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Unknown
junho 06, 2014
Capítulo 1
Era quase meia-noite e Harry estava deitado de bruços na cama, as cobertas puxadas por cima da cabeça como uma barraca, uma lanterna em uma das mãos e um grande livro encadernado em couro (História da Magia de Batilda Bagshot), aberto e apoiado no travesseiro. Harry correu a ponta da caneta de pena de águia pela página, franzindo a testa, à procura de alguma coisa que o ajudasse a escrever sua redação, "A queima de bruxas no século XIV foi totalmente despropositada — discuta".
A caneta pousou no alto de um parágrafo que pareceu a Harry promissor. Ele empurrou os óculos redondos para a ponta do nariz, aproximou a lanterna do livro e leu:
Os que não são bruxos (mais comumente conhecidos pelo nome de trouxas) tinham muito medo da magia na época Medieval, mas não tinham muita capacidade para reconhecê-la. Nas raras ocasiões em que apanhavam um bruxo ou uma bruxa de verdade, a sentença de queimá-los na fogueira não produzia o menor efeito. O bruxo, ou bruxa, executava um Feitiço para Congelar Chamas e depois fingia gritar de dor, enquanto sentia uma cocegazinha suave e prazerosa. De fato, Wendelin a Esquisita gostava tanto de ser queimada na fogueira que se deixou apanhar nada menos que quarenta e sete vezes, sob vários disfarces.
Harry prendeu a caneta entre os dentes e passou a mão embaixo do travesseiro à procura do tinteiro e de um rolo de pergaminho.
Devagar e com muito cuidado, retirou a tampa do tinteiro, molhou a pena e começou a escrever, parando de vez em quando para escutar, porque se algum dos Dursley, a caminho do banheiro, ouvisse sua pena arranhando o pergaminho, ele provavelmente ia acabar trancafiado no armário embaixo da escada pelo resto do verão.
A família Dursley, que morava na Rua dos Alfeneiros, 4, era o motivo pelo qual Harry jamais aproveitava as férias de verão. Tio Válter, tia Petúnia e o filho deles, Duda, eram os únicos parentes vivos de Harry. Eram trouxas e tinham uma atitude muito medieval com relação à magia. Os pais de Harry, já falecidos, que tinham sido bruxos, nunca eram mencionados sob o teto dos Dursley. Durante anos, tia Petúnia e tio Válter tinham alimentado esperanças de que, se oprimissem Harry o máximo possível, seriam capazes de acabar com a magia que houvesse nele. Para sua fúria, tinham fracassado. Agora, viviam aterrorizados que alguém pudesse descobrir que Harry passara a maior parte dos últimos dois anos na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. O máximo que podiam fazer, porém, era trancar os livros de feitiços, a varinha, o caldeirão e a vassoura de Harry no início das férias de verão e proibir que o menino falasse com os vizinhos.
A separação dos seus livros de feitiços tinha sido um verdadeiro problema para Harry, porque os professores em Hogwarts tinham passado muitos deveres para as férias. Uma redação, particularmente espinhosa, sobre poções redutoras fora pedida pelo professor de quem Harry menos gostava, o Profº. Snape, que ficaria encantado de ter uma desculpa para castigá-lo com um mês de detenção. Por isso Harry tinha aproveitado uma oportunidade que surgira na primeira semana de férias. Quando tio Válter, tia Petúnia e Duda foram ao jardim admirar o novo carro da companhia a serviço do tio Válter (em altas vozes para que toda a rua o visse), Harry desceu silenciosamente as escadas, arrombou a fechadura do armário sob a escada, apanhou alguns livros e os escondeu em seu quarto. Desde que não deixasse manchas de tinta nos lençóis, os Dursley não precisariam saber que ele estava estudando magia à noite.
Harry tomava muito cuidado para evitar problemas com seus tios no momento, pois eles já estavam bastante mal-humorados com o sobrinho, só porque o menino recebera um telefonema de um coleguinha bruxo uma semana depois de entrar em férias.
