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junho 05, 2014
Capítulo 21
— Se encaixa direitinho, não é! — disse ele. — Você se lembra do que Malfoy disse no trem, que o pai dele era amigo de Karkaroff? Hora a gente já sabe onde se conheceram. Provavelmente estavam correndo mascarados na Copa Mundial... Mas vou dizer uma coisa, Harry, se foi Karkaroff que pôs o seu nome no Cálice de Fogo, ele agora vai estar se sentindo muito idiota, não acha? Não funcionou, não é? Você só levou um arranhão! Vem até aqui, eu faço isso...
Pichitinho estava demasiado excitado com a idéia de fazer uma entrega, voava sem parar à volta da cabeça de Harry, piando continuamente. Rony agarrou a coruja no ar e segurou-a quieta para que o amigo pudesse prender a carta à perna da ave.
— Acho que não é possível que as outras tarefas sejam tão perigosas. Como poderiam ser? — prosseguiu Rony enquanto levava Pichitinho até a janela.
— Sabe de uma coisa? Acho que você poderia vencer esse torneio, Harry, estou falando sério.
Harry sabia que Rony só estava dizendo isso para compensar o seu comportamento nas últimas semanas, mas assim mesmo gostou. Hermione, no entanto, encostou-se à parede do corujal, cruzou os braços e amarrou a cara para Rony.
— Harry tem um longo caminho a percorrer até o fim do torneio — disse ela séria. — Se essa foi a primeira tarefa, nem quero pensar qual vai ser a próxima.
— Você é um raio luminoso de sol, não é não? Você e Professora Sibila deviam se reunir um dia desses.
E, dizendo isso, Rony lançou Pichitinho pela janela. A ave mergulhou quase quatro metros antes de conseguir se sustentar; a carta amarrada a sua perna era muito mais comprida e pesada que o normal — Harry não pôde resistir à tentação de contar a Sirius, lance a lance, exatamente como voara para cá e para lá, circulara e se desviara do Rabo-Córneo.
Os três acompanharam Pichitinho desaparecer na noite, e então Rony falou:
— Bom, é melhor descermos para a sua festa surpresa, Harry, a esta altura, Fred e Jorge já devem ter pilhado comida suficiente das cozinhas.
Não deu outra. Quando entraram, a sala comunal da Grifinória explodiu de vivas e gritos outra vez. Havia montanhas de bolos e garrafões de suco de abóbora e cerveja amanteigada em cima de cada móvel, Lino Jordan soltara alguns dos seus Fogos Fabulosos do Dr. Filibusteiro Sem Fumaça Nem Calor, por isso o ar estava denso de estrelas e faíscas e Dino Thomas, que era muito bom em desenho, tinha pendurado magníficos galhardetes novos, a maioria dos quais mostrava Harry voando na Firebolt em volta da cabeça do dragão, embora houvesse uns dois que mostravam Cedrico com os cabelos em chamas.
Harry se serviu da comida, quase esquecera como era se sentir realmente faminto, e se sentou com Rony e Hermione. Não conseguia acreditar na felicidade que sentia, recuperara o apoio de Rony, dera conta da primeira tarefa e só teria que enfrentar a segunda dali a três meses.
— Putz, isso é pesado — comentou Lino Jordan, levantando o ovo dourado, que Harry deixara em cima de uma mesa, e pesando-o nas mãos. — Abra, Harry, vamos! Vamos ver o que tem dentro!
— Ele tem que decifrar a pista sozinho — disse Hermione depressa. — É a regra do torneio...
— Eu devia arranjar um jeito de passar pelo dragão sozinho, também — murmurou Harry, de modo que somente Hermione o ouvisse, e ela deu um sorriso culpado.
— É, anda, Harry, abra! — fizeram coro vários colegas.
Lino passou o ovo a Harry e o garoto enfiou as unhas no sulco que corria a toda volta do objeto, forçando o ovo a abrir. Estava oco e completamente vazio, mas no momento em que Harry o abriu, um som terrível, alto e agudo como um agouro, encheu a sala. A coisa mais próxima àquilo que Harry já ouvira fora a orquestra fantasma na festa do aniversário de morte de Nick Quase Sem Cabeça, em que todos os componentes tocavam um serrote musical.
— Fecha isso! — berrou Fred, as mãos tampando os ouvidos.
— Que é isso? — perguntou Simas Finnigan, olhando o ovo enquanto Harry tornava a fechá-lo com um estalo. — Parecia um espírito agourento... quem sabe você vai ter que passar por um deles da próxima vez, Harry!
— Era alguém sendo torturado! — arriscou Neville, que ficara muito pálido e largara os pães de salsicha no chão. — Você vai ter que enfrentar a Maldição Cruciatus!
