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Unknown
junho 06, 2014
Capítulo 17
— O senhor!— exclamou Harry, Quirrell sorriu. Seu rosto não tinha nenhum tique.
— Eu — disse calmamente — estive me perguntando se encontraria você aqui, Potter.
— Mas pensei... Snape...
— Severo? — Quirrell deu uma gargalhada e não era aquela gargalhadinha tremida de sempre, era fria e cortante. — É, Severo faz o tipo, não faz? Tão útil tê-lo esvoaçando por aí como um morcegão. Perto dele, quem suspeitaria do c... c... coitado do ga... gaguinho do P... Professor Quirrell?
Harry não conseguia assimilar. Isto não podia ser verdade, não podia.
— Mas Snape tentou me matar!
— Não, não, não. Eu tentei matá-lo. Sua amiga Hermione Granger, por acaso, me empurrou quando estava correndo para tocar fogo no Snape naquela partida de Quadribol. Ela interrompeu o meu contato visual com você. Mais uns segundos e eu o teria derrubado daquela vassoura. Teria conseguido isso antes se Snape não ficasse murmurando antifeitiço, tentando salvá-lo.
— Snape estava tentando me salvar?
— É claro — disse Quirrell calmamente. — Por que você acha que ele queria apitar o próximo jogo? Ele estava tentando garantir que eu não repetisse aquilo. O que na realidade é engraçado... Ele nem precisava ter se dado ao trabalho. Eu não poderia fazer nada com Dumbledore assistindo. Todos os outros professores acharam que Snape estava tentando impedir a Grifinória de ganhar, ele conseguiu realmente se tornar impopular... E que perda de tempo, se depois disso vou matá-lo esta noite.
Quirrell estalou os dedos. Surgiram no ar cordas que amarraram Harry bem apertado.
— Você é muito metido para continuar vivo, Potter. Sair correndo pela escola no dia das Bruxas daquele jeito e, pelo que imaginei me viu descobrir o que é que estava guardando a pedra.
— O senhor deixou o trasgo entrar?
— Claro que sim. Tenho um talento especial para lidar com tragos. Você deve ter visto o que fiz com aquele na câmara lá atrás? Infelizmente, enquanto o resto do pessoal estava procurando o trasgo, Snape, que já desconfiava de mim, foi direto ao terceiro andar para me afastar, e não só o meu trasgo não conseguiu matar você de pancada, como o cachorro de três cabeças nem sequer conseguiu morder a perna de Snape direito. Agora espere aí quieto. Preciso examinar este espelho curioso.
Foi somente então que Harry percebeu o que estava parado atrás de Quirrell. Era o Espelho de Ojesed.
— Este espelho é a chave para encontrar a pedra — murmurou Quirrell, batendo de leve na moldura. — Pode-se confiar em Dumbledore para inventar uma coisa dessas... Mas ele está em Londres... E estarei bem longe quando voltar.
A única coisa que ocorreu a Harry foi manter Quirrell falando para impedi-lo de se concentrar no espelho.
— Vi o senhor e Snape na floresta. — falou de um fôlego só.
— Sei — disse Quirrell indiferente, dando a volta ao espelho para examinar o avesso. — Naquela altura ele já percebera minhas intenções, e tentava descobrir até onde eu tinha ido. Suspeitou de mim o tempo todo. Tentou me assustar, como se fosse possível, quando tenho Lord Voldemort do meu lado...
Quirrell saiu de trás do espelho e mirou-o cheio de cobiça.
— Estou vendo a Pedra... Eu a estou apresentando ao meu mestre... Mas onde é que ela está?
Harry forçou as cordas que o prendiam, mas elas não cederam.
Tinha que impedir Quirrell de dedicar toda a atenção ao espelho.
— Mas Snape sempre pareceu me odiar tanto.
— Ah, e odeia mesmo — disse Quirrell, displicente —, e como odeia. Ele estudou em Hogwarts com o seu pai, você não sabia? Os dois se detestavam. Mas ele nunca quis ver você morto.
— Mas ouvi o senhor soluçando, há uns dias. Pensei que Snape estava ameaçando o senhor...
Pela primeira vez, espasmos de medo passou pelo rosto de Quirrell.
— Às vezes, eu tenho dificuldade em seguir as instruções do meu mestre. Ele é um grande mago e eu sou fraco.
— O senhor quer dizer que ele estava na sala de aula com o senhor? — exclamou Harry admirado.