Rony Weasley, que era um dos melhores amigos de Harry em Hogwarts, descendia de uma família em que todos eram bruxos.
Isto significava que ele sabia um montão de coisas que Harry desconhecia, mas Rony jamais usara um telefone antes. E, por azar, fora o tio Válter que atendera a ligação.
— Válter Dursley.
Harry que, por acaso, se achava na sala àquela hora, gelou ao ouvir a voz do amigo responder.
— ALÔ! ALÔ! ESTÁ ME OUVINDO? QUERIA... FALAR COM... O... HARRY... POTTER!
Rony gritou com tanta força que tio Válter deu um salto e afastou o fone a mais de um palmo da orelha com uma expressão em que se misturavam a fúria e o susto.
— QUEM É QUE ESTÁ FALANDO? — berrou ele em direção ao bocal. — QUEM É VOCÉ?
— RONY... WEASLEY! — berrou Rony em resposta, como se ele e tio Válter estivessem falando de extremidades opostas de um campo de futebol.
— SOU... UM AMIGO... DE... HARRY... DA ESCOLA...
Os olhinhos de tio Válter se viraram para Harry, que estava pregado no chão.
— NÃO TEM NENHUM HARRY POTTER AQUI! — vociferou ele, agora segurando o fone com o braço esticado, como se receasse que o aparelho pudesse explodir. — NÃO SEI DE QUE ESCOLA VOCÊ ESTÁ FALANDO! NUNCA MAIS TORNE A LIGAR PARA CÁ! FIQUE LONGE DA MINHA FAMÍLIA!
E atirou o fone no gancho como se estivesse se livrando de uma aranha venenosa.
A briga que se seguiu foi uma das piores da vida de Harry.
— COMO É QUE VOCÊ SE ATREVE A DAR ESTE NÚMERO PARA GENTE COMO... GENTE COMO VOCÊ! — berrara tio Válter, salpicando Harry de cuspe.
Rony obviamente percebera que metera Harry em uma encrenca, porque não telefonou mais. A outra grande amiga de Harry em Hogwarts, Hermione Granger, tampouco o procurara. O menino suspeitava que Rony tinha avisado à amiga para não telefonar, o que era uma pena, porque Hermione, a bruxa mais inteligente da turma deles, tinha pais trouxas, sabia usar o telefone perfeitamente bem e provavelmente teria o bom senso de não dizer que freqüentava Hogwarts.
Com isso, Harry não ouvira uma única palavra de nenhum dos seus amigos de bruxaria durante cinco longas semanas, e este verão estava saindo quase tão ruim quanto o anterior. Havia apenas uma coisinha que melhorara — depois de jurar que não iria usar sua coruja para remeter cartas aos amigos, Harry tivera permissão de soltar Edwiges, à noite. Tio Válter concordara com isso diante da barulheira que o bicho aprontava quando ficava preso na gaiola o tempo todo.
Harry terminou de escrever sobre Wendelin, a Esquisita e parou mais uma vez para escutar. O silêncio da casa às escuras só era interrompido pelos roncos sonoros e distantes do seu enorme primo, Duda.
Deve ser muito tarde, pensou Harry. Seus olhos comichavam de cansaço. Talvez terminasse a redação na noite seguinte...
Ele repôs a tampa do tinteiro; puxou uma fronha velha debaixo da cama; guardou dentro a lanterna, a História da magia, a redação, a caneta e a tinta; Levantou-se da cama e escondeu tudo sob uma tábua solta do soalho debaixo da cama.
Em seguida, pôs-se em pé, esticou¬-se e verificou a hora no despertador luminoso sobre a mesa-de-cabeceira.
Era uma hora da manhã. Harry sentiu uma contração engraçada na barriga. Fizera treze anos de idade havia uma hora e não tinha se dado conta disso.