— Deixa de ser babaca, Neville, isso é ilegal — disse Jorge. — Não usariam a Maldição Cruciatus contra os campeões. Achei que lembrava um pouco o Percy cantando... Quem sabe você vai ter que atacar ele quando estiver debaixo do chuveiro, Harry.
— Quer uma tortinha de geléia, Mione? — ofereceu Fred.
Hermione olhou com ar de dúvida para o prato que o garoto lhe estendia.
Fred sorriu.
— Pode se servir. Não fiz nada com elas. É com os cremes de caramelo que você tem de se cuidar...
Neville, que acabara de encher a boca de creme, se engasgou e o cuspiu fora. Fred deu uma risada.
— É só uma brincadeirinha, Neville...
Hermione apanhou uma tortinha de geléia. Depois perguntou:
— Você apanhou tudo isso na cozinha, Fred?
— Foi — respondeu ele sorrindo para a garota. Ele fez uma voz de falsete e imitou um elfo doméstico: — "O que pudermos lhe arranjar, meu senhor, qualquer coisa!" São superprestativos... Me arranjariam um boi assado se eu dissesse que estava faminto.
— Como é que você entra lá? — perguntou Hermione com uma voz inocentemente desinteressada.
— É fácil, tem uma porta escondida atrás da pintura de uma fruteira. É só fazer "cosquinha" na pêra, ela ri e... — Ele parou olhou desconfiado para a garota. — Por quê?
— Nada — apressou-se Hermione a dizer.
— Vai tentar liderar uma greve de elfos domésticos, é? Vai desistir dos folhetos e incitar os caras a se revoltarem?
Algumas pessoas riram. Hermione não respondeu.
— Não vai perturbar os elfos dizendo que têm que pedir roupas e salários! — avisou-a Fred. — Vai desviar os caras do preparo da comida!
Nesse instante, Neville provocou uma ligeira distração transformando-se em um grande canário.
— Ah... Me desculpe, Neville — gritou Fred, abafando as risadas.
— Me esqueci... Foram os cremes de caramelo que enfeitiçamos...
Um minuto depois, Neville entrava na muda e quando as penas acabaram de cair ele reapareceu tal qual era. E até engrossou o coro de gargalhadas.
— Cremes de Canários! — anunciou Fred para os alunos facilmente excitáveis. — Jorge e eu inventamos, sete sicles cada, pechincha!
Era quase uma hora da manhã quando Harry finalmente foi para o dormitório em companhia de Rony, Neville, Simas e Dino. Antes de fechar as cortinas de sua cama, o garoto colocou a miniatura do Rabo-Córneo húngaro em cima da mesa-de-cabeceira onde o dragão bocejou, se enroscou e fechou os olhos. Para ser sincero, pensou Harry, ao correr as cortinas da cama, Hagrid tinha uma certa razão... Eles eram realmente legais, os dragões...
O começo de dezembro trouxe chuva e neve granulada a Hogwarts. Mesmo cheio de correntes de ar como costumava ser o castelo no inverno, Harry se sentia grato por suas lareiras e paredes grossas todas as vezes que passava pelo navio de Durmstrang no lago, jogando com os ventos fortes, as velas negras enfunadas contra o céu escuro. Ocorreu-lhe que a carruagem de Beauxbaton provavelmente era bem fria também. Hagrid, reparou ele, estava mantendo os cavalos de Madame Maxime bem abastecidos do uísque que preferiam, os vapores que subiam do cocho a um picadeiro eram suficientes para deixar tonta a classe inteira de Trato das Criaturas Mágicas. Isto não ajudava nada, porque os garotos continuavam cuidando dos horrorosos explosivins e precisavam ficar sóbrios.
— Não tenho bem certeza se eles hibernam ou não — disse Hagrid, na aula seguinte, à classe que tremia de frio na horta de abóboras varrida pelo vento. — Achei que devíamos tentar ver se os bichos querem tirar uma soneca... Vamos colocá-los nessas caixas...
Agora só restavam dez, aparentemente ainda não haviam se fartado de se matar uns aos outros. Cada um agora chegava quase a um metro e oitenta centímetros de comprimento. A carapaça grossa e cinzenta, as perninhas curtas em movimento, as caudas que expeliam fogo, os ferrões e os sugadores se somavam para tornar osexplosivins as coisas mais repugnantes que Harry já vira.
A turma olhou desanimada para as enormes caixas que Hagrid trouxera, todas forradas com almofadas e cobertores macios.
— Vamos levá-los para as caixas — disse Hagrid —, tampá-las, e ver o que acontece.
Mas os explosivins, pelo que se viu, não hibernavam, e não gostavam de ser enfiados à força em caixas forradas com almofadas com uma tampa por cima.