— Está comigo aonde quer que eu vá — disse Quirrell em voz baixa — Conheci-o quando estava viajando pelo mundo. Eu era um rapaz tolo naquela época, cheio de idéias ridículas sobre o bem e o mal. Lord Voldemort me mostrou como eu estava errado. Não existe bem nem mal, só existe o poder, e aqueles que são demasiado fracos para o desejarem. Desde então, eu o tenho servido com fidelidade, embora o desaponte muitas vezes. Por isso tem precisado ser muito severo comigo — Quirrell estremeceu de repente — Não perdoa erros com muita facilidade. Quando não consegui roubar a pedra de Gringotes, ele ficou muito aborrecido. Castigou-me, resolveu me vigiar mais de perto.
A voz de Quirrell foi morrendo. Harry lembrou-se de sua viagem ao Beco Diagonal, como podia ter sido tão burro? Ele vira Quirrell lá naquele dia, apertara a mão dele no Caldeirão Furado.
Quirrell praguejou baixinho.
— Eu não entendo... A Pedra está dentro do espelho? Devo quebrá-lo?
A cabeça de Harry pensava a mil.
“O que quero acima de tudo no mundo, neste momento, é encontrar a Pedra antes que Quirrell a encontre. Então se me olhar no espelho, devo me ver encontrando a Pedra, o que quer dizer que verei onde está escondida! Mas como posso me olhar sem Quirrell perceber o que estou tramando?” Harry tentou se deslocar para a esquerda, para se posicionar diante do espelho sem Quirrell notar, mas as cordas que prendiam seus tornozelos estavam muito apertadas. ele tropeçou e caiu.
Quirrell não lhe deu atenção. Continuou falando sozinho.
— O que é que o espelho faz? Como é que ele funciona? Ajude-me, mestre.
E para horror de Harry, uma voz respondeu, e a voz parecia vir do próprio Quirrell.
— Use o menino... Use o menino...
Quirrell voltou-se para Harry.
— É... Potter vem cá.
E bateu palmas uma vez e as cordas que prendiam Harry caíram. Harry se levantou sem pressa.
— Vem cá — repetiu Quirrell. — Olhe no espelho e me diga o que vê.
Harry foi até ele.
"Preciso mentir, pensou desesperado". “Preciso olhar e mentir sobre o que vejo, é isso.”
Quirrell aproximou-se de Harry pelas costas. Harry respirou o cheiro esquisito que parecia vir do turbante de Quirrell. Fechou os olhos, adiantou-se para se postar na frente do espelho, e tomou a abri-los.
A princípio viu a sua imagem pálida e apavorada. Mas um segundo depois, a imagem sorriu para ele. Levou a mão ao bolso e tirou uma pedra cor de sangue. Aí piscou e devolveu a pedra ao bolso e ao fazer isto, Harry sentiu uma coisa pesada cair dentro do seu bolso de verdade. De alguma forma inacreditável estava de posse da Pedra.
— E então? — perguntou Quirrell impaciente. — O que é que você está vendo?
Harry armou-se de coragem.
— Estou me vendo apertando a mão de Dumbledore — inventou. — Ganhei o campeonato das casas para Grifinória.
Quirrell xingou outra vez.
— Saia do meu caminho — disse. Quando Harry se afastou, sentiu a Pedra Filosofal comprimir sua coxa. Será que tinha coragem para tentar fugir?
Mas não dera cinco passos quando uma voz alta falou, embora os lábios de Quirrell não estivessem se mexendo.
— Ele está mentindo... Ele está mentindo...
— Potter, volte aqui! — gritou Quirrell — Diga-me a verdade! O que foi que você acabou de ver?
A voz alta tomou a falar.
— Deixe-me falar com ele... Cara a cara...
— Mestre, o senhor não está bastante forte!
— Estou bastante forte... Para isso...
Harry se sentiu como se o visgo do diabo o tivesse pregado no chão. Não conseguia mover nem um músculo. Petrificado, viu Quirrell erguer os braços e começar a desenrolar o turbante. O que estava acontecendo? O turbante caiu. A cabeça de Quirrell parecia estranhamente pequena sem ele. Então ele virou de costas sem sair do lugar.
Harry poderia ter gritado, mas não conseguiu produzir nem um som. Onde deveria estar a parte de trás da cabeça de Quirrell, havia um rosto, o rosto mais horrível que Harry já vira. Era branco-giz com intensos olhos vermelhos e fendas no lugar das narinas, como uma cobra.
— Harry Potter... — falou o rosto.
Harry tentou dar um passo para trás, mas suas pernas não obedeceram.
