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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 35
Um bom tempo depois, ou talvez tempo algum, percebeu que ele devia existir, devia ser mais que pensamento sem corpo, porque estava deitado, definitivamente deitado sobre algo. Portanto, tinha uma sensação do toque, e a coisa sob a qual estava deitado existia também.
Quase no instante em que chegou a esta conclusão, Harry se tornou consciente de sua nudez. Convencido de sua solidão total, isto não o perturbou, mas o intrigou ligeiramente. Ele imaginava que, como podia sentir, poderia também ver. Ao abri-los, descobriu que tinha olhos.
Estava deitado numa névoa clara, embora não fosse como qualquer outra névoa a qual tivesse visto. O ambiente ao seu redor não estava coberto pelo vapor, aliás o ambiente ao seu redor era formado pelo vapor. O chão em que ele deitava parecia ser branco, nem quente nem frio, mas simplesmente estava lá, algo branco e achatado.
Ele se sentou. Seu corpo parecia ileso. Ele tocou sua face. Não estava mais usando óculos.
Então um barulho chegou até ele através do nada que o cercava: batidas pequenas, macias, que abanavam, giravam e se debatiam. Era um som penoso, e ainda assim ligeiramente indecente. Ele tinha a sensação desconfortável de estar bisbilhotando algo furtivo, vergonhoso.
Pela primeira vez, desejou estar vestido.
Este desejo mal se formara em sua cabeça quando vestes apareceram numa curta distância. Ele as pegou e vestiu: elas eram macias, limpas e quentes. Foi extraordinário como elas apareceram, simples assim, no momento em que ele as quis...
Ele se levantou, olhando ao redor. Será que ele estava em uma grande Sala Precisa? Quanto mais ele olhava, mais tinha para ver. Um teto grande de vidro, abobadado, reluzia bem acima dele na luz do sol. Talvez fosse um palácio. Tudo estava silencioso e parado, exceto por aquela batida esquisita e os barulhos chorosos vindo de algum lugar na névoa...
Harry se virou devagar onde estava, e os arredores pareceram se criar diante de seus olhos. Um espaço aberto e amplo, brilhante e limpo, com teto de vidro abobadado; um salão muito maior que o Salão Principal. Estava vazio. Ele era a única pessoa ali, exceto por...
Ele se voltou, tinha visto a coisa que estava fazendo os barulhos. Ela tinha a forma de uma criança nua, pequena, enrolada no chão, sua pele crua e dura, como se a estivesse trocando, tremendo, deitada debaixo de um banco, desnecessária, escondida fora de vista, se esforçando para respirar.
Ele estava com medo dela. Embora fosse pequena, frágil e parecia machucada, ele não queria se aproximar. Contudo ele foi chegando mais perto, vagarosamente, pronto para recuar a qualquer momento. Logo ele estava perto o bastante para tocá-la, embora não conseguisse fazê-lo. Sentiu-se um covarde. Ele devia confortá-la, mas ela o enojava.
— Você não pode ajudar.
Ele se virou. Alvo Dumbledore caminhava em sua direção, enérgica e firmemente, usando longas vestes azul meia-noite.
— Harry. — Ele abriu bem os braços, e suas mão estavam ambas inteiras, brancas e ilesas. — Garoto maravilhoso. Corajoso, homem corajoso. Vamos dar uma volta.
Atônito, Harry o seguiu enquanto Dumbledore se afastava do local onde a criança estava, choramingando, o levando até duas cadeiras, que Harry até o momento não tinha notado, um pouco distante daquele teto alto e brilhante. Dumbledore se sentou em uma delas, e Harry se jogou na outra, encarando o seu antigo diretor. A barba e os cabelos longos e prateados, os olhos azuis penetrantes por traz de óculos de meia lua, o nariz torto: tudo estava como se lembrava. E ainda...
— Mas você está morto — disse Harry.
— Ah sim — disse Dumbledore casualmente.
— Então... Eu morri também?
— Ah, — disse Dumbledore, sorrindo ainda mais abertamente. — esta é a questão, não é mesmo? Contudo, meu garoto, eu acho que não.
