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Unknown
junho 05, 2014
Capítulo 30
— Olá, Potter — disse Moody. — Então, entre.
Harry entrou. Já estivera uma vez no escritório de Dumbledore, era uma bela sala circular, coberta de retratos de diretores e diretoras que o antecederam em Hogwarts, os quais dormiam a sono solto, o peito arfando suavemente.
Cornélio Fudge estava em pé do lado da escrivaninha de Dumbledore, usando sua habitual capa listrada e segurando seu chapéu-coco verde-limão.
— Harry! — cumprimentou o ministro jovialmente, adiantando-se. — Como vai?
— Ótimo — mentiu Harry.
— Estávamos justamente falando da noite em que o Sr. Crouch apareceu nos terrenos da escola — disse Fudge. — Foi você quem o encontrou, não foi?
— Foi — confirmou Harry. Depois sentindo que não adiantava fingir que não escutara o que eles estavam dizendo, acrescentou: — Mas não vi Madame Máxime em lugar nenhum, e ela teria uma trabalheira para se esconder, não?
Dumbledore sorriu para Harry pelas costas de Fudge, com os olhos cintilantes.
— Bem, teria — respondeu Fudge constrangido —, íamos sair para dar uma volta pelos terrenos da escola, Harry, se você nos der licença... Quem sabe você volta às suas aulas...
— Eu queria falar com o senhor, professor — disse Harry depressa, olhando para Dumbledore, que lhe lançou um olhar breve e penetrante.
— Espere por mim aqui, Harry — disse. — Nosso exame da propriedade não vai demorar.
Os três passaram por ele em silêncio e fecharam a porta. Mais ou menos um minuto depois, Harry ouviu o toque-toque da perna de pau de Moody desaparecendo no corredor embaixo. Olhou para os lados.
— Alô, Fawkes — cumprimentou ele.
Fawkes, a fênix de Dumbledore estava parada em seu poleiro de ouro ao lado da porta. Do tamanho de um cisne, uma magnífica plumagem vermelha e dourada, a ave balançou sua longa cauda e piscou bondosamente para Harry.
Harry se sentou em uma cadeira diante da escrivaninha de Dumbledore.
Durante vários minutos, ficou sentado contemplando os velhos diretores e diretoras cochilando em seus quadros, pensando no que acabara de ouvir e acariciando a cicatriz. Parara de doer agora.
O garoto se sentia muito mais calmo agora que se achava no escritório de Dumbledore, pois em breve estaria lhe contando seu sonho. Harry ergueu os olhos para as paredes atrás da escrivaninha. O Chapéu Seletor, remendado e esfiapado, estava pousado em uma prateleira. Ao seu lado, uma redoma protegia uma magnífica espada de prata, com o punho cravejado de grandes rubis, em que Harry reconheceu a que ele próprio tirara do Chapéu Seletor no segundo ano. A espada pertencera outrora a Godrico Gryffindor, fundador da Casa de Harry. Ele a examinava, lembrando como a espada viera em seu auxílio em um momento em que pensara que não havia mais esperanças, quando notou uma malha de luz prateada que dançava e refulgia sobre a redoma. Ele procurou a fonte da luz e viu uma nesga de luz branco-prateada que saía de um armário escuro às suas costas, cuja porta não fora bem fechada. Harry hesitou, olhou para Fawkes, depois se levantou, atravessou a sala e escancarou a porta do armário.
Havia ali uma bacia de pedra rasa, com entalhes estranhos na borda, runas e símbolos que Harry não reconheceu. A luz prateada vinha do conteúdo da bacia, que não lembrava nada que Harry tivesse visto antes. Ele não sabia dizer se a substância era líquida ou gasosa. Era brilhante, branco-prateada e se movia sem cessar; sua superfície se encapelava como água sob a ação do vento e, então, como uma nuvem, se dividia e girava lentamente. Parecia luz liquefeita — ou vento solidificado —, Harry não conseguia decidir.
Teve vontade de tocá-la, de descobrir como era ao tato, mas quase quatro anos de experiência no mundo da magia lhe diziam que meter a mão em uma bacia cheia de uma substância desconhecida era uma grande burrice. Ele, portanto, puxou a varinha de dentro das vestes, lançou um olhar nervoso pelo escritório, tornou a olhar para o conteúdo da bacia e tocou-a. A superfície da substância prateada dentro da bacia começou a girar muito depressa.
Harry se curvou mais para perto, enfiando a cabeça no armário. A substância prateada se tornara transparente, parecia vidro. Ele espiou dentro dela, esperando ver o fundo de pedra da bacia — mas, em vez disso, viu uma sala enorme sob a superfície da misteriosa substância, uma sala para a qual ele aparentemente espiava por uma janela circular no teto.
A sala era mal iluminada; o garoto achou que talvez fosse subterrânea, pois não havia janelas, apenas archotes presos às paredes como os que iluminavam Hogwarts.
Baixando o rosto de modo a ficar com o nariz a apenas dois centímetros da substância vítrea, Harry viu que havia filas e mais filas de bruxos e bruxas sentados ao redor das paredes no que lhe pareceram bancos escalonados. Uma cadeira vazia fora colocada bem no centro da sala. Alguma coisa nela produziu em Harry um mau pressentimento.
Havia correntes envolvendo seus braços, como se quem a ocupasse sempre estivesse preso a ela. Onde seria esse lugar? Certamente não era em Hogwarts, ele nunca vira uma sala igual àquela no castelo. Além do mais, as pessoas reunidas na misteriosa sala no fundo da bacia eram, em sua maioria, adultos e Harry sabia que não havia tantos professores assim em Hogwarts. E pareciam estar aguardando alguma coisa e, embora o garoto só pudesse ver a ponta dos seus chapéus cônicos, todos davam a impressão de estar olhando para o mesmo lado e ninguém falava com ninguém.
Uma vez que a bacia era redonda e a sala que ele observava, circular, Harry não conseguia divisar o que estaria acontecendo nos cantos. Ele se curvou para mais perto ainda, inclinou a cabeça, procurou enxergar...
A ponta do seu nariz tocou a estranha substância que ele estava mirando.
O escritório de Dumbledore deu um tremendo solavanco — Harry foi projetado para frente e mergulhou de cabeça na substância da bacia...
Mas a cabeça do garoto não bateu no fundo de pedra. Ele foi caindo por alguma coisa gelada e escura, era como se estivesse sendo sugado por um redemoinho negro...
E inesperadamente ele se viu sentado em um banco no fundo da sala dentro da bacia, um banco mais acima dos outros. Ergueu os olhos para o alto teto de pedra, esperando ver a janela circular pela qual estivera espiando, mas não havia nada lá exceto a pedra sólida e escura.
Respirando com força e depressa, Harry olhou ao seu redor. Nenhum dos bruxos nem bruxas na sala (e havia pelo menos uns duzentos) estava olhando para ele.
Nenhum deles parecia ter reparado que um garoto de catorze anos acabara de cair do teto no meio da reunião. Harry se virou para o bruxo mais próximo no banco e soltou um grito de surpresa que ecoou pela sala silenciosa. Sentara-se bem ao lado de Alvo Dumbledore.
— Professor! — exclamou Harry, numa espécie de sussurro estrangulado. — Sinto muito, não tive intenção, estava apenas olhando dentro da bacia no seu armário, eu... Onde estamos?
Mas Dumbledore não se mexeu nem falou. Ignorou Harry completamente.
Como os demais bruxos sentados nos bancos, o diretor tinha os olhos fixos no canto mais afastado da sala, onde havia uma porta.
Harry olhou, confuso, para Dumbledore, depois para os bruxos atentos e silenciosos, e tornou a olhar para Dumbledore. Então compreendeu...
Já tinha havido uma vez em que Harry se vira em um lugar em que ninguém podia velo ou ouvi-lo. Naquela ocasião, ele entrara nas páginas de um diário enfeitiçado, diretamente na memória de alguém... E, a não ser que estivesse muito enganado, alguma coisa assim estava acontecendo de novo...
Harry ergueu a mão direita, hesitou, depois agitou-a energicamente diante do rosto de Dumbledore. O diretor não piscou nem olhou para ele e tampouco se mexeu de modo algum. E isso, na opinião de Harry, resolvia a questão.
Dumbledore não o ignoraria daquela maneira. Ele estava dentro de uma lembrança e aquele não era o Dumbledore atual. Contudo, não poderia ter sido há muito tempo... O Dumbledore sentado ao seu lado tinha cabelos prateados, igualzinho ao Dumbledore dos dias de hoje.
Mas que lugar era este? Que é que todos aqueles bruxos estavam aguardando? Harry olhou para os lados mais detidamente. A sala, como ele suspeitara quando a observara do alto, era quase certamente subterrânea — mais uma masmorra do que uma sala, pensou o garoto. A atmosfera era desolada e hostil naquele lugar; não havia quadros nas paredes, nem decorações, apenas as filas de bancos, que subiam em níveis escalonados ao redor da sala, dispostos de maneira a proporcionar uma visão clara da cadeira com correntes nos braços.
Antes que Harry pudesse chegar a alguma conclusão sobre o lugar em que se encontravam, ele ouviu passos. A porta no canto da masmorra se abriu e três pessoas entraram — ou pelo menos um homem, ladeado por dois dementadores.
As entranhas de Harry gelaram. Os dementadores, altos, encapuzados, os rostos ocultos, deslizaram lentamente em direção à cadeira no centro da sala, cada um segurando um braço do homem com suas mãos de cadáver, de aspecto podre. O homem entre os dois parecia prestes a desmaiar e Harry não poderia culpá-lo... Sabia que os dementadores não poderiam tocá-lo dentro de uma lembrança, mas se lembrava muito bem do poder que tinham. Os bruxos se encolheram ligeiramente quando os dementadores sentaram o homem na cadeira com correntes e deslizaram para fora da sala. A porta se fechou ao passarem.
Harry olhou para o homem que agora estava sentado na cadeira e viu que era Karkaroff. Ao contrário de Dumbledore, Karkaroff parecia muito mais novo, seus cabelos e barba eram negros. Não estava vestido com peles elegantes, mas com vestes ralas e esfarrapadas. Tremia. Bem na hora em que Harry o observava, as correntes nos braços da cadeira produziram um reflexo dourado e se enroscaram pelos seus braços, prendendo-os ali.