Hagrid logo começou a gritar:
— Não entrem em pânico, não entrem em pânico! — Enquanto os bichos desembestavam pela horta de abóboras agora juncada com os restos de caixas fumegantes.
A maioria da turma, Malfoy, Crabbe e Goyle à frente, tinha fugido para a cabana de Hagrid pela porta dos fundos e se barricara lá dentro, Harry, Rony e Hermione, no entanto, estavam entre os alunos que tinham ficado do lado de fora tentando ajudar o professor. Juntos, conseguiram dominar e prender nove dos explosivins, embora ao custo de vários cortes e queimaduras, finalmente, faltou apenas uma das criaturas.
— Não vão assustá-lo! — gritou Hagrid, enquanto Rony e Harry usavam as varinhas para lançar fagulhas no bicho, que avançava ameaçadoramente para os garotos, o ferrão nas costas estremecendo em riste. — Tentem passar a corda pelo ferrão para ele não poder atacar os outros.
— Ah, é, nós nem íamos querer uma coisa dessas! — gritou Rony zangado, enquanto ele e Harry recuavam contra a parede da cabana de Hagrid, ainda mantendo oexplosivin afastado com fagulhas.
— Ora, ora, ora... Isso parece realmente divertido!
Rita Skeeter estava debruçada na cerca do jardim de Hagrid, apreciando a confusão. Usava uma grossa capa carmim com uma gola de peles e trazia a bolsa de crocodilo no braço.
Hagrid se atirou em cima do bicho que acuava Harry e Rony e achatou-o, um jorro de fogo disparou de sua cauda, queimando os pés de abóbora mais próximos.
— Quem é a senhora? — perguntou Hagrid à jornalista, enquanto passava a corda no ferrão do explosivin e apertava o laço.
— Rita Skeeter, repórter do Profeta Diário — respondeu a moça, sorrindo para ele. Seu dente de ouro brilhou.
— Pensei ter ouvido Dumbledore dizer que a senhora não podia mais entrar na escola? — disse Hagrid erguendo ligeiramente as sobrancelhas enquanto saía de cima do bicho achatado e começava a arrastá-lo para junto dos companheiros.
Rita fez de conta que não ouviu o que Hagrid acabara de dizer.
— Como é o nome dessas criaturas fascinantes? — perguntou ela, com um sorriso ainda maior.
— Explosivins — resmungou Hagrid.
— Sério? — disse ela, parecendo vivamente interessada. — Nunca ouvi falar deles antes... E de onde é que eles vêm?
Harry notou uma vermelhidão subir da barba negra e desgrenhada de Hagrid e sentiu um súbito desânimo. Onde é que Hagrid arranjara aqueles bichos?
Hermione que parecia estar pensando mais ou menos a mesma coisa, disse depressa:
— Eles são muito interessantes, não é mesmo? Não são, Harry?
— Quê? Ah, são... Ai... Interessantes — disse o garoto quando a amiga pisou seu pé.
— Ah, você está aqui, Harry! — exclamou Rita olhando para o lado. — Então você gosta da aula de Trato das Criaturas Mágicas? Uma de suas matérias preferidas?
— É — disse Harry corajosamente. Hagrid lhe deu um grande sorriso.
— Que beleza! — disse Rita. — Realmente uma beleza. Está ensinando isso há muito tempo? — perguntou ela a Hagrid.
Harry reparou que os olhos da jornalista corriam de Dino (que recebera um corte feio no rosto) para Lilá (cujas vestes estavam bastante chamuscadas), para Simas (que estava cuidando de vários dedos queimados), e dele para as janelas da cabana, onde se encontrava a maior parte da turma, de nariz colado na vidraça, esperando ver se era seguro sair.
— Este é o meu segundo ano — respondeu o professor.
— Que beleza... O senhor não gostaria de dar uma entrevista? Contar sua experiência com criaturas mágicas? O Profeta publica uma coluna zoológica toda quarta-feira, como o senhor com certeza já sabe. Nós poderíamos falar desses... Hum... Estouradins?
— Explosivins — apressou-se a corrigir Hagrid. — Hum... Claro, por que não?
Harry teve uma sensação ruim sobre o convite, mas não havia como se comunicar com Hagrid sem Rita ver, por isso ele foi obrigado a ficar em silêncio observando Hagrid e Rita combinarem se encontrar no Três Vassouras para uma longa entrevista, mais para o fim da semana. Então a sineta tocou no castelo, anunciando o fim da aula.
— Bem, tchau, Harry! — gritou Rita alegremente para o garoto, enquanto ele se afastava com Rony e Hermione. — Até sexta-feira à noite, então, Hagrid!
— Rita vai distorcer tudo que ele disser — comentou Harry baixinho.
