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Unknown
junho 05, 2014
Capítulo 20
Quando finalmente conseguiu pôr cada peça de roupa na parte certa do corpo, saiu correndo à procura de Hermione, encontrando-a à mesa da Grifinória no Salão Principal, onde ela tomava café da manhã com Gina. Sentindo-se demasiado enjoado para comer, Harry esperou até Hermione terminar a última colherada de mingau de aveia, depois a arrastou para darem outro passeio. Nos jardins, contou-lhe tudo sobre os dragões e tudo sobre o que Sirius dissera, durante o longo passeio à volta do lago.
Mesmo alarmada com o que ouvia sobre os avisos de Sirius a respeito de Karkaroff, a garota continuou achando que os dragões eram o problema mais premente.
— Vamos só tentar manter você vivo até a noite de terça-feira — disse desesperada —, depois podemos nos preocupar com Karkaroff.
Deram três voltas no lago, tentando pensar em um feitiço simples para dominar o dragão. Nada, porém, lhes ocorreu, de modo que se recolheram à biblioteca. Ali, Harry baixou cada livro que conseguiu encontrar sobre dragões e os dois começaram a pesquisar uma grande pilha de livros.
— O corte mágico de unhas... O tratamento da podridão de escamas... Isto não serve, isto é para gente biruta feito o Hagrid que quer criar dragões saudáveis...
— Os dragões são extremamente difíceis de matar, graças à magia muito antiga que impregna seu grosso couro, que nenhum, exceto os feitiços mais poderosos são capazes de penetrar... Mas Sirius disse que um feitiço simples funcionaria...
— Vamos tentar alguns livros de feitiços simples, então, disse Harry, deixando de ladoHomens Aficionados Por Dragões.
Ele voltou à mesa com uma pilha de livros de feitiços, descansou-os e começou a folhear um a um, com Hermione cochichando sem parar ao seu lado.
— Bom, tem Feitiços de Substituição... Mas qual é a vantagem de substituir um dragão? A não ser que a pessoa substitua as presas dele por gengivas ou outra coisa qualquer para torná-las inofensivas... O problema é que, como diz o livro, muito pouca coisa atravessa o couro de um dragão... Eu diria: transfigure o bicho, mas com uma coisa daquele tamanho, a gente realmente não tem a menor esperança, duvido até que a Professora Minerva... A não ser que a pessoa lance o feitiço nela mesma? Talvez dar a si mesma poderes extraordinários? Mas isso não é um feitiço simples, quero dizer, ainda não estudamos nenhum desses em aula, só sei que existem porque ando fazendo provas simuladas para os N.O.M.’s...
— Hermione — disse Harry entre dentes —, quer calar a boca um instante, por favor? Estou tentando me concentrar.
Mas só o que aconteceu quando a garota se calou foi que o cérebro de Harry se encheu com uma espécie de zumbido indistinto, que parecia não deixar espaço para concentração. Ele olhou desalentado para o índice de Azarações Básicas para os Ocupados e Aflitos: Escalpos Instantâneos... Mas dragões não tinham cabelos... Bafo de Pimenta... Isso provavelmente aumentaria o poder de fogo do dragão... Língua de Espinhos... Exatamente o que ele precisava, dar ao dragão mais uma arma...
— Ah, não, lá vem ele outra vez, por que é que ele não pode ler naquele navio idiota — exclamou Hermione irritada, quando Vítor Krum entrou daquele seu jeito curvado, lançou um olhar carrancudo para os dois e se sentou num canto distante com uma pilha de livros. — Vamos, Harry, vamos voltar para a sala comunal... O fã clube dele não vai demorar, chilreando sem parar...
E não deu outra, quando iam saindo da biblioteca, um grupo de garotas passou por eles nas pontas dos pés, uma delas usando um lenço da Bulgária amarrado à cintura.
Harry mal chegou a dormir àquela noite. Quando acordou na manhã de segunda-feira, ele pensou seriamente, pela primeira vez na vida, em fugir de Hogwarts. Mas quando correu o olhar pelo Salão Principal, na hora do café da manhã, e pensou no que significava abandonar o castelo, compreendeu que não poderia fazer isso. Era o único lugar em que fora feliz... Bem, ele supunha que devia ter sido feliz em companhia dos pais, também, mas não seria capaz de lembrar.
Por alguma razão, a consciência de que preferia estar ali e ter de encarar um dragão a voltar à Rua dos Alfeneiros com Duda foi uma coisa boa, e fez com que se sentisse ligeiramente mais calmo.
Terminou de comer o bacon com esforço (a garganta não estava funcionando muito bem), e quando se levantou com Hermione, ele viu Cedrico Diggory deixando a mesa da Lufa-Lufa.
Cedrico ainda não sabia dos dragões... O único campeão que não sabia, se Harry estivesse certo em pensar que Maxime e Karkaroff teriam informado a Fleur e Krum...
— Mione, vejo você nas estufas — disse ele, tomando uma decisão ao ver Cedrico saindo do salão. — Vai andando, eu alcanço você.
— Harry você vai se atrasar, a sineta já vai tocar...
— Eu alcanço você, OK?
Quando Harry chegou ao pé da escadaria de mármore, Cedrico já estava no topo. Ia acompanhado de um monte de amigos do sexto ano. Harry não queria falar com o campeão na frente deles, faziam parte do grupo que andara citando o artigo de Rita Skeeter, em voz alta, todas as vezes que ele se aproximava.
Seguiu, então, Cedrico à distância e viu que o garoto ia em direção ao corredor da classe de Feitiços. Isto deu a Harry uma idéia. Parando a uma certa distância deles, puxou a varinha e mirou com cuidado.
— Diffindo!
