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Unknown
junho 06, 2014
Capítulo 9
— Típico — disse Harry desanimado. — É o que eu sempre quis, fazer papel de palhaço montado numa vassoura na frente do Draco.
Ele estivera ansioso para aprender a voar, mais do que qualquer outra coisa.
— Você não sabe se vai fazer papel de palhaço — disse Rony sensato — Em todo o caso, sei que Draco vive falando que é bom em Quadribol, mas aposto que é conversa fiada.
Draco sem dúvida falava muito de vôos. Queixava-se em voz alta que os alunos do primeiro ano nunca entravam para o time de Quadribol e se gabava em longas histórias, que sempre pareciam terminar com ele escapando por um triz dos trouxas de helicóptero. Mas ele não era o único pelo que Simas Finnigan contava, ele passara a maior parte da infância voando pelo campo montado numa vassoura. Até Rony contava para quem quisesse ouvir sobre a vez em que ele quase batera numa asa delta montado na velha vassoura de Carlinhos. Todos os garotos de famílias de bruxos falavam o tempo todo de Quadribol. Rony já tivera uma grande discussão sobre futebol com Dino Thomas, que também usava o dormitório deles. Rony não via nada excitante em um jogo em que ninguém podia voar e só tinha uma bola. Harry surpreendera Rony cutucando o pôster em que Dino aparecia com o time de futebol de West Ham, tentando fazer os jogadores se mexerem.
Neville nunca andara de vassoura na vida, porque a avó nunca o deixara chegar perto de uma. No fundo, Harry achava que ela estava certíssima, porque Neville conseguira sofrer um número impressionante de acidentes mesmo com os dois pés no chão.
Hermione Granger estava quase tão nervosa quanto Neville com a idéia de voar. Isto não era coisa que se aprendesse de cor em um livro, não que ela não tivesse tentado. No café da manhã de quinta-feira, deu um cansaço neles falando sobre macetes de vôo que lera em um livro da biblioteca chamado Quadribol através dos séculos. Neville praticamente se pendurava em cada palavra que ela dizia, desesperado para aprender qualquer coisa que o ajudasse a se segurar na vassoura mais tarde, mas todos os outros ficaram muito felizes quando a conferência de Hermione foi interrompida pela chegada do correio.
Harry não recebera nenhuma carta desde o bilhete de Hagrid, uma coisa que Draco não demorara nada a notar, é claro. A coruja de Draco estava sempre lhe trazendo de casa pacotes de doces, que ele abria fazendo farol na mesa da Sonserina.
Uma coruja de curral trouxe para Neville um pacotinho da avó.
Ele o abriu excitado e mostrou a todos uma bolinha de vidro do tamanho de uma bola de gude grande, que parecia cheia de fumaça branca.
— É um Lembrol! — explicou ele. — Vovó sabe que sou esquecido. Isto serve para avisar que a gente esqueceu de fazer alguma coisa. Olhe, aperte assim e ele fica vermelho, ah... — E ficou sem graça, porque o Lembrol de repente emitiu uma luz escarlate.
—... Você esqueceu alguma coisa...
Neville estava tentando se lembrar do que esquecera quando Draco, que ia passando pela mesa da Grifinória, arrancou o Lembrol de sua mão.
Harry e Rony puseram-se imediatamente de pé. Andavam querendo um motivo para brigar com Draco, mas a Professora Minerva, que era capaz de identificar uma confusão mais depressa do que qualquer outro professor da escola, num segundo estava lá.
— Que é que está acontecendo?
— Draco tirou o meu Lembrol, professora.
Mal-humorado, Draco mais do que depressa largou o Lembrol na mesa.
— Só estava olhando — falou, e saiu de fininho com Crabbe e Goyle na esteira.
Às três e meia, aquela tarde, Harry, Rony e os outros garotos da Grifinória desceram correndo as escadas que levavam para fora do castelo para a primeira aula de vôo. Era um dia claro, com uma brisa fresca e a grama ondeava pelas encostas sob seus pés ao caminharem em direção a um gramado plano que havia do lado oposto à floresta proibida, cujas árvores balançavam sinistramente a distância.
