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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 28
— Fora daqui, rápido — disse Snape.
Ele agarrou Malfoy pelo cangote e forçou-o a sair pela porta, à frente dos outros; Greyback e os irmãos atarracados os seguiram, os dois ofegando agitados. Quando eles desapareceram pela porta, Harry percebeu que recuperara os movimentos; o que o mantinha agora paralisado contra a parede não era magia, mas choque e horror. Arrancou a Capa da Invisibilidade na hora em que o Comensal da Morte de cara bruta, o último a deixar o alto da Torre, ia sumindo pela porta.
— Petrificus Totalus!
O Comensal da Morte se dobrou como se tivesse sido atingido por algo sólido e caiu no chão, rígido como uma estátua de cera, mas mal acabara de bater no chão e Harry já passava por cima dele e descia correndo a escada escura.
O terror assaltava Harry... tinha de chegar a Dumbledore e tinha de pegar Snape... por alguma razão, as duas coisas estavam ligadas... poderia reverter o que acontecera se pudesse juntar os dois... Dumbledore não podia ter morrido...
Ele saltou os dez últimos degraus da escada espiral e parou onde aterrissara, a varinha em punho: o corredor mal iluminado estava cheio de poeira; metade do teto parecia ter cedido e, à sua frente, travava-se uma batalha violenta. Enquanto ele tentava distinguir quem enfrentava quem, ouviu a voz que odiava gritar: “Acabou, hora de partir!”, e viu Snape virar no fim do corredor; ele e Malfoy pareciam ter aberto caminho entre os combatentes e escapado ilesos. Quando Harry se atirou no encalço deles, um dos bruxos se destacou do conflito e avançou para ele; era o lobisomem Greyback. Derrubou Harry antes que ele pudesse erguer a varinha: o garoto caiu de costas, sentindo os cabelos imundos no rosto, o fedor de suor, e o sangue na boca e no nariz, um bafo quente e voraz em seu pescoço...
— Petrificus Totalus!
Harry sentiu Greyback desmontar em cima dele; com um esforço descomunal, ele empurrou o lobisomem no chão na hora em que um jorro de luz verde veio em sua direção; ele desviou-se e mergulhou no meio dos combatentes. Seus pés bateram em alguma coisa mole e escorregadia no chão, e ele perdeu o equilíbrio: havia dois corpos caídos ali, de cara para baixo, em uma poça de sangue, mas não havia tempo para investigar. Harry viu uma cabeleira vermelha agitando-se como línguas de fogo à sua frente. Gina lutava contra o Comensal da Morte pesadão, Amico, que lançava feitiço sobre feitiço contra a garota, que se desviava; o bruxo ria, sentindo prazer no esporte:
— Crucia.. Crucio... você não pode dançar para sempre, lindinha...
— Impedimenta! — berrou Harry.
Seu feitiço atingiu Amico no peito. Ele soltou um guincho porcino de dor ao ser arrebatado e arremessado contra a parede oposta, de onde deslizou para o chão e desapareceu atrás de Rony, da professora McGonagall e Lupin, cada qual enfrentando um Comensal da Morte; mais além, Harry viu Tonks dando combate a um enorme bruxo louro que lançava feitiços em todas as direções, fazendo-os ricochetear nas paredes em volta, rachar pedra e estilhaçar a janela mais próxima...
— Harry, de onde é que você veio? — gritou Gina, mas não havia tempo para responder. O garoto baixou a cabeça e prosseguiu disparado pelo corredor, escapando por um triz de algo que explodiu acima de sua cabeça, fazendo chover cacos de parede sobre todos. Snape não podia escapar, ele tinha de pegar Snape...
— Isto é para você! — gritou a professora McGonagall, e Harry viu de relance a mulher Comensal da Morte, Aleto, fugindo pelo corredor com os braços sobre a cabeça, o irmão em seus calcanhares. Harry disparou atrás dos dois, mas seu pé prendeu em alguma coisa e, no momento seguinte, ele estava caído sobre as pernas de alguém. Olhando para os lados, identificou o rosto pálido e redondo de Neville chapado no chão.
— Neville, você está...?
— Tô bem — murmurou ele, apertando a barriga. — Harry... Snape e Malfoy... passaram correndo...
— Eu sei, estou sabendo! — respondeu Harry no chão, mirando um feitiço no Comensal da Morte responsável por grande parte do caos. Atingido no rosto, o homem soltou um uivo de dor; virou-se, cambaleou e, então, bateu em retirada atrás de Amico e Aleto.