— Desde que ele não tenha importado aqueles explosivins ilegalmente nem nada do gênero — disse Hermione desesperada. Eles se entreolharam, era exatamente o tipo de coisa que Hagrid seria capaz de fazer.
— Hagrid já se meteu em montes de confusão antes e Dumbledore nunca o despediu — disse Rony em tom de consolo. — O pior que pode acontecer é Hagrid ter que se livrar dos bichos. Desculpe... Eu disse o pior? Quis dizer o melhor.
Harry e Hermione caíram na gargalhada e, sentindo-se mais animados, foram almoçar.
Harry gostou imensamente da aula de Adivinhação naquela tarde, a turma ainda estava fazendo mapas e predições, mas agora que ele e Rony tinham voltado a ser amigos a coisa recuperara a antiga graça. A Professora Sibila, que andara tão satisfeita com os garotos quando eles estiveram predizendo mortes horrendas para si mesmos, não tardou a se irritar quando os dois ficaram de risadinhas na hora em que ela explicava as várias maneiras com que Plutão era capaz de desorganizar a vida diária.
— Seria de pensar — disse ela, num sussurro místico que não ocultava seu óbvio aborrecimento — que alguns de nós — e olhou significativamente para Harry — seriam um pouquinho menos frívolos se tivessem visto o que vi quando consultei a minha bola de cristal ontem à noite. Eu estava sentada bordando, muito absorta, quando fui tomada por um impulso de consultar a bola. Levantei-me e me sentei diante dela e contemplei suas profundezas cristalinas... E o que acham que vi olhando para mim?
— Uma morcega velha com os óculos maiores do que a cara? — cochichou Rony.
Harry fez muita força para ficar com a cara séria.
— A morte, meus queridos.
Parvati e Lilá levaram as mãos à boca, fazendo cara de horror.
— Sim, senhores — disse a professora, acenando a cabeça de modo impressionante —, ela está se aproximando, cada vez mais, descrevendo círculos no céu como um urubu, cada vez mais baixa... Sempre mais baixa sobre o castelo...
Ela olhou diretamente para Harry, que bocejou com a boca escancarada e de maneira óbvia.
— Teria sido mais impressionante se ela não tivesse anunciado isso oito vezes antes — disse Harry, quando finalmente recuperaram o ar fresco na escada sob a sala de Sibila. — Mas se eu caísse duro toda vez que ela diz que vou cair, eu seria um milagre da medicina.
— Seria uma espécie de fantasma super-concentrado — disse Rony rindo, ao passarem pelo Barão Sangrento que ia em sentido contrário, um olhar sinistramente fixo nos olhos enormes. — Pelo menos ela não passou dever de casa. Espero que a Professora Vector tenha passado um monte para Hermione, adoro ficar à toa quando ela está ocupada...
Mas a garota não apareceu para jantar, nem estava na biblioteca quando eles foram procurá-la. A única pessoa que estava lá era Vítor Krum. Rony ficou parado um tempo atrás das estantes, observando Krum e discutindo aos cochichos com Harry se deveria pedir um autógrafo, mas então percebeu que havia umas seis ou sete garotas rondando entre as estantes ao lado, discutindo exatamente a mesma coisa, e perdeu o entusiasmo pela idéia.
— Onde será que ela se meteu? — indagou Rony quando os dois rumavam para a Torre da Grifinória.
— Sei lá... Asnice.
Mas a Mulher Gorda mal começara a girar para frente quando o ruído de alguém correndo às costas dos garotos anunciou a chegada de Hermione.
— Harry! — ofegou ela, derrapando até parar ao lado dele (a Mulher Gorda olhou para a garota, com as sobrancelhas erguidas).
— Harry, você tem de vir comigo... Tem de vir, aconteceu a coisa mais fantástica... Por favor...
Ela agarrou o braço de Harry e tentou arrastar o garoto de volta ao corredor.
— Que é que aconteceu? — perguntou Harry.
— Eu mostro a você quando a gente chegar lá, ah, anda logo, depressa...
Harry olhou para Rony; este olhou para Harry intrigado.
— OK — disse Harry, começando a retroceder pelo corredor com Hermione, Rony correndo para acompanhá-los.
— Ah, não se incomodem comigo! — gritou a Mulher Gorda irritada para os garotos. — Não peçam desculpas por terem me incomodado! Vou continuar pendurada aqui, aberta, até vocês voltarem, não é isso?
— É, obrigado — gritou Rony por cima do ombro.
— Hermione, onde é que estamos indo? — perguntou Harry, depois que a garota os fizera descer seis andares e já estavam na escadaria de mármore do saguão de entrada.
— Você vai ver, você vai ver já, já! — disse Hermione excitada.
Ela virou à esquerda ao pé da escada e correu para a porta que Cedrico cruzara na noite seguinte ao Cálice de Fogo ter regurgitado o seu nome e o de Harry.