Os garotos da Sonserina já estavam lá, bem como as vinte vassouras arrumadas em fileiras no chão. Harry ouvira Fred e Jorge Weasley se queixarem das vassouras da escola, dizendo que havia umas que começavam a vibrar quando voavam muito alto, ou sempre repuxavam ligeiramente para a esquerda.
A professora, Madame Hooch, chegou. Tinhas cabelos curtos e grisalhos e olhos amarelos como os de um falcão.
— Vamos, o que é que estão esperando? — perguntou com rispidez. — Cada um ao lado de uma vassoura. Vamos, andem logo.
Harry olhou para a vassoura. Era velha e tinha algumas palhas espetadas para fora em ângulos estranhos.
— Estiquem a mão direita sobre a vassoura — mandou Madame Hooch diante deles — e digam "Em pé!”.
— EM PÉ! — gritaram todos.
A vassoura de Harry pulou imediatamente para sua mão, mas foi uma das poucas que fez isso. A de Hermione Granger simplesmente se virou no chão e a de Neville nem se mexeu.
Talvez as vassouras como os cavalos, percebessem quando a pessoa estava com medo, pensou Harry, havia um tremor na voz de Neville, que dizia com demasiada clareza que ele queria manter os pés no chão.
Madame Hooch, em seguida, mostrou-lhes como montar as vassouras sem escorregar pela outra extremidade, e passou pelas fileiras de alunos corrigindo a maneira de segurá-la. Harry e Rony ficaram contentes quando ela disse a Draco que ele segurava a vassoura errado havia anos.
— Agora, quando eu apitar, dêem um impulso forte com os pés — disse a professora. — Mantenham as vassouras firmes, saiam alguns centímetros do chão e voltem a descer curvando o corpo um pouco para frente. Quando eu apitar... Três... Dois...
Mas Neville, nervoso, assustado, e com medo que a vassoura o largasse no chão, deu um impulso forte antes mesmo de o apito tocar os lábios de Madame Hooch.
— Volte, menino! — gritou ela, mas Neville subiu como uma rolha que sai sob pressão da garrafa, quatro metros, seis metros.
Harry viu a cara de Neville branca de medo espiando para o chão enquanto ganhava altura, viu-o exclamar, escorregar de lado para fora da vassoura e...
— BUM! — um baque surdo, um ruído de fratura e Neville caindo na grama, estatelado. Sua vassoura continuou a subir cada vez mais alto e começou a flutuar sem pressa em direção à floresta proibida e desapareceu de vista.
Madame Hooch se debruçou sobre Neville, o rosto tão branco quanto o dele.
— Pulso quebrado — Harry ouviu-a murmurar — Vamos, menino, levante-se.
Virou-se para o restante da classe.
— Nenhum de vocês vai se mexer enquanto levo este menino ao hospital! Deixem as vassouras onde estão ou vão ser expulsos de Hogwarts antes de poderem dizer "Quadribol". Vamos, querido.
Neville, o rosto manchado de lágrimas, segurando o pulso, saiu mancando em companhia de Madame Hooch, que o abraçava pelos ombros.
Assim que se distanciaram e ficaram fora do campo de audição da classe, Draco caiu na gargalhada.
— Vocês viram a cara dele, o panaca?
Os outros alunos da Sonserina fizeram coro.
— Cala a boca, Draco — retrucou Parvati Patil.
— Uuuu, defendendo o Neville? — disse Pansy Parkinson, uma aluna da Sonserina de feições duras — Nunca pensei que você gostasse de manteiguinhas derretidas, Parvati.
— Olhe! — disse Draco, atirando-se para frente e recolhendo alguma coisa na grama. — É aquela porcaria que a avó do Neville mandou.
O Lembrol cintilou ao sol quando o garoto o ergueu.
— Me dá isso aqui, Draco — falou Harry em voz baixa. Todos pararam de conversar para espiar, Draco soltou uma risadinha malvada.
— Acho que vou deixá-la em algum lugar para Neville apanhar, que tal em cima de uma árvore?