A mochila de Cedrico se rompeu. Pergaminhos, penas e livros se espalharam pelo chão. Vários tinteiros se quebraram.
— Não se preocupem — disse Cedrico em tom irritado, quando os amigos se abaixaram para ajudá-lo —, digam a Flitwick que estou chegando, vão indo...
Isto era exatamente o que Harry esperava que acontecesse. Ele tornou a guardar a varinha nas vestes, esperou até que os amigos de Cedrico desaparecessem na sala de aula e entrou depressa no corredor, agora vazio, exceto por ele e Cedrico.
— Oi — disse Cedrico, apanhando um exemplar de Um Guia de Transformação Avançada, manchado de tinta. — Minha mochila simplesmente se rompeu... Nova em folha...
— Cedrico — disse Harry —, a primeira tarefa vão ser dragões.
— Quê? — exclamou Cedrico, erguendo a cabeça.
— Dragões — disse Harry depressa, caso o Professor Flitwick saísse para ver onde andava Cedrico. — São quatro, um para cada um de nós, e vamos ter que passar por eles.
Cedrico arregalou os olhos. Harry viu um pouco do pânico que andara sentindo desde o sábado à noite passar pelos olhos cinzentos do colega.
— Tem certeza? — perguntou numa voz abafada.
— Absoluta. Eu vi.
— Mas como foi que você descobriu? Não devíamos saber...
— Não importa — disse Harry depressa, sabia que Hagrid estaria em apuros se ele dissesse a verdade. — Mas eu não sou o único que sabe. Fleur e Krum a essa hora também já sabem, Maxime e Karkaroff viram os dragões, também.
Cedrico se levantou, os braços cheios de penas, pergaminhos e livros sujos de tinta, a bolsa rasgada pendurada em um ombro. Fitou Harry atentamente e havia uma expressão intrigada, quase desconfiada em seus olhos.
— Por que é que você está me dizendo isso? — perguntou.
Harry olhou-o sem acreditar. Tinha certeza de que Cedrico não faria uma pergunta dessas se ele próprio tivesse visto os dragões. Harry não teria deixado seu pior inimigo despreparado para enfrentar aqueles monstros — bom, talvez Malfoy ou Snape...
— Não seria... Justo, não acha? — disse ele a Cedrico. — Agora todos sabemos... Estamos em pé de igualdade, não é?
Cedrico continuava a olhar o garoto com um ar ligeiramente desconfiado quando Harry ouviu um conhecido toque-toque as suas costas. Virou-se e viu Olho-Tonto Moody saindo de uma sala próxima.
— Venha comigo, Potter — rosnou o professor. — Diggory, pode ir andando.
Harry olhou preocupado para Moody. Será que o professor ouvira os dois?
— Hum... Professor, eu devia estar na aula de Herbologia...
— Esqueça, Potter. Na minha sala, por favor...
Harry acompanhou-o, se perguntando o que iria lhe acontecer agora. E se Moody quisesse saber como ele descobrira a respeito dos dragões? Será que iria procurar Dumbledore e denunciar Hagrid ou simplesmente transformar Harry numa doninha? Bom, seria mais fácil passar por um dragão se ele fosse uma doninha, pensou Harry sem emoção, ficaria bem menor, muito mais difícil de enxergar de uma altura de quinze metros...
Harry acompanhou Moody à sua sala. O professor fechou a porta ao passarem e se virou para encarar Harry, o olho mágico fixo nele ao mesmo tempo que o olho normal.
— Foi uma coisa muito decente o que você acabou de fazer, Potter — disse Moody baixinho. O garoto não soube o que responder; não era a reação que esperara. — Sente-se — disse o professor, e o garoto se sentou, espiando para os lados.
Visitara essa sala na época dos seus dois ocupantes anteriores. Na do Professor Lockhart, as paredes eram cobertas de fotos em que o professor sorria e piscava um olho. Quando Lupin a ocupara, era mais provável a pessoa deparar com um espécime fascinante de alguma criatura das trevas que ele arranjara para os alunos estudarem em aula. Agora, no entanto, a sala estava apinhada com um número excepcional de objetos estranhos que, supunha Harry, Moody usara na época em que fora auror.
Sobre a escrivaninha havia algo que parecia um grande pião de vidro rachado; Harry reconheceu imediatamente o bisbilhoscópio, porque ele próprio era dono de um, embora muito menor do que o de Moody. A um canto, sobre uma mesinha, havia um objeto que lembrava uma antena dourada de televisão e não parava de girar. Zumbia levemente. Havia algo que lembrava um espelho pendurado na parede oposta a Harry, mas não refletia a sala. Vultos escuros se moviam por ele, nenhum realmente em foco.
— Gosta dos meus detectores de presença das trevas? — perguntou Moody, que observava Harry atentamente.
— Que é aquilo? — perguntou o garoto, apontando para a antena dourada de televisão.
— Sensor de segredos. Vibra quando detecta alguma coisa oculta ou falsa... Não funciona aqui, é claro, há interferência demais, estudantes para todos os lados mentindo para justificar por que não fizeram os deveres. Anda zumbindo desde que cheguei. Tive que desligar o meu bisbilhoscópio porque ele não parava de apitar. É extra-sensível, capta qualquer coisa num raio de um quilômetro e meio. Naturalmente, poderia estar captando mais do que mentiras infantis — acrescentou com um rosnado.
— E para que serve o espelho?
— Ah, é o meu Espelho-de-Inimigos. Está vendo eles ali, rondando? Não estou realmente em perigo até enxergar o branco dos olhos deles. É aí que abro o meu baú.
Ele soltou uma gargalhada breve e rouca e apontou para um grande baú sob uma janela. Tinha sete fechaduras alinhadas. Harry ficou imaginando o que haveria ali, até que a pergunta seguinte do professor o trouxe bruscamente à terra.