O garoto jamais passara ali antes. Ele e Rony acompanharam Hermione, desceram um lance de escadas de pedra, mas em vez destas terminarem em uma sombria passagem subterrânea, como a que levava à masmorra do Snape, os garotos se viram em um corredor de pedra, largo, muito bem iluminado com archotes, e decorado com alegres pinturas, na maioria, de comida.
— Ah, espera aí... — disse Harry lentamente, a meio caminho do corredor. — Espera um instante, Hermione...
— Quê? — Ela se virou para olhá-lo, o rosto que era só expectativa.
— Já sei do que se trata — disse Harry.
O garoto cutucou Rony e apontou para o quadro logo atrás de Hermione.
Era a pintura de uma enorme fruteira de prata.
— Hermione! — exclamou Rony, entendendo. — Você não está tentando nos pegar a laço para aquela história do fale outra vez?
— Não, não, não estou! — apressou-se ela a dizer. — E não é fale, Rony...
— Você mudou o nome? — perguntou Rony, franzindo a testa. — Que somos então? A Frente de Liberação dos Elfos Domésticos? Não vou invadir a cozinha para fazer eles pararem de trabalhar, não vou fazer isso...
— Não estou lhe pedindo isso! — disse Hermione impacientemente. — Desci aqui agora há pouco para conversar com eles e encontrei... Ah, anda, Harry, quero lhe mostrar!
A garota tornou a agarrá-lo pelo braço, puxou-o para diante do quadro da fruteira, esticou o dedo indicador e fez cócegas na enorme pêra verde. A fruta começou a se contorcer e rir e, de repente, transformou-se em uma grande maçaneta verde. Hermione segurou-a, abriu a porta e empurrou Harry pelas costas, com força, obrigando-o a entrar.
O garoto teve apenas uma breve visão de um amplo aposento de teto alto, grande como o Salão Principal acima, repleto de tachos e panelas de latão empilhados ao redor das paredes de pedra, um grande fogão de tijolos no extremo oposto, quando alguma coisa pequena se precipitou do meio do aposento ao encontro dele, guinchando:
— Harry Potter, meu senhor! Harry Potter!
No segundo seguinte todo o ar dos seus pulmões foi expelido, o elfo, aos guinchos, colidiu com ele na altura do diafragma, abraçando-o com tanta força que o garoto pensou que suas costelas iam partir.
— D-Dobby? — ofegou Harry.
— Dobby, meu senhor, é sim! — guinchou a voz na altura do seu umbigo. — Dobby teve muita esperança de ver Harry Potter, meu senhor, e Harry Potter veio ver ele, meu senhor!
Dobby soltou o garoto e recuou alguns passos, sorrindo para Harry de orelha a orelha, seus enormes olhos verdes, redondos como bolas de tênis, se enchendo de lágrimas de felicidade. Tinha quase exatamente a mesma aparência com que Harry o conhecera: o nariz fino e reto, as orelhas de morcego, as mãos e os pés compridos — exceto pelas roupas, que eram muito diferentes.
Quando Dobby trabalhara para os Malfoy, sempre usara a mesma fronha velha e imunda. Agora, porém, vestia a combinação mais extravagante de roupas que Harry já vira na vida; fizera uma escolha de peças pior do que a dos bruxos na Copa Mundial. Usava um abafador de chá à guisa de chapéu, no qual estavam presos vários distintivos coloridos, uma gravata com estampa de ferraduras de cavalo sobre o peito nu, calções que pareciam os de uma criança jogar futebol e meias desaparelhadas. Uma delas, Harry reparou, era a preta que ele tirara do próprio pé e induzira o Sr. Malfoy a jogar para Dobby, e ao fazer isso, libertara-o. A outra era listrada de rosa e laranja.
— Dobby, que é que você está fazendo aqui? — perguntou Harry surpreso.
— Dobby veio trabalhar em Hogwarts, meu senhor! — guinchou o elfo excitado. — O Professor Dumbledore deu emprego a Dobby e Winky meu senhor!
— Winky? — exclamou Harry. — Ela também está aqui?
— Está, sim, senhor, está! — disse Dobby, e agarrando a mão de Harry puxou-o para dentro da cozinha entre quatro longas mesas de madeira que estavam ali. Cada uma das mesas, o garoto notou ao passar, estava colocada exatamente embaixo das quatro mesas das Casas em cima, no Salão Principal.
Naquele momento não havia comida nelas, o jantar já terminara, mas ele supôs que uma hora antes estivessem carregadas de travessas que então eram mandadas pelo teto para as suas correspondentes no andar superior.