Mas outra coisa fora do comum em Harry é que ele não ligava nem um pouco para os seus aniversários. Nunca recebera um cartão de aniversário na vida. Os Dursley não tinham dado a mínima atenção aos dois últimos e ele não tinha razão alguma para supor que fossem se lembrar deste agora.
Harry atravessou o quarto escuro, passou pela espaçosa gaiola vazia de Edwiges e foi abrir a janela. Debruçou-se no peitoril, achando gostoso o ar fresco da noite que batia em seu rosto depois de ter passado tanto tempo debaixo das cobertas. Fazia duas noites que Edwiges andava fora. Mas Harry não estava preocupado — a coruja já ficara fora tanto tempo assim antes. Mas o garoto desejou que ela voltasse logo —, era a única criatura na casa que não se esquivava quando o via.
Harry, embora continuasse pequeno e magricela para sua idade, crescera alguns centímetros desde o ano anterior. Seus cabelos muito pretos, porém, continuavam como sempre tinham sido — teimosamente despenteados, por mais que ele fizesse. Os olhos por trás das lentes eram verde vivo, e na testa havia, claramente visível através dos cabelos, uma cicatriz fina, em forma de raio.
De todas as coisas fora do comum em Harry, essa cicatriz era a mais extraordinária de todas. Não era, como tinham fingido os Dursley durante dez anos, uma lembrança do acidente de carro que matara seus pais, porque Lílian e Tiago Potter não tinham morrido em um acidente de carro. Tinham sido assassinados, assassinados pelo bruxo das trevas mais temido do mundo nos últimos cem anos, Lord Voldemort. Harry escapara desse mesmo atentado com uma simples cicatriz na testa, no lugar em que o feitiço do bruxo, em vez de matá-lo, tinha se voltado contra o próprio feiticeiro. Quase morto, Voldemort fugira...
Mas Harry voltara a defrontar com ele outra vez em Hogwarts. Ao se recordar do último encontro, ali parado à janela escura, Harry teve de admitir que era uma sorte ter chegado ao seu décimo terceiro aniversário vivo.
Examinou o céu estrelado à procura de um sinal de Edwiges, voando ao seu encontro talvez com um rato morto pendurado no bico, contando receber elogios. Mas ao olhar distraidamente por cima dos telhados, Harry demorou alguns segundos para perceber o que estava vendo.
Recortado contra a lua dourada, e sempre crescendo, vinha um bicho estranhamente torto voando em sua direção. Harry ficou muito quieto esperando o bicho descer. Por uma fração de segundo ele hesitou, a mão no trinco da janela, pensando se devia fechá-la. Mas, nessa hora o bicho esquisito sobrevoou um lampião da Rua dos Alfeneiros e Harry identificando o que era, saltou para o lado.
Pela janela entraram três corujas, duas delas segurando uma terceira que parecia desmaiada. Pousaram com um ruído fofo na cama do menino e a coruja do meio, que era grande e cinzenta, tombou para o lado, imóvel. Trazia um grande pacote amarrado às pernas.
Harry reconheceu a coruja desmaiada na mesma hora — seu nome era Errol e pertencia à família Weasley. O menino correu para a cama, desamarrou os barbantes que envolviam as pernas de Errol, soltou o pacote e, em seguida, levou a coruja para a gaiola de Edwiges. Errol abriu um olho lacrimejante, deu um pio fraquinho de agradecimento e desatou a beber água em grandes sorvos.
Harry se virou para as corujas restantes. Uma delas, a fêmea grande, branca como a neve, era a sua Edwiges. Ela também trazia um pacote e parecia muito satisfeita consigo mesma. Deu uma bicadinha carinhosa em Harry quando ele soltou sua carga, depois saiu voando pelo quarto para se juntar a Errol.
Harry não reconheceu a terceira coruja, um belo espécime pardo, mas soube imediatamente de onde viera, porque além de trazer o terceiro pacote, ela trazia uma carta com o escudo de Hogwarts.
Quando Harry acabou de aliviá-la de sua carga, ela sacudiu as penas, cheia de si, abriu as asas e saiu voando pelo céu noturno.