Eles se entreolharam, o velho ainda sorrindo radiante.
— Não? — repetiu Harry
— Não. — disse Dumbledore.
— Mas... — Harry levou sua mão instintivamente em direção à cicatriz em forma de raio. Ela não parecia estar lá. — Mas eu devo ter morrido, eu não me defendi! Eu quis que ele me matasse!
— E isso... — disse Dumbledore — irá, eu creio, ter feito toda a diferença.
Felicidade parecia irradiar de Dumbledore como luz, como fogo: Harry nunca tinha visto um homem tão completamente, tão palpavelmente contente.
— Explique. — disse Harry
— Mas você já sabe. — disse Dumbledore, girando os polegares.
— Eu deixei ele me matar. — disse Harry — Não deixei?
— Deixou. — disse Dumbledore, concordando com a cabeça. — Continue!
— Então a parte da alma dele que estava em mim...
Dumbledore balançou a cabeça ainda mais entusiasticamente, encorajando Harry a continuar, com um sorriso largo em seu rosto.
—... se foi?
— Ah, sim! — Disse Dumbledore. — Sim, ele a destruiu. Sua alma agora está inteira e é completamente sua, Harry.
— Mas então...
Harry olhou por sobre seus ombros, para onde a pequena, desfigurada criatura tremia debaixo da cadeira.
— O quê é aquilo, professor?
— Algo que está além de nossa ajuda. — disse Dumbledore.
— Mas se Voldemort usou a Maldição da Morte, — Harry recomeçou. — e ninguém morreu por mim dessa vez, como posso estar vivo?
— Eu acho que você sabe. — disse Dumbledore. — Tente se lembrar. Lembre-se do que ele fez, em sua ignorância, sua ganância e crueldade.
Harry pensou. Deixou sua vista vagar pelo local. Se era, de fato, um palácio onde eles estavam, era um tanto esquisito, com cadeiras arrumadas em fileiras pequenas e pedaços de balaustradas aqui e ali, e ainda assim, ele e Dumbledore e a criatura sob o banco eram os únicos seres ali. Então a resposta veio em seus lábios facilmente, sem esforço.
— Ele usou meu sangue. — disse Harry
— Precisamente! — Disse Dumbledore. — Ele usou seu sangue para reconstruir o corpo em que ele vive! Seu sangue está nas veias dele, Harry, a proteção de Lílian está dentro de vocês dois! Sua vida está amarrada à dele!
— Eu vivo... enquanto ele viver! Mas eu pensei... eu pensei que era ao contrário! Eu pensei que ambos devíamos morrer? Ou é a mesma coisa?
As batidas e o choro da criatura agonizante atrás deles o distraia, seus olhos se voltaram para ela mais uma vez.
— Tem certeza de que não podemos fazer nada?
— Não existe ajuda possível.
— Então explique... mais. — disse Harry, e Dumbledore sorriu.
— Você era a sétima Horcrux, Harry, a Horcrux que ele nunca teve intenção de criar. Ele tinha tornado sua alma tão instável, que ela se quebrou quando cometeu aqueles atos de um mal inominável, o assassinato de seus pais e a tentativa de matar uma criança. Mas o que fugiu daquela sala era ainda menos do que ele sabia. Ele deixou mais do que seu corpo para trás. Ele deixou parte de sua própria alma atada a você. A possível vítima que sobreviveu.
— E seu conhecimento continuou lamentavelmente incompleto, Harry! Aquilo que Voldemort não dá valor, ele não se dá ao trabalho de compreender. Sobre elfos-domésticos e contos infantis, sobre amor, lealdade e inocência, Voldemort não conhece e não entende nada. Nada. Eles têm um poder além do seu, um poder além de qualquer magia, é uma verdade da qual ele nunca soube.
— Ele usou seu sangue acreditando que isso o deixaria mais forte. Ele tem em seu corpo uma pequena parte do encantamento que sua mãe deixou em você quando morreu por você. Seu corpo mantém vivo o sacrifício dela, e enquanto este encantamento existir, será a única esperança para você e para Voldemort.