— Me dá isso aqui — berrou Harry, mas Draco montara na vassoura e saíra voando. Ele não mentira, sabia voar bem, e planando ao nível dos ramos mais altos de um carvalho desafiou:
— Venha buscar, Potter!
Harry agarrou a vassoura.
— Não! — gritou Hermione Granger — Madame Hooch disse para a gente não se mexer. Vocês vão nos meter numa enrascada.
Harry não lhe deu atenção. O sangue palpitava em suas orelhas. Ele montou a vassoura, deu um impulso com força e subiu, subiu alto, o ar passou veloz pelo seu cabelo e suas vestes se agitaram com força para trás e numa onda de feroz alegria ele percebeu que encontrara alguma coisa que era capaz de fazer sem ninguém lhe ensinar. Isto era fácil, era maravilhoso. Puxou a vassoura para o alto para subir ainda mais e ouviu gritos e exclamações das garotas lá no chão e um viva de admiração do Rony. Virou a vassoura com um gesto brusco ficando de frente para Draco, que planava no ar. O garoto estava abobalhado.
— Me dá isso aqui — mandou Harry — ou vou derrubar você dessa vassoura!
— Ah é? — retrucou Draco, tentando caçoar, mas parecendo preocupado.
Harry de alguma maneira sabia o que fazer. Curvou-se para frente, segurou a vassoura com firmeza com as duas mãos e ela disparou na direção de Draco como uma lança. Draco só conseguiu escapar por um triz. Harry fez uma curva fechada e manteve a vassoura firme. Algumas pessoas no chão aplaudiam.
— Aqui não tem Crabbe nem Goyle para salvarem sua pele, Draco — berrou Harry.
O mesmo pensamento parecia ter ocorrido a Draco.
— Apanhe se puder, então! — gritou, e atirou a bolinha de cristal no ar e voltou para o chão.
Harry viu, como se fosse em câmara lenta, a bolinha subir no ar e começar a cair. Ele se curvou para frente e apontou o cabo da vassoura para baixo, no instante seguinte estava ganhando velocidade num mergulho quase vertical, apostando corrida com a bolinha. O vento assobiava em suas orelhas, misturado aos gritos das pessoas que olhavam, ele esticou a mão a uns trinta centímetros do solo agarrou-a, bem em tempo de levar a vassoura à posição vertical, e caiu suavemente na grama com o Lembrolsalvo e seguro na mão.
— HARRY POTTER!
Ele perdeu a animação mais depressa do que quando mergulhara. A Professora Minerva vinha correndo em direção à turma.
Ele se levantou tremendo.
— Nunca... Em todo o tempo que estou em Hogwarts... — A Professora Minerva quase perdeu a fala de espanto e seus óculos cintilavam sem parar. —... Como é que você se atreve... Podia ter partido o pescoço...
— Não foi culpa dele, professora...
— Calada, Srta. Patil..
— Mas Draco...
— Chega, Sr. Weasley, Potter me acompanhe, agora.
Harry viu as caras vitoriosas de Draco, Crabbe e Goyle ao sair acompanhando, espantado, a Professora Minerva, que seguiu para o castelo. Ia ser expulso, sabia. Queria dizer alguma coisa para se defender, mas parecia ter acontecido alguma coisa com a sua voz.
A Professora Minerva caminhava decidida, sem nem olhar para trás ele tinha que correr para acompanhar seu passo. Agora se enrascara.
Não tinha durado nem duas semanas. Estaria fazendo as malas dali a dez minutos. Que iriam dizer os Dursley quando ele aparecesse à porta da casa?
Subiram os degraus da entrada, subiram a escadaria de mármore, e a Professora Minerva continuava a não dizer nada.
Escancarava portas e marchava pelos corredores com Harry trotando infeliz atrás dela. Talvez ela o levasse a Dumbledore.
Pensou em Hagrid, aluno expulso a quem tinham permitido continuar na escola como guarda-caça. Talvez virasse assistente de Hagrid. Seu estômago revirava só de pensar, observando Rony e os outros se tornarem bruxos enquanto ele andava pela propriedade carregando a bolsa de Hagrid.