— Igor Karkaroff — disse uma voz ríspida à esquerda de Harry. O garoto olhou e viu o Sr. Crouch se levantar no meio do banco ao lado. Seus cabelos eram escuros, seu rosto muito menos enrugado, ele parecia em boa forma e lúcido. — Você foi trazido de Azkaban para prestar depoimento ao Ministério da Magia. Você nos deu a entender que tem importantes informações para nos dar.
Karkaroff se endireitou o melhor que pôde, firmemente preso à cadeira.
— Tenho, sim senhor — respondeu ele e embora sua voz soasse muito temerosa, Harry pôde perceber o quê de untuosidade que tão bem conhecia. — Quero ser útil ao Ministério. Quero ajudar. Sei que o Ministério está tentando prender os últimos seguidores do Lord das Trevas. Estou ansioso para cooperar de todas as maneiras que puder...
Um murmúrio percorreu os bancos. Alguns bruxos e bruxas examinaram Karkaroff com interesse, outros com acentuada desconfiança. Então Harry ouviu, muito claramente, do outro lado de Dumbledore, uma voz rosnada e familiar exclamar "Gentalha".
Harry se curvou à frente para poder ver além de Dumbledore. Olho-Tonto Moody estava sentado ali — embora houvesse uma nítida diferença em sua aparência.
Ele não tinha um olho mágico, mas dois normais. Ambos fixavam Karkaroff e ambos estavam apertados revelando intenso desagrado.
— Crouch vai soltá-lo — murmurou Moody baixinho a Dumbledore. — Fez um trato com ele. Levei seis meses para caçá-lo e Crouch vai soltá-lo se ele tiver um número suficiente de nomes novos. Vamos ouvir suas informações, digo eu, e atirá-lo de volta aos braços dos dementadores.
Dumbledore fez um barulhinho de discordância pelo nariz longo e torto.
— Ah, eu ia me esquecendo... você não gosta de dementadores, não é mesmo, Alvo? — disse Moody com um sorriso sardônico.
— Não — respondeu Dumbledore calmamente. — Receio que não. Há muito tempo venho achando que o Ministério faz mal em se aliar a essas criaturas.
— Mas para uma gentalha dessas... — disse Moody baixinho.
— Você diz que tem nomes para nos informar, Karkaroff — recomeçou o Sr. Crouch. — Por favor, queremos ouvi-los.
— O senhor deve compreender — disse Karkaroff na mesma hora — que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado sempre operou no maior sigilo... Ele preferia que nós, quero dizer, seus seguidores, e me arrependo agora, profundamente, de ter-me incluído entre eles...
— Ande logo com isso — disse Moody com desdém.
—... Nunca soubemos os nomes de todos os seus seguidores, somente ele sabia exatamente quem éramos...
— O que era uma atitude sensata, não é, pois impedia que alguém como você, Karkaroff, entregasse todos — murmurou Moody.
— Contudo, você diz que tem alguns nomes para nos informar? — disse o Sr. Crouch.
— Tenho... Tenho — respondeu Karkaroff sem fôlego. — E note que eram seguidores importantes. Gente que eu vi com os meus próprios olhos cumprindo as ordens dele. Presto estas informações como prova de minha total renúncia a ele, e de que estou tão roído de remorsos que mal...
— Os nomes são? — tornou o Sr. Crouch com rispidez.
Karkaroff inspirou profundamente.
— Antônio Dolohov. Vi-o torturar inúmeros trouxas e... Não seguidores do Lord das Trevas.
— E ajudou-o a fazer isso — murmurou Moody.
— Já prendemos Dolohov — disse Crouch. — Foi capturado pouco depois de você.
— Verdade? — admirou-se Karkaroff arregalando os olhos. — Fico... Fico satisfeito em saber!
Mas não parecia nada satisfeito. Harry percebeu que a notícia fora um verdadeiro golpe para ele. Esse nome era, portanto, inútil.
— Mais algum? — perguntou Crouch friamente.
— É claro que sim... Havia Rosier — acrescentou Karkaroff depressa. — Evan Rosier.
— Rosier está morto. Foi capturado pouco depois de você, também. Preferiu lutar do que aceitar a prisão, e foi morto ao resistir.
— Mas levou um pedaço de mim com ele — sussurrou Moody, à direita de Harry. O garoto virou mais uma vez a cabeça para olhá-lo e viu que ele apontava o pedaço que lhe faltava no nariz para Dumbledore.
— Era... Era o que Rosier merecia! — disse Karkaroff, agora com uma perceptível nota de pânico na voz. Harry percebeu que ele estava começando a se preocupar que nenhuma de suas informações tivesse utilidade para o Ministério.
Os olhos de Karkaroff correram para a porta no canto, atrás da qual sem dúvida os dementadores continuavam parados à espera.
— Mais algum? — perguntou Crouch.
— Sim! Havia o Travers, ele ajudou a assassinar os McKinnons! Mulciber, era especialista na Maldição Imperius, forçou inúmeras pessoas a fazerem coisas horrendas! Rookwood, que era espião e passava Àquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado informações úteis de dentro do Ministério!
Harry percebeu que, desta vez, Karkaroff encontrara ouro. Todos os bruxos presentes começaram a murmurar ao mesmo tempo.
— Rookwood? — disse o Sr. Crouch à bruxa que estava sentada à sua frente e que começou a tomar notas em um pergaminho. — Augusto Rookwood do Departamento de Mistérios?
— Esse mesmo — confirmou Karkaroff pressuroso. — Creio que ele usava uma rede de bruxos bem colocados, tanto dentro quanto fora do Ministério, para colher informações...
— Mas Travers e Mulciber nós já prendemos. Muito bem Karkaroff, se são só esses, você será reconduzido a Azkaban enquanto decidimos...
— Ainda não! — gritou Karkaroff, parecendo bastante desesperado. — Espere, tenho mais!
Harry observou que ele suava à luz dos archotes, sua pele branca contrastava fortemente com o negro dos cabelos e da barba.
— Snape! — exclamou ele. — Severo Snape!
— Snape já foi inocentado por este conselho — disse Crouch friamente. — Dumbledore testemunhou em favor dele.
— Não! — gritou Karkaroff, forçando as correntes que o prendiam à cadeira. — Garanto ao senhor! Severo Snape é um Comensal da Morte!
Dumbledore se erguera.
— Eu já prestei depoimento sobre esse caso — disse calmamente. — Severo Snape foi de fato um Comensal da Morte. Porém, voltou para o nosso lado antes da queda de Lord Voldemort e virou nosso espião, se expondo a grande perigo. Hoje ele é tãoComensal da Morte quanto eu.
Harry se virou para olhar Olho-Tonto Moody. Revelava no rosto uma expressão de profundo ceticismo, por trás de Dumbledore.
— Muito bem, Karkaroff — disse Crouch friamente —, você ajudou. Vou rever o seu caso. Entrementes voltará para Azkaban...
A voz do Sr. Crouch foi morrendo. Harry olhou para os lados, a masmorra estava desaparecendo gradualmente como se fosse feita de fumaça, tudo estava desaparecendo, ele só conseguia ver o próprio corpo, todo o resto era um redemoinho de escuridão...
Então, a masmorra reapareceu. Harry estava sentado em outro lugar; ainda no banco mais alto, mas agora à esquerda do Sr. Crouch. A atmosfera parecia bem diferente, descontraída, quase animada. As bruxas e bruxos ao redor conversavam entre si, quase como se estivessem assistindo a um evento esportivo. Uma bruxa no meio dos bancos defronte a Harry chamou a atenção do garoto. Tinha cabelos louros e curtos, usava vestes magenta, e chupava a ponta de uma pena verde-ácido. Era, inconfundivelmente, uma Rita Skeeter mais moça.
Harry olhou para os lados, Dumbledore estava outra vez sentado ao seu lado, usando outras vestes. O Sr. Crouch parecia mais cansado, mais feroz, mais descarnado... O garoto compreendeu. Era uma lembrança diferente, um dia diferente... Um julgamento diferente.
A porta ao canto se abriu e Ludo Bagman entrou na sala. Não era, porém, um Ludo Bagman envelhecido, mas um Ludo Bagman que visivelmente se achava no auge de sua forma de jogador de Quadribol. Seu nariz não estava quebrado, ele era alto, magro e musculoso. Bagman parecia nervoso quando se sentou na cadeira com as correntes, mas elas não o prenderam, como haviam feito com Karkaroff, e Bagman, talvez animado por isso, correu os olhos pelos bruxos reunidos, acenou para alguns e até deu um sorrisinho.
— Ludo Bagman, você foi trazido perante o Conselho das Leis da Magia para responder às acusações relacionadas com as atividades dos Comensais da Morte — disse o Sr. Crouch. — Já ouvimos as provas contra você e estamos prestes a alcançar um veredicto. Você tem algo mais a acrescentar ao seu depoimento antes de lavrarmos a sentença?
Harry não conseguiu acreditar no que estava ouvindo. Ludo Bagman, um Comensal da Morte?
— Apenas que — respondeu o bruxo, sorrindo sem graça —, bem, sei que estive agindo como um idiota...
Uns espectadores nos bancos sorriram com indulgência. O Sr. Crouch não parecia compartir esse sentimento. Encarou Ludo Bagman com uma expressão de grande severidade e desagrado.
— Você nunca disse nada mais verdadeiro, moleque — murmurou alguém secamente a Dumbledore, atrás de Harry. Ele virou a cabeça e viu Moody sentado ali de novo. — Se eu não soubesse que ele sempre foi débil, eu diria que alguns balaços devem ter afetado permanentemente o cérebro dele...
— Ludovico Bagman, você foi apanhado passando informações aos seguidores de Lord Voldemort — disse o Sr. Crouch. — Por isso, proponho que cumpra sentença de prisão em Azkaban com uma duração mínima de...
Ouviram-se protestos zangados para todos os lados. Vários bruxos e bruxas se levantaram, balançando a cabeça e até mesmo erguendo os punhos contra o Sr. Crouch.
— Mas eu já declarei que não fazia idéia! — disse Bagman com veemência, sobrepondo-se à balbúrdia vinda dos bancos, arregalando seus redondos olhos azuis.