Dumbledore sorriu para Harry, e Harry o encarou.
— E você sabia disso? Você sabia... o tempo todo?
— Eu adivinhei. Mas minhas adivinhações são, geralmente, boas. — disse Dumbledore alegremente, e eles ficaram em silêncio pelo que pareceu um bom tempo, enquanto a criatura atrás deles continuava a chorar e tremer.
— Tem mais. — disse Harry. — Tem mais coisa. Por que minha varinha quebrou a varinha que ele havia emprestado?
— Quanto a isso, não posso ter certeza.
— Adivinhe, então. — disse Harry, e Dumbledore riu.
— O que você deve entender, Harry, é que você e Lorde Voldemort rumaram juntos por áreas da magia até agora desconhecidas e não testadas, e nenhum fabricante de varinhas poderia, creio eu, alguma vez ter previsto ou explicado isso a Voldemort.
— Sem mencionar que, como você agora sabe, Lorde Voldemort duplicou o laço entre vocês quando retomou a forma humana. Uma parte de sua alma ainda estava atrelada a sua, e, pensando estar se fortalecendo, ele tomou uma parte do sacrifício de sua mãe. Se ele, ao menos, pudesse entender o poder exato e terrível desse sacrifício, ele não teria, talvez, ousado tocar seu sangue... mas então, se ele tivesse sido capaz de entender, ele não seria Lorde Voldemort, e poderia nunca ter matado.
— Tendo assegurado esta conexão, tendo entrelaçado seus destinos como nunca dois bruxos entrelaçaram na história, Voldemort agiu, atacando você com uma varinha que compartilhava o mesmo cerne da sua. E algo muito estranho aconteceu, como sabemos. Os cernes reagiram de uma forma que Lorde Voldemort, que nunca soube que sua varinha era gêmea da dele, nunca esperou.
— Ele estava mais amedrontado do que você naquela noite, Harry. Você tinha aceitado, talvez até abraçado, a possibilidade de morrer, algo que Lorde Voldemort nunca foi capaz de fazer. Sua coragem venceu, sua varinha sobrepujou a dele. E agindo assim, algo aconteceu entre estas varinhas, algo que repetiu o relacionamento entre seus mestres.
— Eu acredito que sua varinha absorveu um pouco do poder e qualidades da varinha de Voldemort naquela noite, o que quer dizer que ela continha um pouco do próprio Voldemort. Então sua varinha o reconheceu quando ele o perseguiu, reconheceu um homem que era seu parente e inimigo mortal, e ela regurgitou algumas de sua própria magia contra ele, magia muito mais poderosa que qualquer coisa que a varinha de Lúcio já tivesse produzido. Sua varinha continha o poder de sua enorme coragem e habilidade mortal do próprio Voldemort: que chance tinha aquela pobre vareta de Lúcio Malfoy?
— Mas se minha varinha era tão poderosa, como Hermione conseguiu quebrá-la? — perguntou Harry.
— Meu caro garoto, os efeitos notáveis da varinha eram direcionados apenas à Voldemort, quem tinha rompido, inadvertidamente, com as mais profundas leis da magia. Somente com ele aquela varinha era tão anormalmente poderosa. De outra forma ela era uma varinha como qualquer outra... embora uma varinha muito boa, tenho certeza. — Dumbledore concluiu gentilmente.
Harry pensou por um longo tempo, ou talvez segundos, era muito difícil ter certezas de coisa como o tempo, aqui.
— Ele me matou com sua varinha.
— Ele falhou em matar você com minha varinha. — Dumbledore corrigiu Harry. — Eu acho que podemos concordar que você não está morto, embora, é claro, — ele adicionou, como se temesse ter sido descortês, — eu não subestime seu sofrimento, dos quais, tenho certeza, foram severos.
— Me sinto ótimo neste momento, de qualquer forma... — disse Harry, olhando para baixo em direção a suas mãos limpas, sem manchas. — Onde estamos, exatamente?