A Professora Minerva parou à porta de uma sala de aula. Abriu a porta e meteu a cabeça para dentro.
— Com licença, Professor Flitwick, posso pedir o Wood emprestado por um instante?
“Wood?” pensou Harry, intrigado, Wood seria alguma coisa que ela ia usar para castigá-lo?
Mas Wood afinal era uma pessoa, um menino forte do quinto ano, que saiu da sala de Flitwick parecendo confuso.
— Vocês dois me sigam — disse a Professora Minerva, e continuaram todos pelo corredor, Wood examinando Harry com curiosidade.
— Entrem.
A Professora Minerva indicou uma sala de aula que estava vazia exceto por Pirraça, que se ocupava em escrever palavrões no quadro-negro.
— Fora, Pirraça! — ordenou ela. Pirraça atirou o giz em uma cesta, produzindo um eco metálico e alto e saiu xingando. A Professora Minerva bateu a porta atrás dele e virou-se para encarar os dois garotos.
— Harry Potter, este é Olívio Wood. Olívio... Encontrei um apanhador para você.
A expressão de Olívio mudou de confusão para prazer.
— Está falando sério, professora?
— Seríssimo — resumiu a Professora Minerva. — O menino tem um talento natural. Nunca vi nada parecido. Foi a primeira vez que montou numa vassoura, Harry?
Harry confirmou com a cabeça. Não tinha a menor idéia do que estava acontecendo, mas parecia que não estava sendo expulso, e começou a recuperar um pouco da sensibilidade nas pernas.
— Ele apanhou aquela coisa com a mão depois de um mergulho de mais de 15 metros — a Professora Minerva contou a Wood.
— Não sofreu um único arranhão. Nem Carlinhos Weasley seria capaz de fazer igual.
Olívio parecia agora alguém cujos sonhos tinham virado realidade, todos ao mesmo tempo.
— Você já assistiu a um jogo de Quadribol, Potter? — perguntou excitado.
— Wood é o capitão do time da Grifinória — explicou a Professora Minerva.
— E tem o físico perfeito para um apanhador — acrescentou Olívio agora andando a volta de Harry, examinando-o. — Leve, veloz, vamos ter de arranjar uma vassoura decente para ele, professora, uma Nimbus 2000 ou uma Cleansweep-7, na minha opinião.
— Vou conversar com o professor Dumbledore e ver se podemos contornar o regulamento para o primeiro ano. Deus sabe que precisamos de um time melhor do que o do ano passado. Esmagado naquele último jogo contra os sonserinos. Mal consegui encarar Severo Snape no rosto durante semanas...
A Professora Minerva espiou Harry com severidade por cima dos óculos.
— Quero ouvir falar que você está treinando com vontade, Potter, ou posso mudar de idéia quanto ao castigo que merece.
Então, inesperadamente, ela sorriu.
— Seu pai teria ficado orgulhoso. Era um excelente jogador de Quadribol.
— Você está brincando.
Era hora do jantar. Harry acabara de contar a Rony o que acontecera quando deixara os jardins da propriedade com a Professora Minerva. Rony tinha um pedaço de bife e pastelão de rins a meio caminho da boca, mas esqueceu o que estava fazendo.
— Apanhador? — exclamou. — Mas os alunos do primeiro ano nunca jogam, você vai ser o jogador da casa mais novo do último...
— Século — completou Harry, enfiando o pastelão na boca.
Sentia-se particularmente faminto depois da agitação da tarde.
— Olívio me disse.
Rony estava tão admirado, tão impressionado, que ficou ali sentado de boca aberta para Harry.
— Vou começar a treinar na próxima semana — anunciou Harry.
— Só não conte a ninguém, Olívio quer fazer segredo.
Fred e Jorge Weasley entraram nesse momento no salão, viram Harry e foram depressa falar com ele.
— Grande lance — falou Jorge em voz baixa. — Olívio nos contou. — Estamos no time também... Batedores.
