Posted by : Unknown junho 06, 2014

Capítulo 15


O verão espalhou-se lentamente pelos jardins que cercavam o castelo; o céu e o lago, os dois, ficaram azul-clarinhos, e flores do tamanho de repolhos se abriram repentinamente nas estufas. Mas sem a visão de Hagrid caminhando pelos jardins com Canino nos calcanhares, a paisagem vista das janelas do castelo não parecia normal para Harry; aliás, era pouco melhor do que o interior do castelo, onde as coisas pareciam terrivelmente erradas.
Harry e Rony tentaram visitar Mione, mas as visitas à ala hospitalar agora não eram permitidas.
— Não queremos mais nos arriscar — disse Madame Pomfrey, com severidade, por uma fresta na porta da enfermaria. — Não, sinto muito, há grande possibilidade de o atacante voltar para liquidar os pacientes...
Com a saída de Dumbledore, o medo se espalhou como nunca antes, de modo que o sol que aquecia as paredes do castelo por fora parecia se deter nas janelas de caixilhos. Quase não se via na escola um rosto que não parecesse preocupado e tenso, e qualquer risada que ecoasse pelos corredores soava aguda e artificial e era rapidamente abafada.
Harry repetia constantemente para si mesmo as ultimas palavras de Dumbledore "Só terei realmente deixado a escola quando ninguém mais aqui for leal a mim... Hogwarts sempre ajudará aqueles que a ela recorrerem”. Mas de que adiantavam essas palavras?
A quem exatamente pediriam ajuda quando todos estavam tão confusos e apavorados quanto eles?
A dica de Hagrid sobre as aranhas era muito mais fácil de entender — o problema era que não parecia ter restado uma única aranha no castelo para se seguir.
Harry procurava por todo lado aonde ia, com a ajuda (um tanto relutante) de Rony. Eles eram atrapalhados, é claro, pelo fato de não poderem andar sozinhos, tinham que se deslocar pelo castelo com um grupo de alunos da Grifinória. A maioria dos seus colegas parecia satisfeita em ser acompanhada de aula em aula por professores, mas Harry achava isso muito aborrecido.
Havia, porém uma pessoa que parecia estar se divertindo muito com a atmosfera de terror e suspeita. Draco Malfoy andava se pavoneando pela escola como se tivesse acabado de ser nomeado monitor-chefe. Harry não entendeu por que andava tão satisfeito até a aula de Poções, duas semanas depois de Dumbledore e Hagrid terem ido embora, quando, sentado atrás de Malfoy, Harry ouviu-o se gabar para Crabbe e Goyle.
— Eu sempre achei que meu pai era a pessoa que iria se livrar de Dumbledore — disse sem se preocupar em manter a voz baixa. — Falei com vocês que ele achava que Dumbledore era o pior diretor que a escola já tinha tido. Talvez a gente tenha um diretor decente agora. Alguém que não queira manter a Câmara Secreta fechada. McGonagall não vai durar muito tempo, ela só está substituindo...
Snape passou por Harry, sem fazer comentários sobre a cadeira e o caldeirão vazios de Mione.
— Professor — perguntou Draco em voz alta. — Professor, por que é que o senhor não se candidata ao lugar de diretor?
— Vamos, Malfoy — respondeu Snape, embora não conseguisse refrear um sorrisinho. — O Profº. Dumbledore foi apenas suspenso pelo Conselho. Quero crer que estará de volta conosco logo, logo.
— É claro — disse Draco, rindo-se. — Acho que o senhor teria o voto do meu pai, professor, se quisesse se candidatar, vou dizer ao meu pai que o senhor é o melhor professor que temos, professor...
Snape sorriu enquanto andava pela masmorra, felizmente sem ter visto que Simas Finnigan fingia vomitar no caldeirão.
— Fico surpreso que os sangues-ruins não tenham feito as malas — continuou Draco. — Aposto cinco galeões que o próximo vai morrer. Pena que não tenha sido a Granger...
A sineta tocou nesse instante, o que foi uma sorte; ao ouvir as últimas palavras de Draco, Rony tinha saltado do banquinho e, na agitação para reunirem mochilas e livros, seus esforços para se atracar com Draco passaram despercebidos.
— Me deixe agarrar ele — rosnou Rony, enquanto Harry e Dino o seguravam pelos braços. — Nem estou ligando, não preciso da minha varinha, vou matar ele com as mãos...