— Então... Descobriu a respeito dos dragões?
Harry hesitou. Receara isso — mas não contara a Cedrico e certamente não iria contar a Moody que Hagrid infringira o regulamento.
— Tudo bem — disse Moody, sentando-se e esticando a perna de pau com um gemido. — Tradicionalmente trapacear sempre fez parte do Torneio Tribruxo.
— Eu não trapaceei — disse Harry com veemência. — Foi... Descobri meio por acaso.
Moody sorriu.
— Não estou acusando-o, menino. Venho dizendo a Dumbledore, desde o começo, que ele pode ter os princípios elevados que quiser, mas pode apostar que o velho Karkaroff e Maxime não os terão. Devem ter dito aos seus campeões tudo o que puderam. Querem ganhar. Querem vencer Dumbledore. Gostariam de provar que ele é apenas humano.
Moody deu aquela sua risada rouca e seu olho mágico girou tão rápido que fez Harry se sentir tonto só de ver.
— Então... Já tem alguma idéia de como vai conseguir passar pelo dragão? — perguntou Moody.
— Não.
— Bom, eu não vou lhe dizer — afirmou o professor com rispidez —, não demonstro favoritismos, eu. Mas vou-lhe dar uns bons conselhos de ordem geral. O primeiro é: explore os seus pontos fortes.
— Não tenho pontos fortes — disse Harry, antes que pudesse se conter.
— Perdão — rosnou Moody —, você tem pontos fortes se eu digo que os tem. Pense um pouco. Que é que você sabe fazer melhor?
Harry tentou se concentrar. No que é que ele era melhor? Bom, isso era realmente fácil...
— Quadribol — disse sem emoção — é uma grande ajuda...
— Certo — disse Moody mirando-o com muita severidade, o olho mágico mal se mexendo. — Você é um grande piloto, pelo que ouvi falar.
— É, mas... — Harry encarou-o. — Mas não posso usar a vassoura, só tenho a varinha...
— Meu segundo conselho de ordem geral — disse Moody em voz alta, interrompendo-o — é usar um feitiço bom e simples que lhe permita conseguir o que precisa.
Harry olhou para ele sem entender. Do que é que precisava?
— Vamos moleque... — sussurrou Moody. — Some dois mais dois... Não é tão difícil assim...
E fez-se a luz. O que ele fazia melhor era voar. Precisava passar pelo dragão pelo ar. Para isso, precisava da Firebolt. E para ter a Firebolt ele precisava...
— Mione — murmurou Harry, depois de correr para a estufa três minutos mais tarde, e balbuciar uma desculpa ao passar pela Professora Sprout —, Mione, preciso de sua ajuda.
— Que é que você acha que estive tentando fazer, Harry? — murmurou ela em resposta, os olhos arregalados de ansiedade por cima de um agitado arbusto tremulante que estava podando.
— Mione, preciso aprender a fazer um Feitiço Convocatório corretamente até amanhã de tarde.
E assim os dois treinaram. Não almoçaram, em vez disso foram para uma sala de aula vazia, onde Harry tentou com todo o empenho fazer vários objetos voarem pela sala até ele. Ainda não estava bom. Os livros e penas continuavam a perder o embalo no meio da sala e cair como pedras no chão.
— Concentre-se, Harry, concentre-se...
— Que é que você acha que eu estou tentando fazer? — perguntou Harry zangado. — Uma porcaria de um dragão não pára de aparecer na minha cabeça, sei lá o porquê... OK, Mione, tenta outra vez...
Ele queria faltar à aula de Adivinhação para continuar treinando, mas Hermione se recusou categoricamente a matar a aula de Aritmancia, e não adiantava ficar lá sem ela. Portanto, Harry teve que aturar mais de uma hora a Professora Sibila Trelawney, que passou metade desse tempo dizendo a todos que a posição de Marte com relação a Saturno, naquele momento, significava que as pessoas nascidas em julho corriam um grande perigo de sofrer uma morte súbita e violenta.
— Que bom — disse Harry em voz alta, a raiva levando a melhor —, desde que não seja demorada, porque não quero sofrer.
Por um momento pareceu que Rony ia rir; sem dúvida seu olhar encontrou o de Harry pela primeira vez em dias, mas este continuava muito magoado com o amigo para se importar. Harry passou o resto da aula tentando atrair, com a varinha, pequenos objetos para si, por baixo da mesa. Conseguiu fazer uma mosca disparar direto para a sua mão, embora não tivesse total certeza de que aquilo resultasse de sua perícia com os Feitiços Convocatórios — talvez a mosca fosse apenas burra.
Ele forçou um pouco de jantar para dentro depois da aula de Adivinhação, e em seguida voltou à sala vazia com Hermione, usando a Capa da Invisibilidade para evitar os professores. Os dois continuaram a treinar até depois da meia-noite.
Teriam demorado mais, mas Pirraça apareceu e, fingindo achar que Harry queria que lhe atirassem coisas, começou a arremessar cadeiras pela sala. Os dois garotos tiveram que sair depressa antes que o barulho atraísse Filch, e voltaram à sala comunal da Grifinória, que àquela hora felizmente estava vazia.
Às duas da manhã, Harry estava ao pé da lareira, cercado por uma montanha de objetos — livros, penas, várias cadeiras viradas, um velho jogo de bexigas e o sapo de Neville, Trevo. Somente na última hora ele, realmente, pegara o jeito dos Feitiços Convocatórios.
— Está melhor, Harry, está muito melhor — disse Hermione, parecendo exausta, porém muito satisfeita.
— Bom, agora sabemos o que fazer na próxima vez que não conseguirmos lançar um feitiço — disse Harry, atirando um dicionário de runas para Hermione, para que pudesse tentar mais uma vez —, me ameace com um dragão. Certo... — Ele ergueu a varinha novamente. —Accio dicionário!
