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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 12
Harry tivesse sequer calçado as meias.
— Será que ele acha que vai pirar se ficar muito tempo comigo no mesmo quarto? — perguntou Harry em voz alta, quando a bainha das vestes de Simas desapareceu de vista.
— Não se preocupe, Harry — murmurou Dino, guindando a mochila aos ombros —, ele só está...
Mas aparentemente não foi capaz de dizer o que era que Simas estava, e, após uma ligeira pausa constrangida, acompanhou-o na saída do quarto.
Neville e Rony fizeram aquela cara de o problema-é-dele-e-não-nosso, para Harry, mas isto não o consolou. Quanto mais ele teria de suportar?
— Que foi que aconteceu? — perguntou Hermione cinco minutos depois, alcançando Harry e Rony, que atravessavam a sala comunal a caminho do café da manhã, como os demais. — Você está com uma cara absolutamente... Ah, pelo amor de Deus.
Ela acabara de olhar para o quadro de avisos da sala comunal, onde fora afixado um enorme aviso.
GALEÕES DE GALEÕES!
Sua mesada não está acompanhando suas saídas?
Gostaria de ganhar um extra?
Procure Fred e Jorge Weasley, sala comunal da Grifinória, para trabalhos simples, meio expediente e virtualmente indolores.
(Lamentamos informar que todo o trabalho será realizado por conta e risco do candidato.)
— Eles são o fim — disse Hermione séria, retirando o aviso que Fred e Jorge haviam pregado por cima do cartaz, informando a data do primeiro fim de semana em Hogsmeade em outubro. — Vamos ter de falar com eles, Rony.
Rony pareceu decididamente assustado.
— Por quê?
— Porque somos monitores! — respondeu Hermione, enquanto saíam pelo buraco do retrato. — É nossa obrigação acabar com esse tipo de coisa!
Rony não respondeu; Harry percebeu, por sua expressão contrariada, que a perspectiva de impedir Fred e Jorge de fazer exatamente o que gostavam não era uma coisa que o amigo achasse convidativa.
— Em todo o caso, que aconteceu, Harry? — continuou Hermione, enquanto desciam a escada com a coleção de retratos de velhos bruxos e bruxas, que não lhes deram a menor atenção, absortos que estavam nas próprias conversas. — Você parece realmente zangado com alguma coisa.
— Simas acha que Harry está mentindo sobre Você-Sabe-Quem — resumiu Rony, ao ver que Harry não respondia.
Hermione, de quem Harry esperara uma reação indignada em sua defesa, suspirou.
— É, a Lilá também acha isso — comentou tristonha.
— Andou batendo um papinho agradável com ela, em que o assunto foi se Harry é ou não um idiota em busca de atenção, foi? — perguntou o garoto em voz alta.
— Não — respondeu Hermione calmamente. — Na verdade eu disse a ela para parar de ficar falando bobagens sobre você. E seria bem simpático se você parasse de reagir furiosamente com a gente, Harry, porque, caso você não tenha reparado, Rony e eu estamos do seu lado.
Fez-se uma breve pausa.
— Desculpem — disse Harry em voz baixa.
— Tudo bem — respondeu Hermione com dignidade. Balançou então a cabeça: — Você não se lembra do que o Dumbledore disse na festa de encerramento do ano passado?
Harry e Rony, os dois, olharam-na sem entender, e Hermione tornou a suspirar.
— Sobre Você-Sabe-Quem. Ele disse que "o dom que ele tem de disseminar a discórdia e a inimizade é muito grande. E só podemos combatê-lo criando laços igualmente fortes de amizade e confiança..."
— Como é que você se lembra dessas coisas? — perguntou Rony, olhando a amiga com admiração.
— Eu presto atenção — respondeu ela, com uma ligeira rispidez.
— Eu também, mas ainda assim não conseguiria repetir exatamente o que...
— A questão — continuou Hermione em voz alta — é que isto é exatamente o tipo de coisa a que Dumbledore estava se referindo. Você-Sabe-Quem só voltou há dois meses e já estamos brigando entre nós. E o alerta do Chapéu Seletor foi o mesmo: fiquem juntos, fiquem unidos...
— E Harry entendeu certo ontem à noite — retorquiu Rony. — Se isto significa que teremos de ser amiguinhos do pessoal de Sonserina... pode esquecer.
— Bom, acho que é uma pena que a gente não esteja procurando se unir ao pessoal das outras casas — respondeu Hermione irritada.
Os três tinham chegado ao pé da escadaria de mármore. Uma fila de quartanistas da Corvinal ia atravessando o saguão; ao avistarem Harry, agruparam-se depressa, como se tivessem medo de que ele atacasse os retardatários.
— É, devíamos realmente estar tentando fazer amizade com gente como essa — disse Harry sarcasticamente.
Eles acompanharam os alunos da Corvinal que entravam no Salão Principal, e instintivamente olharam para a mesa dos professores. A Profª Grubbly-Plank conversava com a Proª Sinistra, de Astronomia, e Hagrid mais uma vez esteve conspícuo apenas por sua ausência. O teto encantado refletia o estado de ânimo de Harry: era um cinza-chuva deprimente.
— Dumbledore nem mencionou por quanto tempo aquela Grubbly-Plank vai ficar — comentou, ao se dirigirem à mesa da Grifinória.
— Talvez... — disse Hermione pensativa.
— Quê? — perguntaram Harry e Rony ao mesmo tempo.
— Bom... talvez ele não quisesse chamar atenção para o fato de Hagrid não estar aqui.
— Que é que você quer dizer com chamar atenção? — perguntou Rony, meio rindo. — Como é possível a gente não notar?
Antes que Hermione pudesse responder, uma garota alta e negra, com longos cabelos trançados, veio diretamente até Harry.
— Oi, Angelina.
— Oi — disse ela animada — boas férias? — E sem esperar resposta: — Escute, fui nomeada capitã da equipe de quadribol da Grifinória.
— Boa! — exclamou Harry, sorrindo para a garota; suspeitava que os papos antes dos jogos talvez não fossem mais tão longos quanto os de Olívio Wood costumavam ser, o que só poderia ser uma melhora.
— É, bem, precisamos de um novo goleiro agora que Olívio foi embora. Os testes vão ser na sexta-feira, às cinco horas, e eu gostaria que o time todo estivesse lá, está bem? Então veremos como o jogador novo vai se ajustar.
— O.k. — concordou Harry. Angelina sorriu para ele e se afastou.
— Eu tinha esquecido que Wood se formou — disse Hermione, distraída, quando se sentou ao lado de Rony e puxou um prato de torradas para perto.
— Suponho que isso vá fazer uma grande diferença para o time?
— Suponho que sim — concordou Harry, sentando no banco defronte. — Era um bom goleiro...
— Ainda assim, não vai ser ruim receber sangue novo, vai? — perguntou Rony.
