos do Ministério. Depois, o garoto retornaria a Hogwarts, onde vive debaixo do nariz torto daquele tolo, amante de trouxas, de manhã à noite. Então, como poderia capturá-lo?
— Ora... Aproveitando as informações de Berta Jorkins, é claro. Usando o meu fielComensal da Morte, baseado em Hogwarts, para garantir que o nome do garoto fosse inscrito no Cálice de Fogo. Usando o meu Comensal da Morte para garantir que o garoto ganhasse o torneio — que tocasse a Taça Tribruxo primeiro, Taça que o meuComensal da Morte havia transformado em uma Chave de Portal para trazê-lo aqui, longe do socorro e proteção de Dumbledore, até o aconchego dos meus braços abertos para recebê-lo. E aqui está ele... O garoto que vocês todos acreditaram que tinha sido minha ruína...
Voldemort avançou lentamente e se virou para encarar Harry.
Ergueu a varinha.
— Crucio!
Foi uma dor que superou qualquer coisa que Harry já sofrera, seus próprios ossos pareciam estar em fogo, sua cabeça, sem dúvida alguma, estava rachando ao longo da cicatriz, seus olhos giravam descontrolados em sua cabeça, ele queria que tudo terminasse... Que perdesse os sentidos... Morresse...
Então passou. Ele ficou pendurado nas cordas que o prendiam à lápide do pai de Voldemort, olhando aqueles brilhantes olhos vermelhos através de uma espécie de névoa. A noite ressoava com o estrépito das risadas dos Comensais da Morte.
— Estão vendo a tolice que foi vocês suporem que este garoto algum dia pudesse ser mais forte que eu? — ponderou Voldemort. — Mas eu não quero que reste nenhum engano na mente de ninguém. Harry Potter me escapou por pura sorte. E vou provar o meu poder matando-o, aqui e agora, diante de todos vocês, onde não há Dumbledore para ajudá-lo nem mãe para morrer por ele. Vou dar a Harry uma oportunidade. Ele poderá lutar, e vocês não terão mais dúvida alguma sobre qual de nós é mais forte. Espere mais um pouquinho Nagini — sussurrou ele, e a cobra se afastou, deslizando pelo capim, até o local em que os Comensais da Morte estavam parados observando. — Agora, desamarre-o Rabicho, e devolva sua varinha.