- Back to Home »
- Harry Potter e o Enigma do Príncipe »
- A torre atingida pelo raio
Posted by :
Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 27
O garoto percebeu que dera certo antes de abrir os olhos: o cheiro de sal e brisa marinha haviam desaparecido. Ele e Dumbledore estavam tremendo e pingando água no meio da escura rua principal de Hogsmeade. Por um terrível momento, sua imaginação lhe mostrou mais Inferi que surgiam dos lados das lojas e se arrastavam em sua direção, mas ele piscou e viu que nada se movia; tudo estava quieto, a escuridão era total, exceto por uns poucos lampiões e janelas iluminadas no primeiro andar.
— Conseguimos, professor! — sussurrou Harry com dificuldade; ele percebeu, de repente, que sentia uma pontada ardida no peito. — Conseguimos! Encontramos a Horcrux!
Dumbledore vacilou de encontro a Harry. Por um momento, o garoto pensou que sua Aparatação amadora tivesse desequilibrado o professor; então viu o rosto de Dumbledore, mais pálido e úmido que nunca, à luz distante do lampião de rua.
— Senhor, o senhor está bem?
— Já estive melhor — respondeu Dumbledore com a voz sumida, embora os cantos de sua boca tentassem sorrir. — Aquela poção não era uma bebida saudável...
E, para horror de Harry, o professor caiu ao chão.
— Senhor... tudo o.k., senhor, o senhor vai ficar bom, não se preocupe...
Ele olhou em volta, desesperado, procurando ajuda, mas não havia ninguém à vista, e só conseguia pensar que, de alguma maneira, tinha de levar Dumbledore, depressa, para a ala hospitalar.
— Precisamos levar o senhor para a escola, senhor... Madame Pomfrey...
— Não — contestou Dumbledore. — É... do professor Snape que preciso... mas acho que não... posso ir muito longe no momento...
— Certo... senhor, escute... vou bater em uma porta, encontrar um lugar em que possa ficar... e então correr para buscar Madame...
— Severo — repetiu Dumbledore claramente. — Preciso do Severo...
— Muito bem, então, Snape... mas vou ter de abandonar o senhor um momento para poder...
Antes, porém, que Harry pudesse fazer qualquer movimento, ele ouviu os passos de alguém correndo. Seu coração pulou: alguém vira, alguém sabia que eles precisavam de ajuda; e, ao olhar à sua volta, viu Madame Rosmerta correndo pela rua escura em sua direção, usando sandálias altas de pelúcia e um roupão bordado com dragões.
— Vi vocês aparatarem quando estava fechando as cortinas do quarto! Graças a Deus, graças a Deus, não podia imaginar o que... mas que aconteceu com o Alvo?
Ela parou de repente, ofegando, e encarou Dumbledore de olhos arregalados.
— Ele está passando mal — disse Harry. — Madame Rosmerta, será que ele pode ficar no Três Vassouras enquanto vou até a escola buscar ajuda?
— Você não pode ir lá sozinho! Você não percebe... você não viu?
— Se a senhora me ajudar a carregá-lo — falou Harry, sem ouvi-la —, acho que podemos levá-lo para dentro...
— Que aconteceu? — perguntou Dumbledore. — Rosmerta, que está havendo?
— A... a Marca Negra, Alvo.
E ela apontou para o céu, em direção a Hogwarts. Harry foi tomado de pavor ao ouvir essas palavras... ele se virou e olhou.
Lá estava no céu sobre a escola: o crânio verde chamejante com uma língua de cobra, a marca deixada pelos Comensais da Morte sempre que entravam em um prédio... sempre que matavam...
— Quando foi que apareceu? — perguntou o diretor, e sua mão se fechou dolorosamente no ombro de Harry na tentativa de se pôr de pé.
— Deve ter sido há poucos minutos, não estava lá quando pus o gato para fora, mas quando cheguei ao primeiro andar...
— Precisamos voltar ao castelo imediatamente. Rosmerta. — E, embora oscilasse um pouco, Dumbledore parecia estar em pleno comando da situação. — Precisamos de transporte... vassouras...
— Tenho umas duas atrás do bar — respondeu a bruxa, parecendo muito assustada. — Quer que eu vá buscar...?