Com um forte deslocamento de ar e ruídos de batidas, centenas de corujas entraram voando pelas janelas superiores. Desceram por todo o salão, trazendo cartas e pacotes para seus donos, e deixando cair uma verdadeira chuva de pingos sobre as pessoas que tomavam café; sem a menor dúvida estava chovendo pesado lá fora. De Edwiges nem sinal, mas Harry não se surpreendeu; seu único correspondente era Sirius, e ele duvidava que o padrinho tivesse alguma novidade para lhe contar apenas vinte e quatro horas depois de se separarem. Hermione, porém, teve de afastar depressa o seu suco de laranja para abrir espaço para uma enorme coruja-de-igreja molhada, que trazia um encharcado Profeta Diário no bico.
— Para que é que você ainda está recebendo isso? — perguntou Harry irritado, pensando em Simas, enquanto Hermione colocava um nuque na bolsinha de couro presa à perna da coruja que em seguida levantou vôo. — Eu não estou mais... é um monte de baboseiras.
— É melhor saber o que o inimigo está dizendo — respondeu Hermione sombriamente, e, desdobrando o jornal, desapareceu por trás dele, só reaparecendo quando Harry e Rony tinham terminado a refeição.
— Nada — disse simplesmente, enrolando o jornal e guardando-o ao lado do prato. — Nada sobre você nem Dumbledore nem nada.
A Profª McGonagall agora vinha passando pela mesa distribuindo os horários.
— Olhem só hoje! — gemeu Rony. — História da Magia, dois tempos de Poções, Adivinhação e dois tempos de Defesa Contra as Artes das Trevas... Binns, Snape, Trelawney e a tal Umbridge, tudo no mesmo dia! Gostaria que Fred e Jorge trabalhassem mais rápido para aprontar aqueles kits Mata-Aulas...
— Será que os meus ouvidos me enganam? — perguntou Fred, que vinha chegando com Jorge e se apertou no banco de Harry. — Com certeza os monitores de Hogwarts não desejam matar aulas!
— Olhe só o que temos hoje — disse Rony rabugento, metendo o horário embaixo do nariz de Fred. — É a pior segunda-feira que já vi na vida.
— Um argumento válido, maninho — disse Fred, examinando a coluna do dia.
— Posso lhe ceder um pouco de Nugá Sangra-Nariz baratinho, se quiser.
— Por que baratinho? — perguntou Rony desconfiado.
— Porque você não vai parar de sangrar até murchar inteiro, ainda não temos um antídoto — disse Jorge, servindo-se de um arenque.
— Obrigado — disse Rony, mal-humorado, guardando o horário no bolso —, mas acho que fico com as aulas.
— E por falar nos seus kits Mata-Aulas — disse Hermione encarando os gêmeos com um olhar penetrante – , vocês não podem pôr anúncios pedindo cobaias no quadro de avisos da Grifmória.
— Quem disse? — perguntou Jorge, espantado.
— Digo eu — respondeu Hermione. — E Rony.
— Me deixe fora disso — disse Rony na mesma hora. Hermione olhou feio para ele. Fred e Jorge deram risadinhas debochadas.
— Você vai mudar esse seu tom muito breve, Hermione — disse Fred, enchendo de manteiga um pãozinho de minuto. — Você vai começar o quinto ano, e não vai demorar muito para nos suplicar por um kit Mata-Aula.
— E por que começar o quinto ano significa que vou querer um kit Mata-Aula? — perguntou Hermione.
— O quinto ano é o ano dos exames para obter os Níveis Ordinários em Magia — disse Jorge.
— E daí?
— E daí que os seus exames vêm aí, não é? E os professores vão esfregar o nariz de vocês com tanta força naquela pedra de amolar que ele vai ficar em carne viva — disse Fred com satisfação.
— Metade da nossa turma teve probleminhas nervosos quando estavam se aproximando os exames — disse Jorge satisfeito. — Crises de choro e chiliques... Patrícia Stimpson não parava de desmaiar...
— O Ken Towler ficou cheio de furúnculos, lembra? — perguntou Fred, recordando.
— Mas foi porque você pôs pó de fura-frunco no pijama dele – retrucou Jorge.
— Ah, foi mesmo — disse Fred, rindo. — Tinha me esquecido... às vezes é difícil lembrar de tudo, não é?
— Em todo o caso, é um ano de pesadelo, o quinto — concluiu Jorge. — Pelo menos se você costuma se preocupar com os resultados de exames. Bem ou mal, Fred e eu conseguimos manter nosso moral.
— É... vocês conseguiram, quanto foi mesmo, três N.O.M.s cada um? — disse Rony.
— Foi — respondeu Fred, despreocupadamente. — Mas achamos que o nosso futuro não será no mundo das realizações acadêmicas.
— Debatemos seriamente se íamos nos dar ao trabalho de voltar e completar o sétimo ano — disse Jorge, animado —, agora que temos...
Calou-se a um olhar de Harry, que percebera que Jorge estava a ponto de mencionar o prêmio Tribruxo que ele dera aos gêmeos.
—... agora que conseguimos os nossos N.O.M.s — continuou Jorge, depressa.
— Quero dizer, será que realmente precisamos dos N.I.E.M.s? Mas achamos que mamãe não iria agüentar ver a gente abandonando a escola cedo, não depois de Percy ter virado o maior imbecil do mundo.
— Mas não vamos desperdiçar o nosso último ano aqui — disse Fred, correndo os olhos com carinho pelo Salão Principal. — Vamos usá-lo para pesquisar um pouco o mercado, descobrir exatamente o que o aluno médio de Hogwarts precisa comprar em uma loja de logros, avaliar cuidadosamente os resultados da nossa pesquisa, e então fabricar a mercadoria exata para atender à demanda.
— Mas onde é que vocês vão arranjar o ouro para abrir uma loja de logros? — perguntou Hermione, sem acreditar. — Vocês vão precisar de muitos ingredientes e materiais... e de um local também, suponho...
Harry não olhou para os gêmeos. Sentiu o rosto quente; intencionalmente, deixou cair o garfo no chão e mergulhou embaixo da mesa para apanhá-lo. Ouviu Fred dizer lá no alto:
— Não nos faça perguntas e não diremos mentiras, Hermione. Vamos, Jorge, se chegarmos cedo, talvez a gente consiga vender umas Orelhas Extensíveis antes da aula de Herbologia.
Harry saiu de baixo da mesa e viu Fred e Jorge se afastando, cada um levando uma pilha de torradas.
— Que foi que ele quis dizer com isso? — perguntou Hermione, olhando de Harry para Rony. — "Não nos faça perguntas..." Isso quer dizer que eles já têm algum ouro para começar a loja de logros?
— Sabe, eu tenho pensado nisso — disse Rony, com a testa enrugada. — Eles me compraram um conjunto de vestes a rigor este verão e não consegui entender onde arranjaram o dinheiro.
Harry resolveu que estava na hora de mudar o rumo da conversa para águas menos perigosas.
— Vocês acham que é verdade que o ano vai ser realmente duro? Por causa dos exames?
— Ah, vai — respondeu Rony. — Com certeza, não acham? Os N.O.M.s são muito importantes, afetam os empregos a que a gente vai poder se candidatar e tudo. Recebemos orientação profissional também, mais para o fim do ano, o Gui me contou. Assim a gente pode escolher os N.I.E.M.s que vai querer fazer no ano seguinte.