— Está vendo no que me transformei? — disse o rosto. — Apenas uma sombra vaporosa. Só tenho forma quando posso compartilhar o corpo de alguém... Mas sempre houve gente disposta a me deixar entrar no seu coração e na sua mente... O sangue do unicórnio me fortaleceu, nessas últimas semanas... Você viu o fiel Quirrell bebendo-o por mim na floresta... E uma vez que eu tenha o elixir da vida, poderei criar um corpo só meu... Agora... Por que você não me dá essa pedra no seu bolso?
Então ele sabia. A sensibilidade voltou repentinamente as pernas de Harry. Ele cambaleou para trás.
— Não seja tolo — rosnou o rosto. — É melhor salvar sua vida e se unir a mim... Ou vai ter o mesmo fim dos seus pais... Eles morreram suplicando piedade...
— MENTIRA! — gritou Harry inesperadamente Quirrell. estava andando de costas para ele, de modo que Voldemort pudesse vê-lo. O rosto malvado sorria agora.
— Que comovente... — sibilou. — Sempre dei valor à coragem... E, menino, seus pais foram corajosos. Matei seu pai primeiro e ele me enfrentou com coragem... Mas sua mãe não precisava ter morrido... Estava tentando protegê-lo... Agora me dê a pedra, a não ser que queira que a morte dela tenha sido em vão.
— Nunca!
Harry saltou para a porta em chamas, mas Voldemort gritou:
— AGARRE-O!
E, no instante seguinte, Harry sentiu a mão de Quirrell fechar-se em torno de seu pulso. E, ao mesmo tempo, uma dor fria como uma agulhada queimou sua cicatriz, parecia que sua cabeça ia se rachar em dois, ele berrou, lutando com todas as forças e, para sua surpresa, Quirrell largou-o. A dor em sua cabeça diminuiu, ele olhou alucinado à volta para ver onde fora Quirrell e o viu dobrar de dor, examinando os dedos, eles se enchiam de bolhas, diante dos seus olhos.
— Agarre-o! Agarre-o! — esganiçou-se Voldemort outra vez e Quirrell investiu, derrubando Harry no chão, caindo por cima dele, as duas mãos apertando o pescoço do menino, a cicatriz de Harry quase o cegava de dor, contudo ele via Quirrell urrar de agonia.
— Mestre, não posso segurá-lo. Minhas mãos. Minhas mãos!
E Quirrell, embora prendendo Harry no chão com os joelhos, largou seu pescoço e arregalou os olhos, perplexo, para as palmas das mãos, elas pareciam queimadas, vermelhas, em carne viva.
— Então o mate, seu tolo, e acabe com isso! — guinchou Voldemort.
Quirrell levantou a mão para jogar uma praga letal, mas Harry, por instinto, esticou as mãos e agarrou a cara de Quirrell.
— AAAAI!
Quirrell saiu de cima dele, seu rosto se encheu de bolhas também, e então Harry entendeu: Quirrell não podia tocar sua pele, sem sofrer dores terríveis, sua única chance era dominar Quirrell, causar-lhe dor suficiente para impedi-lo de lançar feitiços.
Harry ficou em pé de um salto, agarrou Quirrell pelo braço e segurou-o com toda a força que pôde. Quirrell berrou e tentou se desvencilhar, a dor na cabeça de Harry estava aumentando, ele não conseguia enxergar, ouvia os gritos terríveis de Quirrell e os berros de Voldemort "MATE-O! MATE-O!" e outras vozes, talvez dentro de sua própria cabeça, chamando "Harry! Harry”!
Sentiu o braço de Quirrell desprender-se com força de sua mão, teve certeza de que tudo estava perdido e mergulhou na escuridão, cada vez mais profunda.
Alguma coisa dourada estava brilhando logo acima dele. O pomo! Tentou agarrá-lo, mas seus braços estavam muito pesado. Piscou os olhos. Não era o pomo. Eram óculos. Que estranho.
Piscou os olhos outra vez. O rosto sorridente de Alvo Dumbledore entrou em foco curvado sobre ele.
— Boa tarde, Harry — disse Dumbledore.
Harry fixou o olhar nele. Então se lembrou.
— Professor! A Pedra! Foi Quirrell! Ele apanhou a Pedra! Professor, depressa...
— Acalme-se, menino, você está um pouco atrasado. Quirrell não apanhou a Pedra.
— Então quem apanhou? Professor? Eu...
— Harry, por favor, relaxe ou Madame Pomfrey vai mandar me expulsar.
Harry engoliu em seco e olhou a sua volta. Percebeu que devia estar na ala do hospital. Achava-se deitado numa cama com lençóis de linho brancos e do seu lado havia uma mesa atulhada do que parecia ser a metade da loja de doces.