— Não, Harry pode fazer isso.
Harry ergueu a varinha na mesma hora.
— Accio vassouras de Rosmerta.
Um segundo depois, ele ouviu um forte estampido, e a porta do bar se escancarou; duas vassouras voaram para a rua, apostando corrida para chegar ao lado de Harry, onde pararam de chofre, estremecendo, à altura de sua cintura.
— Rosmerta, por favor, mande uma mensagem ao Ministério — disse Dumbledore, montando a vassoura mais próxima. — Pode ser que ninguém em Hogwarts tenha percebido que há um problema... Harry, ponha a sua Capa da Invisibilidade.
Harry tirou a capa do bolso e atirou-a sobre o corpo antes de montar sua vassoura; Madame Rosmerta já estava voltando com passinhos vacilantes para o seu bar quando Harry e Dumbledore deram impulso no chão e levantaram vôo. Enquanto voavam, velozes, para o castelo, Harry olhava de esguelha para o professor, pronto a agarrá-lo se caísse, mas a visão da Marca Negra tivera efeito estimulante em Dumbledore: ele estava curvado sobre a vassoura, os olhos fixos na Marca, seus longos cabelos e barba prateados esvoaçando às suas costas, à brisa noturna. E Harry, também, olhava para a caveira à frente, e o medo crescia dentro dele como uma bolha venenosa, comprimindo seus pulmões, varrendo qualquer outro desconforto de sua mente...
Quanto tempo haviam passado fora? Será que a sorte de Rony, Hermione e Gina, a esta altura, já teria acabado? Teria sido um deles a razão da Marca ter surgido na escola, ou Neville ou Luna, ou outro membro da AD? E, se fosse... ele é quem pedira a eles para patrulharem os corredores, quem pedira para deixarem a segurança de suas camas... seria novamente responsável pela morte de um amigo?
Quando sobrevoaram a estrada escura e serpeante que tinham descido a pé mais cedo, Harry ouviu, acima do assobio do ar noturno, os murmúrios de Dumbledore em uma língua desconhecida. Achou que entendia a razão daquilo, pois sentiu a vassoura vibrar um momento quando transpuseram os muros da propriedade: Dumbledore estava desfazendo os encantamentos que ele mesmo lançara em torno do castelo para que pudessem entrar. A Marca Negra brilhava imediatamente acima da Torre de Astronomia, a mais alta do castelo. Será que isto significava que a morte ocorrera ali?
Dumbledore já cruzara as ameias da torre, e estava desmontando; Harry pousou ao lado dele, segundos depois, e olhou para os lados.
As ameias estavam desertas. A porta para a escada espiral que levava ao castelo estava fechada. Não havia sinal de conflito, de combate mortal, de cadáver.
— Que significa isso? — perguntou Harry a Dumbledore, erguendo os olhos para a caveira verde com língua de serpente, refulgindo malignamente no alto. — É a Marca verdadeira? Alguém foi mesmo... professor?
A fraca claridade verde da Marca, Harry viu Dumbledore apertar o peito com a mão escura.
— Vá acordar Snape — disse ele com a voz fraca, mas clara. — Conte-lhe o que aconteceu e traga-o aqui. Não faça mais nada, não fale com mais ninguém e não tire a sua capa. Esperarei aqui.
— Mas...
— Você jurou me obedecer, Harry, vá!
Harry correu para a porta que abria para a escada espiral, mas, assim que sua mão tocou no anel de ferro da porta, ouviu gente correndo do outro lado. Ele olhou para Dumbledore, que lhe fez sinal para recuar. Harry se afastou, puxando ao mesmo tempo a varinha.
A porta se escancarou e alguém irrompeu por ela gritando:
— Expelliarmus!
O corpo de Harry se tornou instantaneamente rígido e imóvel, e ele se sentiu tombar contra a parede da Torre, escorado como uma estátua instável, incapaz de se mexer ou falar. Não conseguiu entender como acontecera, Expelliarmus não era um Feitiço Paralisante...
Então, à luz da Marca, ele viu a varinha de Dumbledore traçar um arco por cima das ameias e compreendeu... Dumbledore o imobilizara silenciosamente, e o segundo que levara para lançar o feitiço lhe custara a chance de se defender.