— Vocês sabem o que vão querer fazer quando terminarem Hogwarts? — perguntou Harry aos outros dois, quando deixavam o Salão Principal, pouco depois, para assistir à aula de História da Magia.
— Não tenho muita certeza — disse Rony lentamente. — Exceto que... bom... Ele pareceu ligeiramente encabulado.
— Quê? — insistiu Harry.
— Bom, seria legal ser auror — disse Rony, em tom displicente.
— Ah, isso seria — apoiou Harry, com fervor.
— Mas eles são, tipo, a elite — disse Rony. — É preciso ser realmente fera. E você, Mione?
— Não sei. Acho que gostaria de fazer alguma coisa que realmente valesse a pena.
— Ser auror vale a pena! — disse Harry.
— É, claro que vale, mas não é a única coisa que vale a pena — disse Hermione, pensativa —, quero dizer, se eu pudesse levar o FALE adiante...
Harry e Rony tomaram o cuidado de evitar se olhar.
A História da Magia era, por consenso, a disciplina mais chata que a bruxidade inventara. Binns, o professor fantasma, tinha uma voz asmática e monótona que era quase uma garantia de provocar grave sonolência em dez minutos, cinco em tempo de calor. Ele jamais variava a maneira de dar aulas, falava sem fazer uma única pausa, enquanto a turma anotava suas palavras, ou melhor, mirava sonolentamente o vazio. Harry e Rony até agora tinham conseguido passar raspando, copiando as anotações de Hermione antes dos exames; somente ela parecia capaz de resistir ao poder soporífico da voz de Binns.
Hoje, eles sofreram quarenta e cinco minutos de cantilena sobre as guerras dos gigantes. Harry ouviu o bastante em apenas dez minutos para perceber, mesmo vagamente, que nas mãos de outro professor o assunto poderia ter tido algum interesse, depois o seu cérebro se desligou, e ele passou os trinta e cinco minutos restantes jogando forca com Rony em um canto de pergaminho, enquanto Hermione lançava aos dois olhares de censura pelo canto do olho.
— E como seria — perguntou ela friamente, quando os três saíam da sala para o intervalo (Binns desaparecia através do quadro-negro) — se este ano eu me recusasse a emprestar as minhas anotações a vocês?
— Não passaríamos no N.O.M. Se você quiser ter isso pesando na sua consciência, Mione...
— Ora, seria bem merecido. Vocês nem ao menos tentam escutar o que ele diz, tentam?
— Tentamos — disse Rony. — Só que não temos o seu cérebro nem a sua memória nem a sua concentração... você é simplesmente mais inteligente do que nós... você acha bonito esfregar isso na cara da gente?
— Ah, não me venha com essa baboseira — disse Hermione, mas pareceu um pouco menos zangada quando saiu à frente deles para o pátio molhado.
Caía uma chuvinha fina e nevoenta, que fazia os contornos das pessoas paradas em grupos ao redor do pátio parecerem esfumados. Harry, Rony e Hermione escolheram um canto isolado sob uma sacada que pingava abundantemente, virando para cima as golas das vestes para se protegerem do ar gelado de setembro, enquanto conversavam sobre o dever que Snape pediria na primeira aula do ano. Tinham chegado a concordar que, muito provavelmente, seria algo de extrema dificuldade para apanhá-los desprevenidos ao fim de dois meses de férias, quando alguém entrou no pátio e veio na direção deles.
— Olá, Harry!
Era Cho Chang e, mais, vinha sozinha outra vez. Isto era muito incomum. Quase sempre Cho estava cercada por um bando de garotas risonhas; Harry se lembrou da agonia por que passara para encontrá-la sozinha e convidá-la para o Baile de Inverno.
— Oi — disse Harry, sentindo seu rosto esquentar. Pelo menos desta vez você não está coberto de seiva de escrofulária, disse a si mesmo. Cho parecia estar pensando mais ou menos a mesma coisa.
— Você conseguiu limpar aquela coisa, então?
— Claro — disse Harry, tentando sorrir, como se a lembrança do último encontro fosse engraçada e não mortificante. — Então, você teve... hum... as férias foram boas?
No momento em que disse isso ele desejou que não o tivesse dito — Cedrico era o namorado de Cho e a lembrança de sua morte devia ter afetado as férias dela tão fortemente quanto afetara as de Harry. Alguma coisa pareceu retesar em seu rosto, mas ela respondeu:
— Ah, foram bem, você sabe...
— Isso é um emblema dos Tornados? — perguntou Rony de repente, apontando para a frente das vestes de Cho, onde havia um emblema azul-celeste brasonado com um T duplo dourado. — Você não torce por eles, torce?
— Torço — respondeu Cho.
— Você sempre torceu por eles, ou só depois que começaram a ganhar destaque na divisão? — perguntou Rony, no que Harry considerou um tom desnecessariamente inquisitivo.
— Torço por eles desde que tinha seis anos de idade — respondeu Cho tranqüilamente. — Em todo o caso... a gente se vê, Harry.
Ela se afastou, e Hermione aguardou até Cho ter atravessado metade do pátio para brigar com Rony.
— Você não tem um pingo de sensibilidade!
— Quê? Eu só perguntei a ela se...
— Você não percebeu que ela queria falar com Harry sozinha?
— E daí? Podia ter falado, eu não estava impedindo...
— Droga, por que você estava atacando a garota por causa do time de quadribol?
— Atacando? Eu não estava atacando a Cho, estava só...
— Quem se importa se ela torce pelos Tornados?
— Ah, nem vem, metade das pessoas que a gente vê usando esses emblemas só os compraram na última temporada...
— E que diferença faz?
— Quer dizer que não são fãs de verdade, só estão aproveitando a onda...
— A sineta — disse Harry desanimado, porque Rony e Hermione estavam alterados demais para ouvi-la. Os dois não pararam de discutir durante todo o caminho para a masmorra de Snape, o que deu a Harry muito tempo para refletir que, entre Neville e Rony, ele teria muita sorte se um dia conseguisse conversar com Cho dois minutos, de que ele pudesse lembrar sem ter vontade de fugir do país.
E, no entanto, pensou, ao entrarem na fila que se formava do lado de fora da porta da sala de Snape, Cho tinha resolvido vir falar com ele, não tinha? Fora namorada de Cedrico; podia muito bem ter odiado Harry por sair vivo do labirinto do Tribruxo enquanto Cedrico morrera, ainda assim, estava falando com ele de maneira perfeitamente amigável e não como se o achasse doido, nem mentiroso nem responsável, de alguma maneira sinistra, pela morte do namorado... sim, sem a menor dúvida, ela resolvera vir falar com ele, e pela segunda vez em dois dias... e, com este pensamento, Harry começou a se animar. Até mesmo o som agourento da porta da masmorra de Snape rangendo ao abrir não estourou a bolhinha de esperança que parecia ter crescido em seu peito. Ele entrou na sala atrás de Rony e Mione, e os acompanhou à mesa de sempre, no fundo da sala, ignorando os ruídos ríspidos e irritados que ambos produziam.