— Bem, eu ia te perguntar isso. — disse Dumbledore, olhando ao redor. — Onde você diria que estamos?
Até Dumbledore perguntar, Harry não sabia. Agora, no entanto, ele achou que tinha uma resposta para dar.
— Parece, — ele disse devagar — com a Estação King’s Cross. Só que parece mais limpa e vazia, e não há trens pelo menos até onde consigo ver.
— Estação de King’s Cross! — Dumbledore estava rindo sem moderação. — Minha nossa, sério?
— Bem, onde você acha que estamos? — perguntou Harry, na defensiva.
— Meu caro garoto, eu não faço idéia. Esta é, como eles dizem, sua festa.
Harry não tinha idéia do que isso significava; Dumbledore estava sendo irritante. Ele olhou para ele, e então se lembrou de uma questão muito mais urgente do que a de sua localização atual.
— As Relíquias da Morte. — ele disse, e estava feliz de ver que as palavras limparam o sorriso da face de Dumbledore.
— Ah, sim. — ele disse. Ele até parecia um tanto preocupado.
— Bem?
Pela primeira vez desde que Harry conheceu Dumbledore, ele parecia menos que um velho, muito menos. Ele parecia, furtivamente, como um garoto pequeno que foi pego fazendo travessuras.
— Pode me perdoar? — ele disse. — Pode me perdoar por não confiar em você? Por não te contar? Harry, eu simplesmente receava que você falhasse como eu falhei. Eu só receei que você cometeria meus erros. Eu imploro o seu perdão, Harry. Eu sei, já há algum tempo agora, que você é um homem melhor.
— Do que é que você está falando? — perguntou Harry, alarmado pelo tom de Dumbledore, pelas lágrimas repentinas em seus olhos.
— As Relíquias, as Relíquias. — murmurou Dumbledore. — O sonho de um homem desesperado!
— Mas elas são reais!
— Reais, e perigosas, e uma ilusão para tolos. — disse Dumbledore. — E eu fui tal tolo. Mas você sabe, não sabe? Eu não escondo mais segredos de você. Você sabe.
— O que eu sei?
Dumbledore virou seu corpo inteiro para encarar Harry, e lágrimas ainda cintilavam nos brilhantes olhos azuis.
— Mestre da Morte, Harry, mestre da Morte! Será que fui melhor, ultimamente, do que Voldemort?
— É claro que foi. — disse Harry. — É claro. Como você pode perguntar isso? Você nunca matou se pudesse evitar!
— Verdade, verdade. — disse Dumbledore, e ele era como uma criança procurando certeza. — Ainda assim, eu também procurei um meio de dominar a Morte, Harry.
— Não da mesma forma que ele. — disse Harry. Apesar de toda raiva por Dumbledore, quão estranho era sentar aqui, entre o alto teto fechado, e defender Dumbledore dele mesmo. — Relíquias, não Horcruxes.
— Relíquias, — murmurou Dumbledore, — não Horcruxes. Precisamente.
Houve uma pausa. A criatura atrás deles chorava, mas Harry não olhou mais para trás.
— Grindelwald estava procurando por elas também? — perguntou
Dumbledore fechou seus olhos por um momento, e concordou.
— Isso foi o que, acima de tudo, nos juntou — ele disse quietamente. — Dois garotos inteligentes, arrogantes, com uma obsessão compartilhada. Ele queria ir a Godric’s Hollow, como eu tenho certeza que você imaginou, por causa do túmulo de Ignotus Peverell. Ele queria explorar o lugar em que o terceiro irmão morrera.
— Então é verdade? — perguntou Harry. — Tudo? Os irmãos Peverell...
—... eram os três irmãos do conto. — disse Dumbledore, concordando com a cabeça. — Ah, sim, eu acho que sim. Agora, se eles encontraram a Morte em uma estrada solitária... eu acho mais provável que os irmão Peverell eram simplesmente talentosos, bruxos perigosos que tiveram sucesso em criar aqueles objetos poderosos. A história de elas serem as Relíquias da própria Morte me parece o tipo de lenda que pode ter originado tais criações.