Encostado nas ameias, com o rosto muito branco, Dumbledore, ainda assim, não mostrava sinal de pânico ou aflição. Simplesmente olhou para quem o desarmara e disse:
— Boa-noite, Draco.
Malfoy adiantou-se, olhando rapidamente ao redor para verificar se ele e o diretor estavam a sós. Seus olhos bateram na segunda vassoura.
— Quem mais está aqui?
— Uma pergunta que eu poderia fazer a você. Ou está agindo sozinho?
Harry viu os olhos claros de Malfoy se voltarem para Dumbledore, à claridade esverdeada da Marca Negra.
— Não — respondeu ele. — Tenho apoio. Há Comensais da Morte em sua escola esta noite.
— Bom, bom — comentou Dumbledore, como se Malfoy estivesse lhe mostrando um trabalho escolar ambicioso. — De fato muito bom. Você encontrou um meio de trazê-los para dentro, foi?
— Foi — replicou Malfoy ofegante. — Bem debaixo do seu nariz, e o senhor nem percebeu!
— Engenhoso. Contudo... me perdoe... onde estão eles? Você parece indefeso.
— Eles encontraram uma parte de sua guarda. Estão lutando lá embaixo. Não vão demorar... eu vim na frente. Tenho... tenho uma tarefa a fazer.
— Bem, então, não deve se deter, faça-a, meu caro rapaz — disse Dumbledore baixinho. Fez-se silêncio. Harry continuava preso em seu corpo invisível e paralisado, observando os dois, apurando os ouvidos para os ruídos da luta distante que travavam os Comensais da Morte e, diante dele, Draco Malfoy só fazia olhar para Alvo Dumbledore que, inacreditavelmente, sorria.
— Draco, Draco, você não é um assassino.
— Como é que o senhor sabe? — replicou Draco prontamente. Ele deve ter percebido como suas palavras soaram infantis; Harry viu-o corar à claridade verde da Marca.
— O senhor não sabe do que sou capaz — disse o garoto, com mais firmeza —, o senhor não sabe o que eu fiz!
— Ah, sei, sim — respondeu o diretor brandamente. — Você quase matou Katie Bell e Rony Weasley. Você tem tentado, com crescente desespero, me matar o ano todo. Perdoe-me, Draco, mas suas tentativas têm sido ineficazes... tão ineficazes, para ser sincero, que me pergunto se, no fundo, você realmente queria...
— Queria sim! — confirmou Malfoy com veemência. — Estive trabalhando nisso o ano todo, e hoje à noite...
De algum ponto nas profundezas do castelo, Harry ouviu um grito abafado. Malfoy se enrijeceu e espiou por cima do ombro.
— Alguém está resistindo com valentia — comentou Dumbledore em tom de conversa. — Mas você ia dizendo... sim, que conseguiu introduzir Comensais da Morte em minha escola, o que, admito, pensei que fosse impossível.., como fez isso?
Mas Malfoy não respondeu: ainda tentava escutar o que estava acontecendo no andar de baixo, e parecia quase tão paralisado quanto Harry.
— Talvez você devesse continuar a tarefa sozinho — sugeriu Dumbledore. — E se o seu apoio tiver sido rechaçado pela minha guarda? Como você talvez tenha percebido, há membros da Ordem da Fênix aqui hoje à noite, também. E, afinal, você não precisa realmente de ajuda... não tenho varinha no momento... não posso me defender.
Malfoy apenas olhava o diretor.
— Entendo — disse Dumbledore bondosamente, quando viu que Malfoy não se mexia nem falava. — Você tem medo de agir até que eles cheguem.
— Não tenho medo! — vociferou Malfoy, embora não fizesse movimento para atacar Dumbledore. — O senhor é quem deveria estar com medo!
— Mas por quê? Acho que você não vai me matar, Draco. Matar não é tão fácil quanto crêem os inocentes... portanto, enquanto esperamos por seus amigos, me conte... como foi que você os trouxe clandestinamente para dentro? Parece que levou muito tempo para descobrir um meio de fazer isso.