— Quietos — disse Snape friamente, fechando a porta ao passar. Não havia real necessidade de dar essa ordem; no momento em que a turma ouviu a porta fechar, o silêncio se instalou e todo o bulício terminou. A mera presença de Snape era, em geral, suficiente para garantir o silêncio da classe.
— Antes de começarmos a aula de hoje — disse o professor, caminhando imponente até a escrivaninha e correndo os olhos pelos alunos —, acho oportuno lembrar a todos que em junho próximo prestarão um importante exame, no qual provarão o quanto aprenderam sobre a composição e o uso das poções mágicas. Por mais debilóides que sejam alguns alunos desta turma, eu espero que obtenham no mínimo um "Aceitável" no seu N.O.M., ou terão de enfrentar o meu... desagrado.
O seu olhar recaiu desta vez sobre Neville, que engoliu em seco.
— Quando terminar este ano, naturalmente, muitos de vocês deixarão de estudar comigo — continuou Snape. — Só aceito os melhores na minha turma de Poções preparatória para o N.I.E.M., o que significa que alguns de nós certamente vamos dizer adeus.
Seu olhar pousou em Harry e seu lábio se crispou. O garoto encarou-o de volta, sentindo um prazer sinistro em pensar que poderia desistir de Poções depois do quinto ano.
— Mas ainda teremos um ano antes do feliz momento das despedidas — disse Snape suavemente —, portanto, pretendam ou não tentar os exames dos N.I.E.M.s, aconselho a todos que se concentrem em obter a nota alta que sempre espero dos meus alunos de N.O.M.
"Hoje vamos aprender a misturar uma poção que sempre é pedida no exame dos Níveis Ordinários em Magia: a Poção da Paz, uma beberagem para acalmar a ansiedade e abrandar a agitação. Mas fiquem avisados: se pesarem muito a mão nos ingredientes, vão mergulhar quem a beber em um sono pesado e por vezes irreversível, por isso prestem muita atenção no que vão fazer."
A esquerda de Harry, Hermione sentou-se mais reta, com uma expressão de extrema atenção.
— Os ingredientes e o método — Snape fez um gesto rápido com a varinha — estão no quadro-negro — (eles apareceram ali) —, encontrarão tudo de que precisam — ele tornou a agitar a varinha — no armário do estoque — (a porta do armário mencionado se abriu) —, e vocês têm uma hora e meia... podem começar.
Exatamente como Harry, Rony e Hermione haviam previsto, Snape não poderia ter passado para os alunos uma poção mais difícil e demorada. Os ingredientes tinham de ser acrescentados ao caldeirão na ordem e quantidade precisas; a mistura tinha de ser mexida o número exato de vezes, primeiro no sentido horário, depois no anti-horário; o calor e as chamas em que a poção ia cozinhar tinham de ser reduzidos a um nível exato, por um número específico de minutos antes do último ingrediente ser adicionado.
— Um vapor claro e prateado deve se desprender da poção — avisou Snape — dez minutos antes de ficar pronta.
Harry, que suava profusamente, correu o olhar desesperado pela masmorra. Seu caldeirão estava liberando uma enorme quantidade de vapor cinza-escuro; o de Rony cuspia fagulhas verdes. Simas cutucava febrilmente as chamas na base do caldeirão com a ponta da varinha, pois elas pareciam estar se apagando. A superfície da poção de Hermione, no entanto, apresentava uma névoa prateada de vapor, e quando Snape passou por ela olhou do alto do seu narigão sem fazer comentários, o que significava que não conseguira encontrar nada a criticar. Junto ao caldeirão de Harry, porém, o professor parou, e olhou-o com um horrível sorriso de afetação no rosto.
— Potter, que é que você acha que isto é?
Os alunos da Sonserina sentados na frente da sala ergueram a cabeça, pressurosos: adoravam ouvir Snape implicar com Harry.
— A Poção da Paz — respondeu o garoto, tenso.
— Diga-me, Potter — perguntou Snape baixinho —, você sabe ler? Draco Malfoy deu uma risada.
— Sei, sim senhor — disse Harry, os dedos apertando a varinha.
— Leia a terceira linha das instruções para mim, Potter.
Harry apertou os olhos para ver o quadro-negro; não era fácil ler as instruções através da névoa de vapor multicolorido que agora enchia a masmorra.
— Acrescente a pedra da lua moída, mexa três vezes no sentido anti-horário, deixe cozinhar durante sete minutos, depois junte duas gotas de xarope de heléboro.
Seu ânimo despencou. Ele não juntara o heléboro, passara direto para a quarta linha das instruções, depois de cozinhar a poção durante sete minutos.
— Você fez tudo que estava na terceira linha, Potter?
— Não, senhor — respondeu Harry baixinho.
— Como disse?
— Não — repetiu o garoto mais alto. — Esqueci o heléboro.
— Eu sei que esqueceu, Potter, o que significa que essa porcaria não serve para nada.Evanesco!
O conteúdo do caldeirão de Harry desapareceu; ele ficou parado como um tolo ao lado do caldeirão vazio.
— Os alunos que conseguiram ler as instruções encham um frasco com uma amostra de sua poção, colem uma etiqueta com o seu nome escrito com clareza e tragam-no à minha escrivaninha para verificação — disse Snape. — Dever de casa: trinta centímetros de pergaminho sobre as propriedades da pedra da lua e seus usos no preparo de poções, a ser entregue na terça-feira.
Enquanto todos a sua volta enchiam os frascos, Harry guardou o que era seu, espumando de raiva. Sua poção não estava pior do que a de Rony, que agora exalava um cheiro horrível de ovo podre; ou a de Neville, que atingira a consistência de cimento recém-misturado, e agora ele tentava extrair do caldeirão; mas era apenas ele, Harry, que iria receber zero no trabalho do dia.
Ele guardou a varinha na mochila e se largou na carteira, observando os demais se dirigirem à escrivaninha de Snape com frascos cheios e arrolhados.
Quando finalmente a sineta tocou, Harry foi o primeiro a sair da masmorra, e já começara a almoçar quando Rony e Hermione vieram se juntar a ele no Salão Principal. O teto se transformara em um cinza ainda mais sujo durante a manhã. A chuva fustigava as janelas.
— Foi realmente injusto — disse Hermione, consolando-o e, sentando-se ao seu lado, serviu-se do empadão de batata com carne moída. — A sua poção estava quase tão ruim quanto a de Goyle; quando ele a despejou no frasco a coisa explodiu e incendiou as vestes dele.
— É, fazer o quê — disse Harry, olhando carrancudo para o prato —, desde quando Snape foi justo comigo?
Os outros não responderam; os três sabiam que a inimizade de Snape e Harry fora absoluta desde o momento em que o amigo pusera os pés em Hogwarts.
— Eu realmente pensei que talvez ele fosse melhorar um pouquinho este ano — disse Hermione, desapontada. — Quero dizer... sabe... — ela olhou para os lados cautelosamente; havia meia dúzia de lugares vazios de cada lado deles e ninguém passava pela mesa... — agora que ele está na Ordem e tudo.