— Presentes dos seus amigos e admiradores — esclareceu Dumbledore, sorrindo. — Aquilo que aconteceu nas masmorras entre você e o professor Quirrell é segredo absoluto, por isso, é claro, a escola inteira já sabe. Acredito que os nossos amigos, os Srs. Fred e Jorge Weasley foram os responsáveis pela tentativa de lhe mandar um assento de vaso sanitário. Com certeza acharam que você ia achar engraçado. Madame Pomfrey, porém, achou que poderia ser pouco higiênico e o confiscou.
— Há quanto tempo estou aqui?
— Três dias. O Sr. Ronald Weasley e a Srta. Granger vão se sentir muito aliviados por você ter voltado a si, estavam muitíssimo preocupados.
— Mas, professor, a Pedra...
— Já vi que você não se deixa distrair. Muito bem. A Pedra. O Professor Quirrell não conseguiu tirá-la de você. Cheguei a tempo de impedir que isto acontecesse, embora você estivesse se defendendo muito bem sozinho, devo dizer.
— O senhor chegou lá? Recebeu a coruja de Hermione?
— Devemos ter cruzado no ar. Assim que cheguei a Londres, tornou-se claro para mim que o lugar onde deveria estar era aquele de onde acabara de sair. Cheguei a tempo de tirar Quirrell de cima de você...
— Então foi o senhor.
— Receei que tivesse chegado tarde demais.
— Quase chegou. Eu não poderia ter mantido Quirrell afastado da Pedra por muito mais tempo...
— Não da Pedra, menino, de você. O esforço que você fez quase o matou. Por um instante terrível, receei que tivesse matado. Quanto à Pedra, ela foi destruída.
— Destruída! — exclamou Harry sem entender — Mas o seu amigo... Nicolau Flamel...
— Ah! Você já ouviu falar no Nicolau? — perguntou Dumbledore, parecendo encantado. — Você fez mesmo a coisa certa, não foi? Bom, Nicolau e eu tivemos uma conversinha e concordamos que assim era melhor.
— Mas isto quer dizer que ele e a mulher vão morrer, não é?
— Eles têm elixir suficiente para deixar os negócios em ordem e então, é, eles vão morrer.
Dumbledore sorriu ao ver a expressão de surpresa no rosto de Harry.
— Para alguém jovem como você, tenho certeza de que isto parece incrível, mas para Nicolau e Perenelle, na verdade, é como se fossem deitar depois de um dia muito, muito longo. Afinal para a mente bem estruturada, a morte é apenas uma grande aventura seguinte. Você sabe, a Pedra não foi uma coisa tão boa assim. Todo o dinheiro e a vida que a pessoa poderia querer! As duas coisas que a maioria dos seres humanos escolheriam em primeiro lugar. O problema é que os humanos têm o condão de escolher exatamente as coisas que são piores para eles.
Harry ficou ali deitado, sem encontrar o que responder. Dumbledore cantarolou um pouquinho e sorriu para o teto.
— Professor? — disse Harry, — Estive pensando... Professor, mesmo que a Pedra tenha sido destruída, Vol... Quero dizer, o Senhor-Sabe-Quem...
— Chame-o de Voldemort. Sempre chame as coisas pelo nome que têm. O medo de um nome aumenta o medo da coisa em si.
— Sim, senhor. Bem, Voldemort vai tentar outras maneiras de voltar, não vai? Quero dizer, ele não foi de vez, foi?
— Não, Harry, não foi. Continua por aí em algum lugar, talvez procurando outro corpo para compartilhar... Sem estar propriamente vivo ele não pode ser morto. Abandonou Quirrell à morte, ele demonstra a mesma falta de piedade tanto com os amigos quanto com os inimigos. No entanto, Harry, embora você talvez tenha apenas retardado a volta dele ao poder, da próxima vez só precisaremos de outro alguém que esteja preparado para lutar o que parece ser uma batalha perdida. E se ele for retardado repetidamente, ora, talvez nunca retome o poder.
Harry concordou com um gesto, mas parou na mesma hora, porque o aceno fez-lhe doer a cabeça. Então disse:
— Professor, há outras coisas que gostaria de saber, se o senhor puder me dizer... Coisas que eu gostaria de saber, a verdade...
— A verdade — suspirou Dumbledore — é uma coisa bela e terrível, e, portanto deve ser tratada com grande cautela. Mas, vou responder às suas perguntas, a não ser que haja uma boa razão para não fazê-lo, caso em que eu peço que me perdoe. Não vou, é claro, mentir.
— Bom... Voldemort disse que só matou minha mãe porque ela tentou impedi-lo de me matar. Mas por que, afinal, ele iria querer me matar?
Dumbledore suspirou muito profundamente desta vez.