— Sabe de uma coisa, tenho certeza de que vamos ganhar a taça de Quadribol deste ano — disse Fred. — Não ganhamos desde que Carlinhos terminou a escola, mas o time deste ano vai ser brilhante. Você deve ser bom, Harry, Olívio estava quase dando pulinhos quando nos contou.
— Em todo o caso, temos de ir, Lino Jordan acha que encontrou uma nova passagem secreta para sair da escola.
Fred e Jorge mal tinham desaparecido quando alguém menos bem-vindo apareceu: Draco, ladeado por Crabbe e Goyle.
— Comendo a última refeição, Harry? Quando vai pegar o trem de volta para a terra dos trouxas?
— Você está bem mais corajoso agora que voltou ao chão e está acompanhado por seus amiguinhos — disse Harry tranqüilo. Não havia nada "inho" em Crabbe nem em Goyle, mas como a mesa principal estava repleta de professores, os garotos só podiam estalar as juntas e fazer cara feia.
— Enfrento você a qualquer hora sozinho — disse Draco. — Hoje à noite, se você quiser. Duelo de bruxos. Só varinhas, sem contato. Que foi? Nunca ouviu falar de duelo de bruxos, suponho?
— Claro que já — respondeu Rony virando-se. Vou ser o padrinho dele, quem vai ser o seu?
Draco mirou Crabbe e Goyle medindo-os.
— Crabbe, meia-noite está bem? Nos encontramos na sala de troféus, está sempre destrancada.
Quando Draco foi embora, Rony e Harry se entreolharam.
— O que é um duelo de bruxos? — perguntou Harry. — E o que você quis dizer quando se ofereceu para ser meu padrinho?
— Bom, o padrinho fica lá para tomar o seu lugar se você morrer — disse Rony com displicência, começando finalmente a comer o pastelão frio. Surpreendido com a expressão no rosto de Harry, acrescentou bem depressa:
— Mas as pessoas só morrem em duelos de verdade, sabe, com bruxos de verdade. O máximo que você e Draco conseguirão fazer será atirar fagulhas um no outro. Nenhum dos dois conhece magia suficiente para fazer estragos. Mas aposto que ele esperava que você recusasse.
— E se eu agitar minha varinha e nada acontecer?
— Jogue a varinha fora e meta-lhe um soco na cara — sugeriu Rony.
— Com licença.
Os dois ergueram os olhos. Era Hermione Granger.
— Será que uma pessoa não pode comer sossegada neste lugar? — exclamou Rony.
Hermione não ligou para ele e se dirigiu a Harry.
— Não pude deixar de ouvir o que você e Draco estavam dizendo...
— Aposto que podia — resmungou Rony.
— E você não deve andar pela escola à noite, pense nos pontos que vai perder para a Grifinória se for pego, vai ser muito egoísmo da sua parte.
— É, para falar a verdade, não é da sua conta — respondeu Harry.
— Tchau — disse Rony.
Em todo o caso, não era o que se poderia chamar de um final perfeito para o dia, pensou Harry, muito mais tarde, deitado na cama sem dormir, percebendo Dino e Simas adormecerem.
Neville não voltara do hospital. Rony passou a noite toda lhe dando conselhos do tipo "Se ele tentar lançar um feitiço, é melhor você tirar o corpo fora, porque não consigo me lembrar como se fecha o corpo". Havia uma boa chance de serem pegos por Filch ou por Madame Nor-r-ra, e Harry sentiu que estava abusando da sorte, desrespeitando mais um regulamento da escola no mesmo dia. Por outro lado, a cara de deboche de Draco não parava de lhe aparecer no escuro. Essa era sua grande oportunidade de vencer Draco cara a cara. Não podia perdê-la.
— Onze e trinta — Rony cochichou finalmente, é melhor irmos.
Eles vestiram os robes, apanharam as varinhas e atravessaram sorrateiros o quarto da torre, desceram a escada em espiral e entraram na sala comunal da Grifinória. Algumas brasas ainda rutilavam na lareira, transformando todas as poltronas em sombras corcundas. Tinham quase chegado à abertura no retrato quando uma voz falou da poltrona mais próxima.