— Cogumelos venenosos não mudam sua natureza — disse Rony sabiamente.
— Em todo o caso, eu sempre achei Dumbledore meio matusquela por confiar em Snape. Onde está a prova de que ele realmente parou de trabalhar para Você-Sabe-Quem?
— Acho que Dumbledore provavelmente tem muitas provas, mesmo que não as revele a você — retorquiu Hermione.
— Ah, calem a boca, vocês dois — disse Harry, rudemente, quando Rony abriu a boca para responder. Hermione e Rony congelaram, demonstrando estar zangados e ofendidos. — Será que não podem dar um tempo? Sempre brigando um com o outro, estão me enlouquecendo. — E, largando o empadão pela metade, atirou a mochila às costas e deixou os dois sentados ali.
Harry subiu dois degraus de cada vez da escadaria de mármore, passando pelos numerosos estudantes que corriam para almoçar. A raiva que acabara de extravasar tão inesperadamente ainda queimava dentro dele, e a visão dos rostos chocados de Rony e Hermione lhe proporcionou uma sensação de profunda satisfação. Bem feito para eles, pensou, será que não podem dar um descanso... brigam o tempo todo... é suficiente para fazer qualquer um subir pelas paredes...
Em um dos patamares, ele passou pelo grande retrato de Sir Cadogan; o cavalheiro desembainhou a espada e brandiu-a ferozmente contra Harry, que não lhe deu atenção.
— Volte aqui seu cão pestilento! Fique parado e lute! — berrou com a voz abafada pelo visor da armadura, mas Harry simplesmente continuou o seu caminho e, quando Sir Cadogan tentou segui-lo, correndo para o retrato do lado, foi repelido por seu dono, um cachorrão de cara feroz.
Harry passou o resto do intervalo para o almoço sentado sozinho sob o alçapão, no alto da Torre Norte. Em conseqüência disso, foi o primeiro a subir a escada prateada que levava à sala de aula de Sibila Trelawney, quando a sineta tocou.
Depois de Poções, Adivinhação era a aula de que Harry menos gostava, principalmente por causa do hábito que tinha a Profª Trelawney de predizer sua morte prematura com freqüência. Uma mulher magra, envolta em pesados xales e refulgente de colares, ela sempre lembrara a Harry uma espécie de inseto, cujos óculos ampliavam enormemente seus olhos. Estava atarefada, colocando exemplares de livros encadernados em couro, mas muito usados, sobre cada uma das mesinhas instáveis que atravancavam sua sala, quando Harry entrou. Porém, a luz refletida pelos abajures cobertos por lenços de seda e pelo fogo baixo e nauseante da lareira era tão fraca que a professora pareceu não ter notado a presença do garoto quando ele se sentou nas sombras. Os demais alunos foram chegando nos cinco minutos seguintes. Rony apareceu no alçapão, olhou atentamente a toda volta, localizou Harry e se encaminhou direto para ele, ou o mais diretamente que pôde, depois de contornar mesas, cadeiras e pufes repolhudos.
— Hermione e eu paramos de discutir — disse ele, sentando-se ao lado do amigo.
— Ótimo — resmungou Harry.
— Mas Hermione diz que acha que seria legal se você parasse de descontar sua raiva na gente.
— Eu não estou...
— Eu estou só transmitindo o recado — disse Rony, interrompendo-o. — Mas acho que ela tem razão. Não é nossa culpa o modo do Simas e do Snape tratarem você.
— Eu nunca disse isso...
— Bom-dia — saudou a Profª Trelawney, com a voz difusa e sonhadora de sempre, e Harry parou de falar, sentindo-se mais uma vez chateado e ligeiramente envergonhado. — E bom retorno à Adivinhação. Eu estive naturalmente acompanhando o destino de vocês com a maior atenção durante as férias, e estou felicíssima que todos tenham voltado a Hogwarts sãos e salvos, como, aliás, eu sabia que aconteceria.
— Vocês vão encontrar nas mesas à sua frente exemplares do Oráculo dos sonhos, da autoria de Inigo Imago. A interpretação dos sonhos é um meio dos mais importantes para adivinhar o futuro, e que por isso pode muito provavelmente ser exigido no seu N.O.M. Não que eu acredite, é claro, que ser aprovado ou não em um exame tenha a mais remota importância, quando tratamos da arte sagrada da adivinhação. Se a pessoa tem o Olho que Vê, os certificados e as séries concluídas não vêm ao caso. Contudo, o diretor gosta que vocês prestem exames, portanto...
A voz da professora foi baixando delicadamente, não deixando aos alunos a menor dúvida de que ela considerava a sua disciplina acima de detalhes sórdidos como exames.
— Abram, por favor, na Introdução, e leiam o que Imago tem a dizer sobre a interpretação de sonhos. Depois, quero que se dividam em pares e usem o Oráculo dos sonhos para interpretar os sonhos mais recentes um do outro. Comecem.
Uma coisa boa a dizer desta aula é que não durava dois tempos. Na altura em que todos terminaram de ler a introdução ao livro, restavam menos de dez minutos para a interpretação de sonhos. Na mesa ao lado da de Harry e Rony, Dino fizera par com Neville, que imediatamente embarcou em uma interminável explicação sobre um pesadelo que envolvia uma tesoura gigantesca usando o melhor chapéu de sua avó; Harry e Rony apenas se entreolharam sombriamente.
— Nunca me lembro dos meus sonhos — disse Rony. — Conta você.
— Você deve lembrar pelo menos um deles — disse Harry, impaciente.
Ele não ia dividir seus sonhos com ninguém. Sabia perfeitamente bem o que significava o pesadelo freqüente com um cemitério, e não precisava de Rony nem da Profª Trelawney, nem daquele livro idiota para lhe dizer.
— Bom, uma noite dessas eu sonhei que estava jogando quadribol — disse Rony, contraindo o rosto num esforço para se lembrar. — Que é que você acha que isso significa?
— Provavelmente que você vai ser devorado por um marshmallow gigante ou outra coisa assim — disse Harry, folheando as páginas do Oráculo dos sonhos, sem interesse. Era um trabalho muito sem graça procurar fragmentos de sonhos no Oráculo, e Harry não se sentiu mais animado quando a professora mandou preparar um diário com os sonhos de um mês, como dever de casa.
Quando a sineta tocou, ele e Rony foram os primeiros a descer pela escada, Rony resmungando em voz alta.
— Você já percebeu quanto dever de casa já temos? Binns mandou fazer um trabalho de quarenta e cinco centímetros sobre as guerras dos gigantes, Snape quer trinta centímetros sobre o uso das pedras da lua, e agora temos de fazer um diário de sonhos durante um mês para Trelawney! Fred e Jorge não estavam errados sobre o ano dos exames, sabe? É melhor aquela tal Umbridge não nos dar nada...
Quando os dois entraram na sala de aula de Defesa Contra as Artes das
Trevas, encontraram a Profª Umbridge já sentada à escrivaninha, usando o casaquinho peludo cor-de-rosa da noite anterior e o laço de veludo preto na cabeça. Novamente Harry se lembrou, sem querer, de um moscão encarrapitado insensatamente na cabeça de um sapo ainda maior.