— Que pena, a primeira coisa que você me pergunta, eu não vou poder responder. Não hoje. Não agora... Você vai saber, um dia... Por ora tire isso da cabeça, Harry. Quando você for mais velho... Sei que detesta ouvir isso... Mas quando estiver pronto, você vai saber.
E Harry entendeu que não ia adiantar insistir.
— Mas por que Quirrell não podia me tocar?
— Sua mãe morreu para salvar você. Se existe uma coisa que Voldemort não consegue compreender é o amor. Ele não entende que um amor forte como o de sua mãe por você deixa uma marca própria. Não é uma cicatriz, não é um sinal visível... Ter sido amado tão profundamente, mesmo que a pessoa que nos amou já tenha morrido, nos confere uma proteção eterna. Está entranhada em nossa pele. Por isso Quirrell, cheio de ódio, avareza e ambição, compartindo a alma com Voldemort, não podia tocá-lo. Era uma agonia tocar uma pessoa marcada por algo tão bom.
Então, Dumbledore se interessou muito por um passarinho no peitoril da janela, o que deu tempo a Harry para enxugar os olhos com o lençol. Quando recuperou a voz, disse.
— E a capa da invisibilidade? O senhor sabe quem a mandou para mim?
— Ah, por acaso seu pai deixou-a comigo e eu achei que você talvez gostasse. — Os olhos de Dumbledore faiscaram — Coisas úteis... Seu pai usava-a principalmente para ir escondido a cozinha roubar comida, quando estava aqui.
— E tem mais uma coisa...
— Diga.
— Quirrell disse que Snape...
— O Professor Snape, Harry.
— Sim, senhor, ele... Quirrell disse que ele me odeia porque odiava meu pai. Isso é verdade?
— Bom, eles se detestavam bastante. Mas não é diferente de você com o Sr. Malfoy. E, além disso, seu pai fez uma coisa que Snape nunca pôde perdoar.
— O quê?
— Salvou a vida dele.
— O quê?
— É... — disse Dumbledore sonhador — É engraçado como a cabeça das pessoas funciona, não é? O Professor Snape não conseguiu suportar o fato de estar em dívida com o seu pai. Acredito que tenha se esforçado para proteger você este ano, porque achou que isso o deixaria quite com o seu pai. Assim podia voltar a odiar a memória do seu pai em paz...
Harry tentou compreender, mas sentiu a cabeça latejar, por isso parou.
— E, professor, só mais uma coisa...
— Só essa?
— Como foi que tirei a Pedra do espelho?
— Ah, fico satisfeito que você tenha me perguntado. Foi uma das minhas idéias mais brilhantes, e cá entre nós, isto é alguma coisa. Sabe, só uma pessoa que quisesse encontrar a Pedra, encontrar sem usá-la, poderia obtê-la, de outra forma, a pessoa só iria se ver produzindo ouro e bebendo elixir da vida. O meu cérebro às vezes surpreende até a mim... Agora chega de perguntas. Sugiro que comece a comer esses doces. Ah, feijõezinhos de todos os sabores! Quando eu era moço tive a infelicidade de encontrar um com gosto de vômito, e desde então receio que tenha perdido o gosto por eles. Mas acho que não corro perigo com um gostoso caramelo, não acha? — E sorrindo jogou um feijãozinho caramelo escuro na boca. Então se engasgou e disse:
— Que pena! Cera de ouvido!
Madame Pomfrey, a encarregada do hospital, era uma boa pessoa, mas muito rigorosa.
— Só cinco minutos — suplicou Harry.
— Absolutamente não.
— A senhora deixou o Professor Dumbledore entrar.
— Bom, é claro, ele é o diretor, é muito diferente. Você precisa descansar.
— Estou descansando, olhe, deitado e tudo. Ah, por favor, Madame Pomfrey.
— Ah, muito bem. Mas só cinco minutos.
E ela deixou Rony e Hermione entrarem.
— Harry!
Hermione parecia prestes a abraçá-lo outra vez, mas Harry gostou que tivesse se contido porque a cabeça dele ainda estava muito doída.
— Ah, Harry, nos estávamos certos que você ia... Dumbledore estava tão preocupado...
— A escola inteira não fala em outra coisa — disse Rony — Mas, no duro, o que foi que aconteceu?
Era uma das raras ocasiões em que a historia verdadeira é ainda mais estranha e excitante do que os boatos fantásticos. Harry contou tudo: Quirrell, o espelho, a Pedra e Voldemort.
Rony e Hermione eram bons ouvintes, exclamavam nas horas certas e quando Harry lhes disse o que havia sob o turbante de Quirrell, Hermione soltou um grito.