— Vamos depressa, tenho de levá-los à aula de Herbologia — disse rispidamente Snape à classe e logo saíram, com Harry, Rony e Dino fechando a fila, Rony ainda tentando se desvencilhar. Os amigos só acharam que era seguro soltá-lo quando Snape já levara a turma para fora do castelo e estavam atravessando a horta em direção às estufas.
A aula de Herbologia foi muito tranqüila; faltavam agora dois alunos na classe: Justino e Mione.
A Profª. Sprout mandou todos podarem figueiras cáusticas da Abissínia. Harry foi despejar uma braçada de galhos mortos na composteira e deu de cara com Ernie Macmillan. Ernie tomou fôlego e disse, muito formal:
— Eu só quero dizer, Harry, que lamento muito ter suspeitado de você. Sei que você nunca atacaria Hermione Granger e peço desculpas por tudo que disse. Estamos todos no mesmo barco agora, e, bom...
Ele estendeu a mão gorducha e Harry a apertou.
Ernie e sua amiga Ana vieram trabalhar na mesma figueira que Harry e Rony.
— Aquele tal de Draco Malfoy — disse Ernie quebrando galhinhos secos — parece muito satisfeito com tudo isso, não é? Sabe, eu acho que ele bem poderia ser o herdeiro de Slytherin.
— Você é tão inteligente! — disse Rony, que pelo jeito não perdoara Ernie tão depressa quanto Harry.
— Você acha que foi Malfoy, Harry? — perguntou Ernie.
— Não — respondeu Harry com tanta firmeza que Ernie e Ana arregalaram os olhos.
Segundos depois. Harry viu uma coisa.
Várias aranhas de bom tamanho estavam andando pelo chão do lado de fora da vidraça, deslocando-se numa estranha linha reta como se tomassem o caminho mais curto para ir a um encontro combinado. Harry bateu na mão de Rony com a tesoura de poda.
— Ai! Que é que você...
Harry apontou para as aranhas, seguindo o trajeto que faziam com os olhos apertados contra o sol.
— Ah, é — exclamou Rony, tentando parecer satisfeito, sem conseguir. — Mas não podemos segui-las agora...
Ernie e Ana ouviam curiosos.
Os olhos de Harry se apertaram e ele focalizou as aranhas.
Se elas prosseguissem naquele curso, não havia dúvida onde iriam parar.
— Parece que estão indo para a Floresta Proibida...
E Rony pareceu ainda mais infeliz com essa idéia.
Ao fim da aula a Profª. Sprout acompanhou os alunos até a aula de Defesa Contra as Artes das Trevas. Harry e Rony deixaram-se ficar para trás para poder falar sem serem ouvidos.
— Teremos que usar a capa da invisibilidade outra vez — disse Harry a Rony. — Podemos levar Canino conosco. Ele está acostumado a entrar na floresta com Hagrid, talvez possa ajudar.
— Certo — concordou Rony, que revirava a varinha nos dedos, nervoso. — Hum... Não dizem que tem... Não dizem que tem lobisomens na floresta? — acrescentou quando se sentavam nos lugares de sempre, no fundo da classe de Lockhart.
Preferindo não responder àquela pergunta, Harry disse:
— Mas lá também tem coisas boas. Os centauros são legais, e os unicórnios...
Rony nunca estivera na Floresta Proibida antes. Harry entrara somente uma vez e alimentava esperanças de não repetir a experiência.
Lockhart entrou aos saltos na sala, e a classe ficou olhando para ele. Todos os outros professores na escola pareciam mais sérios do que o normal, mas Lockhart estava, no mínimo, animado e confiante.
— Vamos, garotos — exclamou, sorrindo para todos os lados. — Por que essas caras tristes?
Os garotos trocaram olhares exasperados, mas ninguém respondeu.
— Vocês não percebem — disse Lockhatt, falando lentamente, como se todos fossem um pouco retardados — que o perigo passou! O culpado foi levado embora...
— Quem disse? — perguntou Dino em voz alta.
— Meu caro rapaz, o Ministro da Magia não teria levado Hagrid se não estivesse cem por cento convencido de que era culpado — disse Lockhart, num tom de voz de alguém que explica que um mais um são dois.
— Ah, teria levado, sim — disse Rony, ainda mais alto do que Dino.