— A capa, como você agora sabe, viajou através das eras, de pai para filho, mãe para filha, direto até o último descendente vivo de Ignotus, que nasceu, assim como Ignotus, na vila de Godric’s Hollow.
Dumbledore sorriu para Harry.
— Eu?
— Você. Você imaginou, eu sei, porque a Capa estava comigo na noite em que seus pais morreram. Tiago havia me mostrado apenas alguns dias antes. Isso explicava muito de suas travessuras não detectadas pela escola! Eu mal podia acreditar no que via. Eu a pedi emprestada, para examiná-la. Eu tinha, há tempos, desistido de meu sonho de unir as Relíquias, mas eu não pude resistir, não pude evitar dar uma olhada mais de perto... era uma Capa como eu nunca tinha visto, imensamente antiga, perfeito em cada aspecto... e então seu pai morreu, e eu tinha duas Relíquias afinal, todas para mim!
Seu tom era insuportavelmente amargo.
— No entanto, a Capa não teria ajudado eles a sobreviver, — Harry disse rapidamente, — Voldemort sabia onde minha mãe e meu pai estavam. A Capa não podia tê-los tornado a prova de maldições.
— Verdade. — suspirou Dumbledore. — Verdade.
Harry esperou, mas Dumbledore não falou, então ele o impeliu.
— Então você tinha desistido de procurar pelas Relíquias até quando viu a Capa?
— Ah, sim. — disse Dumbledore baixo. Parecia que ele tinha se forçado a encontra os olhos de Harry. — Você sabe o que aconteceu. Você sabe. Não pode me desprezar mais do que eu me desprezo...
— Mas eu não te desprezo...
— Pois deveria — disse Dumbledore. Ele respirou bem fundo. — Você sabe o segredo da péssima saúde de minha irmã, o que aqueles Trouxas fizeram, o que ela se tornou. Você sabe como meu pobre pai procurou vingança, e pagou o preço, morreu em Azkaban. Você sabe como minha mãe desistiu de sua própria vida para cuidar de Ariana. Eu me sinto culpado por isso, Harry.
Dumbledore disse isso ousadamente, friamente. Ele olhava, agora, por cima da cabeça de Harry, para o além dele.
— Eu era talentoso, brilhante. Eu queria escapar. Queria brilhar. Queria glória.
— Não me interprete mal, — ele disse, e dor cruzou sua face de tal forma que agora ele parecia velho de novo. — Eu os amava. Amava meus pais, amava meu irmão e minha irmã, mas eu era egoísta, Harry, mais egoísta que você, que é uma pessoa notavelmente altruísta, pode imaginar.
— Tanto que, quando minha mãe morreu, e eu fiquei responsável por uma irmã deteriorada e um irmão teimoso, eu retornei a minha vila com raiva e amargura. Enjaulado e desperdiçado, eu pensei! E então, é claro, ele veio...
Dumbledore olhou diretamente nos olhos de Harry, mais uma vez.
— Grindelwald. Você não pode imaginar como suas idéias me cativaram, Harry, me inflamaram. Trouxas forçados a submissão. Nós bruxos, triunfantes. Grindelwald e eu, os gloriosos jovens líderes da revolução.
— Ah, eu tinha alguns escrúpulos. Eu suavizei minha consciência com palavras vazias. Seria tudo pelo bem maior, e qualquer dano cometido seria reparado centenas de vezes mais em benefícios para os bruxos. Sabia eu, no fundo de meu coração, o que Gellert Grindelwald era? Eu acho que sabia, mas fechei meus olhos. Se os planos que fazíamos dessem frutos, todos os meus sonhos se realizariam.
— E no centro de nossos esquemas, as Relíquias da Morte! Como elas o fascinavam, como elas nos fascinava a ambos! A Varinha Imbatível, a arma que nos levaria ao poder! A Pedra da Ressurreição... para ele, embora eu fingia não saber, significava um exército de Inferi! Para mim, eu confesso, significava o retorno de meus pais, e a retirada de toda a responsabilidade de meus ombros.