Malfoy parecia estar reprimindo o impulso de gritar ou de vomitar. Engoliu em seco e inspirou profundamente várias vezes com o olhar fixo em Dumbledore, sua varinha apontando diretamente para o coração do diretor. Então, como se não conseguisse se conter, ele respondeu:
— Tive de consertar aquele Armário Sumidouro que ninguém usa há anos. Aquele em que Montague sumiu no ano passado.
— Aaaah.
O suspiro de Dumbledore foi quase um lamento. Ele fechou os olhos por um instante.
— Foi uma idéia inteligente... há um par, não é?
— O outro está na Borgin & Burkes — respondeu Malfoy —, e os dois formam uma passagem. Montague me contou que ficou preso no Armário de Hogwarts, suspenso no limbo, mas às vezes ele ouvia o que estava acontecendo na escola e, outras, o que estava acontecendo na loja, como se o Armário se deslocasse entre os dois pontos, mas não conseguia que ninguém o ouvisse... no fim, ele saiu aparatando, apesar de nunca ter passado no teste. Quase morreu na tentativa. Todo o mundo achou que era uma história realmente empolgante, mas eu fui o único que percebi o que significava, nem o Borgin sabia, fui o único que percebi que talvez houvesse um jeito de entrar em Hogwarts através dos Armários, se eu consertasse o que estava quebrado.
— Muito bom — murmurou Dumbledore. — Então os Comensais da Morte puderam passar da Borgin & Burkes para a escola e ajudá-lo... um plano inteligente, um plano muito inteligente... e, como você diz... bem debaixo do meu nariz...
— É — exclamou Malfoy que, bizarramente, parecia extrair coragem e consolo do elogio do diretor. — É, foi!
— Houve vezes, no entanto — continuou Dumbledore —, em que você perdeu a certeza de que conseguiria consertar o Armário, não é? E então lançou mão de recursos óbvios e mal avaliados como me mandar um colar maldito, que estava fadado a ir parar em mãos erradas... envenenar um hidromel que era pouquíssimo provável eu beber...
— É, mas, nem assim o senhor descobriu quem estava por trás disso, não é? — debochou Malfoy, enquanto Dumbledore escorregava um pouco pelas ameias, aparentemente perdendo as forças nas pernas, e Harry lutava sem sucesso, mudamente, contra o feitiço que o prendia.
— Na verdade, descobri. Eu tinha certeza de que era você.
— Por que não me deteve, então? — quis saber Malfoy.
— Tentei, Draco. O professor Snape tem vigiado você por ordens minhas...
— Ele não estava obedecendo as suas ordens, ele prometeu a minha mãe...
— Naturalmente isto é o que ele lhe diria, Draco, mas...
— Ele é um agente duplo, seu velho idiota, ele não está trabalhando para o senhor, o senhor é que pensa que está!
— Devemos concordar em discordar nesse ponto, Draco. Acontece que eu confio no professor Snape...
— Bem, então o senhor não está mais entendendo nem controlando nada! — desdenhou mais uma vez Malfoy. — Ele tem me oferecido muita ajuda... querendo toda a glória para ele... querendo um pouco de ação... “Que é que você anda fazendo? Mandou aquele colar, que idiotice, poderia ter estragado tudo...” Mas não contei a ele o que estive fazendo na Sala Precisa, ele vai acordar amanhã e tudo estará acabado, e ele não será mais o favorito do Lorde das Trevas, ele não será nada comparado a mim, nada!
— Muito gratificante — comentou Dumbledore brandamente. — Todos gostamos de receber aplausos pelos nossos esforços, é mais do que natural... mas você deve ter tido um cúmplice... alguém em Hogsmeade que pôde passar para Katie o... o... aaaah...
Dumbledore fechou outra vez os olhos e cabeceou como se estivesse prestes a cochilar.
— ... naturalmente... Rosmerta. Há quanto tempo ela está dominada pela Maldição Imperius?
— Enfim percebeu, não é? — caçoou Malfoy.