— Me lisonjeia dizer que sei um tantinho mais sobre a prisão de Hagrid do que o senhor, Weasley — disse Lockhart num tom presunçoso.
Rony começou a dizer que achava que não, mas parou no meio da frase quando Harry o chutou com força por baixo da carteira.
— Não estávamos lá, lembra? — resmungou Harry. Mas a animação desagradável de Lockhart, suas insinuações de que sempre achara que Hagrid não prestava, sua confiança de que a história toda agora chegara ao fim, irritou tanto Harry que ele teve vontade de atirar Como se Divertir com Vampiros bem no meio da cara boba do professor. Em vez disso contentou-se em rabiscar um bilhete para Rony:
Vamos hoje à noite.

Rony leu o bilhete, engoliu com força e olhou de esguelha para a carteira vazia em que Mione normalmente se sentava. A visão pareceu fortalecer sua decisão, e ele concordou com um aceno de cabeça.
A sala comunal da Grifinória andava sempre muito cheia ultimamente, porque a partir das seis horas os alunos da casa não podiam ir a lugar algum. E, também, tinham muito o que conversar, por isso a sala só se esvaziava depois da meia-noite.
Harry foi buscar a capa da invisibilidade no malão logo depois do jantar e passou a noite sentado em cima dela, esperando a sala se esvaziar. Fred e Jorge desafiaram Harry e Rony para umas partidas de snap explosivo, e Gina se sentou para apreciar, muito quieta na cadeira que Hermione geralmente usava. Os dois amigos perdiam todas as partidas de propósito, tentando terminar o jogo depressa, mas mesmo assim, já era mais de meia-noite quando Fred, Jorge e Gina finalmente foram se deitar.
Harry e Rony esperaram até ouvir os ruídos distantes das portas dos dormitórios se fechando antes de apanhar a capa, atirá-la sobre seus corpos e sair pelo buraco do retrato.
Foi outra travessia difícil do castelo, evitando esbarrar nos professores. Finalmente chegaram ao saguão de entrada, puxaram o trinco das portas de carvalho, esgueiraram-se entre as duas folhas tentando impedir que elas rangessem e saíram para os jardins banhados de luar.
— Claro — disse Rony abruptamente quando atravessavam o gramado —, podemos chegar à floresta e descobrir que não há nada para seguir. Aquelas aranhas talvez nem estivessem indo para lá. Sei que parecia que se deslocavam naquela direção geral, mas...
A voz dele foi emudecendo cheia de esperança.
Os garotos chegavam à casa de Hagrid, que parecia triste e pobre com as janelas às escuras. Quando Harry empurrou a porta, Canino ficou louco de alegria de vê-los. Preocupados que ele pudesse acordar todo mundo no castelo com seus latidos fortes e ressonantes, eles lhe deram quadradinhos de chocolate, que grudava os maxilares, de uma lata em cima do console da lareira.
Harry deixou a capa da invisibilidade em cima da mesa de Hagrid. Não precisariam dela na floresta escura como breu.
— Vamos, Canino, vamos dar um passeio — disse Harry dando palmadinhas na perna, e Canino saiu de casa dando saltos de felicidade atrás deles, correu para a orla da floresta e levantou a perna contra um enorme sicomoro.
Harry puxou a varinha, murmurou "Lumos!" e brilhou uma luzinha na ponta, suficiente para deixá-los ver o caminho à procura das aranhas.
— Bem pensado — disse Rony. — Eu acenderia a minha também, mas você sabe, provavelmente iria explodir ou fazer outra maluquice qualquer...
Harry bateu no ombro de Rony, apontando para o capim. Duas aranhas solitárias corriam para longe da luz da varinha procurando a sombra das árvores.
— Muito bem — suspirou Rony resignado com o pior. Estou pronto. Vamos.
Então, com Canino correndo à volta, cheirando raízes e folhas de árvores, eles se embrenharam na floresta. Orientados pela luz da varinha de Harry, seguiram o fluxo constante de aranhas que iam pelo caminho. Seguiram-no por uns vinte minutos, sem falar, procurando ouvir outros ruídos que não fossem os dos gravetos estalando ou das folhas rumorejando. Então, quando o arvoredo se tornou mais denso que nunca, de modo que já não avistavam as estrelas no alto, e a varinha de Harry brilhava solitária num mar de trevas, eles viram as aranhas que os guiavam abandonarem o caminho.