— E a Capa... de alguma forma, nós nunca discutimos muito sobre a Capa, Harry. Ambos podíamos nos esconder suficientemente bem sem a Capa, a verdadeira mágica dela é que ela pode ser usada para proteger e cobrir outros tão bem quanto seu dono. Eu pensei que se alguma vez ela fosse encontrada, ela seria usada para esconder Ariana, mas nosso interesse pela Capa era principalmente porque ela completava o trio, pois a lenda dizia que o homem que unisse todos os três objetos seria verdadeiramente mestre da Morte, o que para nós significava invencibilidade.
— Mestres da Morte, invencíveis, Grindelwald e Dumbledore! Dois meses de insanidade, de sonhos cruéis, e negligência daqueles dois únicos membros restantes de minha família. E então... você sabe o que aconteceu. A realidade retornou, na forma de meu bruto, iletrado, e infinitamente mais admirável irmão. Eu não quis ouvir as verdades que ele gritou para mim. Eu não quis ouvir que eu não podia partir para procurar as Relíquias com uma irmã frágil e instável na bagagem.
— A discussão se transformou numa briga. Grindelwald perdeu controle. Aquilo que eu sempre senti nele, embora tenha fingido não sentir, agora se mostrara como um ser terrível. E Ariana... depois de todo o cuidado de minha mãe... jazia morta sobre o chão.
Dumbledore deu um pequeno soluço, e começou a chorar. Harry esticou a mão, e ficou feliz de descobrir que podia tocá-lo: ele apertou seu braço firmemente, e Dumbledore gradativamente reassumiu seu controle.
— Bem, Grindelwald fugiu, como qualquer um, exceto eu, teria previsto. Ele desapareceu, com planos para tomar o poder, e suas idéias de torturar Trouxas, e seus sonhos com as Relíquias da Morte, sonhos dos quais eu o encorajei e ajudei. Ele fugiu, enquanto eu fui deixado para enterrar minha irmã e aprender a viver com minha culpa, e minha terrível lástima, o preço de minha vergonha.
— Anos se passaram. Houve rumores sobre ele. Eles diziam que ele procurava uma varinha de imenso poder. E, enquanto isso, me foi oferecido o cargo de Ministro da Magia, não uma vez somente, mas várias vezes. Naturalmente, eu recusei. Eu aprendi que não devia ser confiado com poder.
— Mas você teria sido melhor, bem melhor, que Fudge ou Scrimgeour! — explodiu Harry.
— Seria? — perguntou Dumbledore pesarosamente. — Eu não estou certo. Eu tinha provado, quando jovem, que o poder era minha fraqueza e minha tentação. É uma coisa curiosa, Harry, mas talvez aqueles que são melhores encaixados no poder são aqueles que nunca o procuraram. Aqueles que, como você, tem a liderança encravada em si, e tomam o manto porque eles devem, e descobrem para a própria surpresa que lhes cai bem. Eu estava mais seguro em Hogwarts. Eu achava que era um bom professor...
— O senhor era o melhor.
— Você é muito gentil, Harry. Mas enquanto eu me ocupava em treinar jovens bruxos, Grindelwald estava formando um exército. Eles dizem que ele tinha medo de mim, e talvez temesse, mas menos, eu acho, do que eu o temia.
— Ah, não a morte. — disse Dumbledore, em resposta ao olhar questionador de Harry. — Não o que ele podia causar em mim magicamente. Eu sabia que nós nos comparávamos igualmente, talvez eu fosse um pouco mais habilidoso. Era a verdade o que eu temia. Veja, eu nunca soube qual de nós, naquela última, horrorosa luta, tinha na verdade lançado a maldição que matou minha irmã. Você pode me chamar de covarde: você estaria certo. Harry, eu temia além de todas as coisas o conhecimento de que tinha sido eu que havia provocado a morte dela, não meramente através de minha arrogância e estupidez, mas que eu na verdade havia dado o golpe que a havia tirado sua vida.