— Então a Pedra acabou? — perguntou Rony finalmente. – Flamel simplesmente vai morrer?
— Foi o que perguntei, mas Dumbledore acha que... Como foi mesmo?... Que para a mente bem estruturada a morte é a grande aventura seguinte.
— Eu sempre disse que ele era biruta — disse Rony, parecendo muito impressionado com a grande loucura do seu herói.
— Então o que aconteceu com vocês dois? — perguntou Harry.
— Bom, eu voltei sem problemas — disse Hermione — Fiz Rony voltar a si, isso levou algum tempo, e estávamos correndo para o corujal para nos comunicar com Dumbledore quando o encontramos no saguão de entrada, ele já sabia, e só disse “Harry foi atrás dele, não foi?", e saiu desabalado para o terceiro andar.
— Você acha que ele queria que você fizesse aquilo? — perguntou Rony. — Mandou a capa do seu pai e tudo o mais?
— Bom! — explodiu Hermione — Se ele fez isso... Quero dizer... Isso é horrível... Você podia ter sido morto.
— Não, não é horrível — disse Harry pensativo — Ele é um homem engraçado, o Dumbledore. Acho que meio que queria me dar uma chance. Acho que sabe mais ou menos tudo o que acontece por aqui, sabe? Imagino que tivesse uma boa idéia do que íamos tentar fazer e em lugar de nos impedir, ele simplesmente ensinou o suficiente para nos ajudar. Não acho que tenha sido por acaso que me deixou descobrir como o espelho funcionava. Era quase como se pensasse que eu tinha o direito de enfrentar Voldemort se pudesse...
— É, a marca de Dumbledore, com certeza — disse Rony orgulhoso. — Olhe, você precisa estar bom para a festa de fim de ano, amanhã. Os pontos já foram todos computados e Sonserina ganhou, é claro. Você faltou ao último jogo de Quadribol, fomos estraçalhados por Corvinal sem você. Mas a comida vai ser legal.
Nesse instante, Madame Pomfrey irrompeu no quarto.
— Vocês já estão aí há quinze minutos, agora FORA — disse com firmeza.
Depois de uma boa noite de sono, Harry se sentiu quase normal.
— Quero ir à festa — disse a Madame Pomfrey, quando ela estava arrumando suas muitas caixas de doces — Posso, não posso?
— O Professor Dumbledore disse que devo deixar você ir — respondeu ela fungando, como se, na sua opinião, o Professor Dumbledore não percebesse os riscos que uma festa pode oferecer — E você tem outra visita.
— Que bom. Quem é?
Hagrid foi-se esgueirando pela porta enquanto Harry indagava.
Em geral quando estava dentro de casa, Hagrid parecia demasiado grande para que o deixassem entrar. Sentou-se ao lado de Harry, deu uma olhada e caiu no choro.
— É... Tudo... Minha... Culpa! — soluçou, o rosto nas mãos. — Eu informei ao mal como passar por Fofo! Eu informei! Era a única coisa que ele não sabia e eu informei! Você podia ter morrido! Tudo por causa de um ovo de dragão! Nunca mais vou beber! Eu devia ser demitido e mandado viver como trouxa!
— Rúbeo! — chamou Harry chocado por vê-lo sacudir de tristeza e remorso, as grandes lágrimas se infiltrando pela barba — Rúbeo, ele teria descoberto de qualquer maneira, estamos falando de Voldemort, teria descoberto mesmo que você não tivesse informado.
— Mas você podia ter morrido! — soluçou Hagrid — E não diga o nome dele!
— VOLDEMORT! — berrou Harry, e Hagrid levou um choque tão grande que parou de chorar.
— Estive com ele cara a cara e vou chamá-lo pelo nome que tem. Por favor, anime-se, Rúbeo, salvamos a Pedra, ela foi destruída e ele não poderá usá-la. Coma um sapo de chocolate. Tenho um montão...
Hagrid secou o nariz como dorso da mão e disse:
— Ah, isso me lembra. Trouxe um presente para você.
— Não é um sanduíche de carne de arminho, é? — perguntou Harry. Abriu-o curioso e, finalmente, Hagrid deu uma risadinha.
— Não, Dumbledore me deu folga ontem para eu providenciar. Claro, devia mais é ter me demitido. Em todo o caso, trouxe isto para você...
Parecia ser um belo livro encadernado em couro. Harry abriu-o, curioso. Estava cheio de retratos de bruxos, de cada página, sorrindo e acenando para ele, estavam sua mãe e seu pai.
— Mandei corujas para todos os velhos amigos de escola de seu pai e sua mãe, pedindo fotos... E sabia que você não tinha nenhuma... Gostou?