— Não posso acreditar que você vai fazer isso, Harry.
Uma lâmpada se acendeu. Era Hermione Granger, de robe cor-de-rosa e cara fechada.
— Você! — exclamou Rony furioso. — Volte para a cama!
— Quase contei ao seu irmão — retorquiu Hermione. — Percy, ele é monitor, ia acabar com essa história.
Harry não conseguiu acreditar que alguém pudesse ser tão metido.
— Vamos — chamou Rony. Afastou o retrato da Mulher Gorda com um empurrão e passou pela abertura.
Hermione não ia desistir com tanta facilidade. Seguiu Rony pela abertura do retrato, sibilando para os dois como um ganso raivoso.
— Vocês não se importam com a Grifinória, vocês só se importam com vocês mesmos, eu não quero que a Sonserina ganhe a Taça da Casa e vocês vão perder todos os pontos que ganhei com a Professora Minerva por saber a Troca de Feitiços.
— Vai embora.
— Tudo bem, mas eu preveni vocês, lembrem-se do que eu disse quando estiverem amanhã no trem voltando para casa, vocês são tão...
Mas o que eram, eles não chegaram saber. Hermione se virara para o retrato da Mulher Gorda para tornar a entrar e se viu diante de um quadro vazio. A Mulher Gorda tinha saído para fazer uma visita noturna e Hermione ficou trancada do lado de fora da torre da Grifinória.
— Agora o que é que eu vou fazer? — perguntou com a voz esganiçada.
— O problema é seu — disse Rony. — Nós temos de ir, se não vamos nos atrasar.
Nem tinham chegado ao fim do corredor quando Hermione os alcançou.
— Vou com vocês.
— Não vai, não.
— Vocês acham que vou ficar parada aqui, esperando o Filch me pegar? Se ele encontrar os três, conto a verdade, que eu estava tentando impedir vocês de saírem e vocês podem confirmar.
— Mas que cara-de-pau — disse Rony bem alto.
— Calem a boca, vocês dois — disse Harry bruscamente. — Ouvi uma coisa.
Era como se alguém estivesse farejando.
— Madame Nor-r-ra? — murmurou Rony, apertando os olhos para enxergar no escuro.
Não era Madame Nor-r-ra. Era Neville. Estava enroscado no chão, dormindo a sono solto, mas acordou repentinamente assustado quando eles se aproximaram.
— Graças a Deus que vocês me encontraram! Estou aqui há horas, não consegui me lembrar da nova senha para entrar no quarto.
— Fale baixo, Neville. A senha é "focinho de porco", mas não vai lhe adiantar nada agora, a Mulher Gorda saiu.
— Como está o braço? — perguntou Harry.
— Ótimo — disse Neville mostrando. — Madame Pomfrey consertou-o na hora.
— Que bom, olhe, Neville, temos que estar em um lugar, vemos você depois.
— Não me deixem aqui! — pediu Neville pondo-se de pé. — Não quero ficar sozinho, o barão Sangrento já passou por aqui duas vezes.
Rony consultou o relógio e em seguida fez uma cara furiosa para Hermione e Neville.
— Se formos pegos por causa de vocês, não vou sossegar até aprender aquela Poção do Morto-Vivo que Quirrell falou e vou usá-la contra vocês.
Hermione abriu a boca, talvez para dizer a Rony exatamente como usar o Feitiço do Morto-Vivo, mas Harry mandou-a ficar quieta e fez sinal para prosseguirem.
Passaram quase voando pelos corredores listrados pelo luar que entrava pelas grades das janelas altas. A cada curva Harry esperava topar com Filch ou com Madame Nor-r-ra, mas tiveram sorte.
Subiram correndo uma escada até o terceiro andar e, nas pontas dos pés, dirigiu-se à sala dos troféus.
Draco e Crabbe ainda não tinham chegado. As vitrines de cristal onde estavam guardados os troféus refulgiam quando tocadas pelo luar. Taças, escudos, pratos e estátuas piscavam no escuro com lampejos prateados e dourados. Eles caminharam rente às paredes, mantendo os olhos nas portas de cada lado da sala.