Harry se ergueu do chão e tornou a desembestar pelo corredor, sem dar atenção aos estampidos às suas costas, aos chamados dos outros para que voltasse e ao grito mudo dos vultos caídos, cujo destino ele ainda desconhecia...
Derrapou na curva, seus tênis sujos de sangue escorregavam; Snape levava uma enorme dianteira — era possível que já tivesse entrado no Armário na Sala Precisa, ou será que a Ordem tomara providências para fechá-lo e impedir que os Comensais da Morte se retirassem por ali? Harry não ouvia nada, exceto as batidas dos próprios pés correndo, do próprio coração ribombando enquanto acelerava pelo corredor seguinte, deserto. Então, ele viu marcas de sangue no chão indicando que pelo menos um dos Comensais da Morte fugitivos rumava para as portas de entrada — talvez a Sala Precisa estivesse, de fato, bloqueada...
Harry entrou derrapando por outro corredor, e um feitiço passou voando; ele mergulhou atrás de uma armadura que explodiu; viu, então, os irmãos Comensais que desciam correndo a escadaria de mármore e disparou feitiços contra os dois, mas atingiu apenas várias bruxas de peruca, em um quadro do patamar, que fugiram aos guinchos para os quadros vizinhos; quando transpunha os destroços da armadura, Harry ouviu mais gritos; outras pessoas no castelo pareciam ter acordado...
Lançou-se por um atalho, na esperança de ultrapassar os irmãos e alcançar Snape e Malfoy, que, àquela altura, certamente já teriam chegado aos jardins; lembrando-se de saltar o degrau que sumia na metade da escada secreta, ele irrompeu pela tapeçaria que havia embaixo e saiu em um corredor onde estavam parados vários alunos da Lufa-Lufa de pijama, desnorteados.
— Harry! Ouvimos um barulho, e alguém mencionou a Marca Negra... — começou Ernesto Macmillan.
— Sai do caminho! — berrou Harry, empurrando dois garotos e correndo em direção ao patamar e ao último lance da escadaria de mármore. As portas de carvalho na entrada tinham sido arrombadas; havia manchas de sangue no chão, e vários estudantes aterrorizados se encolhiam às paredes, uns dois deles cobriam o rosto com os braços; a enorme ampulheta da Grifinória fora atingida por um feitiço, e os rubis que continha ainda caíam, produzindo um ruído seco no piso lajeado...
Harry voou pelo Saguão de Entrada e saiu para os jardins escuros: mal conseguia divisar três vultos que corriam pelo gramado em direção aos portões, onde poderiam Aparatar — pelo jeito, o enorme Comensal da Morte louro e, mais à frente, Snape e Malfoy...
Harry sentiu o ar frio da noite dilacerar seus pulmões quando disparou atrás deles; ele viu um lampejo ao longe que momentaneamente recortou a silhueta dos fugitivos; apesar de não saber o que seria, continuou a correr, ainda não se aproximara o suficiente para fazer pontaria...
Outro lampejo, gritos, jorros de luz em resposta, e Harry entendeu: Hagrid saíra de sua cabana e estava tentando deter os Comensais da Morte em fuga e, embora cada hausto parecesse rasgar seus pulmões e a pontada em seu peito ardesse como uma labareda, Harry acelerou enquanto uma voz em sua cabeça dizia: Hagrid não... Hagrid também não...
Alguma coisa atingiu Harry, com força, nos rins, e ele caiu; seu rosto bateu no chão, o sangue espirrou das narinas: concluiu, mesmo enquanto se virava, com a varinha em punho, que os irmãos que ele ultrapassara ao pegar o atalho se aproximavam às suas costas...
— Impedimenta! — berrou ele, tornando a se virar, agachando-se rente ao chão escuro e, milagrosamente, seu feitiço atingiu um deles, que cambaleou e caiu, derrubando o outro; Harry ergueu-se de um salto e continuou a correr atrás de Snape...
E, à claridade da lua crescente que surgiu inesperadamente por trás das nuvens, ele viu a vasta silhueta de Hagrid; o Comensal da Morte louro alvejava-o com sucessivos feitiços, mas a imensa força de Hagrid e a pele dura que herdara da mãe giganta pareciam protegê-lo; Snape e Malfoy, no entanto, continuavam a correr; logo estariam fora dos portões, e poderiam Aparatar...
Harry passou, desembalado, por Hagrid e seu oponente, mirou nas costas de Snape e berrou:
— Estupefaça!
Errou; o jorro de luz vermelha passou ao largo da cabeça de Snape; o professor gritou: “Corra, Draco!”, e virou-se; a uns dezoito metros de distância, ele e Harry se encararam antes de erguer simultaneamente as varinhas.