Harry nem conseguiu falar, mas Hagrid compreendeu.
Harry desceu para a festa de fim de ano sozinho aquela noite.
Atrasara-se com os cuidados de Madame Pomfrey, que insistiu em lhe fazer um último check-up, de modo que o salão principal já se enchera. Estava decorado com as cores de Sonserina, verde e prata, para comemorar sua conquista do campeonato das casas pelo sétimo ano consecutivo. Uma enorme bandeira com a serpente de Sonserina cobria a parede atrás da mesa principal.
Quando Harry entrou houve um silêncio momentâneo e em seguida todos começaram a falar alto e ao mesmo tempo. Ele se sentou discretamente numa cadeira entre Rony e Hermione à mesa da Grifinória e tentou fingir que não via as pessoas se levantarem para espiá-lo.
Felizmente, Dumbledore chegou instantes depois. A algazarra foi serenando.
— Mais um ano que passou! Disse Dumbledore alegremente. — E preciso incomodar vocês com a falação asmática de um velho antes de cairmos de boca nesse delicioso banquete. E que ano tivemos! Espero que as suas cabeças estejam um pouquinho menos ocas do que antes... Vocês têm o verão inteiro para esvaziá-las muito bem, antes do próximo ano letivo. Agora, pelo que entendi, a Taça das Casas deve ser entregue e a contagem de pontos é a seguinte: em quarto lugar Grifinória com trezentos e doze pontos, em terceiro, Lufa-Lufa, com trezentos e cinqüenta e dois pontos, Corvinal, com quatrocentos e vinte e seis, e Sonserina com quatrocentos e setenta e dois pontos.
E uma tempestade de pés e mãos batendo irrompeu da mesa de Sonserina. Era uma cena nauseante.
— Sim, senhores, Sonserina está de parabéns. No entanto, temos de levarem conta os recentes acontecimentos.
A sala mergulhou em profundo silêncio.
— Tenho alguns pontos de última hora para conferir. Vejamos. Sim... Primeiro: ao Sr. Ronald Weasley...
O rosto de Rony se coloriu de vermelho vivo, parecia um rabanete que apanhara sol demais na praia.
—... Pelo melhor jogo de xadrez presenciado por Hogwarts em muitos anos, eu confiro à Grifinória cinqüenta pontos.
Os vivas da Grifinória quase levantaram o teto encantado, as estrelas lá no alto pareceram estremecer... Ouviram Percy dizer aos outros monitores: "É o meu irmão, sabem! O meu irmão caçula! Venceu uma partida no jogo vivo de xadrez de McGonagall!”
Finalmente voltaram a fazer silêncio.
— Segundo: a Senhorita Hermione Granger... Pelo uso de lógica inabalável diante do fogo, concedo à Grifinória cinqüenta pontos.
Hermione escondeu o rosto nos braços, Harry teve a forte suspeita de que caíra no choro. Os alunos da Grifinória por volta da mesa não cabiam em si de contentes, tinham subido cem pontos.
— Terceiro: ao Sr. Harry Potter — A sala ficou mortalmente silenciosa. — Pela frieza e excepcional coragem, concedo à Grifinória sessenta pontos.
A balbúrdia foi ensurdecedora. Os que conseguiam somar enquanto berravam de ficar roucos sabiam que Grifinória agora chegara a quatrocentos e setenta e dois pontos — exatamente o mesmo que Sonserina. Precisariam sortear a Taça das Casas, se ao menos Dumbledore tivesse dado a Harry mais um pontinho.
Dumbledore ergueu a mão. A sala gradualmente se aquietou.
— Existe todo tipo de coragem — disse Dumbledore sorrindo. — É preciso muita audácia para enfrentarmos os nossos inimigos, mas igual audácia para defendermos os nossos amigos. Portanto, concedo dez pontos ao Sr. Neville Longbottom.
Alguém que estivesse do lado de fora do salão principal poderia ter pensado que ocorrera uma explosão, tão alta foi a barulheira que irrompeu na mesa da Grifinória. Harry, Rony e Hermione se levantaram para gritar e dar vivas enquanto Neville, branco de susto, desaparecia debaixo de uma montanha de gente que o abraçava. Jamais ganhara um único ponto para Grifinória antes. Harry, ainda gritando, cutucou Rony nas costelas indicando Malfoy, que não poderia ter feito uma cara mais perplexa e horrorizada se tivesse acabado de ser encantado com o Feitiço do Corpo Preso.
— O que significa — continuou Dumbledore procurando se sobrepor à tempestade de aplausos, porque até Corvinal e Lufa-Lufa estavam comemorando a derrota de Sonserina — que precisamos fazer uma pequena mudança na decoração.