Ouviu-se um segundo grito vindo do andar de baixo, mais alto do que o anterior. Malfoy olhou mais uma vez, nervosamente, por cima do ombro e, em seguida, para Dumbledore, que continuou:
— Então a pobre Rosmerta foi forçada a se esconder no próprio banheiro e passar o colar para a primeira estudante de Hogwarts que entrou lá desacompanhada? E o hidromel envenenado... bem, naturalmente Rosmerta pôde envenená-lo para você antes de mandar a garrafa para Slughorn, acreditando que seria o meu presente de Natal... sim, muito esperto... muito esperto... o coitado do Sr. Filch não pensaria, é claro, em verificar uma garrafa do hidromel de Rosmerta... mas diga-me, como esteve se comunicando com a Rosmerta? Pensei que tínhamos todos os meios de comunicação de saída e entrada da escola monitorados.
— Moedas encantadas — respondeu Malfoy, como se sentisse uma compulsão de continuar falando, embora a mão com que segurava a varinha tremesse muito. — Fiquei com uma e ela com a outra e, assim, pude lhe mandar mensagens...
— Não foi esse o método secreto de comunicação que o grupo que se intitulava Armada de Dumbledore usou no ano passado? — indagou Dumbledore. Sua voz era descontraída e informal, mas Harry o viu escorregar mais uns dois centímetros pela parede enquanto falava.
— É, copiei a idéia deles — disse Malfoy, com um sorriso enviesado. — Tirei também a idéia de envenenar o hidromel da Sangue-Ruim da Granger, ouvi quando ela disse na biblioteca que o Filch não era capaz de reconhecer poções...
— Por favor, não use essa palavra ofensiva na minha presença — pediu Dumbledore. Malfoy deu uma gargalhada desagradável.
— O senhor ainda se incomoda que eu esteja dizendo “Sangue-Ruim” quando estou prestes a matá-lo?
— Incomodo-me. — Harry viu os pés do diretor deslizarem ligeiramente pelo chão e ele tentar se manter de pé. — Quanto a estar prestes a me matar, Draco, você já teve longos minutos. Estamos sozinhos. Estou mais indefeso do que você poderia ter sonhado em me encontrar e, ainda assim, você não me matou...
Malfoy torceu a boca involuntariamente, como se tivesse provado alguma coisa muito amarga.
— Agora, quanto a esta noite — continuou Dumbledore —, estou um pouco intrigado como tudo aconteceu... você sabia que eu tinha saído da escola? Mas, é claro — ele respondeu à própria pergunta —, Rosmerta me viu saindo, avisou-o usando suas engenhosas moedas, com certeza...
— Isto mesmo. Ela me disse que o senhor ia beber alguma coisa, que voltaria...
— Bem, sem dúvida eu bebi alguma coisa... e de certa maneira... voltei... — murmurou Dumbledore. — Então, você decidiu montar uma armadilha para mim?
— Decidimos colocar a Marca Negra sobre a Torre e fazer o senhor voltar correndo para cá, para ver quem tinha sido morto. E deu certo!
— Bem... sim e não... Mas eu devo entender, então, que ninguém foi morto?
— Alguém morreu — respondeu Malfoy, e sua voz pareceu subir uma oitava. — Um dos seus... não sei quem, estava escuro... passei por cima do corpo... eu devia estar esperando aqui em cima quando o senhor voltasse, só que aquela sua Fênix se meteu no caminho...
— Elas fazem isso — confirmou Dumbledore.
Ouviu-se um estampido e gritos embaixo, mais altos que antes; parecia que as pessoas estavam lutando na escada de acesso ao lugar em que se encontravam Dumbledore, Malfoy e Harry, e o coração de Harry reboou inaudivelmente em seu peito invisível... alguém fora morto... Malfoy passara por cima do corpo... mas quem seria?
— De qualquer maneira, temos pouco tempo — disse Dumbledore. — Então vamos discutir as suas opções, Draco.
— Minhas opções! — exclamou Malfoy alto. — Estou aqui com uma varinha... prestes a matar o senhor...
— Meu caro rapaz, vamos parar de fingir. Se você fosse me matar, teria feito isso quando me desarmou, não teria parado para conversarmos amenamente sobre meios e modos.
— Não tenho opções! — respondeu Malfoy, e subitamente ficou tão pálido quanto Dumbledore. — Tenho de fazer isto. Ele me matará! Ele matará minha família toda!
— Eu avalio a dificuldade de sua posição. Por que pensa que não o confrontei antes? Porque eu sabia que você seria morto se Lord Voldemort percebesse que eu suspeitava de você.