A turma entrou na sala em silêncio; a Profª Umbridge era, até aquele momento, uma incógnita, e ninguém sabia se seria ou não adepta da disciplina rigorosa.
— Bom, boa-tarde! — disse ela finalmente, quando a turma inteira acabou de sentar.
Alguns alunos murmuraram "boa-tarde" em resposta.
— Tss-tss — muxoxou a professora. — Assim não vai dar, concordam? Eu gostaria que os senhores, por favor, respondessem: "Boa-tarde, Profª Umbridge." Mais uma vez, por favor. Boa-tarde, classe!
— Boa-tarde, Profª Umbridge — entoaram os alunos monotonamente.
— Agora sim — disse a professora com meiguice. — Não foi muito difícil, foi? Guardem as varinhas e apanhem as penas.
Muitos alunos trocaram olhares sombrios; nunca antes à ordem "guardem as varinhas" se seguira uma aula que eles achassem interessante. Harry enfiou a varinha de volta na mochila e apanhou pena, tinta e pergaminho. A Profª Umbridge abriu a bolsa e tirou a própria varinha, que era excepcionalmente curta, e com ela deu uma pancada forte no quadro-negro; imediatamente apareceu ali escrito:
Defesa Contra as Artes das Trevas
Um Retomo aos Princípios Básicos.
— Bom, o ensino que receberam desta disciplina foi uni tanto interrompido e fragmentário, não é mesmo? Afirmou a Profª Umbridge, virando-se para encarar a turma, com as mãos perfeita mente cruzadas diante do corpo. A mudança constante de professores, muitos dos quais não parecem ter seguido nenhum currículo aprovado pelo Ministério, infelizmente teve como conseqüência os senhores estarem muito abaixo dos padrões que esperaríamos ver no ano dos N.O.M.s.
— Os senhores ficarão satisfeitos de saber, porém, que tais problemas agora serão corrigidos. Este ano iremos seguir um curso de magia defensiva, aprovado pelo Ministério e cuidadosamente estruturado em torno da teoria. Copiem o seguinte, por favor.
Ela tornou a bater no quadro; a primeira mensagem desapareceu e foi substituída por "Objetivos do Curso".
1. Compreender os princípios que fundamentam a magia defensiva,
2. Aprender a reconhecer as situações em que a magia defensiva pode legalmente ser usada.
3. Inserir o uso da magia defensiva em contexto de uso.
Por alguns minutos o som de penas arranhando pergaminhos encheu a sala.
Depois que todos copiaram os três objetivos do curso da Profª Umbridge, ela perguntou:
— Todos têm um exemplar de Teoria da magia defensiva de Wilbert Slinkhard?
Ouviu-se um murmúrio baixo de concordância por toda a sala
— Acho que vou tentar outra vez — disse ela. — Quando eu fizer uma pergunta, gostaria que os senhores respondessem: "Sim, senhora. Profª Umbridge" ou "Não, senhora, Profª Umbridge". Então: todos têm um exemplar de Teoria da magia defensiva de Wilbert Slinkhard?
— Sim, senhora, Profª Umbridge — ecoou a resposta pela sala.
— Ótimo. Eu gostaria que os senhores abrissem na página cinco e lessem o Capítulo Um, "Elementos Básicos para Principiantes". Não precisarão falar. A Profª Umbridge deu as costas ao quadro e se acomodou na cadeira, à escrivaninha, observando todos os alunos, com aqueles olhos empapuçados de sapo. Harry abriu à página cinco do seu exemplar de Teoria da magia defensiva e começou a ler.
Era desesperadamente monótono, tão ruim quanto escutar o Prof. Binns.
Sentiu sua concentração ir fugindo; logo tinha lido a mesma linha meia dúzia de vezes, sem absorver nada além das primeiras palavras. Vários minutos se passaram em silêncio. Ao seu lado, Rony virava e revirava a pena entre os dedos distraidamente, os olhos fixos no mesmo ponto da página. Harry olhou para a direita e teve uma surpresa que sacudiu o seu torpor. Hermione sequer abrira seu exemplar de Teoria da magia defensiva. Olhava fixamente a Profª Umbridge com a mão levantada.
Harry não se lembrava de Hermione jamais ter deixado de ler quando a mandavam fazê-lo, ou resistir â tentação de abrir qualquer livro que passasse embaixo do seu nariz. Olhou-a, indagador, mas ela meramente balançou a cabeça, a indicar que não ia responder perguntas, e continuou a encarar a professora, que olhava com igual resolução para o outro lado.
Depois de se passarem vários minutos, porém. Harry já não era o único que olhava para Hermione. O capítulo que a professora os mandara ler era tão tedioso que um número cada vez maior de alunos estava preferindo observar a muda tentativa de Hermione de ser notada pela professora a continuar penando para ler os "Elementos Básicos para Principiantes"
Quando mais da metade da classe estava olhando para Hermione e não para os livros, a professora pareceu decidir que não podia continuar a ignorar a situação.
— Queria me perguntar alguma coisa sobre o capítulo, querida? — perguntou ela a Hermione, como se tivesse acabado de reparar nela.
— Não, não é sobre o capítulo — respondeu Hermione.
— Bem, é o que estamos lendo agora — disse a professora, mostrando seus dentinhos pontiagudos. Se a senhorita tem outras perguntas, podemos tratar delas no final da aula.
— Tenho uma pergunta sobre os objetivos do curso — disse Hermione. A Profª Umbridge ergueu as sobrancelhas
— E como é o seu nome?
— Hermione Granger.
— Muito bem. Srta Granger, acho que os objetivos do curso são perfeitamente claros se lidos com atenção — respondeu em umi tom de intencional meiguice.
— Bem, eu não acho que estejam — concluiu Hermione secamente. — Não há nada escrito no quadro sobre o uso de feitiços defensivos.
Houve um breve silêncio em que muitos alunos da turma viraram a cabeça para reler, de testa franzida, os três objetivos do curso ainda escritos no quadro-negro.
— O uso de feitiços defensivos? — repetiu a Profª Umbridge, dando uma risadinha. — Ora, não consigo imaginar nenhuma situação que possa surgir nesta sala de aula que exija o uso de um feitiço defensivo, Srta. Granger. Com certeza não está esperando ser atacada durante a aula, está?
— Não vamos usar magia? — exclamou Rony, em voz alta.
— Os alunos levantam a mão quando querem falar na minha aula, Sr...?
— Weasley — respondeu Rony, erguendo a mão no ar.
A Profª Umbridge, ampliando o seu sorriso, virou as costas para ele. Harry e Hermione imediatamente ergueram as mãos também. Os olhos empapuçados da professora se detiveram por um momento em Harry, antes de se dirigir a
Hermione.
— Sim, Srta. Granger? Quer me perguntar mais alguma coisa?
— Quero. Certamente a questão central na Defesa Contra as Artes das Trevas é a prática de feitiços defensivos.
— A senhorita é uma especialista educacional do Ministério da Magia, Srta. Granger?