— Eu acho que ele sabia disso, eu acho que ele sabia o que me assustava. Eu adiei nosso encontro até que, finalmente, percebi que seria vergonhoso resistir por mais tempo. Pessoas estavam morrendo e ele parecia invencível, e eu tive que fazer o que devia. Bem, você sabe o que aconteceu depois. Eu venci o duelo. Eu ganhei a varinha.
Outro silêncio. Harry não perguntou se Dumbledore chegou a descobrir quem havia matado Ariana. Ele não queria saber, e menos ainda queria que Dumbledore contasse a ele. Finalmente ele soube o que Dumbledore tinha visto quando olhou no Espelho de Osejed, e porquê Dumbledore tinha compreendido tanto a fascinação que o espelho havia exercido sobre Harry.
Eles sentaram em silêncio por um longo tempo, o choro da criatura atrás deles não mais perturbava Harry.
Finalmente ele disse:
— Grindelwald tentou impedir Voldemort de ir atrás da varinha. Ele mentiu, você sabe, fingiu que nunca a possuiu.
Dumbledore acenou com a cabeça, olhando para o seu colo, lágrimas ainda brilhando em seu nariz torto.
— Eles dizem que ele mostrou remorso nos anos posteriores, sozinho em sua cela em Nurmengard. Eu espero que seja verdade. Eu gostaria de pensar que ele sentiu o horror e a vergonha do que fez. Talvez mentir para Voldemort foi sua tentativa de fazer reparos... de impedir Voldemort de tomar as Relíquias...
—... ou talvez de violar seu túmulo? — sugeriu Harry, e Dumbledore enxugou seus olhos.
Depois de uma pequena pausa, Harry disse:
— Você tentou usar a Pedra da Ressurreição.
Dumbledore concordou com a cabeça.
— Quando eu a descobri, depois de todos aqueles anos, enterrada na casa abandonada dos Gaunts, a Relíquia que eu ansiei mais do que todas, embora em minha juventude eu a quisesse por diferentes razões, eu perdi minha cabeça, Harry. Eu esqueci que ela era agora uma Horcrux, que o anel com certeza carregava uma maldição. Eu o peguei e o coloquei, e por um segundo eu imaginei que estava prestes a ver Ariana, e minha mãe, e meu pai, e dizê-los o quanto, quanto arrependido estava...
— Eu fui tão tolo, Harry. Depois de todos esses anos, eu não havia aprendido nada. Eu não era digno de unir as Relíquias da Morte, eu havia provado isso de novo e de novo, e ali estava a prova final.
— Por quê? — disse Harry. — Era natural! Você queria vê-los de novo. O que há de errado nisso?
— Talvez um homem em um milhão possa reunir as Relíquias, Harry. Cabia a mim apenas possuir a pior delas, a menos extraordinária. Cabia a mim ter a Varinha Mestra, e não se gabar disso, não matar com ela. Foi-me permitido domá-la e usá-la, porque eu a tomei, não por ganho, mas para salvar outros de sua influência.
— Mas a Capa, eu tomei por curiosidade vã, então ela nunca poderia funcionar para mim como funciona para você, seu verdadeiro dono. A Pedra, eu a teria usado para trazer de volta aqueles que estão em paz, ao contrário de usá-la como auto-sacrifício, como você fez. Você é merecidamente o dono das Relíquias da Morte.
Dumbledore deu um tapinha na mão de Harry, e Harry olhou para cima para o rosto velho e sorriu; ele não podia evitar. Como ele poderia continuar bravo com Dumbledore agora?
— Por que você fez tudo parecer tão difícil?
O sorriso de Dumbledore estava trêmulo.
— Receio que contei com a senhorita Granger para lhe atrasar, Harry. Eu temia que sua cabeça quente pudesse dominar seu bom coração. Eu tinha medo de que, se apresentado diretamente aos fatos sobre estes objetos tentadores, você poderia agarrar as Relíquias assim como eu, na hora errada, pelas razões erradas. Se você tivesse que pôr as mãos nelas, queria que você as possuísse de forma segura. Você é o verdadeiro mestre da Morte, por que o verdadeiro mestre não procura fugir da Morte. Ele aceita que têm que morrer, e entende que existem coisas bem, bem piores em viver do que em morrer.