Harry parou, tentando ver onde as aranhas estavam indo, mas tudo fora do seu pequeno círculo de luz estava escuríssimo. Ele nunca se embrenhara tão fundo na floresta. Lembrava-se vivamente de Hagrid aconselhando-o a não se afastar do caminho da floresta da última vez que estivera ali. Mas o guarda-caça se achava a quilômetros de distância, provavelmente sentado em uma cela de Azkaban, e também lhe dissera para seguir as aranhas.
Alguma coisa úmida encostou na mão de Harry, e ele deu um pulo para trás, esmagando o pé de Rony, mas era apenas o nariz de Canino.
— Que é que você acha? — perguntou Harry a Rony, cujos olhos ele mal conseguia vislumbrar, refletindo a luz de sua varinha.
— Já chegamos até aqui — disse Rony.
Então os dois acompanharam as sombras velozes das aranhas entrando pelo meio das árvores. Não podiam mais andar muito depressa; havia raízes e tocos de árvores no caminho, pouco visíveis na escuridão quase total. Harry sentia o hálito quente de Canino em sua mão. Mais de uma vez tiveram que parar para que Harry pudesse se agachar procurando as aranhas.
Caminharam pelo que pareceu pelo menos meia hora, as vestes agarrando nos galhos baixos e espinheiros. Passado algum tempo, repararam que o chão parecia estar descendo, embora o arvoredo estivesse mais denso que nunca.
Então Canino soltou de repente um latido que ecoou por todos os lados, fazendo Harry e Rony darem um pulo de fazer a alma se soltar do corpo.
— Que foi? — perguntou Rony alto, olhando a escuridão à volta e segurando o cotovelo de Harry com força.
— Tem alguma coisa se mexendo ali adiante — sussurrou Harry. — Escute... Parece uma coisa grande...
Eles escutaram. A uma certa distância para a direita, a coisa grande estava partindo galhos à medida que abria caminho por entre as árvores.
— Ah, não — exclamou Rony. — Ah, não, ah, não, ah...
— Cale a boca — mandou Harry muito nervoso. — A coisa vai ouvir você.
— Me ouvir? — exclamou Rony numa voz estranhamente aguda. — Ela já ouviu o Canino!
A escuridão parecia estar empurrando para dentro das órbitas dos olhos deles enquanto aguardavam aterrorizados. Ouviram um ronco esquisito e em seguida o silêncio.
— Que acha que ela está fazendo? — perguntou Harry.
— Provavelmente está se preparando para atacar.
Os dois esperaram, tremendo, mal atrevendo a se mexer.
— Você acha que foi embora? — cochichou Harry.
— Sei lá...
Então, para a direita, eles viram um clarão repentino tão intenso, na escuridão, que os dois ergueram as mãos para proteger os olhos. Canino latiu e tentou correr, mas ficou preso num emaranhado de espinhos e latiu ainda mais alto.
— Harry! — gritou Rony, a voz esganiçando de alivio. — Harry é o nosso carro!
— Ande!
Harry acompanhou o amigo como pôde em direção à luz, esbarrando e tropeçando nas coisas e um instante depois saíram numa clareira.
O carro do Sr. Weasley estava parado, vazio, no meio de um círculo de árvores grossas sob uma ramagem densa, os faróis acesos. Quando Rony avançou boquiaberto, ele foi ao encontro do garoto, exatamente como um canzarrão turquesa cumprimentando o dono.
— Estava aqui o tempo todo! — disse Rony encantado, andando à volta do carro. — Olhe só para ele. A floresta fez ele virar selvagem...
As laterais do carro estavam arranhadas e sujas de lama. Pelo jeito ele passara a rodar na floresta sozinho. Canino pareceu não gostar nada do carro; ficou colado em Harry, que sentia o cão tremer. A respiração mais calma outra vez, Harry guardou a varinha nas vestes.
— E nós achamos que ele ia nos atacar! — disse Rony, apoiando-se no carro e lhe dando palmadinhas. — Fiquei muito tempo imaginando onde teria sumido!
Harry apurou a vista à procura de sinais de aranhas no chão iluminado, mas todas fugiram da claridade dos faróis.
— Perdemos a pista. Vem, vamos tentar encontrá-las.
Rony ficou calado. Nem se mexeu. Tinha os olhos fixos em um ponto a uns três metros acima do chão da floresta, logo atrás de Harry. Seu rosto estava lívido de terror.