— Cruc...
Snape, porém, aparou o feitiço, derrubando Harry para trás antes que ele pudesse completar a maldição. O garoto rolou para um lado e tornou a se levantar na hora em que o enorme Comensal às suas costas berrou: “Incêndio!”; Harry ouviu uma forte explosão e uma luz laranja se derramou sobre todos: a casa de Hagrid estava pegando fogo.
— Canino está preso lá dentro, seu maligno...! — urrou Hagrid.
— Cruc... — berrou Harry pela segunda vez, mirando no vulto iluminado à luz das chamas, mas Snape tornou a bloquear o feitiço; Harry podia ver seu sorriso desdenhoso.
— Suas Maldições Imperdoáveis não me atingem, Potter! — gritou ele, sobrepondo-se ao ruído das chamas, aos gritos de Hagrid e aos ganidos alucinados de Canino. — Você não tem a coragem nem a habilidade...
— Incarc... — urrou Harry, mas Snape desviou o feitiço com um gesto quase indolente.
— Revide — gritou Harry. — Revide, seu covarde...
— Você me chamou de covarde, Potter? — gritou Snape. — Seu pai nunca me atacava, a não ser que fossem quatro contra um, que nome você daria a ele?
— Stupe...
— Bloqueado outra vez e outra e mais outra, até você aprender a manter a boca e a mente fechadas, Potter! — debochou Snape, desviando mais uma vez o feitiço. — Agora, venha! — gritou o professor para o Comensal da Morte às costas de Harry. — Está na hora de ir, antes que o Ministério apareça.
— Impedi...
Antes, porém, que Harry pudesse terminar o feitiço, sentiu uma dor excruciante; tombou no gramado, alguém estava gritando, ele certamente morreria de tormento, Snape ia torturá-lo até morrer ou enlouquecer...
— Não! — urrou Snape, e a dor parou tão subitamente quanto começara; Harry ficou enroscado no gramado escuro, apertando a varinha ofegante; em algum lugar no alto, Snape gritava: — Você esqueceu as suas ordens? Potter pertence ao Lorde das Trevas... temos de deixá-lo! Vá! Vá!
E Harry sentiu o chão estremecer sob seu rosto quando os irmãos e o enorme Comensal em obediência correram para os portões. O garoto soltou um grito inarticulado de raiva: naquele instante, não se importava se ia viver ou morrer; pondo-se em pé com esforço, ele cambaleou às cegas em direção a Snape, o homem que agora ele odiava tanto quanto odiava o próprio Voldemort...
— Sectum...
Snape acenou com a varinha, e o feitiço foi de novo repelido; mas Harry agora estava a poucos passos, e finalmente podia ver com clareza o rosto de Snape: ele já não ria desdenhoso nem caçoava; as labaredas mostravam um rosto enfurecido. Reunindo todo o seu poder de concentração, Harry pensou Levi...
— Não, Potter! — gritou Snape. Houve um forte estampido e Harry voou para trás, tornando a bater duramente no chão e, desta vez, a varinha escapou-lhe da mão. Ele ouvia os gritos de Hagrid e os uivos de Canino, quando Snape se aproximou e contemplou-o ali caído, sem varinha, indefeso como Dumbledore estivera. O rosto pálido do professor, iluminado pela cabana em chamas, estava impregnado de ódio, tal como estivera pouco antes de amaldiçoar Dumbledore.
— Você se atreve a usar os meus feitiços contra mim, Potter? Fui eu quem os inventei: eu, o Príncipe Mestiço! E você viraria as minhas invenções contra mim, como o nojento do seu pai, não é? Eu acho que não... não!
Harry mergulhara para recuperar a varinha; Snape lançou um feitiço na varinha, que voou longe, no escuro, e desapareceu de vista.
— Me mate, então — ofegou Harry, que não sentia o menor medo, apenas raiva e desdém. — Me mate como matou ele, seu covarde...
— NÃO... — gritou Snape, e seu rosto ficou inesperadamente desvairado, desumano, como se sentisse tanta dor quanto o cão que gania e uivava preso na casa incendiada às suas costas — ... ME CHAME DE COVARDE!
E ele golpeou o ar: Harry sentiu uma espécie de chicotada em brasa atingi-lo no rosto e foi atirado de costas no chão. Manchas luminosas explodiram diante de seus olhos e, por um momento, todo o ar pareceu ter fugido do seu corpo, então, ele ouviu um farfalhar de asas no ar e uma coisa enorme obscureceu as estrelas: Bicuço mergulhara contra Snape, que cambaleou para trás ao ser atacado por garras afiadíssimas. Enquanto Harry procurava sentar, a cabeça atordoada pelo último impacto contra o chão, ele viu Snape a toda velocidade, o enorme animal perseguindo-o, aos gritos, como Harry jamais o vira gritar...