— Nenhuma! O velho Rookwood era amigo do meu pai... Jamais me passou pela cabeça que ele estivesse com Você-Sabe-Quem! Pensei que estava colhendo informações para o nosso lado! E Rookwood falava o tempo todo em me arranjar um emprego no Ministério mais tarde... Quando terminassem meus dias de Quadribol, sabem... Quero dizer, não podia ficar levando balaços o resto da vida, podia?
Ouviram-se risinhos nervosos entre os presentes.
— Vou levar isso à votação — disse o Sr. Crouch friamente. E, virando-se para o lado direito da masmorra. — Jurados, por favor, ergam a mão... Os que forem a favor da prisão...
Harry olhou para a direita da masmorra. Ninguém levantou a mão. Muitos bruxos e bruxas nos bancos começaram a bater palmas. Uma das bruxas no júri se levantou.
— Pois não? — ladrou Crouch.
— Gostaríamos de cumprimentar o Sr. Bagman por seu esplêndido desempenho no jogo de Quadribol da Inglaterra contra a Turquia no sábado passado — disse a bruxa ofegante.
O Sr. Crouch fez uma cara furiosa. A masmorra agora ressoava de aplausos. Bagman se levantou e fez uma reverência, sorrindo.
— Desprezível — vociferou o Sr. Crouch para Dumbledore, sentando-se na hora em que Bagman saía da masmorra. — Rookwood ia lhe arranjar um emprego, francamente... O dia que Ludo Bagman se juntar a nós será um dia muito triste para o Ministério...
E a masmorra tornou a se dissolver. Quando reapareceu, Harry olhou para os lados. Ele e Dumbledore continuavam sentados ao lado do Sr. Crouch, mas a atmosfera não poderia ser mais diferente. Havia um silêncio absoluto, interrompido apenas pelos soluços de uma bruxa miudinha ao lado do Sr. Crouch. Apertava um lenço contra a boca com as mãos trêmulas. Harry ergueu os olhos para Crouch e viu que ele parecia mais descarnado e grisalho que nunca. Um nervo tremia em sua têmpora.
— Pode trazê-los — disse, e sua voz ecoou pela masmorra silenciosa.
A porta no canto abriu-se mais uma vez. E desta vez, entraram seis dementadores, ladeando um grupo de quatro pessoas. Harry viu os bruxos presentes erguerem os olhos para o Sr. Crouch. Alguns cochicharam entre si.
Os dementadores sentaram cada uma das quatro pessoas nas quatro cadeiras de braços com correntes agora no centro da masmorra. Havia um homem corpulento que fixava Crouch com o olhar parado, outro mais magro e mais nervoso, cujos olhos percorriam ligeiros a assembléia, uma mulher, com cabelos espessos e brilhantes e olhos grandes e semicerrados, sentada à cadeira como se esta fosse um trono e um rapaz adolescente, que parecia no mínimo petrificado. Ele tremia, tinha os cabelos cor de palha espalhados pelo rosto, a pele sardenta e branca como o leite. A bruxa miudinha ao lado de Crouch começou a se balançar para frente e para trás no banco, abafando o choro com um lenço.
Crouch se levantou. Olhou para os quatro prisioneiros e havia ódio absoluto em seu rosto.
— Vocês foram trazidos aqui perante o Conselho das Leis da Magia — disse ele com clareza — para serem julgados por um crime tão hediondo...
— Pai — disse o rapaz de cabelos cor de palha. — Pai... Por favor...
—... De que raramente se ouviu falar neste tribunal — disse Crouch, alteando a voz, abafando as palavras do filho. — Ouvimos as provas contra vocês. E vocês foram acusados de capturar o auror, Frank Longbottom, e de submetê-lo à Maldição Cruciatus, acreditando que ele tivesse conhecimento do paradeiro atual do seu amo exilado, Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado...
— Pai, eu não fiz isso! — gritou o rapaz acorrentado à cadeira. — Eu não fiz isso, pai, não me mande de volta aos dementadores...
— Vocês são ainda acusados — berrou o Sr. Crouch — de usar a Maldição Cruciatuscontra a mulher de Frank Longbottom, quando ele se recusou a dar informações. Vocês planejaram reconduzir Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado ao poder e de retomar a vida de violência que presumivelmente levavam quando ele detinha o poder. Agora peço aos jurados...
— Mãe! — gritou o rapaz, e a bruxa miudinha ao lado de Crouch começou a soluçar, se balançando para frente e para trás. — Mãe, faça ele parar, mãe, eu não fiz isso, não fui eu!
— Eu agora peço aos jurados — gritou o Sr. Crouch — que levantem as mãos se acreditarem, como eu, que estes crimes merecem uma sentença de prisão perpétua em Azkaban.
Unânimes, as bruxas e bruxos do lado direito da masmorra ergueram as mãos. A assembléia ao redor começou a aplaudir como fizera no julgamento de Bagman, seus rostos expressavam selvagem triunfo. O rapaz começou a gritar.
— Não! Mãe, não! Eu não fiz isso, eu não fiz isso, eu não sabia! Não me mande para lá, não deixe o pai me mandar!
Os dementadores voltaram a deslizar pela sala. Os três companheiros do rapaz se levantaram silenciosamente das cadeiras, a mulher de olhos grandes e semicerrados olhou para Crouch e gritou:
— O Lord das Trevas voltará a se erguer, Crouch! Joguem-nos em Azkaban, nós esperaremos! Ele se reerguerá e virá nos buscar e nos recompensará mais que aos seus outros seguidores! Somente nós permanecemos fiéis! Somente nós tentamos encontrá-lo.
Mas o rapaz procurava se desvencilhar dos dementadores, embora Harry percebesse que o desumano poder de sugar energia daquelas criaturas começava a afetá-lo. Os bruxos presentes riam e caçoavam, alguns de pé, enquanto a mulher saía majestosamente da masmorra e o rapaz continuava a se debater.
— Sou seu filho! — berrava ele para Crouch. — Sou seu filho!
— Você não é meu filho! — berrou o Sr. Crouch, os olhos saltando subitamente das órbitas. — Não tenho filho!
A bruxa miudinha ao lado de Crouch ficou sem ar e desabou na cadeira. Desmaiara, o marido pareceu não ter notado.
— Levem-nos embora! — berrou para os dementadores, o cuspe saltando de sua boca. — Levem-nos embora, que eles apodreçam lá!
— Pai, eu não estava envolvido! Não! Não! Pai, por favor!
— Acho, Harry, que já é hora de voltar ao meu escritório — disse baixinho uma voz ao ouvido do garoto. Ele se assustou. Olhou para um lado. Depois para o outro.
Havia um Alvo Dumbledore sentado à sua direita, observando o filho de Crouch sair arrastado pelos dementadores — e havia um Alvo Dumbledore à sua esquerda, olhando bem para ele.
— Venha — disse o Dumbledore à sua esquerda, segurando o cotovelo de Harry. O garoto sentiu que o erguiam no ar, a masmorra desapareceu à sua volta; por um momento tudo ficou escuro, então teve a impressão de que estava dando uma cambalhota em câmara lenta e, repentinamente caiu de pé, no que concluiu ser a claridade ofuscante do escritório do diretor. A bacia de pedra tremeluzia no armário à sua frente e Alvo Dumbledore estava parado ao seu lado.
— Professor — exclamou Harry —, eu sei que eu não devia ter... Não tive intenção, a porta do armário estava entreaberta e...
— Eu compreendo — disse Dumbledore. E erguendo a bacia, levou-a até a escrivaninha, pousou-a sobre sua superfície reluzente e se sentou na cadeira à escrivaninha. Fez sinal ao garoto para que se sentasse defronte dele.
Harry obedeceu, com os olhos postos na bacia de pedra. O conteúdo voltara ao seu estado original branco-prateado girando e ondulando ao seu olhar.
— Que é isso? — perguntou Harry trêmulo.
— Isso? Chama-se Penseira, às vezes eu acho, e tenho certeza de que você conhece a sensação, que simplesmente há pensamentos e lembranças demais enchendo minha cabeça.
— Hum — fez Harry, que não podia realmente dizer que já tivesse sentido nada igual.
— Nessas ocasiões — continuou Dumbledore indicando a bacia de pedra — uso aPenseira. Escôo o excesso de pensamentos da mente, despejo-os na bacia e examino-os com calma. Assim fica mais fácil identificar padrões e ligações, compreende, quando estão sob esta forma.
— O senhor quer dizer... Que isso aí são os seus pensamentos? — disse Harry, olhando a substância branca que redemoinhava na bacia.
— Sem dúvida. Deixe-me mostrar.
Dumbledore puxou a varinha de dentro das vestes e pousou sua ponta sobre seus cabelos prateados, próximos à têmpora. Quando afastou a varinha, os cabelos pareciam estar grudados nela, mas Harry viu que eram, na realidade, fios brilhantes da mesma substância estranha e branco-prateada que enchia a Penseira. Dumbledore acrescentou novos pensamentos à bacia, e Harry, espantado, viu seu próprio rosto boiando na superfície da substância.
Dumbledore colocou suas longas mãos dos lados da Penseira e sacudiu-a, como faria um garimpeiro à procura de pepitas de ouro... E o garoto viu o próprio rosto se transformar suavemente no de Snape, que abriu a boca, e falou para o teto, fazendo sua voz ecoar levemente: Está voltando... A de Karkaroff também... Mais clara e forte que nunca...
— Uma ligação que eu teria feito sem ajuda de ninguém — suspirou Dumbledore —, mas não faz mal. — Por cima dos seus oclinhos de meia-lua, ele mirou Harry, que acompanhou boquiaberto o rosto de Snape girar continuamente na bacia. — Eu estava usando a Penseira quando o Sr. Fudge chegou para a reunião e guardei-a apressado. Com certeza não fechei o armário direito. É natural que ela tenha atraído sua atenção.
— Me desculpe — murmurou Harry.
Dumbledore balançou a cabeça.
— A curiosidade não é um pecado — disse ele. — Mas devemos ser cautelosos com a nossa curiosidade... Sem dúvida...