O pesado livro voou da mão de Hermione, atravessou a sala e Harry o aparou.
— Harry, sinceramente acho que você pegou o jeito! — exclamou a garota, encantada.
— Desde que funcione amanhã — disse Harry. — A Firebolt vai estar muito mais longe do que essas coisas aqui, vai estar no castelo e eu vou estar lá fora nos jardins...
— Não faz diferença — disse Hermione com firmeza. — Desde que você se concentre para valer, realmente para valer, ela chega lá. Harry, é melhor dormirmos um pouco... Você vai precisar estar descansado.
Harry se concentrara com tanto empenho para aprender os Feitiços Convocatóriosaquela noite que parte do seu pânico irracional o deixara. Voltou, contudo, com força total, na manhã seguinte. A atmosfera na escola era de grande tensão e excitação. As aulas iam ser interrompidas ao meio-dia, dando a todos os estudantes tempo para descer até o cercado dos dragões — embora, é claro, eles ainda não soubessem o que encontrariam lá.
Harry se sentiu estranhamente isolado de todos à sua volta, tanto dos que lhe desejavam boa sorte quanto dos que o vaiavam.
— Vamos levar uma caixa de lenços de papel, Potter — diziam ao passar.
Era um nervosismo tão intenso que ele ficou imaginando se poderia perder a cabeça quando tentassem conduzi-lo ao dragão e ele começasse a xingar todo mundo que estivesse à vista.
O tempo estava mais esquisito que nunca, transcorria em grandes lapsos, de modo que num momento Harry estava sentado assistindo à primeira aula, História da Magia, e, no momento seguinte, saindo para almoçar... Depois (aonde fora a manhã? As últimas horas sem dragão?) a Professora Minerva corria para ele no Salão Principal. Um montão de gente estava olhando.
— Potter, os campeões têm que descer para os jardins agora... Você tem que se preparar para a primeira tarefa.
— OK — disse Harry, se levantando e deixando cair o garfo no prato, com estrépito.
— Boa sorte — sussurrou Hermione. — Você vai se sair bem!
— Ah, vou! — exclamou Harry, com uma voz que nem parecia a dele.
O garoto deixou o Salão Principal com a Professora Minerva, que também não parecia a pessoa de sempre, de fato, parecia quase tão ansiosa quanto Hermione.
Ao conduzi-lo pelos degraus de pedra para a fria tarde de novembro, ela pôs a mão no ombro do garoto.
— Agora, não entre em pânico — disse ela —, mantenha a cabeça fria... Temos bruxos à mão para resolver a situação se ela se descontrolar... O principal é você fazer o melhor que puder e ninguém vai passar a pensar mal de você por isso... Você está bem?
— Estou — Harry ouviu-se dizendo. — Estou ótimo.
Ela o conduzia ao lugar onde estavam os dragões, margeando a Floresta, mas quando se aproximaram do arvoredo por trás do qual o cercado estaria claramente visível, Harry viu que haviam armado uma barraca, com a entrada voltada para quem chegava, que impedia a visão dos dragões.
— Você deve entrar aí com os outros campeões — disse a Professora McGonagall, com a voz um tanto trêmula — e esperar a sua vez, Potter. O Sr. Bagman está aí dentro... Ele lhe dirá como... Proceder... Boa sorte.
— Obrigado — disse Harry, numa voz distante e sem emoção. A professora o deixou à entrada da barraca. Ele entrou.
Fleur Delacour estava sentada a um canto, em um banquinho baixo de madeira. Não parecia nem de longe a garota habitualmente composta, parecia um tanto pálida e suada. Vítor Krum parecia ainda mais carrancudo do que de hábito, o que fez Harry supor que aquela era a sua maneira de demonstrar nervosismo.
Cedrico andava para lá e para cá. Quando Harry entrou, ele deu ao garoto um breve sorriso, que Harry retribuiu, sentindo os músculos do rosto fazerem muita força como se não soubessem mais sorrir.
— Harry! Que bom! — exclamou Bagman alegremente, virando-se para olhá-lo.
— Entre, entre, fique à vontade!
Bagman por alguma razão parecia um personagem de quadrinhos grande demais, parado ali entre os campeões pálidos. Trajava as antigas vestes do Wasp.
— Bom, agora estamos todos aqui, hora de dar a vocês informações mais detalhadas! — disse ele animado. — Quando os espectadores acabarem de chegar, vou oferecer a cada um de vocês este saco — ele mostrou um saquinho de seda púrpura e sacudiu-o diante dos garotos —, do qual vocês irão tirar uma miniatura da coisa que terão de enfrentar! São diferentes... Hum... As variedades, entendem. E preciso dizer mais uma coisa... Ah, sim... Sua tarefa será apanhar o ovo de ouro!
Harry olhou à sua volta. Cedrico acenou a cabeça para indicar que compreendera as palavras de Bagman, e então recomeçara a andar pela barraca, parecia ligeiramente esverdeado. Fleur Delacour e Krum não tiveram a menor reação. Talvez achassem que iriam vomitar se abrissem a boca, sem dúvida essa era a sensação do próprio Harry.
Mas pelo menos os outros tinham se voluntariado para ser campeões... E pouco depois, ouviram-se centenas e mais centenas de pés passando pela barraca, seus donos excitados, dando risadas e fazendo piadas... Harry se sentiu tão isolado da multidão como se pertencesse a uma espécie diferente. Então — lhe pareceu que transcorrera apenas um segundo — Bagman estava abrindo a boca do saquinho púrpura.