E, dizendo isto, bateu palmas. Num instante, os panos verdes se tornaram vermelhos e, os prateados, dourados, a grande serpente de Sonserina desapareceu e o imponente leão da Grifinória tomou o seu lugar, Snape apertou a mão da Professora Minerva, com um horrível sorriso amarelo. Seu olhar encontrou o de Harry e o menino percebeu, no mesmo instante, que os sentimentos de Snape com relação a ele não tinham mudado nem um pingo. Isto não o preocupou. Parecia-lhe que sua vida voltaria ao normal no próximo ano, ou tão normal quanto ela poderia ser em Hogwarts.
Foi a melhor noite da vida de Harry, melhor do que a vitória no Quadribol ou a ceia de Natal ou o encontro com o trasgo... Jamais esqueceria esta noite.
Harry quase esquecera que os resultados dos exames ainda estavam por vir, mas eles não deixaram de vir, para sua grande surpresa, tanto ele quanto Rony passaram com boas notas, Hermione, é claro, foi a melhor do ano. Até Neville passou raspando, sua boa nota em Herbologia compensou a péssima nota em Poções. Tinham tido esperanças de que Goyle, que era quase tão burro quanto era mau, fosse expulso, mas ele também passou.
Foi uma pena, mas como disse Rony, não se podia ter tudo na vida.
E, de repente, seus guarda-roupas ficaram vazios, os malões arrumados, o sapo de Neville foi encontrado escondido em um canto do banheiro, as notas foram entregues a todos os alunos, com o aviso de que não fizessem bruxarias durante as férias.
— Eu sempre tenho a esperança de que eles se esqueçam de entregar as notas e o aviso — lamentou Fred Weasley.
Hagrid estava a postos para levá-los à flotilha de barcos que fazia a travessia do lago, e, no momento seguinte, estavam embarcando no Expresso de Hogwarts, conversando e rindo à medida que os campos se tornavam mais verdes e mais cuidados, comendo feijõezinhos de todos os sabores enquanto atravessavam as cidades dos trouxas, trocando as vestes de bruxos pelos blusões e paletós, parando na plataforma 9 e ½ na estação de King's Cross.
Levou um bom tempo para todos desembarcarem na plataforma. Um guarda muito velho estava postado na saída e os deixava passar em grupos de dois e três para não chamarem atenção ao irromper todos ao mesmo tempo por uma parede sólida, assustando os trouxas.
— Vocês precisam vir passar uns dias conosco — disse Rony — Os dois. Vou mandar uma coruja para vocês.
— Obrigado — disse Harry — Preciso ter alguma coisa por que esperar.
As pessoas passavam empurrando-se ao se dirigirem para a saída para o mundo dos trouxas. Alguns gritavam.
— Tchau, Harry!
— Nos vemos por ai, Potter!
— Continua famoso — comentou Rony, sorrindo para o amigo.
— Não aonde eu vou, posso lhe garantir.
Ele, Rony e Hermione passaram juntos pelo portão.
— Olha lá ele, mamãe, olha lá ele, olha!
Era Gina Weasley, a irmãzinha de Rony, mas não apontava para Rony.
— Harry Potter! — gritou com a vozinha fina. — Olhe, mamãe! Estou vendo...
— Fique quieta, Gina, é falta de educação apontar.
A Sra. Weasley sorriu para eles.
— Muito trabalho este ano?
— Muito — respondeu Harry. — Obrigado pelas barrinhas de chocolate e pelo suéter, Sra. Weasley.
— Ah, de nada, querido.
— Está pronto?
Era tio Válter, ainda com a cara vermelhona, ainda bigodudo, ainda parecendo furioso com a audácia de Harry de andar carregando a coruja numa gaiola por uma estação cheia de gente normal. Atrás dele, achava-se tia Petúnia e Duda, parecendo aterrorizados só de olhar para Harry.
— Vocês devem ser a família de Harry! — falou a Sra. Weasley.
— Por assim dizer — respondeu tio Válter — Ande logo, menino, não temos o dia inteiro. — E se afastou.
Harry ainda demorou para trocar uma última palavrinha com Rony e Hermione.
— Vejo vocês durante as férias, então.
— Espero que você tenha... ah... umas boas férias — disse Hermione, olhando hesitante para tio Válter, espantada que alguém pudesse ser tão desagradável.
— Ah, claro que sim — respondeu Harry, e eles ficaram surpresos com o sorriso que se espalhava pelo seu rosto. — Eles não sabem que não podemos fazer bruxarias em casa. Vou me divertir à beça com o Duda este verão...