Enrugando ligeiramente a testa, o diretor tornou a empurrar seus pensamentos para dentro da bacia com a ponta da varinha. Instantaneamente, emergiu dela um vulto, uma menina gordinha de cara mal-humorada de uns dezesseis anos, que começou a girar lentamente, com os pés ainda na bacia. Ela não prestou a menor atenção a Harry nem ao Professor Dumbledore. Quando falou, sua voz ecoou como fizera a de Snape, como se viesse das profundezas da bacia de pedra: "Ele me azarou, Professor Dumbledore, e eu só estava brincando, só disse que o tinha visto beijando Florência atrás das estufas na quinta-feira passada...”
— Mas por que, Berta — disse Dumbledore tristemente, fitando a menina que agora girava silenciosamente —, por que você teve que segui-lo, para começar?
— Berta? — sussurrou Harry, olhando para a garota. — Ela é... Era a Berta Jorkins?
— Era — disse Dumbledore mais uma vez revolvendo os pensamentos na bacia, Berta voltou a afundar neles, e tudo se tornou mais uma vez prateado e opaco. — É a Berta como me lembro dela na escola.
A claridade prateada da Penseira iluminou o rosto de Dumbledore e ocorreu a Harry, repentinamente, que o diretor parecia velhíssimo. Ele sabia, era claro, que Dumbledore estava envelhecendo, mas por alguma razão nunca pensara no diretor como um velho.
— Então, Harry — disse Dumbledore baixinho. — Antes de se perder nos meus pensamentos, você queria me contar alguma coisa.
— Verdade. Professor, eu estava na aula de Adivinhação agorinha e... Hum... Cochilei.
Ele hesitou neste ponto, imaginando se iria levar uma bronca, mas Dumbledore apenas disse:
— Muito compreensível. Continue.
— Bem, eu tive um sonho. Um sonho com Lord Voldemort. Ele estava torturando Rabicho... O senhor sabe quem é Rabicho...
— Sei — disse Dumbledore, prontamente. — Por favor, continue.
— Voldemort recebeu uma carta levada por uma coruja. E falou uma coisa mais ou menos assim: que o erro de Rabicho tinha sido reparado. Falou que alguém estava morto. Depois falou que ia atirar Rabicho para servir de comida à cobra, tinha uma cobra ao lado da poltrona dele. Falou também que em vez do Rabicho, ele ia jogar a mim. Depois lançou a Maldição Cruciatus em Rabicho, e a minha cicatriz doeu. Doeu tanto que me acordou.
Dumbledore apenas fitou Harry.
— Hum, foi só isso — disse Harry.
— Entendo — disse Dumbledore em voz baixa. — Agora, a sua cicatriz já doeu alguma outra vez este ano, além daquela em que o acordou durante as férias de verão?
— Não, eu... Como foi que o senhor soube que ela me acordou no verão? — perguntou Harry espantado.
— Você não é o único que se corresponde com Sirius — disse Dumbledore. — Também tenho estado em contato com ele desde que fugiu de Hogwarts no ano passado. Fui eu quem sugeriu a caverna na encosta da montanha como o lugar mais seguro para ele se esconder.
Dumbledore se levantou e começou a andar para cima e para baixo atrás da escrivaninha. De vez em quando, levava a varinha à têmpora, retirava mais um pensamento prateado e o acrescentava à Penseira. Os pensamentos dentro dela começaram a girar tão rápido que Harry não conseguia distinguir nada muito claramente, apenas um borrão de cor.
— Professor? — disse Harry baixinho, depois de uns minutos.
Dumbledore parou de andar e encarou Harry.
— Perdão — disse ele em voz baixa. E tornou a se sentar em sua cadeira.
— Professor, o senhor sabe por que minha cicatriz dói?
O diretor fitou Harry com muita atenção por um momento, depois disse:
— Eu tenho uma teoria, não é nada mais que isso... Acredito que a sua cicatriz dói quando Lord Voldemort anda por perto ou quando tem um assomo particularmente intenso de ódio.
— Mas... Por quê?
— Porque você e ele estão ligados pelo feitiço que falhou. Isto não é uma cicatriz comum.
— Então o senhor acha... Esse sonho... Ele realmente aconteceu?
— É possível. Eu diria, provavelmente, Harry, você viu Voldemort?
— Não — respondeu Harry. — Somente as costas da poltrona dele. Mas... Não haveria muita coisa que ver, haveria? Quero dizer, ele não tem corpo, tem? Mas... Mas por outro lado como é que ele poderia ter segurado a varinha? — disse Harry lentamente.
— Como, não é mesmo? — murmurou o diretor. — Como mesmo...
Nem Dumbledore nem Harry falaram por algum tempo. O diretor tinha o olhar perdido no outro lado da sala, de vez em quando apoiava a ponta da varinha na têmpora e acrescentava mais um pensamento de prata refulgente à massa que fervilhava naPenseira.
— Professor — disse Harry finalmente —, o senhor acha que ele está ficando mais forte?
— Voldemort? — indagou ele, olhando para o garoto por cima da Penseira.
Era o olhar penetrante e característico que Dumbledore já lhe dera em outras ocasiões, e sempre fizera o garoto ter a sensação de que o diretor estava enxergando através dele, de uma maneira que nem o olho mágico de Moody seria capaz.
— Mais uma vez, Harry, só posso expressar suspeitas. — Dumbledore suspirou outra vez e seu rosto pareceu mais velho e mais cansado que nunca. — A ascensão de Voldemort ao poder — disse ele — foi marcada por desaparições. Berta Jorkins desapareceu sem deixar vestígio no lugar em que se sabe que Voldemort esteve por último. O Sr. Crouch, também, desapareceu... Aqui nos terrenos da escola. E houve uma terceira desaparição, uma que o Ministério, lamento dizer, não considera ser importante, porque diz respeito a um trouxa. O nome dele era Franco Bryce, vivia na aldeia em que o pai de Voldemort se criou, e os habitantes do lugar não o vêem desde agosto. Como vê, leio os jornais dos trouxas, ao contrário da maioria dos meus amigos do Ministério.
Dumbledore encarou Harry muito sério.
— Essas desaparições me parecem estar interligadas. O Ministério discorda, como você deve ter ouvido, enquanto esperava do lado de fora do meu escritório.
Harry confirmou com a cabeça. Fez-se novo silêncio entre os dois, Dumbledore extraindo pensamentos de quando em quando. Harry achou que estava na hora de ir, mas sua curiosidade o segurava sentado.
— Professor? — falou ele outra vez.
— Sim, Harry?
— Hum... Será que eu posso perguntar ao senhor sobre... Aquela cena do tribunal em que eu estive na... Penseira?
— Pode — disse Dumbledore com um peso no coração. — Estive presente muitas vezes, mas alguns julgamentos voltam à lembrança mais claramente que outros... Particularmente agora...
— O senhor sabe, o senhor sabe o julgamento em que me encontrou? O do filho de Crouch? Bem... Era dos pais de Neville que eles estavam falando?
Dumbledore lançou um olhar muito sagaz a Harry.
— Neville nunca lhe contou por que foi criado pela avó?
Harry balançou a cabeça, imaginando ao mesmo tempo, porque jamais perguntara isso a Neville em quase quatro anos de conhecimento.
— Era, estavam falando dos pais de Neville. O pai, Frank, era auror como o Professor Moody. Ele e a mulher foram torturados para darem informações sobre o paradeiro de Voldemort depois que ele perdeu os poderes, conforme você ouviu.
— Então estão mortos? — perguntou Harry baixinho.
— Não — disse Dumbledore, a voz cheia de uma amargura que Harry nunca ouvira nele antes —, enlouqueceram. Os dois estão no Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Creio que Neville os visita, com a avó, durante as férias. Os pais não o reconhecem.
Harry ficou sentado ali, horrorizado. Nunca soubera... Nunca, em quatro anos, se preocupara em descobrir...
— Os Longbottom eram um casal muito querido — disse Dumbledore. — Os ataques a eles começaram depois da queda de Voldemort, quando todos pensavam que estavam a salvo. Os ataques causaram uma onda de fúria nunca vista. O Ministério ficou sob grande pressão para capturar quem tinha feito aquilo. Infelizmente, o depoimento dos Longbottom não foi, dada a condição em que estavam, nada confiável.
— Então, talvez o filho do Sr. Crouch não estivesse envolvido? — perguntou Harry lentamente.
Dumbledore balançou a cabeça.
— Quanto a isso não faço idéia.
Harry ficou em silêncio mais uma vez, observando o conteúdo da Penseiraredemoinhar. Havia mais duas perguntas que estava em cócegas para fazer... Mas diziam respeito à culpa de gente viva...
— Hum — começou ele —, o Sr. Bagman...
—... Nunca mais foi acusado de nenhuma atividade maligna deste então — disse Dumbledore calmamente.
— Certo — apressou-se Harry a dizer, fitando novamente o conteúdo da Penseira, que girava mais lentamente agora que Dumbledore parara de lhe acrescentar pensamentos. — E... Hum...
Mas a Penseira parecia estar fazendo a pergunta por ele. O rosto de Snape apareceu novamente flutuando à superfície. Dumbledore olhou para dentro da bacia e depois ergueu os olhos para Harry.
— Tampouco o Professor Snape — disse.
Harry fitou os olhos azul-claros de Dumbledore e a coisa que realmente queria saber escapou de sua boca antes que ele pudesse se refrear.
— Que foi que levou o senhor a pensar que ele realmente parou de apoiar Voldemort, professor?
Dumbledore sustentou o olhar de Harry por alguns segundos e então disse:
— Isto, Harry, é um assunto entre mim e o Professor Snape.
Harry percebeu que a entrevista terminara; Dumbledore não parecia zangado, contudo havia um tom conclusivo em sua voz que informou ao garoto que era hora de se retirar. Ele se levantou e o diretor também.
— Harry — disse ele, quando o garoto chegou à porta. — Por favor, não comente sobre os pais de Neville com mais ninguém. Ele tem o direito de informar às pessoas quando estiver preparado para isso.
— Sim senhor, professor — disse Harry virando-se para ir embora.
— E...
Harry virou a cabeça para trás.
Dumbledore estava parado diante da Penseira, seu rosto iluminado pelos pontos de luz prateada, parecendo mais velho que nunca. O diretor fitou Harry por um momento e em seguida disse:
— Boa sorte na terceira tarefa.