— Primeiro as damas — disse ele, oferecendo-o a Fleur Delacour. Ela enfiou a mão trêmula no saquinho e retirou uma minúscula e perfeita figurinha de dragão: um Verde-Galês. Tinha o número "dois" pendurado ao pescoço. E Harry percebeu, pelo fato de Fleur não ter demonstrado o menor sinal de surpresa, mas, ao contrário, uma decidida resignação, que ele concluíra certo: Madame Maxime contara à garota o que a aguardava.
O mesmo se aplicava a Krum. Ele tirou o Meteoro-Chinês vermelho. Tinha o número "três" pendurado ao pescoço. Ele sequer piscou, apenas olhou para o chão.
Cedrico enfiou a mão no saquinho e retirou o Focinho-Curto sueco cinza-azulado, o número um pendurado no pescoço. Sabendo o que sobrara, Harry meteu a mão no saquinho de seda e tirou o Rabo-Córneo húngaro e o número "quatro". O dragão abriu as asas quando o garoto o olhou e arreganhou os dentes minúsculos.
— Bom, então está decidido! — disse Bagman. — Cada um de vocês sorteou o dragão que irá enfrentar e a ordem em que cada um fará isso, entendem? Agora, vou precisar deixá-los por um momento, porque vou fazer a irradiação. Sr. Diggory o senhor é o primeiro, só o que tem a fazer é entrar no cercado quando ouvir o apito, certo? Agora... Harry... Posso dar uma palavrinha com você? Lá fora?
— Hum... Sim senhor — disse Harry sem emoção e se levantou e saiu da barraca com Bagman, que andou uma pequena distância até o arvoredo e se virou, então, para o garoto com uma expressão paternal no rosto.
— Está se sentindo bem, Harry? Posso buscar alguma coisa para você?
— Quê? Não... Não, nada.
— Você tem um plano? — disse Bagman, baixando a voz como se conspirasse. — Porque não me importo de lhe dar algumas dicas. Se quiser, sabe. Quero dizer — continuou Bagman baixando ainda mais a voz — você é a vítima aqui, Harry... Qualquer coisa que eu puder fazer para ajudar...
— Não — disse Harry, tão depressa que percebeu imediatamente que parecera grosseiro — não... Eu... Eu já decidi o que vou fazer, obrigado.
— Ninguém iria saber, Harry — disse Bagman com uma piscadela.
— Não, estou ótimo — respondeu o garoto se perguntando por que não parava de dizer isso a todo mundo e se algum dia estivera tão longe do ótimo. — Já tenho um plano, eu...
Um apito soou em algum lugar.
— Meu bom Deus, tenho que correr! — disse Bagman assustado. E saiu com pressa.
Harry voltou à barraca e viu Cedrico saindo, mais verde que nunca. Harry tentou desejar boa sorte quando ele passou, mas o que saiu de sua boca foi uma espécie de rosnado rouco.
Harry voltou para a companhia de Fleur e Krum. Segundos mais tarde, ouviu os berros dos espectadores, o que significava que Cedrico entrara no cercado, e agora estava cara a cara com o modelo vivo de sua figurinha...
Foi pior do que Harry poderia ter imaginado, ficar sentado ali escutando. A multidão gritava... Urrava... Exclamava como uma entidade única de muitas cabeças, enquanto Cedrico fazia o que quer que estivesse fazendo para tentar passar pelo Focinho-Curto sueco. Krum continuava a olhar para o chão.
Fleur agora passara a refazer os passos de Cedrico, dando voltas na barraca. E os comentários de Bagman tornavam tudo muito pior... Imagens horrendas se formaram na mente de Harry, quando ele ouviu: "Aaah, por um triz, por muito pouco"... "Ele está se arriscando, o campeão!"... "Boa tentativa, pena que não deu resultado!”
Então, uns quinze minutos depois, Harry ouviu um urro ensurdecedor que só poderia significar uma coisa: Cedrico conseguira passar pelo dragão e se apoderara do ovo de ouro.
— Realmente muito bom! — gritou Bagman. — E agora as notas dos juizes!
Mas ele não irradiou as notas, Harry supôs que os juizes estivessem erguendo as notas no alto para mostrá-las à multidão.
— Um a menos, faltam três! — berrou Bagman, quando o apito tornou a tocar.
— Senhorita Delacour, queira fazer o favor!
Fleur tremia da cabeça aos pés, Harry sentiu mais simpatia por ela do que sentira até então, quando a viu deixando a barraca com a cabeça erguida e a mão apertando a varinha. Ele e Krum ficaram a sós, em lados opostos da barraca, evitando se olhar. Recomeçou o mesmo processo...
— Ah, não tenho muita certeza se isto foi sensato! — os dois ouviam Bagman dizer animadamente. — Ah... quase! Cuidado agora... meu bom Deus, pensei que já tinha apanhado!
Dez minutos depois, Harry ouviu a multidão prorromper em aplausos mais uma vez... Fleur devia ter sido bem-sucedida também. Uma pausa, enquanto os juizes mostravam as notas de Fleur... Mais palmas... Então, pela terceira vez, o apito.
— E aí vem o Sr. Krum! — exclamou Bagman e o garoto saiu curvado, deixando Harry completamente só. Sentia-se muito mais consciente do seu corpo do que normalmente; consciente de que seu coração batia acelerado e seus dedos formigavam de medo... Mas, ao mesmo tempo, ele parecia estar fora do próprio corpo, vendo as paredes da barraca e ouvindo a multidão, como se estivesse muito longe...
— Muito ousado! — berrava Bagman e Harry ouviu o Meteoro Chinês soltar um poderoso e terrível urro, enquanto a multidão prendia a respiração em uníssono.
— Que sangue-frio ele está demonstrando... E... Sim, senhores, ele apanhou o ovo!