— E Voldemort nunca soube das Relíquias da Morte?
— Eu acredito que não, pois ele não reconheceu a Pedra da Ressurreição que ele transformou numa Horcrux. Mas mesmo se ele soubesse sobre elas, Harry, eu duvido que ele tenha se interessado em qualquer uma exceto pela primeira. Ele não acharia que precisasse da Capa, quanto a Pedra, quem ele gostaria de trazer dos mortos? Ele teme os mortos. Ele não ama.
— Mas você esperava que ele fosse atrás da varinha?
— Eu estava certo de que ele ia tentar, desde que sua varinha venceu a dele no cemitério em Little Hangleton. No começo, ele temia que você o tivesse vencido devido a habilidades superiores. Depois de ter seqüestrado Olivaras, de qualquer forma, ele descobriu a existência dos cernes gêmeos. Ele pensou que isso explicava tudo. Ainda assim a varinha emprestada não funcionou melhor contra a sua! Então Voldemort, ao invés de se perguntar qual era a qualidade que existia em você que fez de sua varinha tão forte, que dom você possuía que ele não, naturalmente saiu em procura daquela única varinha que, assim diziam, iria subjugar qualquer outra. Para ele, a Varinha Mestra se tornou uma obsessão que rivalizava a obsessão por você. Ele acreditava que a Varinha Mestra removeria sua última fraqueza e o faria verdadeiramente invencível. Pobre Severo...
— Se você planejou sua morte com Snape, você quis que ele terminasse com a Varinha Mestra, não queria?
— Eu admito que era essa a minha intenção. — disse Dumbledore. — Mas não funcionou como eu quis, funcionou?
— Não. — disse Harry. — Essa parte não deu certo.
A criatura atrás deles esperneou e reclamou; Harry e Dumbledore ficaram sem falar durante um período maior. A compreensão do que ele, Harry, teria que fazer em seguida descia gradativamente sobre ele últimos longos minutos, como neve caindo.
— Eu tenho que voltar, não tenho?
— Essa é sua decisão.
— Eu tenho uma escolha?
— Ah, sim. — Dumbledore sorriu para ele. — Nós estamos em King’s Cross, você disse? Eu acho que se você decidir não voltar, você estaria... vamos dizer... apto a pegar um trem.
— E onde ele me levaria?
— Para frente. — disse Dumbledore, simplesmente.
Silêncio mais uma vez.
— Voldemort têm a Varinha Mestra.
— Verdade. Voldemort têm a Varinha Mestra.
— Mas você quer que eu volte?
— Eu acho, — disse Dumbledore. — que se você escolher retornar, existe uma chance que ele possa ser liquidado mesmo. Não posso prometer. Mas eu sei, Harry, que você tem menos medo de retornar para cá do que ele tem.
Harry olhou mais uma vez para a criatura de aparência crua que tremia e sufocava na sombra entre a cadeira distante.
— Não tenha pena dos mortos, Harry. Tenha pena dos vivos, e, acima de tudo, aqueles que vivem sem amor. Retornando, você pode assegurar que menos almas sejam divididas, menos famílias sejam separadas. Se isso parece a você um objetivo que vale a pena, então diga adeus para o presente.
Harry concordou e suspirou. Deixar este lugar não seria nem um pouco mais difícil do que seu caminhar para a Floresta, mas era quente e luminoso e pacífico aqui, e ele sabia que ele estava voltando para a dor e o medo de mais perdas. Ele se levantou, e Dumbledore fez o mesmo, e eles se olharam nos rostos por um longo momento.
— Me diga uma última coisa. — disse Harry. — Isso é real? Ou está tudo acontecendo na minha cabeça?
Dumbledore sorriu para ele, e sua voz soou alta e forte nos ouvidos de Harry mesmo com a névoa clara descendo de novo, obscurecendo sua imagem.
— É claro que isso está acontecendo dentro de sua cabeça, Harry, mas por que isso deve significar que não seja real?