Harry entrou. Já estivera uma vez no escritório de Dumbledore, era uma bela sala circular, coberta de retratos de diretores e diretoras que o antecederam em Hogwarts, os quais dormiam a sono solto, o peito arfando suavemente.
Cornélio Fudge estava em pé do lado da escrivaninha de Dumbledore, usando sua habitual capa listrada e segurando seu chapéu-coco verde-limão.
— Harry! — cumprimentou o ministro jovialmente, adiantando-se. — Como vai?
— Ótimo — mentiu Harry.
— Estávamos justamente falando da noite em que o Sr. Crouch apareceu nos terrenos da escola — disse Fudge. — Foi você quem o encontrou, não foi?
— Foi — confirmou Harry. Depois sentindo que não adiantava fingir que não escutara o que eles estavam dizendo, acrescentou: — Mas não vi Madame Máxime em lugar nenhum, e ela teria uma trabalheira para se esconder, não?
Dumbledore sorriu para Harry pelas costas de Fudge, com os olhos cintilantes.
— Bem, teria — respondeu Fudge constrangido —, íamos sair para dar uma volta pelos terrenos da escola, Harry, se você nos der licença... Quem sabe você volta às suas aulas...
— Eu queria falar com o senhor, professor — disse Harry depressa, olhando para Dumbledore, que lhe lançou um olhar breve e penetrante.
— Espere por mim aqui, Harry — disse. — Nosso exame da propriedade não vai demorar.
Os três passaram por ele em silêncio e fecharam a porta. Mais ou menos um minuto depois, Harry ouviu o toque-toque da perna de pau de Moody desaparecendo no corredor embaixo. Olhou para os lados.
— Alô, Fawkes — cumprimentou ele.
Fawkes, a fênix de Dumbledore estava parada em seu poleiro de ouro ao lado da porta. Do tamanho de um cisne, uma magnífica plumagem vermelha e dourada, a ave balançou sua longa cauda e piscou bondosamente para Harry.
Harry se sentou em uma cadeira diante da escrivaninha de Dumbledore.
Durante vários minutos, ficou sentado contemplando os velhos diretores e diretoras cochilando em seus quadros, pensando no que acabara de ouvir e acariciando a cicatriz. Parara de doer agora.
O garoto se sentia muito mais calmo agora que se achava no escritório de Dumbledore, pois em breve estaria lhe contando seu sonho. Harry ergueu os olhos para as paredes atrás da escrivaninha. O Chapéu Seletor, remendado e esfiapado, estava pousado em uma prateleira. Ao seu lado, uma redoma protegia uma magnífica espada de prata, com o punho cravejado de grandes rubis, em que Harry reconheceu a que ele próprio tirara do Chapéu Seletor no segundo ano. A espada pertencera outrora a Godrico Gryffindor, fundador da Casa de Harry. Ele a examinava, lembrando como a espada viera em seu auxílio em um momento em que pensara que não havia mais esperanças, quando notou uma malha de luz prateada que dançava e refulgia sobre a redoma. Ele procurou a fonte da luz e viu uma nesga de luz branco-prateada que saía de um armário escuro às suas costas, cuja porta não fora bem fechada. Harry hesitou, olhou para Fawkes, depois se levantou, atravessou a sala e escancarou a porta do armário.
Havia ali uma bacia de pedra rasa, com entalhes estranhos na borda, runas e símbolos que Harry não reconheceu. A luz prateada vinha do conteúdo da bacia, que não lembrava nada que Harry tivesse visto antes. Ele não sabia dizer se a substância era líquida ou gasosa. Era brilhante, branco-prateada e se movia sem cessar; sua superfície se encapelava como água sob a ação do vento e, então, como uma nuvem, se dividia e girava lentamente. Parecia luz liquefeita — ou vento solidificado —, Harry não conseguia decidir.
Teve vontade de tocá-la, de descobrir como era ao tato, mas quase quatro anos de experiência no mundo da magia lhe diziam que meter a mão em uma bacia cheia de uma substância desconhecida era uma grande burrice. Ele, portanto, puxou a varinha de dentro das vestes, lançou um olhar nervoso pelo escritório, tornou a olhar para o conteúdo da bacia e tocou-a. A superfície da substância prateada dentro da bacia começou a girar muito depressa.
Harry se curvou mais para perto, enfiando a cabeça no armário. A substância prateada se tornara transparente, parecia vidro. Ele espiou dentro dela, esperando ver o fundo de pedra da bacia — mas, em vez disso, viu uma sala enorme sob a superfície da misteriosa substância, uma sala para a qual ele aparentemente espiava por uma janela circular no teto.
A sala era mal iluminada; o garoto achou que talvez fosse subterrânea, pois não havia janelas, apenas archotes presos às paredes como os que iluminavam Hogwarts.
Baixando o rosto de modo a ficar com o nariz a apenas dois centímetros da substância vítrea, Harry viu que havia filas e mais filas de bruxos e bruxas sentados ao redor das paredes no que lhe pareceram bancos escalonados. Uma cadeira vazia fora colocada bem no centro da sala. Alguma coisa nela produziu em Harry um mau pressentimento.
Havia correntes envolvendo seus braços, como se quem a ocupasse sempre estivesse preso a ela. Onde seria esse lugar? Certamente não era em Hogwarts, ele nunca vira uma sala igual àquela no castelo. Além do mais, as pessoas reunidas na misteriosa sala no fundo da bacia eram, em sua maioria, adultos e Harry sabia que não havia tantos professores assim em Hogwarts. E pareciam estar aguardando alguma coisa e, embora o garoto só pudesse ver a ponta dos seus chapéus cônicos, todos davam a impressão de estar olhando para o mesmo lado e ninguém falava com ninguém.
Uma vez que a bacia era redonda e a sala que ele observava, circular, Harry não conseguia divisar o que estaria acontecendo nos cantos. Ele se curvou para mais perto ainda, inclinou a cabeça, procurou enxergar...
A ponta do seu nariz tocou a estranha substância que ele estava mirando.
O escritório de Dumbledore deu um tremendo solavanco — Harry foi projetado para frente e mergulhou de cabeça na substância da bacia...
Mas a cabeça do garoto não bateu no fundo de pedra. Ele foi caindo por alguma coisa gelada e escura, era como se estivesse sendo sugado por um redemoinho negro...
E inesperadamente ele se viu sentado em um banco no fundo da sala dentro da bacia, um banco mais acima dos outros. Ergueu os olhos para o alto teto de pedra, esperando ver a janela circular pela qual estivera espiando, mas não havia nada lá exceto a pedra sólida e escura.
Respirando com força e depressa, Harry olhou ao seu redor. Nenhum dos bruxos nem bruxas na sala (e havia pelo menos uns duzentos) estava olhando para ele.
Nenhum deles parecia ter reparado que um garoto de catorze anos acabara de cair do teto no meio da reunião. Harry se virou para o bruxo mais próximo no banco e soltou um grito de surpresa que ecoou pela sala silenciosa. Sentara-se bem ao lado de Alvo Dumbledore.
— Professor! — exclamou Harry, numa espécie de sussurro estrangulado. — Sinto muito, não tive intenção, estava apenas olhando dentro da bacia no seu armário, eu... Onde estamos?
Mas Dumbledore não se mexeu nem falou. Ignorou Harry completamente.
Como os demais bruxos sentados nos bancos, o diretor tinha os olhos fixos no canto mais afastado da sala, onde havia uma porta.
Harry olhou, confuso, para Dumbledore, depois para os bruxos atentos e silenciosos, e tornou a olhar para Dumbledore. Então compreendeu...
Já tinha havido uma vez em que Harry se vira em um lugar em que ninguém podia velo ou ouvi-lo. Naquela ocasião, ele entrara nas páginas de um diário enfeitiçado, diretamente na memória de alguém... E, a não ser que estivesse muito enganado, alguma coisa assim estava acontecendo de novo...
Harry ergueu a mão direita, hesitou, depois agitou-a energicamente diante do rosto de Dumbledore. O diretor não piscou nem olhou para ele e tampouco se mexeu de modo algum. E isso, na opinião de Harry, resolvia a questão.
Dumbledore não o ignoraria daquela maneira. Ele estava dentro de uma lembrança e aquele não era o Dumbledore atual. Contudo, não poderia ter sido há muito tempo... O Dumbledore sentado ao seu lado tinha cabelos prateados, igualzinho ao Dumbledore dos dias de hoje.
Mas que lugar era este? Que é que todos aqueles bruxos estavam aguardando? Harry olhou para os lados mais detidamente. A sala, como ele suspeitara quando a observara do alto, era quase certamente subterrânea — mais uma masmorra do que uma sala, pensou o garoto. A atmosfera era desolada e hostil naquele lugar; não havia quadros nas paredes, nem decorações, apenas as filas de bancos, que subiam em níveis escalonados ao redor da sala, dispostos de maneira a proporcionar uma visão clara da cadeira com correntes nos braços.
Antes que Harry pudesse chegar a alguma conclusão sobre o lugar em que se encontravam, ele ouviu passos. A porta no canto da masmorra se abriu e três pessoas entraram — ou pelo menos um homem, ladeado por dois dementadores.
As entranhas de Harry gelaram. Os dementadores, altos, encapuzados, os rostos ocultos, deslizaram lentamente em direção à cadeira no centro da sala, cada um segurando um braço do homem com suas mãos de cadáver, de aspecto podre. O homem entre os dois parecia prestes a desmaiar e Harry não poderia culpá-lo... Sabia que os dementadores não poderiam tocá-lo dentro de uma lembrança, mas se lembrava muito bem do poder que tinham. Os bruxos se encolheram ligeiramente quando os dementadores sentaram o homem na cadeira com correntes e deslizaram para fora da sala. A porta se fechou ao passarem.
Harry olhou para o homem que agora estava sentado na cadeira e viu que era Karkaroff. Ao contrário de Dumbledore, Karkaroff parecia muito mais novo, seus cabelos e barba eram negros. Não estava vestido com peles elegantes, mas com vestes ralas e esfarrapadas. Tremia. Bem na hora em que Harry o observava, as correntes nos braços da cadeira produziram um reflexo dourado e se enroscaram pelos seus braços, prendendo-os ali.