Os aplausos romperam o ar invernal como se espatifassem uma vidraça, Krum terminara — seria a vez de Harry a qualquer momento.
Harry se levantou, reparando vagamente que suas pernas pareciam feitas de marshmalow. Ele aguardou. Então ouviu o apito tocar. Cruzou, então, a entrada da barraca, o pânico se avolumando dentro dele. E agora, estava passando pelas árvores e atravessando uma abertura na cerca.
O garoto via tudo diante de si como em um sonho berrantemente colorido.
Havia centenas e mais centenas de rostos nas arquibancadas que o olhavam, que tinham se materializado desde a última vez que ele estivera naquele lugar. E havia o Rabo-Córneo do outro lado do cercado, deitado sobre sua ninhada de ovos, a asas meio fechadas, os olhos amarelos e malignos fixos nele, um lagarto negro, monstruoso e coberto de escamas, sacudindo com força o rabo de chifres, que deixava marcas de um metro de comprimento escavadas no chão duro. A multidão fazia uma barulheira infernal, mas se era simpática ou não a ele, Harry não sabia nem importava. Era hora de fazer o que tinha de fazer... focalizar a mente, inteira e absolutamente, na coisa que era sua única chance...
Ele ergueu a varinha.
— Accio Firebolt!— gritou.
Então, esperou, cada fibra de seu corpo desejando, pedindo... Se não funcionasse... Se não estivesse a caminho... Ele parecia contemplar as coisas à sua volta através de uma barreira transparente luminosa, como uma névoa de vapor quente, que fazia as centenas de rostos que o rodeavam flutuar estranhamente...
Então ele a ouviu, cortando o ar às suas costas; ele se virou e a Firebolt disparando em sua direção, começando a sobrevoar a floresta, chegando ao cercado e estacando imóvel no ar, aguardando que ele a montasse. A multidão fez ainda mais estardalhaço. Bagman gritou alguma coisa... Mas os ouvidos de Harry não estavam mais ouvindo bem... Ouvir não era importante...
Ele passou a perna por cima da vassoura e deu impulso contra o chão. Um segundo depois, uma coisa milagrosa aconteceu... À medida que ele ganhava altura, à medida que o vento passava rumorejando entre seus cabelos, à medida que os rostos da multidão se transformavam em meros pontinhos cor-de-carne lá em baixo e o Rabo-Córneo se reduzia ao tamanho de um cão, ele percebeu que deixara atrás de si, não somente o chão, mas também medo... Ele estava de volta ao lugar a que pertencia...
Era apenas mais uma partida de Quadribol, nada mais... Apenas mais uma partida de Quadribol, e aquele dragão era apenas mais um time adversário indigesto...
Ele olhou para a ninhada de ovos e localizou o ovo de ouro brilhando entre os demais cor de cimento, agrupados em segurança entre as pernas dianteiras do bicho.
— OK — Harry disse a si mesmo —, uma tática diversiva... Vamos...
E mergulhou. A cabeça do Rabo-Córneo o acompanhou, o garoto sabia o que ia fazer, e se recuperou do mergulho bem na hora, um jorro de fogo fora cuspido exatamente no ponto em que ele estaria se não tivesse se desviado... Mas Harry não se importou... Aquilo era o mesmo que se desviar de um balaço...
— Nossa, como ele sabe voar! — berrou Bagman, enquanto a multidão gritava e exclamava. — O senhor está assistindo a isso, Sr. Krum?
Harry voou mais alto descrevendo um círculo, o Rabo-Córneo continuava acompanhando o progresso do garoto, sua cabeça girava sobre o longo pescoço — se continuasse a fazer isso, ia ficar bem enjoadinho, mas era melhor não insistir muito ou o bicho iria recomeçar a cuspir fogo...
Harry se deixou afundar rapidamente na hora em que o dragão abriu a boca, mas desta vez teve menos sorte — ele escapou das chamas, mas o bicho chicoteou o rabo para o alto ao seu encontro, e quando ele virou para a esquerda, um dos longos chifres arranhou seu ombro, rasgando suas vestes...
Harry sentiu o ombro arder, ouviu os gritos e gemidos da multidão, mas o corte não parecia ser muito fundo... Agora, ao passar veloz pelas costas do Rabo- Córneo ocorreu-lhe uma possibilidade...
O dragão não parecia estar querendo voar, estava demasiado preocupado em proteger os ovos. Embora se contorcesse e abrisse e fechasse as asas sem tirar aqueles medonhos olhos amarelos de Harry, tinha medo de se afastar demais de sua ninhada... Mas o garoto precisava persuadi-lo a fazer isso ou jamais chegaria perto deles... O truque era fazer isso cautelosamente, gradualmente...
Harry começou a voar, primeiro para um lado, depois para o outro, suficientemente longe para o bafo do bicho não o perfurar, mas, ainda assim, oferecendo uma ameaça suficientemente forte para o dragão não tirar os olhos dele. A cabeça do bicho virava para um lado e para o outro, vigiando o garoto com aquelas pupilas verticais, as presas à mostra...
Harry voou mais alto. A cabeça do Rabo-Córneo se ergueu com ele, o pescoço agora esticava-se ao máximo, ainda se movendo, como uma serpente diante do seu encantador...
O garoto subiu mais alguns palmos, e o bicho soltou um rugido de exasperação. Harry era uma mosca para ele, uma mosca que o bicho gostaria de amassar, seu rabo tornou a chicotear, mas Harry estava demasiado alto para que pudesse alcançá-lo... O dragão cuspiu fogo para o ar, Harry se desviou... As mandíbulas do bicho se escancararam...
— Anda — sibilou Harry, fazendo voltas irresistíveis no alto —, anda, vem me pegar... Levanta, agora...