Harry tirou a varinha da caixa para o caso de Draco aparecer de repente e começar a duelar. Os minutos passaram vagarosos.
— Ele está atrasado, quem sabe se acovardou — Rony sussurrou. Então uma batida na sala ao lado os sobressaltou, acabara de erguer a varinha quando ouviram alguém falar e não era Draco.
— Vá farejando, minha querida, eles podem estar escondidos em algum canto.
Era Filch falando com Madame Nor-r-ra. Horrorizado, Harry fez sinais frenéticos para os outros três o seguirem o mais depressa possível, e fugiram silenciosos em direção à porta mais distante da voz de Filch. As vestes de Neville mal tinham acabado de passar a curva quando ouviram Filch entrar na sala dos troféus.
— Eles estão por aqui — ouviram-no resmungar —, provavelmente escondidos.
— Por aqui! — disse Harry, apenas mexendo a boca, para os outros e, petrificados, eles começaram a descer uma longa galeria cheia de armaduras. Podiam ouvir Filch se aproximando. Neville de repente, soltou um guincho assustado e saiu correndo.
Tropeçou, agarrou Rony pela cintura e os dois desabaram em cima de uma armadura.
A queda e o estrépito foram suficientes para acordar o castelo inteiro.
— CORRAM! — gritou Harry e os quatro desembestaram pela galeria, sem virar a cabeça para ver se Filch os seguia. Fizeram a curva firmando-se no alisar da porta e saíram galopando por um corredor atrás do outro, Harry na liderança, sem a menor idéia de onde estavam nem que direção tomava. Atravessaram uma tapeçaria, rasgando-a e encontraram uma passagem secreta, precipitaram-se por ela e foram sair perto da sala de aula de Feitiços, que sabiam estar a quilômetros da sala dos troféus.
— Acho que o despistamos — ofegou Harry, apoiando-se na parede fria e enxugando a testa. Neville estava dobrado em dois, chiava e falava desconexamente.
— Eu... Disse... A vocês — Hermione falou sem fôlego, agarrando o bordado no peito. — Eu... Disse... A vocês.
— Temos de voltar à torre de Grifinória — lembrou Rony —, o mais rápido possível.
— Draco enganou você — disse Hermione a Harry. — Já percebeu isso, não? Não ia enfrentar você. Filch sabia que alguém ia estar na sala dos troféus. Draco deve ter contado a ele.
Harry achou que ela provavelmente tinha razão, mas não ia dar o braço a torcer.
— Vamos.
Não ia ser tão simples. Não tinham caminhado nem dez passos quando ouviram o barulho de uma maçaneta e alguma coisa disparou da sala de aula à frente deles.
Era Pirraça. Avistou os garotos e soltou um guincho de prazer.
— Cale a boca, Pirraça, por favor, você vai fazer a gente ser expulso.
Pirraça soltou uma gargalhada.
— Passeando por aí à meia-noite, aluninhos? Tsc, tsc. Que feinhos, vão ser apanhadinhos.
— Não se você não nos denunciar, Pirraça, por favor.
— Devia contar ao Filch, devia — disse Pirraça bem comportado, mas seus olhos cintilaram de maldade. — É para o seu próprio bem, sabem?
— Saia da frente — disse Rony com rispidez, baixando o braço em Pirraça. Foi um grande erro.
— ALUNOS FORA DA CAMA! — berrou Pirraça. — ALUNOS FORA DA CAMA NO CORREDOR DO FEITIÇO!
Passando por baixo de Pirraça eles saíram desembalados até o final do corredor onde depararam com uma porta... Fechada.
— Acabou-se! — gemeu Rony, empurrando inutilmente a porta — Estamos ferrados! É o fim!
Ouviram passos, Filch correndo a toda em direção aos gritos de Pirraça.
— Ah, sai da frente — Hermione resmungou aborrecida.
Agarrando a varinha de Harry, bateu na fechadura e murmurou:
— Alorromora!