— Igor Karkaroff — disse uma voz ríspida à esquerda de Harry. O garoto olhou e viu o Sr. Crouch se levantar no meio do banco ao lado. Seus cabelos eram escuros, seu rosto muito menos enrugado, ele parecia em boa forma e lúcido. — Você foi trazido de Azkaban para prestar depoimento ao Ministério da Magia. Você nos deu a entender que tem importantes informações para nos dar.
Karkaroff se endireitou o melhor que pôde, firmemente preso à cadeira.
— Tenho, sim senhor — respondeu ele e embora sua voz soasse muito temerosa, Harry pôde perceber o quê de untuosidade que tão bem conhecia. — Quero ser útil ao Ministério. Quero ajudar. Sei que o Ministério está tentando prender os últimos seguidores do Lord das Trevas. Estou ansioso para cooperar de todas as maneiras que puder...
Um murmúrio percorreu os bancos. Alguns bruxos e bruxas examinaram Karkaroff com interesse, outros com acentuada desconfiança. Então Harry ouviu, muito claramente, do outro lado de Dumbledore, uma voz rosnada e familiar exclamar "Gentalha".
Harry se curvou à frente para poder ver além de Dumbledore. Olho-Tonto Moody estava sentado ali — embora houvesse uma nítida diferença em sua aparência.
Ele não tinha um olho mágico, mas dois normais. Ambos fixavam Karkaroff e ambos estavam apertados revelando intenso desagrado.
— Crouch vai soltá-lo — murmurou Moody baixinho a Dumbledore. — Fez um trato com ele. Levei seis meses para caçá-lo e Crouch vai soltá-lo se ele tiver um número suficiente de nomes novos. Vamos ouvir suas informações, digo eu, e atirá-lo de volta aos braços dos dementadores.
Dumbledore fez um barulhinho de discordância pelo nariz longo e torto.
— Ah, eu ia me esquecendo... você não gosta de dementadores, não é mesmo, Alvo? — disse Moody com um sorriso sardônico.
— Não — respondeu Dumbledore calmamente. — Receio que não. Há muito tempo venho achando que o Ministério faz mal em se aliar a essas criaturas.
— Mas para uma gentalha dessas... — disse Moody baixinho.
— Você diz que tem nomes para nos informar, Karkaroff — recomeçou o Sr. Crouch. — Por favor, queremos ouvi-los.
— O senhor deve compreender — disse Karkaroff na mesma hora — que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado sempre operou no maior sigilo... Ele preferia que nós, quero dizer, seus seguidores, e me arrependo agora, profundamente, de ter-me incluído entre eles...
— Ande logo com isso — disse Moody com desdém.
—... Nunca soubemos os nomes de todos os seus seguidores, somente ele sabia exatamente quem éramos...
— O que era uma atitude sensata, não é, pois impedia que alguém como você, Karkaroff, entregasse todos — murmurou Moody.
— Contudo, você diz que tem alguns nomes para nos informar? — disse o Sr. Crouch.
— Tenho... Tenho — respondeu Karkaroff sem fôlego. — E note que eram seguidores importantes. Gente que eu vi com os meus próprios olhos cumprindo as ordens dele. Presto estas informações como prova de minha total renúncia a ele, e de que estou tão roído de remorsos que mal...
— Os nomes são? — tornou o Sr. Crouch com rispidez.
Karkaroff inspirou profundamente.
— Antônio Dolohov. Vi-o torturar inúmeros trouxas e... Não seguidores do Lord das Trevas.
— E ajudou-o a fazer isso — murmurou Moody.
— Já prendemos Dolohov — disse Crouch. — Foi capturado pouco depois de você.
— Verdade? — admirou-se Karkaroff arregalando os olhos. — Fico... Fico satisfeito em saber!
Mas não parecia nada satisfeito. Harry percebeu que a notícia fora um verdadeiro golpe para ele. Esse nome era, portanto, inútil.
— Mais algum? — perguntou Crouch friamente.
— É claro que sim... Havia Rosier — acrescentou Karkaroff depressa. — Evan Rosier.
— Rosier está morto. Foi capturado pouco depois de você, também. Preferiu lutar do que aceitar a prisão, e foi morto ao resistir.
— Mas levou um pedaço de mim com ele — sussurrou Moody, à direita de Harry. O garoto virou mais uma vez a cabeça para olhá-lo e viu que ele apontava o pedaço que lhe faltava no nariz para Dumbledore.
— Era... Era o que Rosier merecia! — disse Karkaroff, agora com uma perceptível nota de pânico na voz. Harry percebeu que ele estava começando a se preocupar que nenhuma de suas informações tivesse utilidade para o Ministério.
Os olhos de Karkaroff correram para a porta no canto, atrás da qual sem dúvida os dementadores continuavam parados à espera.
— Mais algum? — perguntou Crouch.
— Sim! Havia o Travers, ele ajudou a assassinar os McKinnons! Mulciber, era especialista na Maldição Imperius, forçou inúmeras pessoas a fazerem coisas horrendas! Rookwood, que era espião e passava Àquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado informações úteis de dentro do Ministério!
Harry percebeu que, desta vez, Karkaroff encontrara ouro. Todos os bruxos presentes começaram a murmurar ao mesmo tempo.
— Rookwood? — disse o Sr. Crouch à bruxa que estava sentada à sua frente e que começou a tomar notas em um pergaminho. — Augusto Rookwood do Departamento de Mistérios?
— Esse mesmo — confirmou Karkaroff pressuroso. — Creio que ele usava uma rede de bruxos bem colocados, tanto dentro quanto fora do Ministério, para colher informações...
— Mas Travers e Mulciber nós já prendemos. Muito bem Karkaroff, se são só esses, você será reconduzido a Azkaban enquanto decidimos...
— Ainda não! — gritou Karkaroff, parecendo bastante desesperado. — Espere, tenho mais!
Harry observou que ele suava à luz dos archotes, sua pele branca contrastava fortemente com o negro dos cabelos e da barba.
— Snape! — exclamou ele. — Severo Snape!
— Snape já foi inocentado por este conselho — disse Crouch friamente. — Dumbledore testemunhou em favor dele.
— Não! — gritou Karkaroff, forçando as correntes que o prendiam à cadeira. — Garanto ao senhor! Severo Snape é um Comensal da Morte!
Dumbledore se erguera.
— Eu já prestei depoimento sobre esse caso — disse calmamente. — Severo Snape foi de fato um Comensal da Morte. Porém, voltou para o nosso lado antes da queda de Lord Voldemort e virou nosso espião, se expondo a grande perigo. Hoje ele é tãoComensal da Morte quanto eu.
Harry se virou para olhar Olho-Tonto Moody. Revelava no rosto uma expressão de profundo ceticismo, por trás de Dumbledore.
— Muito bem, Karkaroff — disse Crouch friamente —, você ajudou. Vou rever o seu caso. Entrementes voltará para Azkaban...
A voz do Sr. Crouch foi morrendo. Harry olhou para os lados, a masmorra estava desaparecendo gradualmente como se fosse feita de fumaça, tudo estava desaparecendo, ele só conseguia ver o próprio corpo, todo o resto era um redemoinho de escuridão...
Então, a masmorra reapareceu. Harry estava sentado em outro lugar; ainda no banco mais alto, mas agora à esquerda do Sr. Crouch. A atmosfera parecia bem diferente, descontraída, quase animada. As bruxas e bruxos ao redor conversavam entre si, quase como se estivessem assistindo a um evento esportivo. Uma bruxa no meio dos bancos defronte a Harry chamou a atenção do garoto. Tinha cabelos louros e curtos, usava vestes magenta, e chupava a ponta de uma pena verde-ácido. Era, inconfundivelmente, uma Rita Skeeter mais moça.
Harry olhou para os lados, Dumbledore estava outra vez sentado ao seu lado, usando outras vestes. O Sr. Crouch parecia mais cansado, mais feroz, mais descarnado... O garoto compreendeu. Era uma lembrança diferente, um dia diferente... Um julgamento diferente.
A porta ao canto se abriu e Ludo Bagman entrou na sala. Não era, porém, um Ludo Bagman envelhecido, mas um Ludo Bagman que visivelmente se achava no auge de sua forma de jogador de Quadribol. Seu nariz não estava quebrado, ele era alto, magro e musculoso. Bagman parecia nervoso quando se sentou na cadeira com as correntes, mas elas não o prenderam, como haviam feito com Karkaroff, e Bagman, talvez animado por isso, correu os olhos pelos bruxos reunidos, acenou para alguns e até deu um sorrisinho.
— Ludo Bagman, você foi trazido perante o Conselho das Leis da Magia para responder às acusações relacionadas com as atividades dos Comensais da Morte — disse o Sr. Crouch. — Já ouvimos as provas contra você e estamos prestes a alcançar um veredicto. Você tem algo mais a acrescentar ao seu depoimento antes de lavrarmos a sentença?
Harry não conseguiu acreditar no que estava ouvindo. Ludo Bagman, um Comensal da Morte?
— Apenas que — respondeu o bruxo, sorrindo sem graça —, bem, sei que estive agindo como um idiota...
Uns espectadores nos bancos sorriram com indulgência. O Sr. Crouch não parecia compartir esse sentimento. Encarou Ludo Bagman com uma expressão de grande severidade e desagrado.
— Você nunca disse nada mais verdadeiro, moleque — murmurou alguém secamente a Dumbledore, atrás de Harry. Ele virou a cabeça e viu Moody sentado ali de novo. — Se eu não soubesse que ele sempre foi débil, eu diria que alguns balaços devem ter afetado permanentemente o cérebro dele...
— Ludovico Bagman, você foi apanhado passando informações aos seguidores de Lord Voldemort — disse o Sr. Crouch. — Por isso, proponho que cumpra sentença de prisão em Azkaban com uma duração mínima de...
Ouviram-se protestos zangados para todos os lados. Vários bruxos e bruxas se levantaram, balançando a cabeça e até mesmo erguendo os punhos contra o Sr. Crouch.
— Mas eu já declarei que não fazia idéia! — disse Bagman com veemência, sobrepondo-se à balbúrdia vinda dos bancos, arregalando seus redondos olhos azuis.