Então o dragão se empinou, abrindo finalmente as poderosas asas negras de couro, grandes como as de um pequeno avião — e Harry mergulhou. Antes que o dragão percebesse o que ele fizera, ou onde desaparecera, o garoto estava voando a toda velocidade para o chão em direção aos ovos, agora sem a proteção das patas com garras do dragão — Harry soltou as mãos da Firebolt —, agarrou o ovo de ouro...
E, com um grande arranco, tornou a subir e parou no ar, sobre as arquibancadas, o pesado ovo bem preso sob o braço bom, e era como se alguém tivesse acabado de aumentar o volume do som — pela primeira vez ele tomou realmente consciência do barulho da multidão, que gritava e aplaudia com tanto estardalhaço quanto os torcedores dos irlandeses na Copa Mundial...
— Olhem só para isso! — berrava Ludo Bagman. — Por favor, olhem para isso! Nosso campeão mais jovem foi o mais rápido a apanhar o ovo! Bom, isto vai diminuir a desvantagem do Sr. Potter!
Harry viu os guardadores de dragões se adiantarem correndo para dominar o bicho, e lá na entrada do cercado, a Professora McGonagall, o Professor Moody e Hagrid corriam ao seu encontro, todos acenando para que fosse ter com eles, seus sorrisos visíveis mesmo àquela distância. Ele tornou a sobrevoar as arquibancadas, a algazarra da multidão batucando seus tímpanos, e desceu suavemente para pousar, o coração mais leve do que estivera em semanas... Conseguira cumprir a primeira tarefa, sobrevivera...
— Foi excelente, Potter! — exclamou a Professora McGonagall quando ele desmontou a Firebolt, o que vindo dela era um elogio extravagante. Harry reparou que a mão da professora tremia quando apontou para o seu ombro. — Vai precisar procurar Madame Pomfrey antes que os juizes anunciem sua nota... Ali, ela já teve que fazer um curativo em Diggory...
— Você conseguiu, Harry! — exclamou Hagrid rouco. — Você conseguiu! E ainda por cima contra o Rabo-Córneo e, sabe, o Carlinhos disse que esse era o pior...
— Obrigado, Hagrid — disse Harry em voz alta, para que o bruxo não se atrapalhasse e acabasse revelando que, na véspera, mostrara ao garoto os dragões.
O Professor Moody parecia muito satisfeito, também. Seu olho mágico dançava na órbita.
— Devagar se vai ao longe, Potter — rosnou ele.
— Certo então, Potter, para a barraca de primeiros-socorros, por favor... — disse a Professora Minerva McGonagall.
Harry saiu do cercado ainda ofegante e viu Madame Pomfrey parada à entrada da segunda barraca com ar preocupado.
— Dragões! — exclamou ela com a voz desgostosa, puxando Harry para dentro. A barraca era dividida em cubículos, ele viu a silhueta de Cedrico através da lona, mas o campeão não parecia muito machucado, pelo menos estava sentado.
Madame Pomfrey examinou o ombro de Harry, falando nervosamente, sem parar, o tempo todo.
— No ano passado foram os dementadores, este ano são os dragões, que é mais que vão trazer para a escola? Você teve muita sorte... O corte é bem superficial... Mas será preciso limpá-lo antes de fechar...
Ela limpou o corte com uma pelota de algodão molhada em liquido púrpura que fumegava e ardia, mas depois tocou o ombro dele com a varinha e o garoto sentiu o corte se fechar instantaneamente.
— Agora se sente quieto um minuto, sente-se! Depois pode ir receber a sua nota.
A enfermeira saiu apressada da barraca e ele a ouviu entrar na porta vizinha e dizer:
— Como é que você está se sentindo agora, Diggory?
Harry não queria ficar sentado imóvel, continuava cheio de adrenalina.
Levantou-se, querendo ver o que estava acontecendo lá fora, mas antes que chegasse à entrada da barraca, duas pessoas entraram em disparada — Hermione, seguida de perto por Rony.
— Harry, você foi genial! — exclamou Hermione em voz alta e fina. Tinha marcas de unhas no rosto, que ela andara apertando de medo. — Você foi fantástico! Realmente foi!
Mas Harry tinha os olhos em Rony, que estava muito branco e olhava fixamente para o amigo como se visse um fantasma.
— Harry — disse ele muito sério —, quem quer que tenha posto o seu nome naquele cálice, eu... Eu reconheço que estava tentando acabar com você!
Foi como se as últimas semanas jamais tivessem acontecido, como se Harry estivesse encontrando Rony pela primeira vez, logo depois de ter sido escolhido campeão.
— Entendeu, foi? — disse Harry com frieza. — Demorou.
Hermione estava parada e nervosa entre os dois, olhando de um para outro. Rony abriu a boca, inseguro. Harry sabia que ele ia se desculpar e, de repente, descobriu que não precisava ouvir desculpas.
— OK — disse, antes que Rony pudesse falar. — Esquece.
— Não — disse Rony —, eu não devia ter...
— Esquece.
Rony riu nervoso para Harry e este retribuiu o sorriso. Hermione caiu no choro.
— Não tem motivo para chorar — disse Harry espantado.
— Vocês dois são tão burros! — exclamou ela, batendo o pé no chão, as lágrimas caindo nas vestes. Então, antes que qualquer dos dois pudesse impedi-la, a garota os abraçou e saiu correndo, agora decididamente aos berros.
— Maluca — concluiu Rony, balançando a cabeça. — Harry, anda, eles vão anunciar as suas notas...
Recolhendo o ovo de ouro e a Firebolt, sentindo-se mais eufórico do que teria acreditado possível uma hora atrás, Harry se abaixou para sair da barraca, Rony a seu lado, falando depressa.