No mínimo uns cem elfos estavam parados pela cozinha, sorrindo, inclinando a cabeça e fazendo reverências quando Dobby passou com Harry por eles. Todos usavam o mesmo uniforme, uma toalha de chá estampada com o timbre de Hogwarts e amarrada como uma toga, como a de Winky.
Dobby parou diante do fogão de tijolos e apontou.
— Winky, meu senhor! — disse ele.
Ela estava sentada em um banquinho junto ao fogo. Ao contrário de Dobby, obviamente não saíra catando roupas. Usava uma saia e uma blusa comportadas, e um chapéu azul combinando, com aberturas laterais para suas orelhonas. Mas, enquanto cada peça da estranha coleção de roupas de Dobby estava impecavelmente limpa e bem cuidada, pois até pareciam novas em folha, era visível que Winky não estava cuidando das próprias roupas. Havia manchas de sopa na blusa e um chamuscado na saia.
— Olá, Winky — cumprimentou Harry.
Os lábios de Winky tremeram. Então ela rompeu em lágrimas, que transbordaram dos seus grandes olhos castanhos e caíram pela roupa, exatamente como acontecera na Copa Mundial de Quadribol.
— Ah meu Deus! — exclamou Hermione. Ela e Rony tinham seguido Harry e Dobby até o fundo da cozinha. — Winky, não chore, por favor, não...
Mas Winky chorava com mais vontade que nunca. Dobby, por outro lado, sorria radiante para Harry.
— Harry Potter gostaria de tomar uma xícara de chá? — guinchou ele alto, abafando os soluços de Winky.
— Hum... Ah, OK — disse o garoto.
Instantaneamente, uns seis elfos domésticos vieram correndo atrás dele, trazendo uma grande bandeja de prata com um bule de chá, xícaras para Harry, Rony e Hermione, uma jarrinha de leite e um grande prato de biscoitos.
— Serviço de primeira! — exclamou Rony, com admiração na voz. Hermione franziu a testa para ele, mas os elfos pareciam encantados da vida, fizeram uma grande reverência e se retiraram.
— Há quanto tempo está aqui, Dobby? — perguntou Harry, quando o elfo serviu o chá para todos.
— Só uma semana, Harry Potter, meu senhor! — respondeu Dobby alegremente. — Dobby veio ver o Professor Dumbledore, meu senhor. Sabe, meu senhor, é muito difícil um elfo doméstico que foi dispensado arranjar outro emprego, meu senhor, muito difícil, mesmo...
Ao ouvir isso, Winky chorou ainda mais alto, seu nariz de tomate amassado pingando pela frente da blusa, embora ela não fizesse o menor esforço para estancar essa pingadeira.
— Dobby viajou pelo país durante dois anos, meu senhor, tentando encontrar trabalho! Mas Dobby não encontrou nada, meu senhor, porque agora ele quer receber ordenado!
Os elfos domésticos por toda a cozinha, que estavam escutando e observando com interesse, desviaram os olhos ao ouvirem isso, como se Dobby tivesse dito alguma coisa grosseira e constrangedora. Hermione, porém, exclamou:
— Assim é que se faz, Dobby!
— Muito obrigado, senhorita! — disse o elfo, dando a ela um sorriso que era só dentes. — Mas a maioria dos bruxos não quer um elfo doméstico que exige ordenado, senhorita. "Isto não é próprio de um elfo doméstico", dizem eles e batem a porta na cara de Dobby! Dobby gosta de trabalhar, mas quer se vestir e quer receber ordenado, Harry Potter... Dobby gosta de ser livre!
Os elfos domésticos de Hogwarts agora começaram a se afastar discretamente de Dobby, como se ele tivesse alguma doença contagiosa. Winky, no entanto, continuou onde estava, embora se notasse um decidido aumento no volume do seu choro.
— E, então, Harry Potter, Dobby vai visitar Winky e descobre que ela foi libertada, também! — conta Dobby com satisfação.
Ao ouvir isso, Winky se atirou para frente e caiu do banquinho, de rosto no chão de lajotas, batendo os pequenos punhos e positivamente urrando de infelicidade.
Hermione imediatamente se ajoelhou ao lado dela e tentou consolá-la, mas nada que dissesse produzia a menor diferença. Dobby continuou sua história, guinchando alto para abafar o choro estridente de Winky.
— Então Dobby teve a idéia, Harry Potter, meu senhor! "Por que Dobby e Winky não procuram um trabalho juntos? Onde é que existe trabalho suficiente para dois elfos domésticos?", pergunta Winky. E Dobby pensa e se lembra, meu senhor! Hogwarts! Então Dobby e Winky vieram ver o Professor Dumbledore, meu senhor e o professor nos contratou!
Dobby sorriu muito animado e lágrimas de felicidade brotaram, mais uma vez, dos seus olhos.