— Nenhuma! O velho Rookwood era amigo do meu pai... Jamais me passou pela cabeça que ele estivesse com Você-Sabe-Quem! Pensei que estava colhendo informações para o nosso lado! E Rookwood falava o tempo todo em me arranjar um emprego no Ministério mais tarde... Quando terminassem meus dias de Quadribol, sabem... Quero dizer, não podia ficar levando balaços o resto da vida, podia?
Ouviram-se risinhos nervosos entre os presentes.
— Vou levar isso à votação — disse o Sr. Crouch friamente. E, virando-se para o lado direito da masmorra. — Jurados, por favor, ergam a mão... Os que forem a favor da prisão...
Harry olhou para a direita da masmorra. Ninguém levantou a mão. Muitos bruxos e bruxas nos bancos começaram a bater palmas. Uma das bruxas no júri se levantou.
— Pois não? — ladrou Crouch.
— Gostaríamos de cumprimentar o Sr. Bagman por seu esplêndido desempenho no jogo de Quadribol da Inglaterra contra a Turquia no sábado passado — disse a bruxa ofegante.
O Sr. Crouch fez uma cara furiosa. A masmorra agora ressoava de aplausos. Bagman se levantou e fez uma reverência, sorrindo.
— Desprezível — vociferou o Sr. Crouch para Dumbledore, sentando-se na hora em que Bagman saía da masmorra. — Rookwood ia lhe arranjar um emprego, francamente... O dia que Ludo Bagman se juntar a nós será um dia muito triste para o Ministério...
E a masmorra tornou a se dissolver. Quando reapareceu, Harry olhou para os lados. Ele e Dumbledore continuavam sentados ao lado do Sr. Crouch, mas a atmosfera não poderia ser mais diferente. Havia um silêncio absoluto, interrompido apenas pelos soluços de uma bruxa miudinha ao lado do Sr. Crouch. Apertava um lenço contra a boca com as mãos trêmulas. Harry ergueu os olhos para Crouch e viu que ele parecia mais descarnado e grisalho que nunca. Um nervo tremia em sua têmpora.
— Pode trazê-los — disse, e sua voz ecoou pela masmorra silenciosa.
A porta no canto abriu-se mais uma vez. E desta vez, entraram seis dementadores, ladeando um grupo de quatro pessoas. Harry viu os bruxos presentes erguerem os olhos para o Sr. Crouch. Alguns cochicharam entre si.
Os dementadores sentaram cada uma das quatro pessoas nas quatro cadeiras de braços com correntes agora no centro da masmorra. Havia um homem corpulento que fixava Crouch com o olhar parado, outro mais magro e mais nervoso, cujos olhos percorriam ligeiros a assembléia, uma mulher, com cabelos espessos e brilhantes e olhos grandes e semicerrados, sentada à cadeira como se esta fosse um trono e um rapaz adolescente, que parecia no mínimo petrificado. Ele tremia, tinha os cabelos cor de palha espalhados pelo rosto, a pele sardenta e branca como o leite. A bruxa miudinha ao lado de Crouch começou a se balançar para frente e para trás no banco, abafando o choro com um lenço.
Crouch se levantou. Olhou para os quatro prisioneiros e havia ódio absoluto em seu rosto.
— Vocês foram trazidos aqui perante o Conselho das Leis da Magia — disse ele com clareza — para serem julgados por um crime tão hediondo...
— Pai — disse o rapaz de cabelos cor de palha. — Pai... Por favor...
—... De que raramente se ouviu falar neste tribunal — disse Crouch, alteando a voz, abafando as palavras do filho. — Ouvimos as provas contra vocês. E vocês foram acusados de capturar o auror, Frank Longbottom, e de submetê-lo à Maldição Cruciatus, acreditando que ele tivesse conhecimento do paradeiro atual do seu amo exilado, Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado...
— Pai, eu não fiz isso! — gritou o rapaz acorrentado à cadeira. — Eu não fiz isso, pai, não me mande de volta aos dementadores...
— Vocês são ainda acusados — berrou o Sr. Crouch — de usar a Maldição Cruciatuscontra a mulher de Frank Longbottom, quando ele se recusou a dar informações. Vocês planejaram reconduzir Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado ao poder e de retomar a vida de violência que presumivelmente levavam quando ele detinha o poder. Agora peço aos jurados...
— Mãe! — gritou o rapaz, e a bruxa miudinha ao lado de Crouch começou a soluçar, se balançando para frente e para trás. — Mãe, faça ele parar, mãe, eu não fiz isso, não fui eu!
— Eu agora peço aos jurados — gritou o Sr. Crouch — que levantem as mãos se acreditarem, como eu, que estes crimes merecem uma sentença de prisão perpétua em Azkaban.
Unânimes, as bruxas e bruxos do lado direito da masmorra ergueram as mãos. A assembléia ao redor começou a aplaudir como fizera no julgamento de Bagman, seus rostos expressavam selvagem triunfo. O rapaz começou a gritar.
— Não! Mãe, não! Eu não fiz isso, eu não fiz isso, eu não sabia! Não me mande para lá, não deixe o pai me mandar!
Os dementadores voltaram a deslizar pela sala. Os três companheiros do rapaz se levantaram silenciosamente das cadeiras, a mulher de olhos grandes e semicerrados olhou para Crouch e gritou:
— O Lord das Trevas voltará a se erguer, Crouch! Joguem-nos em Azkaban, nós esperaremos! Ele se reerguerá e virá nos buscar e nos recompensará mais que aos seus outros seguidores! Somente nós permanecemos fiéis! Somente nós tentamos encontrá-lo.
Mas o rapaz procurava se desvencilhar dos dementadores, embora Harry percebesse que o desumano poder de sugar energia daquelas criaturas começava a afetá-lo. Os bruxos presentes riam e caçoavam, alguns de pé, enquanto a mulher saía majestosamente da masmorra e o rapaz continuava a se debater.
— Sou seu filho! — berrava ele para Crouch. — Sou seu filho!
— Você não é meu filho! — berrou o Sr. Crouch, os olhos saltando subitamente das órbitas. — Não tenho filho!
A bruxa miudinha ao lado de Crouch ficou sem ar e desabou na cadeira. Desmaiara, o marido pareceu não ter notado.
— Levem-nos embora! — berrou para os dementadores, o cuspe saltando de sua boca. — Levem-nos embora, que eles apodreçam lá!
— Pai, eu não estava envolvido! Não! Não! Pai, por favor!
— Acho, Harry, que já é hora de voltar ao meu escritório — disse baixinho uma voz ao ouvido do garoto. Ele se assustou. Olhou para um lado. Depois para o outro.
Havia um Alvo Dumbledore sentado à sua direita, observando o filho de Crouch sair arrastado pelos dementadores — e havia um Alvo Dumbledore à sua esquerda, olhando bem para ele.
— Venha — disse o Dumbledore à sua esquerda, segurando o cotovelo de Harry. O garoto sentiu que o erguiam no ar, a masmorra desapareceu à sua volta; por um momento tudo ficou escuro, então teve a impressão de que estava dando uma cambalhota em câmara lenta e, repentinamente caiu de pé, no que concluiu ser a claridade ofuscante do escritório do diretor. A bacia de pedra tremeluzia no armário à sua frente e Alvo Dumbledore estava parado ao seu lado.
— Professor — exclamou Harry —, eu sei que eu não devia ter... Não tive intenção, a porta do armário estava entreaberta e...
— Eu compreendo — disse Dumbledore. E erguendo a bacia, levou-a até a escrivaninha, pousou-a sobre sua superfície reluzente e se sentou na cadeira à escrivaninha. Fez sinal ao garoto para que se sentasse defronte dele.
Harry obedeceu, com os olhos postos na bacia de pedra. O conteúdo voltara ao seu estado original branco-prateado girando e ondulando ao seu olhar.
— Que é isso? — perguntou Harry trêmulo.
— Isso? Chama-se Penseira, às vezes eu acho, e tenho certeza de que você conhece a sensação, que simplesmente há pensamentos e lembranças demais enchendo minha cabeça.
— Hum — fez Harry, que não podia realmente dizer que já tivesse sentido nada igual.
— Nessas ocasiões — continuou Dumbledore indicando a bacia de pedra — uso aPenseira. Escôo o excesso de pensamentos da mente, despejo-os na bacia e examino-os com calma. Assim fica mais fácil identificar padrões e ligações, compreende, quando estão sob esta forma.
— O senhor quer dizer... Que isso aí são os seus pensamentos? — disse Harry, olhando a substância branca que redemoinhava na bacia.
— Sem dúvida. Deixe-me mostrar.
Dumbledore puxou a varinha de dentro das vestes e pousou sua ponta sobre seus cabelos prateados, próximos à têmpora. Quando afastou a varinha, os cabelos pareciam estar grudados nela, mas Harry viu que eram, na realidade, fios brilhantes da mesma substância estranha e branco-prateada que enchia a Penseira. Dumbledore acrescentou novos pensamentos à bacia, e Harry, espantado, viu seu próprio rosto boiando na superfície da substância.
Dumbledore colocou suas longas mãos dos lados da Penseira e sacudiu-a, como faria um garimpeiro à procura de pepitas de ouro... E o garoto viu o próprio rosto se transformar suavemente no de Snape, que abriu a boca, e falou para o teto, fazendo sua voz ecoar levemente: Está voltando... A de Karkaroff também... Mais clara e forte que nunca...
— Uma ligação que eu teria feito sem ajuda de ninguém — suspirou Dumbledore —, mas não faz mal. — Por cima dos seus oclinhos de meia-lua, ele mirou Harry, que acompanhou boquiaberto o rosto de Snape girar continuamente na bacia. — Eu estava usando a Penseira quando o Sr. Fudge chegou para a reunião e guardei-a apressado. Com certeza não fechei o armário direito. É natural que ela tenha atraído sua atenção.
— Me desculpe — murmurou Harry.
Dumbledore balançou a cabeça.
— A curiosidade não é um pecado — disse ele. — Mas devemos ser cautelosos com a nossa curiosidade... Sem dúvida...