Harry nem teve tempo de se virar. Ouviu um som estalado e alto e de repente sentiu uma coisa comprida e peluda agarrá-lo pela cintura e erguê-lo do chão, deixando-o de cara para baixo. Debatendo-se cheio de terror, ele ouviu o mesmo som e viu as pernas de Rony abandonarem o chão, também, e Canino choramingar e uivar — no instante seguinte, ele estava sendo arrebatado para o meio das árvores escuras.
A cabeça pendurada, Harry viu que a coisa que o segurava andava sobre seis pernas imensamente compridas e peludas, as duas dianteiras agarravam-no com firmeza sob um par de pinças pretas e reluzentes. Atrás, ele ouvia outro bicho igual, sem dúvida carregando Rony. Estavam entrando no coração da floresta. Harry ouvia Canino lutando para se libertar de um terceiro monstro, ganindo alto, mas Harry não poderia ter berrado nem se tivesse querido; parecia ter deixado a voz no carro lá na clareira.
Ele nunca soube quanto tempo ficou nas garras do bicho; só soube que de repente a escuridão diminuiu o suficiente para deixá-lo ver que o chão coberto de folhas agora estava pululando de aranhas. Esticou o pescoço para o lado e percebeu que tinham chegado à borda de uma vasta depressão, uma depressão que fora desmatada, de modo que as estrelas iluminaram claramente a pior cena que ele jamais vira.
Aranhas, aranhinhas como aquelas que cobriam as folhas embaixo. Aranhas do tamanho de cavalos, com oito olhos, oito pernas, pretas, peludas, gigantescas.
O maciço espécime que carregava Harry desceu uma encosta íngreme em direção a uma teia enevoada em forma de cúpula, bem no meio da depressão, enquanto suas companheiras acorriam de todos os lados, batendo as pinças excitadas à vista do carregamento.
Harry caiu no chão de quatro quando a aranha o soltou. Rony e Canino caíram com um baque surdo ao lado dele. Canino não uivava mais, encolhia-se em silêncio onde caíra. Rony era a imagem exata do que Harry sentia. Tinha a boca arreganhada numa espécie de grito silencioso, e seus olhos saltavam das órbitas.
O garoto de repente percebeu que a aranha que o soltara estava falando alguma coisa.
Fora difícil entender, porque ela batia as pinças a cada palavra.
— Aragogue! — a aranha chamou. — Aragogue!
E do meio da teia enevoada em forma de cúpula, emergiu lentamente uma aranha do tamanho de um filhote de elefante. Havia fios cinzentos na pelagem do seu corpo e nas pernas negras, e cada olho, em sua feia cabeça provida de pinças, era leitoso. A aranha era cega.
— Que é? — disse, batendo rapidamente as pinças.
— Homens — bateu a aranha que apanhara Harry.
— É Hagrid? — perguntou a aranha aproximando-se, os oito olhos leitosos movendo-se vagamente.
— Estranhos — bateu a aranha que trouxera Rony.
— Mate-os — bateu Aragogue preocupada. — Eu estava dormindo...
— Somos amigos de Hagrid — gritou Harry. Seu coração parecia ter saltado do peito e ido bater na garganta.
Clique, clique, clique fizeram as pinças das aranhas por toda a depressão.
Aragogue parou.
— Hagrid nunca mandou homens à depressão antes — disse lentamente.
— Hagrid está enrascado — disse Harry respirando muito rápido. — Foi por isso que viemos.
— Enrascado? — exclamou a aranha idosa, e Harry pensou ter sentido preocupação no clique das pinças. — Mas por que o mandou?
Harry pensou em se levantar, mas decidiu o contrário; achou que as pernas não o agüentariam. Então falou do chão, o mais calmo que pôde.
— Na escola acham que Hagrid andou fazendo uma... Uma coisa com os alunos. Levaram ele para Azkaban.
Aragogue bateu as pinças furiosamente, e a toda volta da depressão o som foi repetido pela multidão de aranhas; era como um aplauso, exceto que, em geral, aplausos não faziam Harry sentir náuseas de medo.
— Mas isso foi há anos — disse Aragogue preocupada. — Anos e anos atrás. Lembro-me muito bem. Foi por isso que o fizeram sair da escola. Acreditaram que eu era o monstro que morava na chamada Câmara Secreta. Acharam que Hagrid tinha aberto a Câmara e me libertado.
