Posted by : Unknown junho 04, 2014

Capítulo 22


Harry ficou tão aliviado que ela o tivesse levado a sério que nem hesitou, saltou da cama imediatamente, vestiu o roupão e repôs os óculos no nariz.
— Weasley, venha você também — disse a Profª McGonagall. Eles passaram com a professora pelas figuras silenciosas de Neville, Dino e Simas, saíram do dormitório, desceram a escada em espiral até a sala comunal, atravessaram o buraco do retrato e foram pelo corredor da Mulher Gorda iluminado pelo luar.
Harry sentiu que o pânico em seu estômago extravasaria a qualquer momento; queria correr, gritar por Dumbledore; o Sr. Weasley estava sangrando enquanto eles percorriam calmamente o corredor, e se aquelas presas (Harry fez força para não pensar em "minhas presas") contivessem veneno? Passaram por Madame Nor-r-ra, que virou seus olhos de holofote para eles e bufou levemente, mas a Profª McGonagall disse "Xô", e a gata se enfurnou nas sombras, e poucos minutos depois chegavam à gárgula de pedra que guardava a entrada dos aposentos de Dumbledore.
— Delícia Gasosa — disse a professora.
A gárgula ganhou vida e saltou para o lado; a parede atrás se dividiu em duas e revelou uma escada de pedra que se movia continuamente para o alto, como uma escada rolante em espiral. Os três subiram; a porta se fechou com um baque surdo e eles subiram em círculos fechados até alcançar uma porta de carvalho excepcionalmente lustrosa com uma maçaneta de latão em forma de grifo.
Embora passasse muito da meia-noite, ouviam-se vozes no interior da sala, uma verdadeira babel. Parecia que Dumbledore estava recebendo no mínimo umas doze pessoas.
A Profª McGonagall bateu três vezes com a aldrava em forma de grifo e as vozes cessaram abruptamente como se alguém as tivesse desligado. A porta se abriu sozinha e a professora entrou com Harry e Rony.
A sala estava mergulhada em sombras; os estranhos instrumentos sobre as mesas estavam silenciosos e imóveis em vez de zumbir e expelir baforadas de fumaça como habitualmente faziam; os antigos diretores e diretoras nos retratos que cobriam as paredes dormiam contidos em suas molduras. Atrás da porta, um magnífico pássaro vermelho e dourado do tamanho de um cisne cochilava no poleiro com a cabeça sob uma das asas.
— Ah, é a senhora, Profª McGonagall... e... ah.
Dumbledore estava sentado em uma cadeira de espaldar alto, à escrivaninha; inclinou-se para o círculo de luz das velas que iluminavam os papéis à sua frente. Usava um magnífico roupão bordado em púrpura e dourado sobre uma camisa de dormir muito branca, mas parecia bem acordado, seus penetrantes olhos azuis fixavam atentamente a professora.
— Prof. Dumbledore, Potter teve um... bom, um pesadelo — começou McGonagall. — Ele diz que...
— Não foi um pesadelo — completou Harry depressa.
A professora olhou para Harry, franzindo ligeiramente a testa.
— Muito bem, então, Potter, conte ao Prof. Dumbledore.
— Eu... bom, eu estava dormindo... — disse Harry e, mesmo em seu desespero de fazer Dumbledore compreender, sentia-se levemente irritado que o diretor não olhasse para ele, mas examinasse os próprios dedos entrelaçados. — Mas não foi um sonho comum... foi real... eu vi acontecer... — Harry tomou fôlego. — O pai de Rony, o Sr. Weasley, foi atacado por uma cobra gigantesca.
As palavras pareceram ecoar depois que ele as pronunciou, soando ligeiramente ridículas, até cômicas. Fez-se uma pausa em que Dumbledore se recostou e contemplou o teto, meditativo. Rony olhava de Harry para Dumbledore, o rosto pálido e chocado.
— Como foi que você viu isso? — perguntou Dumbledore calmamente, ainda sem olhar para Harry.
— Bom... não sei — disse Harry meio zangado; que diferença fazia? — Na minha cabeça, suponho...
— Você não me entendeu – disse Dumbledore, mantendo a voz calma. — Quero dizer... você se lembra... ah... em que posição você estava enquanto assistia a esse ataque? Você estava talvez parado ao lado da vítima, ou contemplava a cena do alto?
A pergunta era tão curiosa que Harry boquiabriu-se com Dumbledore; era quase como se ele soubesse...
— Eu era a cobra. Vi tudo do ponto de vista da cobra.
Ninguém falou por um momento, então Dumbledore, agora olhando para Rony, que continuava cor de coalhada, perguntou em um novo tom mais enérgico:
— Arthur ficou gravemente ferido?
— Ficou — respondeu Harry enfaticamente, por que eram tão lentos para compreender, será que não sabiam como uma pessoa sangrava quando presas daquele tamanho furavam o corpo dela? E por que Dumbledore não podia fazer a gentileza de encará-lo?
Mas o diretor se ergueu tão depressa que deu um susto em Harry, e se dirigiu a um dos antigos retratos pendurados muito próximo do teto:
— Everardo? — chamou repentinamente em voz alta. — E você também Dilys! Um bruxo de cara pálida, com uma franja preta curta, e uma bruxa idosa, com longos cachos prateados, no quadro ao lado, ambos parecendo profundamente adormecidos, abriram os olhos imediatamente.
— Vocês estavam escutando? — perguntou Dumbledore. O bruxo assentiu e a bruxa respondeu:
— Naturalmente.