— Não, mas...
— Bem, então, receio que não esteja qualificada para decidir qual é a "questão central" em nenhuma disciplina. Bruxos mais velhos e mais inteligentes que a senhorita prepararam o nosso novo programa de estudos. A senhorita irá aprender a respeito dos feitiços defensivos de um modo seguro e livre de riscos...
— Para que servirá isso? — perguntou Harry, em voz alta. — Se formos atacados, não será em um...
— Mão, Sr. Potter! — entoou a Profª Umbridge.
Harry empunhou o dedo no ar. Mais uma vez, a professora prontamente lhe deu as costas, mas agora vários outros alunos tinham erguido as mãos.
— E o seu nome é? — perguntou a professora a Dino.
— Dino Thomas.
— Diga, Sr. Thomas.
— Bem, é como disse o Harry, não é? Se vamos ser atacados, então não será livre de riscos.
— Repito — disse a professora, sorrindo para Dino de modo muito irritante — o senhor espera ser atacado durante as minhas aulas?
— Não, mas...
A Profª Umbridge interrompeu-o.
— Não quero criticar o modo como as coisas têm sido conduzidas nesta escola
— disse ela, um sorriso pouco convincente distendendo sua boca rasgada — mas os senhores foram expostos a alguns bruxos muito irresponsáveis nesta disciplina, de fato muito irresponsáveis, isto para não falar — ela deu uma risadinha desagradável — em mestiços extremamente perigosos.
— Se a senhora está se referindo ao Prof. Lupin — disse Dino, zangado, esganiçando a voz —, ele foi o melhor que já...
— Mão, Sr. Thomas! Como eu ia dizendo: os senhores foram apresentados a feitiços muito complexos, impróprios para a sua faixa etária e potencialmente letais. Alguém os amedrontou, fazendo-os acreditar na probabilidade de depararem com ataques das trevas com freqüência...
— Não, isto não aconteceu — protestou Hermione —, só que...
— Sua mão não está erguida, Srta. Granger!
Hermione ergueu a mão. A Profª Umbridge virou-lhe as costas.
— Pelo que entendi, o meu antecessor não somente realizou maldições ilegais em sua presença, como chegou a aplicá-las nos senhores.
— Ora, no fim ficou provado que ele era um maníaco, não foi? — respondeu Dino, acalorado. — E veja bem, ainda assim aprendemos um bocado.
— Sua mão não está erguida, Sr. Thomas! — gorjeou a professora. — Agora o Ministério acredita que um estudo teórico será mais do que suficiente para prepará-los para enfrentar os exames, que, afinal, é para o que existe a escola. E o seu nome é? — acrescentou ela, fixando o olhar em Parvati, que acabara de erguer a mão.
— Parvati Patil, e não tem uma pequena parte prática no nosso N.O.M. de Defesa Contra as Artes das Trevas? Não temos de demonstrar que somos capazes de realizar contrafeitiços e coisas assim?
— Desde que tenham estudado a teoria com muita atenção, não há razão para não serem capazes de realizar feitiços sob condições de exame cuidadosamente controladas — respondeu a professora, encerrando o assunto.
— Sem nunca ter praticado os feitiços antes? — perguntou Parvati, incrédula.
— A senhora está nos dizendo que a primeira vez que poderemos realizar feitiços será durante o exame?
— Repito, desde que tenham estudado a teoria com muita atenção...
— E para que vai servir a teoria no mundo real? — perguntou Harry em voz alta, seu punho mais uma vez no ar.
A Profª Umbridge ergueu a cabeça.
— Isto é uma escola, Sr. Potter, não é o mundo real — disse mansamente.
— Então não devemos nos preparar para o que estará nos aguardando lá fora?
— Não há nada aguardando lá fora, Sr. Potter.
— Ah, é? — A raiva de Harry, que parecia estar borbulhando sob a superfície o dia todo, agora começou a atingir o ponto de ebulição.
— Quem é que o senhor imagina que queira atacar crianças de sua idade? — perguntou a professora, num tom horrivelmente meloso.
— Humm, vejamos... — disse Harry numa voz fingidamente pensativa. — Talvez... Lord Voldemort?
Rony ofegou. Lilá Brown soltou um gritinho. Neville escorregou pela lateral do banco. A Profª Umbridge, porém, sequer piscou. Estava encarando Harry com uma expressão de sinistra satisfação no rosto.
— Dez pontos perdidos para a Grifinória, Sr. Potter.
A sala ficou parada e em silêncio. Todos olhavam para Umbridge ou para Harry.
— Agora gostaria de deixar algumas coisas muito claras.
A Profª Umbridge ficou em pé e se curvou para a turma, suas mãos de dedos grossos e curtos abertas sobre a escrivaninha.
— Os senhores foram informados de que um certo bruxo das trevas retornou do além...
— Ele não estava morto — protestou Harry zangado —, mas, sim senhora, ele retornou!
— Sr. Potter-o-senhor-já-fez-sua-casa-perder-dez-pontos-não-piore-as coisaspara-si-mesmo — disse a professora sem parar para respirar e sem olhar para ele. — Como eu ia dizendo, os senhores foram informados de que um certo bruxo das trevas está novamente solto. Isto é mentira.
— NÃO é mentira! — disse Harry. — Eu o vi, lutei com ele.
— Detenção, Sr. Potter! — disse a Profª Umbridge, em tom de triunfo. — Amanhã à tarde. Cinco horas. Na minha sala. Repito, isto é uma mentira. O Ministério da Magia garante que não estamos ameaçados por nenhum bruxo das trevas. Se os senhores continuam preocupados, não se acanhem, venham me ver quando estiverem livres. Se alguém está alarmando os senhores com lorotas sobre bruxos das trevas renascidos, eu gostaria de ser informada. Estou aqui para ajudar. Sou sua amiga. E agora, por favor, continuem sua leitura. Página cinco. "Elementos Básicos para Principiantes".
A Profª Umbridge sentou-se à escrivaninha. Harry, no entanto, ficou em pé. Todos o olhavam; Simas parecia meio apavorado, meio fascinado.
— Harry, não! — sussurrou Hermione, em tom de alerta, puxando-o pela manga, mas ele desvencilhou o braço da mão da amiga.
— Então, segundo a senhora, Cedrico Diggory caiu morto porque quis, foi? — perguntou Harry, com a voz tremendo.
A turma prendeu coletivamente a respiração, porque nenhum colega, exceto Rony e Hermione, jamais ouvira Harry falar do que acontecera na noite em que Cedrico morrera. Todos olhavam avidamente de Harry para a professora, que erguera os olhos e encarava o garoto sem o menor vestígio de falso sorriso no rosto.
— A morte de Cedrico Diggory foi um trágico acidente — disse ela, com frieza.
— Foi assassinato — disse Harry. Ele sentia seu corpo tremer. Pouco falara com outras pessoas sobre isso, e muito menos com trinta colegas que o escutavam ansiosos. — Voldemort o matou, e a senhora sabe disso.