O garoto levantou-se com dificuldade, procurando, às tontas, a varinha, na esperança de prosseguir em sua caçada, mas, mesmo enquanto apalpava a grama, catando gravetos, percebeu que seria tarde demais; de fato, até conseguir localizar a varinha e se virar, ele viu apenas o hipogrifo circulando sobre os portões. Snape conseguira Aparatar fora dos limites da escola.
— Hagrid — murmurou Harry, ainda atordoado, olhando para os lados. — HAGRID?
Ele cambaleava em direção à casa em chamas quando um enorme vulto emergiu da cabana, carregando Canino às costas. Com um grito de agradecimento, Harry caiu de joelhos; todos os seus membros tremiam, seu corpo doía inteiro, e sua respiração provocava pontadas dolorosas.
— Você tá bem, Harry? Você tá bem? Fala comigo, Harry...
O enorme rosto peludo de Hagrid pairava acima de Harry, escondendo as estrelas. O garoto sentia o cheiro de madeira e pêlo de cachorro queimados; ele esticou a mão e tocou o corpo quente e vivo de Canino, agitando-se ao lado dele.
— Estou bem — ofegou Harry. — E você?
— Claro que estou... precisa mais do que isso para me liquidar.
Hagrid enfiou as mãos por baixo dos braços de Harry e ergueu-o com tal força que os pés do garoto abandonaram momentaneamente o chão, enquanto o gigante o punha de pé. Harry viu o sangue escorrendo pelo rosto do amigo, o corte profundo embaixo de um olho que inchava rapidamente.
— Devíamos apagar o incêndio em sua casa — disse Harry —, o feitiço é Aguamenti...
— Eu sabia que era alguma coisa assim — murmurou Hagrid, e erguendo um fumegante guarda-chuva rosa florido ordenou: — Aguamenti!
Um jorro de água saiu da ponta do guarda-chuva. Harry ergueu o braço da varinha que parecia de chumbo e também murmurou: “Aguamenti”; juntos, ele e Hagrid despejaram água na casa até que a última chama se extinguisse.
— Não tá muito ruim — comentou Hagrid esperançoso alguns minutos depois, olhando para o rescaldo fumegante. — Nada que Dumbledore não possa consertar...
Harry sentiu uma dor lancinante no estômago ao som desse nome. No silêncio e quietude, o horror despertou em seu íntimo.
— Hagrid...
— Eu estava enfaixando as pernas de uns tronquilhos, quando ouvi os Comensais vindo — disse Hagrid triste, ainda contemplando a cabana destruída. — Devem ter queimado os gravetos, os coitadinhos...
— Hagrid...
— Mas que aconteceu, Harry? Vi os Comensais da Morte descerem correndo do castelo, mas que diabos o Snape estava fazendo no meio deles? Aonde é que ele foi?... Estava perseguindo eles?
— Ele... — Harry pigarreou; a garganta seca com o pânico e a fumaça. — Hagrid, ele matou...
— Matou? — exclamou Hagrid em voz alta, encarando Harry. — Snape matou? De que você está falando, Harry?
— Dumbledore. Snape matou... Dumbledore.
Hagrid ficou olhando para ele, o pouco do seu rosto à mostra manifestava total incompreensão.
— Dumbledore o quê, Harry?
— Está morto. Snape o matou...
— Não diz isso — censurou-o Hagrid com rispidez. — Snape matar Dumbledore... não seja idiota, Harry. De onde tirou essa idéia?
— Vi acontecer.
— Não pode ter visto.
— Vi, Hagrid.
Hagrid sacudiu a cabeça; em seu rosto havia uma expressão incrédula mas simpática, e Harry percebeu que o amigo pensava que ele tivesse levado uma pancada na cabeça, que estivesse atordoado, talvez com seqüelas de um feitiço...
— O que deve ter acontecido foi que Dumbledore deve ter mandado Snape acompanhar os Comensais da Morte — explicou Hagrid confiante. — Imagino que ele precise manter o disfarce. Olhe, vamos levar você de volta à escola. Venha, Harry...
O garoto não tentou discutir nem explicar. Ainda tremia descontroladamente. Cedo Hagrid descobriria, cedo demais... Quando caminhavam para o castelo, Harry observou que agora havia luz em muitas janelas: podia imaginar nitidamente as cenas quando as pessoas fossem, de um aposento a outro, contar que os Comensais da Morte tinham entrado, que a Marca brilhava sobre Hogwarts, que alguém devia ter sido morto...