Enrugando ligeiramente a testa, o diretor tornou a empurrar seus pensamentos para dentro da bacia com a ponta da varinha. Instantaneamente, emergiu dela um vulto, uma menina gordinha de cara mal-humorada de uns dezesseis anos, que começou a girar lentamente, com os pés ainda na bacia. Ela não prestou a menor atenção a Harry nem ao Professor Dumbledore. Quando falou, sua voz ecoou como fizera a de Snape, como se viesse das profundezas da bacia de pedra: "Ele me azarou, Professor Dumbledore, e eu só estava brincando, só disse que o tinha visto beijando Florência atrás das estufas na quinta-feira passada...”
— Mas por que, Berta — disse Dumbledore tristemente, fitando a menina que agora girava silenciosamente —, por que você teve que segui-lo, para começar?
— Berta? — sussurrou Harry, olhando para a garota. — Ela é... Era a Berta Jorkins?
— Era — disse Dumbledore mais uma vez revolvendo os pensamentos na bacia, Berta voltou a afundar neles, e tudo se tornou mais uma vez prateado e opaco. — É a Berta como me lembro dela na escola.
A claridade prateada da Penseira iluminou o rosto de Dumbledore e ocorreu a Harry, repentinamente, que o diretor parecia velhíssimo. Ele sabia, era claro, que Dumbledore estava envelhecendo, mas por alguma razão nunca pensara no diretor como um velho.
— Então, Harry — disse Dumbledore baixinho. — Antes de se perder nos meus pensamentos, você queria me contar alguma coisa.
— Verdade. Professor, eu estava na aula de Adivinhação agorinha e... Hum... Cochilei.
Ele hesitou neste ponto, imaginando se iria levar uma bronca, mas Dumbledore apenas disse:
— Muito compreensível. Continue.
— Bem, eu tive um sonho. Um sonho com Lord Voldemort. Ele estava torturando Rabicho... O senhor sabe quem é Rabicho...
— Sei — disse Dumbledore, prontamente. — Por favor, continue.
— Voldemort recebeu uma carta levada por uma coruja. E falou uma coisa mais ou menos assim: que o erro de Rabicho tinha sido reparado. Falou que alguém estava morto. Depois falou que ia atirar Rabicho para servir de comida à cobra, tinha uma cobra ao lado da poltrona dele. Falou também que em vez do Rabicho, ele ia jogar a mim. Depois lançou a Maldição Cruciatus em Rabicho, e a minha cicatriz doeu. Doeu tanto que me acordou.
Dumbledore apenas fitou Harry.
— Hum, foi só isso — disse Harry.
— Entendo — disse Dumbledore em voz baixa. — Agora, a sua cicatriz já doeu alguma outra vez este ano, além daquela em que o acordou durante as férias de verão?
— Não, eu... Como foi que o senhor soube que ela me acordou no verão? — perguntou Harry espantado.
— Você não é o único que se corresponde com Sirius — disse Dumbledore. — Também tenho estado em contato com ele desde que fugiu de Hogwarts no ano passado. Fui eu quem sugeriu a caverna na encosta da montanha como o lugar mais seguro para ele se esconder.
Dumbledore se levantou e começou a andar para cima e para baixo atrás da escrivaninha. De vez em quando, levava a varinha à têmpora, retirava mais um pensamento prateado e o acrescentava à Penseira. Os pensamentos dentro dela começaram a girar tão rápido que Harry não conseguia distinguir nada muito claramente, apenas um borrão de cor.
— Professor? — disse Harry baixinho, depois de uns minutos.
Dumbledore parou de andar e encarou Harry.
— Perdão — disse ele em voz baixa. E tornou a se sentar em sua cadeira.
— Professor, o senhor sabe por que minha cicatriz dói?
O diretor fitou Harry com muita atenção por um momento, depois disse:
— Eu tenho uma teoria, não é nada mais que isso... Acredito que a sua cicatriz dói quando Lord Voldemort anda por perto ou quando tem um assomo particularmente intenso de ódio.
— Mas... Por quê?
— Porque você e ele estão ligados pelo feitiço que falhou. Isto não é uma cicatriz comum.
— Então o senhor acha... Esse sonho... Ele realmente aconteceu?
— É possível. Eu diria, provavelmente, Harry, você viu Voldemort?
— Não — respondeu Harry. — Somente as costas da poltrona dele. Mas... Não haveria muita coisa que ver, haveria? Quero dizer, ele não tem corpo, tem? Mas... Mas por outro lado como é que ele poderia ter segurado a varinha? — disse Harry lentamente.
— Como, não é mesmo? — murmurou o diretor. — Como mesmo...
Nem Dumbledore nem Harry falaram por algum tempo. O diretor tinha o olhar perdido no outro lado da sala, de vez em quando apoiava a ponta da varinha na têmpora e acrescentava mais um pensamento de prata refulgente à massa que fervilhava naPenseira.
— Professor — disse Harry finalmente —, o senhor acha que ele está ficando mais forte?
— Voldemort? — indagou ele, olhando para o garoto por cima da Penseira.
Era o olhar penetrante e característico que Dumbledore já lhe dera em outras ocasiões, e sempre fizera o garoto ter a sensação de que o diretor estava enxergando através dele, de uma maneira que nem o olho mágico de Moody seria capaz.
— Mais uma vez, Harry, só posso expressar suspeitas. — Dumbledore suspirou outra vez e seu rosto pareceu mais velho e mais cansado que nunca. — A ascensão de Voldemort ao poder — disse ele — foi marcada por desaparições. Berta Jorkins desapareceu sem deixar vestígio no lugar em que se sabe que Voldemort esteve por último. O Sr. Crouch, também, desapareceu... Aqui nos terrenos da escola. E houve uma terceira desaparição, uma que o Ministério, lamento dizer, não considera ser importante, porque diz respeito a um trouxa. O nome dele era Franco Bryce, vivia na aldeia em que o pai de Voldemort se criou, e os habitantes do lugar não o vêem desde agosto. Como vê, leio os jornais dos trouxas, ao contrário da maioria dos meus amigos do Ministério.
Dumbledore encarou Harry muito sério.
— Essas desaparições me parecem estar interligadas. O Ministério discorda, como você deve ter ouvido, enquanto esperava do lado de fora do meu escritório.
Harry confirmou com a cabeça. Fez-se novo silêncio entre os dois, Dumbledore extraindo pensamentos de quando em quando. Harry achou que estava na hora de ir, mas sua curiosidade o segurava sentado.
— Professor? — falou ele outra vez.
— Sim, Harry?
— Hum... Será que eu posso perguntar ao senhor sobre... Aquela cena do tribunal em que eu estive na... Penseira?
— Pode — disse Dumbledore com um peso no coração. — Estive presente muitas vezes, mas alguns julgamentos voltam à lembrança mais claramente que outros... Particularmente agora...
— O senhor sabe, o senhor sabe o julgamento em que me encontrou? O do filho de Crouch? Bem... Era dos pais de Neville que eles estavam falando?
Dumbledore lançou um olhar muito sagaz a Harry.
— Neville nunca lhe contou por que foi criado pela avó?
Harry balançou a cabeça, imaginando ao mesmo tempo, porque jamais perguntara isso a Neville em quase quatro anos de conhecimento.
— Era, estavam falando dos pais de Neville. O pai, Frank, era auror como o Professor Moody. Ele e a mulher foram torturados para darem informações sobre o paradeiro de Voldemort depois que ele perdeu os poderes, conforme você ouviu.
— Então estão mortos? — perguntou Harry baixinho.
— Não — disse Dumbledore, a voz cheia de uma amargura que Harry nunca ouvira nele antes —, enlouqueceram. Os dois estão no Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Creio que Neville os visita, com a avó, durante as férias. Os pais não o reconhecem.
Harry ficou sentado ali, horrorizado. Nunca soubera... Nunca, em quatro anos, se preocupara em descobrir...
— Os Longbottom eram um casal muito querido — disse Dumbledore. — Os ataques a eles começaram depois da queda de Voldemort, quando todos pensavam que estavam a salvo. Os ataques causaram uma onda de fúria nunca vista. O Ministério ficou sob grande pressão para capturar quem tinha feito aquilo. Infelizmente, o depoimento dos Longbottom não foi, dada a condição em que estavam, nada confiável.
— Então, talvez o filho do Sr. Crouch não estivesse envolvido? — perguntou Harry lentamente.
Dumbledore balançou a cabeça.
— Quanto a isso não faço idéia.
Harry ficou em silêncio mais uma vez, observando o conteúdo da Penseiraredemoinhar. Havia mais duas perguntas que estava em cócegas para fazer... Mas diziam respeito à culpa de gente viva...
— Hum — começou ele —, o Sr. Bagman...
—... Nunca mais foi acusado de nenhuma atividade maligna deste então — disse Dumbledore calmamente.
— Certo — apressou-se Harry a dizer, fitando novamente o conteúdo da Penseira, que girava mais lentamente agora que Dumbledore parara de lhe acrescentar pensamentos. — E... Hum...
Mas a Penseira parecia estar fazendo a pergunta por ele. O rosto de Snape apareceu novamente flutuando à superfície. Dumbledore olhou para dentro da bacia e depois ergueu os olhos para Harry.
— Tampouco o Professor Snape — disse.
Harry fitou os olhos azul-claros de Dumbledore e a coisa que realmente queria saber escapou de sua boca antes que ele pudesse se refrear.
— Que foi que levou o senhor a pensar que ele realmente parou de apoiar Voldemort, professor?
Dumbledore sustentou o olhar de Harry por alguns segundos e então disse:
— Isto, Harry, é um assunto entre mim e o Professor Snape.
Harry percebeu que a entrevista terminara; Dumbledore não parecia zangado, contudo havia um tom conclusivo em sua voz que informou ao garoto que era hora de se retirar. Ele se levantou e o diretor também.
— Harry — disse ele, quando o garoto chegou à porta. — Por favor, não comente sobre os pais de Neville com mais ninguém. Ele tem o direito de informar às pessoas quando estiver preparado para isso.
— Sim senhor, professor — disse Harry virando-se para ir embora.
— E...
Harry virou a cabeça para trás.
Dumbledore estava parado diante da Penseira, seu rosto iluminado pelos pontos de luz prateada, parecendo mais velho que nunca. O diretor fitou Harry por um momento e em seguida disse:
— Boa sorte na terceira tarefa.