Malfoy fez uma careta ao ouvir aquele nome.
— Não me atrevi a falar antes sobre a missão que lhe fora confiada, prevendo que ele talvez usasse a Legilimência contra você — continuou Dumbledore. — Agora, finalmente, podemos falar às claras... não houve mal algum, você não feriu ninguém, embora tenha tido muita sorte que suas vítimas impremeditadas sobrevivessem... posso ajudá-lo, Draco.
— Não, não pode. — A mão de Malfoy que empunhava a varinha tremia muito fortemente. — Ninguém pode. Ele me mandou fazer isso ou me matará. Não tenho escolha.
— Venha para o lado certo, Draco, e podemos escondê-lo mais completamente do que pode imaginar. E, mais, posso mandar membros da Ordem à sua mãe hoje à noite, e escondê-la também. Seu pai no momento está seguro em Azkaban... quando chegar a hora posso protegê-lo também... venha para o lado certo, Draco... você não é assassino...
Malfoy arregalou os olhos para Dumbledore.
— Mas cheguei até aqui, não? — disse ele lentamente. — Acharam que eu morreria na tentativa, mas estou aqui... e o senhor está em meu poder... sou eu que empunho a varinha... sua vida depende da minha piedade...
— Não, Draco — respondeu Dumbledore baixinho. — É a minha piedade, e não a sua, que importa agora...
Malfoy não respondeu. Estava boquiaberto, a mão da varinha continuava a tremer. Harry achou que a vira baixar um nada...
Mas, de repente, passos atroaram escada acima e, um segundo depois, Malfoy foi empurrado para longe quando quatro pessoas de vestes negras irromperam pela porta em direção às ameias. Ainda paralisado, assistindo sem piscar, Harry encarou com terror os quatro estranhos: pelo visto, os Comensais da Morte tinham vencido a luta lá embaixo.
Um homem pesadão, com um estranho sorriso enviesado e malicioso, deu uma risadinha asmática.
— Dumbledore encurralado! — exclamou ele, virando-se para uma mulherzinha atarracada que parecia ser sua irmã e ria ansiosa. — Dumbledore sem varinha, Dumbledore sozinho! Parabéns, Draco, parabéns!
— Boa-noite, Amico — cumprimentou Dumbledore calmamente, como se lhe desse as boas-vindas ao seu chá festivo. — E trouxe Aleto também... que gentileza...
A mulher deu uma risadinha zangada.
— Então acha que suas gracinhas vão ajudá-lo no leito de morte? — zombou ela.
— Gracinhas? Não, não, são boas maneiras — respondeu Dumbledore.
— Liquide logo — disse o estranho parado mais próximo de Harry, um homem magro e comprido com espessos cabelos e costeletas grisalhos, cujas vestes negras de Comensal da Morte pareciam desconfortavelmente apertadas. Tinha uma voz que Harry jamais ouvira igual: um latido rouco. O garoto sentiu nele um forte cheiro de terra, suor e, sem dúvida, sangue. Suas mãos imundas tinham longas unhas amarelas.
— É você, Lobo? — perguntou Dumbledore.
— Acertou — respondeu o outro, rouco. — Feliz em me ver, Dumbledore?
— Não, não posso dizer que esteja...
Fenrir Lobo Greyback riu, mostrando dentes pontiagudos. Um filete de sangue escorria pelo seu queixo, e ele lambeu os lábios, lenta e obscenamente.
— Você sabe como gosto de criancinhas, Dumbledore.
— Devo entender que você agora anda atacando, mesmo fora da lua cheia? Que insólito... você criou um gosto por carne humana que não pode ser satisfeito uma vez por mês?
— Acertou — disse Greyback. — Choca você isto, não, Dumbledore? Assusta você?
— Bem, não posso fingir que não me desgoste um pouco. E, sim, estou um pouco chocado que o Draco, aqui, convidasse logo você a vir a uma escola onde seus amigos vivem...
— Não convidei — sussurrou Malfoy. Ele não estava olhando para Greyback; parecia nem querer olhar para o lobisomem. — Eu não sabia que ele vinha...