A fechadura deu um estalo e a porta se abriu, eles se atropelaram por ela, fecharam-na e apuraram os ouvidos, à escuta.
— Para que lado eles foram, Pirraça? — era Filch perguntando. — Depressa, me diga.
— Peça "por favor".
— Não me enrole, Pirraça, vamos, para que lado eles foram?
— Não digo nada se você não pedir "por favor" — disse Pirraça na cantilena irritante com que falava.
— Está bem, “por favor”.
— NADA! Nada haaa! Eu disse a você que não dizia nada se você não pedisse por favor! Ha ha! Haaaaaa! — E ouviram Pirraça voar rápido para longe e Filch xingar com raiva.
— Ele acha que a porta está trancada! — Harry falou. — Acho que escapamos. Sai para lá, Neville! — Neville puxava a manga do robe de Harry fazia um minuto. — Que foi?
Harry se virou e viu, muito claramente, o que foi. Por um instante teve a certeza de que entrara num pesadelo, era demais depois de tudo o que já acontecera.
Não estavam numa sala, conforme ele supusera. Achavam-se num corredor. O corredor proibido do terceiro andar. E agora sabiam por que era proibido.
Estavam encarando os olhos de um cachorro monstruoso, um cachorro que ocupava todo o espaço entre o teto e o piso. Tinha três cabeças. Três pares de olhos que giravam enlouquecidos. Três narizes, que franziam e estremeciam farejando-os. Três bocas babosas, a saliva escorrendo em cordões viscosos das presas amarelas.
Estava muito firme, os olhos a observá-los, e Harry sabia que a única razão por que ainda estavam vivos era que o seu repentino aparecimento apanhara o cachorro de surpresa, mas ele já estava se recuperando e depressa, não havia dúvida quanto ao significado daqueles rosnados de ensurdecer.
Harry tateou a procura da maçaneta. Entre Filch e a morte, ficava com o Filch.
Retrocederam. Harry bateu a porta e eles correram, quase voaram pelo corredor, Filch devia ter tido pressa para procurá-los em outro lugar porque não o viram em parte alguma, mas nem se importaram. A única coisa que queriam era abrir a maior distância possível entre eles e o monstro. Não pararam de correr até chegarem ao retrato da Mulher Gorda no sétimo andar.
— Onde foi que vocês andaram? — perguntou ela, olhando para os robes que caiam soltos dos ombros e os rostos vermelhos e suados.
— Não interessa. Focinho de porco, focinho de porco — ofegou Harry, e o quadro girou para frente. Eles entraram de qualquer jeito na sala comunal e desmontaram, trêmulos, nas poltronas.
Levou algum tempo até um deles falar alguma coisa. Neville, então, parecia que nunca mais voltaria a falar.
— Que é que vocês acham que eles estão querendo, com uma coisa daquelas trancada numa escola? — perguntou Rony finalmente. — Se existe um cachorro que precisa de exercícios é aquele.
Hermione tinha recuperado tanto o fôlego quanto o mau humor.
— Vocês não usam os olhos, vocês todos, usam? — perguntou com rispidez. — Vocês não viram em cima do que ele estava?
— No chão? — arriscou Harry. — Eu não fiquei olhando para as patas, estava ocupado demais com as cabeças.
— Não, não estou falando do chão. Ele estava em cima de um alçapão. É claro que está guardando alguma coisa.
Ela se levantou olhando feio para ele.
— Espero que estejam satisfeitos com o que fizeram. Podíamos ter sido mortos, ou pior, expulsos. Agora, se vocês não se importam, eu vou me deitar.
Rony ficou olhando para ela, de boca aberta.
— Não, não nos importamos. Qualquer um pensaria que nós a arrastamos conosco, não é mesmo?
Mas Hermione tinha dado a Harry algo em que pensar quando voltou para a cama. O cachorro estava guardando alguma coisa...
Que era que Hagrid tinha dito? Gringotes era o lugar mais seguro do mundo quando se queria esconder alguma coisa, com exceção talvez de Hogwarts.
Parecia que Harry descobrira onde o pacotinho encalombado do cofre setecentos e treze tinha ido parar.