— E você... Você não veio da Câmara Secreta? — perguntou Harry, que sentia um suor frio na testa.
— Eu! — exclamou Aragogue, batendo as pinças zangada. — Eu não nasci no castelo. Vim de uma terra distante. Um viajante me deu de presente a Hagrid quando eu ainda estava no ovo. Hagrid era só um garoto, mas cuidou de mim, me escondeu num armário do castelo, me alimentou com restos da mesa. Hagrid é um bom amigo e um bom homem. Quando fui descoberta e responsabilizada pela morte da garota, ele me protegeu. Tenho vivido aqui na floresta desde então, onde Hagrid ainda me visita. Ele até me arranjou uma esposa, Mosague, e você está vendo como a nossa família cresceu, tudo graças a bondade de Hagrid...
Harry reuniu o que restava de sua coragem.
— Então você nunca... Nunca atacou ninguém?
— Nunca — falou rouca a aranha. — Teria sido o meu instinto, mas por respeito a Hagrid, eu nunca fiz mal a um ser humano. Não conheço parte alguma do castelo a não ser o armário em que cresci. A nossa espécie gosta do escuro e do silêncio...
— Mas então... Você sabe o que matou aquela garota? — perguntou Harry. — Porque a coisa que matou está de volta atacando pessoas outra vez...
Suas palavras foram abafadas por uma eclosão de cliques e o ruído de muitas pernas longas a se agitar com raiva; grandes sombras escuras moveram-se a toda volta.
— A coisa que mora no castelo — disse Aragogue — é um bicho que nós aranhas tememos mais do que qualquer outro. Lembro-me muito bem como supliquei a Hagrid que me deixasse ir embora, quando senti a fera rondando pela escola.
— O que é? — perguntou Harry pressuroso.
Mais cliques altos, mais movimentos; as aranhas pareciam estar fechando o cerco.
— Nós não falamos nisso! — disse Aragogue com rispidez. — Não mencionamos seu nome! Eu nunca disse nem a Hagrid o nome daquele temível bicho, embora ele tenha me perguntado muitas vezes.
Harry não quis insistir no assunto, não com as aranhas se aproximando por todos os lados.
Aragogue parecia ter-se cansado de falar. Estava recuando lentamente para sua teia em forma de cúpula, mas as outras aranhas continuaram a se aproximar devagarinho de Harry e Rony.
— Bem, então vamos embora — falou Harry, desesperado, a Aragogue, ouvindo as folhas farfalharem às suas costas.
— Embora? — repetiu Aragogue lentamente. — Acho que não...
— Mas... Mas...
— Meus filhos e minhas filhas não fazem mal a Hagrid, porque eu assim ordeno. Mas não posso negar a eles carne fresca, quando ela entra com tanta boa vontade em nosso ninho. Adeus, amigo de Hagrid.
Harry virou-se depressa. A poucos passos, erguendo-se acima dele, havia uma parede maciça de aranhas, dando cliques, os muitos olhos brilhando nas cabeças feias.
Mesmo enquanto pegava a varinha, Harry percebeu que não ia adiantar. Havia aranhas demais, mas ao tentar se levantar, pronto para morrer lutando, ouviu uma nota alta e longa, e um clarão de luz atravessou a depressão.
O carro do Sr. Weasley roncou encosta abaixo, os faróis acesos, a buzina tocando, derrubando aranhas para os lados; várias foram atiradas de costas, as múltiplas pernas sacudindo no ar. O carro parou cantando os pneus diante dos garotos e as portas se abriram.
— Apanhe o Canino! — gritou Harry, mergulhando no banco da frente; Rony agarrou o cão pela barriga e atirou-o, ganindo, no banco de trás, as portas se fecharam.
Rony nem tocou no acelerador, pois o carro não precisou disso; o motor roncou e eles partiram, atropelando mais aranhas. Subiram a encosta a toda velocidade, saíram da depressão e logo estavam correndo pela floresta, os ramos fustigando as janelas do carro enquanto ele rodava com inteligência pelos vãos mais largos, seguindo um caminho que obviamente conhecia.
Harry olhou de esguelha para Rony. A boca do amigo continuava aberta num grito silencioso, mas seus olhos não estavam mais arregalados.
— Você está bem?
Rony olhava fixo para frente, incapaz de responder.