O menino sentou-se na cama e apanhou o pacote de Errol, rasgou o papel pardo e encontrou um presente embrulhado em ouro, primeiro cartão de aniversário de sua vida. Com os dedos trêmulos, ele abriu o envelope. Caíram dois papéis — uma carta e um recorte de jornal.
O recorte fora visivelmente tirado do jornal dos bruxos, o Profeta Diário, porque as pessoas nas fotos em preto e branco estavam se mexendo. Harry apanhou o recorte, alisou-o e leu.
FUNCIONÁRIO DO MINISTÉRIO DA MAGIA GANHA GRANDE PRÊMIO
Arthur Weasley chefe da Seção de Controle do Mau Uso dos Artefatos dos Trouxas no Ministério da Magia, ganhou o Grande Prêmio Anual da Loteria do Profeta Diário.
A Sra. Weasley, encantada, declarou ao Profeta Diário:
"Vamos gastar o ouro em uma viagem de férias ao Egito, onde nosso filho mais velho, Gui, trabalha para o Banco Gringotes como desfazedor de feitiços.”
A família Weasley vai passar um mês no Egito, de onde voltará no início do ano letivo em Hogwarts, escola que cinco dos seus filhos ainda freqüentam.
Harry examinou a foto em movimento, e um sorriso espalhou-se em seu rosto ao ver os nove Weasley acenando freneticamente para ele, diante de uma enorme pirâmide. A Sra. Weasley, pequena e gorducha, o Sr. Weasley, alto e um pouco careca, os seis filhos e filha, todos (embora a foto em preto e branco não mostrasse com flamejantes cabelos vermelhos). Bem no meio da foto se achava Rony, alto e desengonçado com o seu rato de estimação, Perebas, no ombro e o braço passado pelas costas da irmã, Gina. Harry não conseguia pensar em ninguém que merecesse mais ganhar um monte de ouro do que os Weasley, que eram gente muito fina e extremamente pobre. Ele apanhou a carta de Rony e a desdobrou.
Caro Harry,
Feliz aniversário!
Olhe, estou muito arrependido daquele telefonema. Espero que os trouxas não tenham engrossado com você. Perguntei ao papai e ele acha que eu não devia ter gritado.
O Egito é incrível. Gui nos levou para ver os túmulos e você não ia acreditar nos feitiços que os velhos bruxos egípcios lançavam neles. Mamãe não quis deixar a Gina ver o último. Só continha esqueletos mutantes de trouxas que violaram o túmulo e acabaram com duas cabeças e outras esquisitices.
Nem consegui acreditar quando o papai ganhou a Loteria do Profeta Diário. Setecentos galeões! A maior parte foi gasta nesta viagem, mas eles vão me comprar uma varinha nova para o próximo ano letivo.
Harry lembrava-se bem demais do dia em que a velha varinha de Rony se partira. Acontecera quando o carro em que os dois voaram para Hogwarts batera de encontro a uma árvore nos jardins da escola.
Estaremos de volta uma semana antes do ano letivo começar e vamos a Londres comprar minha varinha e os livros da escola.
Alguma chance de nos encontrarmos lá? Não deixe os trouxas arrasarem você!
Faça uma força para ir a Londres, Rony.
P.S. Percy agora é monitor-chefe. Recebeu a carta de nomeação na semana passada.
Harry tornou a admirar a foto. Percy, que estava no sétimo e último ano em Hogwarts, parecia muito cheio de si. Prendera o distintivo de monitor chefe no fez que usava num ângulo elegante sobre os cabelos bem penteados, seus óculos de aros de tartaruga faiscavam ao sol do Egito.
Harry voltou então sua atenção para o presente e o desembrulhou.
Dentro havia um objeto que parecia um pequenino pião de vidro. Debaixo, mais um bilhete de Rony.
Harry — Isto é um "bisbilhoscópio" de bolso. Dizem que quando tem alguma coisa suspeita por perto, ele acende e gira.