— Eu não iria querer perder uma viagem a Hogwarts, Dumbledore — respondeu roucamente o lobisomem. — Não quando há gargantas a estraçalhar... uma delícia, uma delícia...
E Lobo ergueu uma de suas unhas amarelas e palitou os dentes da frente, olhando, malicioso, para Dumbledore.
— Eu poderia estraçalhar você de sobremesa...
— Não — interrompeu-o o quarto Comensal da Morte rispidamente. Tinha uma cara sombria e bruta. — Temos as nossas ordens. Draco é quem tem de fazer isso. Agora, Draco, e rápido.
Malfoy demonstrava menos determinação que nunca. Parecia aterrorizado ao encarar o rosto de Dumbledore, agora ainda mais pálido e mais baixo do que o normal, porque deslizara bastante pela parede da ameia.
— Ele não vai demorar muito neste mundo, se quer saber! — comentou o homem do sorriso enviesado, acompanhado pelas risadinhas asmáticas da irmã. — Olhem só para ele, que aconteceu com você, Dumby?
— Ah, menor resistência, reflexos mais lentos, Amico — respondeu Dumbledore. — Em suma, velhice... um dia, talvez, lhe aconteça o mesmo... se você tiver sorte...
— Que está querendo dizer, que está querendo dizer? — berrou o Comensal da Morte, repentinamente violento. — Sempre o mesmo, não é, Dumby, fala, fala e não faz nada. Nem sei por que o Lorde das Trevas está se preocupando em matar você! Vamos, Draco, mate de uma vez!
Mas naquele momento ouviram-se de novo ruídos de luta lá embaixo, e uma voz gritou: “Eles bloquearam a escada... Reducto! REDUCTO!”
O coração de Harry deu um salto: então esses quatro não tinham eliminado toda a oposição, tinham apenas aberto caminho até o alto da Torre entre os grupos que lutavam, e, pelos ruídos, criado uma barreira às suas costas...
— Agora, Draco, rápido! — falou encolerizado o homem de cara brutal. Mas a mão de Malfoy tremia tanto, que ele mal conseguia fazer pontaria.
— Eu farei isso — rosnou Greyback, andando em direção a Dumbledore com as mãos estendidas e os dentes à mostra.
— Eu disse não! — berrou o homem de cara bruta; houve um lampejo, e o lobisomem foi afastado com violência; ele bateu nas ameias e cambaleou, enfurecido. O coração de Harry batia com tanta força que parecia impossível que ninguém o ouvisse parado ali, aprisionado pelo feitiço de Dumbledore... se ao menos pudesse se mexer, poderia lançar um feitiço por baixo da capa.
— Draco, mate-o ou se afaste, para um de nós... — guinchou a mulher, mas naquele exato momento a porta para as ameias se escancarou mais uma vez e surgiu Snape, de varinha na mão, seus olhos negros apreendendo a cena, de Dumbledore apoiado na parede aos quatro Comensais da Morte, incluindo o lobisomem enfurecido e Malfoy.
— Temos um problema, Snape — disse o corpulento Amico, cujos olhos e varinha estavam igualmente fixos em Dumbledore —, o menino não parece capaz...
Mas outra voz chamara Snape pelo nome, baixinho.
— Severo...
O som assustou Harry mais que qualquer coisa naquela noite. Pela primeira vez, Dumbledore estava suplicando.
Snape não respondeu, adiantou-se e tirou Malfoy do caminho com um empurrão. Os três Comensais da Morte recuaram calados. Até o lobisomem pareceu se encolher.
Snape fitou Dumbledore por um momento, e havia repugnância e ódio gravados nas linhas duras do seu rosto.
— Severo... por favor...
Snape ergueu a varinha e apontou diretamente para Dumbledore.
— Avada Kedavra!
Um jorro de luz verde disparou da ponta de sua varinha e atingiu Dumbledore no meio no peito. O grito de horror de Harry jamais saiu; silencioso e paralisado, ele foi obrigado a presenciar Dumbledore explodir no ar: por uma fração de segundo, ele pareceu pairar suspenso sob a caveira brilhante e, em seguida, foi caindo lentamente de costas, como uma grande boneca de trapos, por cima das ameias, e desapareceu de vista.