Eles rodaram pelo mato rasteiro, Canino uivando alto no banco de trás, e Harry viu o espelho lateral se partir ao tirarem um fino de um grande carvalho.
Depois de dez minutos de estrépito e saculejões, as árvores foram se espaçando e Harry pôde novamente ver pedaços do céu.
O carro parou tão de súbito que eles quase saíram pelo pára-brisa. Tinham chegado à orla da floresta. Canino atirou-se contra a janela tal era a sua ansiedade para sair e quando Harry abriu a porta, ele disparou por entre as árvores para a casa de Hagrid, o rabo entre as pernas. Harry desceu também e, passado pouco mais de um minuto, Rony pareceu recuperar a sensibilidade nas pernas e o seguiu, ainda de pescoço duro e olhar fixo. Harry deu uma palmadinha de agradecimento no carro enquanto ele dava marcha a ré na floresta e desaparecia de vista.
Harry voltou à cabana de Hagrid para apanhar a capa da invisibilidade. Encontrou Canino tremendo debaixo de um cobertor no seu cesto. Quando Harry saiu de novo, encontrou Rony vomitando violentamente na horta de abóboras.
— Siga as aranhas — disse Rony, fraco, limpando a boca na manga. — Não vou perdoar o Hagrid nunca. Temos sorte de estar vivos.
— Aposto como ele pensou que Aragogue não faria mal a amigos dele.
— Este é exatamente o problema de Hagrid! — retrucou Rony, dando murros na parede da cabana. — Ele sempre acha que os monstros não são maus por natureza, e olhe onde é que ele foi parar! Numa cela em Azkaban! — Rony tremia sem parar agora. — Para que foi que ele nos mandou lá? Que foi que descobrimos? Eu gostaria de saber.
— Que Hagrid nunca abriu a Câmara Secreta — disse Harry, atirando a capa sobre Rony e cutucando-o no braço para fazê-lo andar. — Ele era inocente.
Rony bufou. Evidentemente, criar Aragogue em um armário não correspondia à idéia que ele fazia de ser inocente.
Quando o castelo surgiu mais próximo, Harry ajeitou a capa para ter certeza de que os pés dos dois estavam escondidos, depois entreabriu as portas de entrada, que sempre rangiam. Atravessaram cautelosamente o saguão de entrada e subiram a escada de mármore, prendendo a respiração ao passar pelos corredores que as sentinelas vigilantes percorriam. Finalmente alcançaram a segurança da sala comunal da Grifinória, onde o fogo da lareira se consumira até virar uma cinza luminosa. Tiraram a capa e subiram a escada em caracol para o dormitório.
Rony caiu na cama sem se dar o trabalho de tirar a roupa.
Harry, porém, não sentia sono. Sentou-se na borda de sua cama de colunas, pensando em tudo que Aragogue dissera.
A coisa que se escondia em algum lugar do castelo, pensou, parecia uma espécie de monstro Voldemort — nem mesmo outros monstros gostavam de nomeá-lo. Mas ele e Rony não estavam nem perto de descobrir o que era, nem como petrificava suas vítimas. Até mesmo Hagrid jamais soubera o que havia na Câmara Secreta.
Harry puxou as pernas para cima da cama e se recostou nos travesseiros, espiando a lua brilhar para ele através da janela da torre.
Não conseguia ver o que mais poderiam fazer. Tinha encontrado becos sem saída por todos os lados. Riddle apanhara a pessoa errada, o herdeiro de Slytherin escapara, e ninguém saberia dizer se era a mesma pessoa ou outra diferente, que abrira a Câmara desta vez. Não havia mais ninguém a quem perguntar. Harry ficou deitado, ainda pensando no que Aragogue dissera.
O sono vinha chegando quando o que lhe pareceu a ultimissima esperança lhe veio à cabeça e ele de repente se sentou na cama.
— Rony — sibilou no escuro — Rony...
O amigo acordou com um ganido como o de Canino, correu os olhos arregalados à volta e viu Harry.
— Rony, aquela garota que morreu. Aragogue disse que ela foi encontrada no banheiro — falou Harry sem dar atenção aos roncos fungados de Nevillle que vinham de um canto. — E se ela nunca saiu do banheiro? E se ela continua lá?
Rony esfregou os olhos, franzindo a cara para a lua. E então ele também entendeu.
— Você não acha que... a Murta Que Geme?

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