— Você foi o melhor, sabe, ninguém foi páreo para você. Cedrico fez uma coisa estranha, transfigurou uma pedra no chão... Transformou-a em cachorro... Estava tentando fazer o dragão avançar no cachorro e não nele. Bem, foi uma transfiguração legal, e até funcionou, porque ele apanhou o ovo, mas ele também se queimou, o dragão mudou de idéia no meio do caminho e decidiu que preferia pegar ele em vez do labrador, Cedrico escapou por um triz. E a tal Fleur tentou uma espécie de feitiço, acho que estava querendo fazer o dragão entrar em transe, bom, isso também funcionou, o bicho ficou sonolento, mas aí soltou um ronco e cuspiu um grande jorro de chamas e a saia dela pegou fogo, ela apagou com um pouco de água tirada da varinha. E Krum, você não vai acreditar, mas ele nem pensou em voar! Mas, provavelmente, foi o melhor depois de você. Atacou o dragão com um feitiço bem no olho. Só teve um problema, o bicho saiu andando agoniado e amassou metade dos ovos de verdade, ele perdeu pontos por causa disso, Krum não devia ter danificado a ninhada.
Rony respirou fundo quando os dois chegaram ao cercado. Agora que o Rabo-Córneo fora levado, Harry pôde ver onde os cinco juizes estavam sentados — bem na outra extremidade, em assentos altos cobertos de tecido dourado.
— Cada um dá notas de um a dez — explicou Rony, e Harry apurando os olhos na direção do campo, viu o primeiro juiz, Madame Maxime, erguer a varinha no ar. Dela saiu uma comprida fita prateada que desenhou um grande oito no ar.
— Nada mal! — disse Rony, enquanto a multidão aplaudia. — Suponho que tenha descontado pontos pelo seu ferimento no ombro...
O Sr. Crouch foi o seguinte. Lançou um número nove no ar.
— Está indo bem! — berrou Rony, batendo nas costas de Harry.
Depois, Dumbledore. Ele também projetou um nove. A multidão aplaudia com mais entusiasmo que nunca. Ludo Bagman — dez.
— Dez? — disse Harry incrédulo. Mas... Eu me machuquei... Qual é a dele?
— Harry, não reclama! — berrou Rony excitado.
E agora Karkaroff erguia a varinha. Parou um momento e em seguida saiu um número de sua varinha também — quatro.
— Quê?— bradou Rony furioso. — Quatro? Seu bosta desonesto, você deu dez ao Krum!
Mas Harry não se importou, não teria se importado se Karkaroff lhe desse zero, a indignação de Rony por sua causa valia uns cem pontos para ele. Não disse isso ao amigo, é claro, mas seu coração estava mais leve do que o ar quando ele deu meia volta para se retirar do cercado. E não foi apenas Rony... Não foram apenas os alunos da Grifinória que aplaudiram no meio da multidão.
Quando chegara a hora, quando viram o que Harry precisava enfrentar, a maioria da escola tinha ficado do seu lado e do de Cedrico também... Ele não se importava com os alunos da Sonserina, podia suportar o que quer que lhe dissessem.
— Vocês estão empatados no primeiro lugar, Harry! Você e Krum! — disse Carlinhos Weasley, correndo ao encontro deles quando os garotos voltavam à escola. — Escutem, tenho que correr, tenho que mandar uma coruja à mamãe, jurei que contaria a ela o que acontecesse, mas foi inacreditável! Ah, foi, e me mandaram lhe avisar que você precisa ficar por aqui mais uns minutinhos... Bagman quer falar com você na barraca dos campeões.
Rony disse que esperaria, de modo que Harry tornou a entrar na barraca, que, de algum modo parecia diferente agora, simpática e hospitaleira. Ele lembrou a sensação que tivera no momento que procurava fugir do Rabo-Córneo e comparou-a à longa espera antes de sair para enfrentá-lo... Não havia comparação, a espera fora imensuravelmente pior.
Fleur, Cedrico e Krum entraram juntos.
Um lado da cabeça de Cedrico estava coberto com uma grossa pasta laranja, que presumivelmente estava curando sua queimadura. Ele sorriu para Harry ao vê-lo:
— Foi legal, Harry.
— Você também — disse o garoto retribuindo o sorriso.
— Muito bons, todos vocês! — disse Ludo Bagman, entrando lépido na barraca e parecendo satisfeito como se ele próprio tivesse iludido a guarda de um dragão. — Agora, só umas palavrinhas. Vocês têm um bom intervalo até a segunda tarefa, que terá lugar às nove e meia da manhã de 24 de fevereiro, mas vamos lhes dar alguma coisa em que pensar durante esse tempo! Se examinarem os ovos de ouro que estão segurando, verão que eles se abrem... Estão vendo as dobradiças? Vocês precisam decifrar a pista que está dentro do ovo, porque ela dirá qual vai ser a segunda tarefa e permitirá que se preparem! Ficou claro? Têm certeza? Podem ir, então!
Harry deixou a barraca, tornou a se juntar a Rony e os dois recomeçaram a andar costeando a floresta, conversando animados, Harry queria saber com maiores detalhes o que os outros campeões tinham feito. Depois, quando contornavam o arvoredo, atrás do qual Harry ouvira os dragões rugirem pela primeira vez, uma bruxa saltou do meio das árvores.
Era Rita Skeeter. Usava hoje vestes verde-ácido; a pena de repetição rápida na mão se mesclava perfeitamente com as vestes.
— Parabéns, Harry! — disse ela, rindo radiante para o garoto. Será que você pode me dar uma palavrinha? Como foi que você se sentiu enfrentando aquele dragão? Como é que você se sente agora quanto à lisura das notas?
— Posso dar uma palavrinha, sim — disse Harry com selvageria — Tchau.
E saiu com Rony em direção ao castelo.