— E o Professor Dumbledore diz que vai pagar a Dobby, meu senhor, se Dobby quer pagamento! E, assim, Dobby é um elfo livre, meu senhor, e Dobby recebe um galeão por semana e um dia de folga por mês!
— Isso é muito pouco! — exclamou Hermione indignada, ainda curvada para os gritos incessantes e os murros no chão de Winky.
— O Professor Dumbledore ofereceu a Dobby dez galeões por semana e folgas nos fins de semana — disse Dobby, estremecendo de repente como se a perspectiva de tanto lazer e riqueza o assustasse —, mas Dobby fez ele baixar a oferta, senhorita... Dobby gosta da liberdade, senhorita, mas não quer tanto assim, senhorita, ele gosta mais do trabalho.
— E quanto é que o Professor Dumbledore está pagando a você Winky? — perguntou Hermione bondosamente.
Se a garota achou que isso ia animar Winky, estava delirando. Winky realmente parou de chorar, mas, quando se sentou, ficou encarando Hermione com seus imensos olhos castanhos, seu rosto lavado de lágrimas e inesperadamente furioso.
— Winky é um elfo em desgraça, mas Winky ainda não está aceitando pagamento — guinchou ela. — Winky não decaiu a esse ponto! Winky está devidamente envergonhada de ter sido libertada!
— Envergonhada? — perguntou Hermione perplexa. — Mas... Winky, espera aí! É o Sr. Crouch que devia estar envergonhado e não você! Você não fez nada errado, ele é que foi realmente horrível com você...
Mas ao ouvir isso, Winky levou as mãos às aberturas laterais do chapéu e achatou as orelhas para não poder ouvir nem mais uma palavra e guinchou:
— A senhorita não vai insultar o meu amo! A senhorita não vai insultar o Sr. Crouch! O Sr. Crouch é um bruxo bom, senhorita! O Sr. Crouch fez bem em mandar a feia Winky embora!
— Winky está tendo dificuldades para se adaptar, Harry Potter — guinchou Dobby confidencialmente. — Winky se esquece que não está mais presa ao Sr. Crouch, que pode dizer o que pensa agora, mas não quer fazer isso.
— Os elfos domésticos não podem dizer o que pensam dos amos, então? — perguntou Harry.
— Ah, não, não meu senhor — disse Dobby repentinamente serio. — Faz parte da escravidão do elfo doméstico, meu senhor. Guardamos silêncio e os segredos dos amos, meu senhor, defendemos a honra da família e nunca falamos mal dela, embora o Professor Dumbledore tenha dito a Dobby que não faz questão disso. O Professor Dumbledore disse que a gente é livre para... Para...
Dobby pareceu subitamente nervoso e chamou Harry mais para perto.
Harry se inclinou para ele. Dobby cochichou:
— Disse que a gente é livre para chamar ele de... De velho caduco se quiser, meu senhor! — Dobby deu uma risadinha assustada. — Mas Dobby não quer, Harry Potter — disse ele voltando a falar normalmente e balançando a cabeça de modo que suas orelhas abanavam. — Dobby gosta muito do Professor Dumbledore, meu senhor, e tem orgulho de guardar os segredos dele.
— Mas você pode dizer o que quiser sobre os Malfoy agora? — perguntou Harry sorrindo.
Um olhar de temor surgiu nos olhos imensos de Dobby.
— Dobby... Dobby poderia — disse cheio de dúvida. Aprumou então seus ombrinhos. — Dobby poderia dizer a Harry Potter que seus antigos amos eram... Eram... Bruxos malvados das trevas!
Dobby ficou parado um instante, o corpo todo tremendo, horrorizado com a sua própria coragem, então correu até a mesa mais próxima e começou a bater a cabeça nela, com força, guinchando:
— Dobby mau! Dobby mau!
Harry agarrou o elfo por trás da gravata e afastou-o da mesa.
— Obrigado, Harry Potter, obrigado — disse Dobby sem fôlego, esfregando a cabeça.
— Você só precisa de um pouco de prática — disse Harry.
— Prática! — guinchou Winky furiosa. — Você devia era ter vergonha, Dobby, falando desse jeito dos seus amos!
— Eles não são mais meus amos, Winky! — disse Dobby em tom de desafio. — Dobby não se importa mais com o que eles pensam!
— Ah, você é um elfo mau, Dobby! — lamentou-se Winky, as lágrimas escorrendo mais uma vez pelo seu rosto. — O coitadinho do meu Sr. Crouch, que é que ele está fazendo sem a Winky? Está precisando de mim, está precisando da minha ajuda! Eu cuidei dos Crouch a vida inteira e minha mãe fez isso antes de mim e minha avó antes dela... Ah, o que elas diriam se soubessem que Winky foi libertada? Ah, que vergonha, que vergonha! — Ela escondeu o rosto na saia e abriu um berreiro.