O rosto da Profª Umbridge estava inexpressivo. Por um momento, Harry pensou que fosse berrar com ele. Então ela falou, com a sua voz mais macia, mais meiga e mais infantil:
— Venha cá, Sr. Potter, querido.
Ele chutou sua cadeira para o lado, contornou Rony e Hermione e foi à escrivaninha da professora. Podia sentir o resto da classe prendendo a respiração. Estava tão furioso que não se importava com o que fosse acontecer.
A Profª Umbridge puxou um pequeno rolo de pergaminho cor-de-rosa da bolsa, esticou-o sobre a escrivaninha, molhou a pena no tinteiro e começou a escrever, curvada sobre o pergaminho para que Harry não pudesse ver o que estava escrevendo. Ninguém falava. Passado um minuto e pouco, ela enrolou o pergaminho e lhe deu um toque com a varinha; ele se selou, sem emendas, de modo que o garoto não o pudesse abrir.
— Leve isto à Profª McGonagall, querido — disse estendendo a ele o bilhete.
Harry apanhou-o sem dizer palavra e saiu da sala, sem sequer olhar para Rony e Hermione, batendo a porta ao passar. Andou muito depressa pelo corredor, o bilhete para McGonagall apertado na mão, mas, ao virar um canto, deu de cara com Pirraça, o poltergeist, um homenzinho de boca grande que flutuava de costas no ar, fazendo malabarismos com vários tinteiros.
— Ora, é o Pirado do Potter! — gargalhou Pirraça, deixando dois tinteiros caírem no chão, onde se estilhaçaram, salpicando tinta nas paredes; Harry pulou para trás para escapar, e rosnou.
— Dá o fora, Pirraça.
— OOOO, o Pirado está irritado — exclamou Pirraça, perseguindo Harry pelo corredor, caçoando enquanto o sobrevoava. — Que foi desta vez, meu querido amigo Pirado? Ouvindo vozes? Tendo visões? Falando — Pirraça produziu um ruído porco com a boca — línguas?
— Eu disse, me deixa em PAZ! — berrou Harry, descendo o lance mais próximo de escadas a correr, mas Pirraça simplesmente escorregou de costas pelo corrimão da escada.
— Ah, muitos acham que ele está rosnando, o pobre Pottinho, mas outros são mais caridosos e dizem que está só triste, mas Pirraça sabe das coisas e diz que é pura piração...
— CALA A BOCA!
Uma porta à sua esquerda escancarou-se e a Profª McGonagall saiu de sua sala parecendo implacável e ligeiramente estressada.
— Afinal por que é que você está gritando, Potter? — perguntou com rispidez, enquanto Pirraça dava divertidas gargalhadas e desaparecia de vista. — Por que não está em aula?
— Me mandaram ver a senhora — disse Harry formalmente.
— Mandaram? Que é que você quer dizer com mandaram?
Ele estendeu o bilhete da Profª Umbridge. A Profª McGonagall apanhou-o, franzindo a testa, abriu-o com um toque de varinha, desenrolou-o e começou a ler. Seus olhos correram de um lado a outro por trás dos óculos quadrados enquanto lia o que Umbridge escrevera, e a cada linha se tornavam mais apertados.
— Venha aqui, Potter.
Ele entrou atrás dela na sala. A porta se fechou automaticamente.
— Então? — perguntou-lhe a professora, zangada. — É verdade?
— É verdade o quê? — perguntou Harry, um pouco mais agressivamente do que pretendera. — Professora? — acrescentou tentando parecer mais educado.
— É verdade que você gritou com a Profª Umbridge?
— Sim, senhora.
— Chamou-a de mentirosa?
— Chamei.
— Disse a ela que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado retornou?
— Sim, senhora.
A Profª McGonagall sentou-se à escrivaninha, observando Harry com a testa enrugada. Então disse:
— Coma um biscoito, Harry.
— Coma... o quê?
— Coma um biscoito — repetiu ela impaciente, apontando uma lata com estampa escocesa em cima de uma das pilhas de papéis sobre sua mesa. — E sente-se.
Tinha havido uma outra ocasião em que Harry esperara levar umas bastonadas da professora, mas, em lugar disso, fora indicado por ela para a equipe de quadribol da Grifinória. Ele se deixou afundar na cadeira à frente da escrivaninha e se serviu de um tritão de gengibre, sentindo-se tão confuso e atrapalhado quanto na ocasião anterior.
A Profª McGonagall depositou o bilhete sobre a escrivaninha e olhou muito séria para Harry.
— Potter, você precisa ter cuidado.
Harry engoliu o biscoito e encarou a professora. Seu tom de voz não se parecia com o que ele estava acostumado a ouvir; não era enérgico, seco nem severo; era baixo e ansioso e, de alguma forma, muito mais humano do que o habitual.
— O mau comportamento na classe de Dolores Umbridge poderá lhe custar muito mais do que a perda de pontos e uma detenção.
— Que é que a senhora...
— Potter, use o bom senso — retorquiu a Profª McGonagall, com um brusco retorno à sua maneira usual. — Você sabe de onde ela vem, você deve saber a quem ela está se reportando.
A sineta tocou anunciando o fim da aula. No andar de cima e por todos os lados, ouviu-se o tropel elefantino de centenas de estudantes em marcha.
— Diz aqui que ela lhe deu uma detenção para cada noite desta semana a começar amanhã — disse McGonagall, tornando a consultar o bilhete.
— Todas as noites desta semana! — repetiu Harry horrorizado. — Mas, professora, será que a senhora não poderia...?
— Não poderia — respondeu ela taxativamente. – Mas...
— Ela é sua professora e tem todo o direito de lhe dar detenções. Você se apresentará na sala dela amanhã às cinco horas para a primeira. Lembre-se, pise mansinho perto de Dolores Umbridge.
— Mas eu estava dizendo a verdade! — disse Harry, indignado. — Voldemort voltou, a senhora sabe que sim; o Prof. Dumbledore sabe que sim...
— Pelo amor de Deus, Potter! — exclamou a Profª McGonagall, acertando os óculos, muito zangada (contraíra horrivelmente o rosto quando ele usara o nome de Voldemort). — Você acha realmente que o que está em jogo são verdades ou mentiras? O que está em jogo é manter a sua cabeça baixa e a sua irritação sob controle!
Ela se levantou, as narinas abertas e a boca muito fina, e Harry fez o mesmo.
— Coma outro biscoito — disse, irritada, empurrando a lata para o garoto.
— Não, muito obrigado — disse Harry, com frieza.
— Não seja ridículo — ralhou McGonagall. Ele tirou mais um.
— Obrigado — agradeceu de má vontade.
— Você não escutou com atenção o discurso de Dolores Umbridge no banquete de abertura do ano letivo, Potter?
— Escutei, sim. Eu a escutei... dizer... o progresso será proibido ou... bem, queria dizer que... o Ministério da Magia está tentando interferir em
Hogwarts.
A Profª McGonagall mirou-o por um momento, depois fungou, contornou a escrivaninha e segurou a porta aberta para ele.
— Bem, fico contente que pelo menos você escute a Hermione Granger — disse, mandando-o sair com um gesto.