Gui falou que é porcaria que vendem a bruxos turistas e que não é confiável porque ontem, durante o jantar, ficou acendendo o tempo todo. Mas ele não percebeu que Fred e Jorge tinham posto besouros na sopa dele.
Tchau,
Rony.
Harry pôs o bisbilhoscópio em cima da mesa-de-cabeceira, onde o pião ficou parado, equilibrado sobre a ponta, refletindo os ponteiros luminosos do despertador. O menino admirou-o feliz por alguns segundos, então apanhou o pacote que Edwiges lhe trouxera.
Dentro deste também havia um presente embrulhado, um cartão e uma carta, desta vez de Hermione.
Caro Harry,
Rony me escreveu contando o telefonema que deu para o seu tio Válter. Espero que você esteja bem.
Estou de férias na França neste momento e não sabia como ia mandar o meu presente para você — e se eles abrissem o pacote na alfândega?—, mas então a Edwiges apareceu! Acho que ela queria garantir que você recebesse alguma coisa no seu aniversário, para variar comprei o seu presente pelo reembolso coruja; vi um anúncio no Profeta Diário (mandei entregar o jornal no meu endereço de férias; é tão bom continuar em dia com o que está acontecendo no mundo dos bruxos).
Você viu a foto de Rony com a família que saiu no jornal na semana passada? Aposto que ele está aprendendo um monte de coisas. Estou com inveja — os bruxos do Egito antigo são fascinantes.
Aqui também tem histórias de bruxaria locais interessantes.
Reescrevi todo o meu trabalho de História da Magia para incluir algumas coisas que descobri.
Espero que não fique grande demais — são dois rolos de pergaminho a mais do que o Profº. Binns pediu. Rony diz que vai a Londres na última semana de férias. Você também vai poder ir? Será que sua tia e seu tio vão deixar? Espero realmente que possa. Se não, a gente se vê no Expresso de Hogwarts no dia 1º de setembro!
Afetuosamente,
Hermione.
P.S. Rony contou que Percy virou monitor-chefe. Aposto como ele está realmente satisfeito. Quem não parece ter gostado é o Rony.
Harry deu risadas enquanto punha a carta de Hermione de lado e apanhava o presente. Era muito pesado. Conhecendo a amiga, ele teve certeza de que seria um livrão cheio de feitiços complicados, mas não era. Seu coração deu um enorme salto quando ele rasgou o papel de embrulho e viu um belo estojo de couro preto, com dizeres em letras prateadas: Estojo para manutenção de vassouras.
— Uau, Hermione! — exclamou Harry baixinho, abrindo o estojo para ver dentro.
Havia um frasco grande de líquido para polir cabos, uma tesoura prateada e reluzente para aparar cerdas, uma pequena bússola para prender na vassoura em viagens longas e um manual “Faça a manutenção da sua vassoura”.
À exceção dos amigos, o que Harry mais sentia falta de Hogwarts era o Quadribol, o esporte mais popular do mundo mágico — extremamente arriscado, muito excitante, que se jogava montado em uma vassoura. Harry, por acaso, era um ótimo jogador de Quadribol: fora o menino mais novo do século a ser escolhido para um time da casa em Hogwarts. Uma das coisas que Harry mais prezava na vida era sua vassoura de corrida, uma Nimbus 2000.
Harry pôs o estojo de couro de lado e apanhou o último embrulho.
Reconheceu os garranchos no papel pardo do embrulho na mesma hora: eram de Hagrid, o guarda-caça de Hogwarts. Ele rasgou o papel de embrulho externo e viu um pedacinho de alguma coisa em couro verde, mas antes que conseguisse desfazê-lo direito, o embrulho estremeceu de um modo estranho e o que havia dentro se fechou com um estalo — como se a coisa tivesse mandíbulas.