— Winky — disse Hermione com firmeza —, tenho certeza de que o Sr. Crouch vai indo muitíssimo bem sem você. A gente o viu, sabe...
— A senhorita tem visto o meu amo? — perguntou Winky sem fôlego, erguendo o rosto manchado de lágrimas da saia, mais uma vez, e arregalando os olhos para Hermione. — A senhorita tem visto ele aqui em Hogwarts?
— Tenho. Ele e o Sr. Bagman são juizes no Torneio Tribruxo.
— O Sr. Bagman vem também? — guinchou Winky e, para grande surpresa de Harry (e de Rony e Hermione também, pela expressão no rosto deles), ela pareceu novamente zangada. — O Sr. Bagman é um bruxo malvado! Um bruxo muito malvado! Meu amo não gosta dele, ah, não, nem um pouquinho!
— Bagman... Malvado? — exclamou Harry.
— Ah é — disse Winky, acenando furiosamente com a cabeça. — Meu dono contou a Winky umas coisas! Mas Winky não vai repetir... Winky... Winky guarda os segredos do amo... — E mais uma vez ela se debulhou em lágrimas; os garotos a ouviam soluçar escondida na saia. — Coitado do meu amo, coitado do meu amo, não tem mais a Winky para ajudar!
Os garotos não conseguiram extrair de Winky nem mais uma palavra que fizesse sentido. Deixaram-na chorar e terminaram o chá, enquanto Dobby tagarelava alegremente sobre sua vida de elfo liberto e seus planos para o seu ordenado.
— A próxima coisa que Dobby vai comprar é um suéter sem mangas, Harry Potter! — disse ele alegremente, apontando para o peito nu.
— Vou lhe dizer o que vou fazer — disse Rony, que parecia ter se afeiçoado muito ao elfo. — Vou lhe dar o suéter que minha mãe tricotar para mim este Natal, eu sempre ganho um. Você não tem nada contra a cor marrom, tem?
Dobby ficou encantado.
— Talvez a gente tenha que dar uma encolhida nele para caber em você, mas vai combinar bem com o seu abafador de chá.
Quando se preparavam para ir embora, muitos elfos que os cercavam se aproximaram, oferecendo lanchinhos para os garotos levarem. Hermione recusou, com uma expressão constrangida, ao ver a maneira com que os elfos continuavam a se curvar e fazer reverências, mas Harry e Rony encheram os bolsos com bolos e tortas.
— Muito obrigado! — disse Harry aos elfos, que tinham se agrupado em torno da porta para lhes desejar boa noite. — Até à vista, Dobby.
— Harry Potter... Dobby pode ir ver o senhor de vez em quando, meu senhor? — perguntou Dobby hesitante.
— Claro que pode — disse o garoto e o elfo abriu um sorriso.
— Sabe de uma coisa? — disse Rony, depois que ele, Hermione e Harry haviam deixado a cozinha para trás e já estavam subindo as escadas para o saguão de entrada. — Todos esses anos sempre fiquei realmente impressionado com a capacidade de Fred e Jorge pegarem comida na cozinha, ora não é nada difícil, não é mesmo? Os caras mal podem esperar para dar a comida!
— Acho que foi a melhor coisa que poderia ter acontecido a esses elfos, sabe — disse Hermione seguindo à frente para subir a escadaria de mármore. — Dobby ter vindo trabalhar aqui, quero dizer. Os outros elfos vão ver como ele está feliz, depois de libertado, e devagarinho vão se lembrar de desejar a mesma coisa!
— Vamos esperar que eles não prestem muita atenção na Winky — disse Harry.
— Ah, ela vai se animar — disse Hermione, embora parecesse meio em dúvida. — Depois que passar o choque e ela se acostumar a Hogwarts, vai ver que está muito melhor sem o tal do Crouch.
— Mas ela parece que ama o cara — disse Rony com a voz enrolada (acabara de morder o bolo).
— Mas ela não tem uma boa opinião do Bagman, não é — comentou Harry. — Que será que Crouch diz dele em casa?
— Provavelmente diz que Bagman não é um bom chefe de departamento — disse Hermione —, e vamos ser sinceros... Ele tem razão, não acham?
— Mesmo assim, eu preferia trabalhar para ele do que para o velho Crouch — disse Rony. — Pelo menos Bagman tem senso de humor.
— Não deixa o Percy escutar você dizendo isso — falou Hermione, dando um sorrisinho.
— É, Percy não iria querer trabalhar para ninguém que tivesse senso de humor, não é mesmo? — disse Rony, agora começando a comer a bomba de chocolate. — Percy não reconheceria uma piada nem que ela dançasse pelada na frente dele, usando só o abafador de chá do Dobby na cabeça.