À frente, as portas de carvalho estavam abertas, inundando de luz a estrada e o gramado. Insegura e lentamente, pessoas vestidas com roupões desciam os degraus da entrada, procurando, nervosas, sinal dos Comensais da Morte que tinham se embrenhado na noite. Os olhos de Harry, porém, estavam fixos no gramado ao pé da torre mais alta. Imaginou ver caída ali uma massa escura, embora estivesse realmente muito longe para enxergar alguma coisa. Mesmo enquanto olhava em silêncio o lugar onde supunha que o corpo de Dumbledore estivesse, ele viu gente começando a se deslocar para lá.
— Que é que todos estão olhando? — perguntou Hagrid, quando os dois se aproximaram da fachada do castelo, Canino colado aos seus calcanhares. — Que é aquilo caído no gramado? — perguntou Hagrid bruscamente, rumando para a Torre de Astronomia, onde ia se formando um pequeno ajuntamento. — Está vendo, Harry? Bem no pé da Torre? Embaixo do lugar onde a Marca... caramba... você acha que alguém foi atirado...?
Hagrid se calou, o pensamento parecia terrível demais para ser expresso em voz alta. Harry caminhava ao seu lado, sentindo o desconforto e as dores no rosto e nas pernas onde fora atingido por feitiços, na última meia hora, embora de um modo estranhamente neutro, como se outro alguém próximo a ele os sentisse. Real e inelutável era a sensação terrível que comprimia o seu peito...
Ele e Hagrid atravessaram, como em sonho, a multidão que murmurava até bem à frente, onde estudantes e professores estarrecidos tinham deixado uma clareira.
Harry ouviu o lamento de dor e surpresa de Hagrid, mas não parou; continuou a avançar até chegar onde Dumbledore jazia, e se agachou ao seu lado.
O garoto percebera que não havia esperança no instante em que o Feitiço do Corpo Preso que Dumbledore lançara sobre ele cessara; percebera que aquilo só poderia ter acontecido porque quem lançara o feitiço estava morto; contudo, ainda não tinha se preparado para vê-lo ali, de braços e pernas abertos, quebrado: o maior bruxo que Harry conhecera ou jamais conheceria.
Os olhos de Dumbledore estavam fechados; exceto pelo estranho ângulo dos braços e pernas, ele poderia estar dormindo. Harry estendeu a mão, acertou os oclinhos de meia-lua no nariz torto do diretor e limpou um filete de sangue de sua boca, com a manga das próprias vestes. Então, contemplou o rosto velho e sábio, e tentou absorver a enorme e incompreensível verdade: nunca mais Dumbledore falaria com ele, nunca mais poderia ajudar...
A multidão murmurava às costas de Harry. Decorrido o que lhe pareceu um longo tempo, ele tomou consciência de que estava ajoelhado em cima de algo duro, e olhou para baixo.
O medalhão que tinham conseguido roubar, havia tantas horas, caíra do bolso de Dumbledore e abrira-se, talvez em conseqüência da força com que batera no chão. E, embora Harry não pudesse sentir maior choque, horror ou tristeza do que já sentia, ele percebeu, ao apanhá-lo, que alguma coisa estava errada...
Revirou o medalhão nas mãos. Não era tão grande quanto o que vira na Penseira, nem tinha marcas distintivas, nenhum sinal do S caprichoso que supostamente era a insígnia de Slytherin. Além disso, não havia nada dentro a não ser um pedaço de pergaminho dobrado e encaixado à força onde devia haver um retrato.
Com um gesto automático, sem realmente pensar no que fazia, Harry tirou o fragmento de pergaminho, abriu-o e leu-o à luz das muitas varinhas agora acesas atrás:
Ao Lorde das Trevas
Sei que há muito estarei morto quando ler isto, mas quero que saiba que fui eu quem descobriu o seu segredo.
Roubei a Horcrux verdadeira e pretendo destruí-la assim que puder.
Enfrento a morte na esperança de que, quando você encontrar um adversário à altura, terá se tornado outra vez mortal.
R.AB.
Harry não sabia o que significava aquela mensagem nem se importava com isso. Uma única coisa importava: aquilo não era uma Horcrux. Dumbledore se enfraquecera bebendo a terrível poção para nada. Harry amassou o pergaminho na mão e as lágrimas queimaram seus olhos no momento em que, às suas costas, Canino começava a uivar.