Harry congelou. Sabia que Hagrid jamais lhe mandaria uma coisa perigosa de propósito, mas, por outro lado, seu amigo não tinha a visão de uma pessoa normal sobre o que era perigoso. Todos sabiam que Hagrid já fizera amizade com aranhas gigantescas, mas nocivas, com cães de três cabeças dados por gente que ele encontrara em bares, e contrabandeara ovos de dragão, um bicho ilegal, para dentro da cabana em que morava.
Harry cutucou o embrulho, nervoso. A coisa tornou a se fechar com ruído, O garoto apanhou o abajur na mesa-de-cabeceira, agarrou-o com firmeza com uma das mãos e ergueu-o acima da própria cabeça, pronto para desferir uma pancada. Então agarrou o resto do papel de embrulho com a outra mão e puxou.
E a coisa caiu — um livro. Harry só teve tempo de reparar na bela capa, adornada com um título dourado, “O Livro Monstruoso dos Monstros”, antes do livro virar de lombada e começar a correr pela cama como um caranguejo esquisito.
— Ah, ah — gemeu Harry.
O livro caiu da cama com um barulho metálico e arrastou-se rápido pelo quarto. O menino o seguiu furtivamente. O livro foi se esconder no espaço escuro embaixo da escrivaninha. Rezando para os Dursley não terem acordado, Harry ficou de quatro e tentou apanhá-lo.
— Ai!
O livro se fechou sobre sua mão e se afastou do menino se sacudindo e andando adernado sobre as capas.
Harry saiu correndo, ainda agachado, e se atirou para frente conseguindo achatar o livro. Tio Válter soltou um grunhido sonolento e alto no quarto ao lado.
Edwiges e Errol observaram com interesse quando Harry abraçou com força o livro que se debatia, correu até a cômoda e pegou um cinto, com que o amarrou firmemente.
O livro monstruoso estremeceu de raiva, mas não conseguiu mais se agitar e morder, então Harry atirou-o na cama e apanhou o cartão de Hagrid.
Caro Harry,
Feliz aniversário.
Achei que isto pudesse lhe ser útil no ano que vem.
Não vou dizer mais nada aqui. Conto quando a gente se encontrar.
Espero que os trouxas estejam tratando você bem.
Tudo de bom,
Hagrid.
Pareceu a Harry um mau agouro que Hagrid pudesse achar que um livro que morde tivesse utilidade futura, mas pôs o cartão do amigo ao lado do de Rony e Hermione, sorrindo mais satisfeito do que nunca. Agora só sobrava a carta de Hogwarts.
Reparando que era bem mais grossa do que de costume, Harry abriu o envelope, puxou a primeira página do pergaminho de dentro e leu:
Prezado Sr. Potter,
Queira registrar que o novo ano letivo começará em 1º de setembro. O Expresso de Hogwarts partirá da estação de King's Cross, plataforma 9 e ½, às onze horas.
Os alunos de terceiro ano têm permissão para visitar a aldeia de Hogsmeade em determinados fins de semana. Assim, queira entregar a autorização anexa ao seu pai ou guardião para que a assine.
Estamos anexando, nesta oportunidade, a lista de livros para o próximo ano.
Atenciosamente,
Profª. McGonagall
Vice-Diretora.
Harry tirou do envelope o formulário de autorização para ir a Hogsmeade e leu-o, mas já não sorria. Seria maravilhoso visitar Hogsmeade nos fins de semana; ele sabia que era um povoado só de bruxos, em que nunca estivera. Mas como é que ia convencer o tio Válter ou a tia Petúnia a assinar o formulário?
Ele olhou para o despertador. Eram agora duas horas da manhã.
Decidindo que se preocuparia com o formulário de Hogsmeade quando acordasse, Harry voltou para a cama e se esticou para riscar mais um dia no calendário que fizera para contar o tempo que faltava para regressar a Hogwarts.
Tirou então os óculos e se deitou, de olhos abertos, de frente para os três cartões de aniversário.
Mesmo sendo muito fora do comum, naquele momento Harry Potter se sentiu como todo mundo: feliz, pela primeira vez na vida, porque era o dia do seu aniversário.