— O homem tem cabelos ruivos e usa óculos — disse Dumbledore.
— Everardo, você precisa dar o alarme, providencie para que ele seja encontrado pelas pessoas certas...
Os dois confirmaram com a cabeça e se deslocaram lateralmente de seus quadros, mas, em vez de surgirem nos quadros vizinhos (como normalmente acontecia em Hogwarts), nenhum dos dois reapareceu. Um quadro agora exibia apenas um pano de fundo escuro, o outro, uma bela poltrona de couro.
Harry reparou que vários dos outros diretores e diretoras nas paredes, embora roncassem e babassem convincentemente, não paravam de espiá-lo por baixo das pálpebras fechadas, e de repente ele entendeu quem estava falando quando bateram na porta.
— Everardo e Dilys foram dois dos diretores mais famosos de Hogwarts — explicou Dumbledore, agora contornando Harry, Rony e a Profª McGonagall para se aproximar do magnífico pássaro adormecido no poleiro ao lado da porta. — A fama deles foi tão grande que ambos têm retratos pendurados em outras importantes instituições bruxas vizinhas. Como têm liberdade de se deslocar entre os próprios retratos, podem nos contar o que pode estar acontecendo em outros lugares...
— Mas o Sr. Weasley poderia estar em qualquer lugar! — exclamou Harry.
— Por favor, sentem-se, os três — pediu Dumbledore, como se Harry não tivesse falado. — Everardo e Dilys talvez demorem a voltar. Profª McGonagall, se puder providenciar mais umas cadeiras.
McGonagall puxou a varinha do bolso do roupão e acenou; do nada, apareceram três cadeiras, de madeira e espaldar reto, muito diferentes das confortáveis poltronas de chintz que Dumbledore conjurara na audiência de Harry. O garoto se sentou, espiando o diretor por cima do ombro. O diretor agora acariciava com o dedo a cabeça dourada de Fawkes. A fênix acordou imediatamente. Esticou a bela cabeça para o alto, e ficou observando Dumbledore com seus olhos brilhantes e escuros.
— Vamos precisar — disse ele à ave em voz baixa — de um aviso.
Uma labareda lampejou no ar e a fênix desapareceu.
Em seguida, Dumbledore se encaminhou para um dos frágeis instrumentos de prata cuja função Harry não conhecia, levou-o para a escrivaninha, sentou-se em frente e tocou o instrumento com a ponta da varinha.
O instrumento ganhou vida, imediatamente, produzindo tinidos rítmicos. Pequeninas baforadas de fumaça verde pálido saíram de um minúsculo tubo de prata em cima. Dumbledore mirou a fumaça com atenção, a testa profundamente vincada. Passados alguns segundos, a fumacinha se transformou em um jorro constante de fumaça que espiralou pelo ar... e surgiu na ponta uma cabeça de cobra, com a boca muito aberta. Harry ficou se perguntando se o instrumento estaria confirmando sua história: olhou pressuroso para Dumbledore, buscando um sinal de que estava certo, mas o diretor não ergueu a cabeça.
— Naturalmente, naturalmente — murmurou Dumbledore, ainda observando a fumaça, sem manifestar o menor sinal de surpresa. — Mas dividida na essência?
Para Harry, aquela pergunta não tinha pé nem cabeça. A cobra de fumaça, porém, se dividiu instantaneamente em duas cobras, que se enroscaram e ondearam no aposento mal-iluminado. Com uma expressão de penosa satisfação, Dumbledore deu mais um leve toque com a varinha no instrumento; o tinido foi se tornando mais lento até morrer, e as cobras de fumaça empalideceram, viraram uma névoa difusa e desapareceram.
Dumbledore repôs o instrumento na mesinha frágil em que estava. Harry viu muitos dos diretores nos retratos acompanharem seus gestos com os olhos, então, percebendo que Harry os observava, depressa fingiram que estavam dormindo como antes. Harry queria perguntar para que servia aquele curioso instrumento, mas, antes que pudesse fazê-lo, ouviram um grito vindo do alto da parede à direita; o bruxo chamado Everardo reaparecera em seu quadro, ligeiramente ofegante.
— Dumbledore!
— Quais são as notícias? — indagou o diretor imediatamente.
— Gritei até alguém aparecer — disse o bruxo, que enxugava a testa com a cortina ao fundo —, falei que tinha ouvido alguma coisa andando no andar de baixo; eles não sabiam se deviam acreditar em mim, mas desceram para verificar; você sabe, não há quadros lá embaixo de onde se possa espiar. Seja como for, eles o trouxeram para cima alguns minutos depois. Não parecia nada bem, estava coberto de sangue; corri para o retrato de Elfrida Cragg para poder ver melhor quando saíram.
— Bom — disse Dumbledore ao mesmo tempo que Rony fazia um movimento convulsivo. — Suponho que Dilys o tenha visto chegar, então...
E, momentos depois, a bruxa de cachos prateados reapareceu em seu quadro, também; tossindo, ela afundou na poltrona e disse:
— Eles o levaram para o St. Mungus, Dumbledore... passaram pelo meu retrato carregando-o... ele me pareceu mal...
— Obrigado. — Dumbledore olhou para a Profª McGonagall.
— Minerva, preciso que você vá acordar os outros garotos Weasley.
— É claro...
A professora se levantou e se dirigiu apressada à porta. Harry lançou um olhar de esguelha para Rony, que parecia aterrorizado.
— Dumbledore... e a Molly? — perguntou McGonagall, parando à porta.
— Será uma tarefa para Fawkes quando ela terminar de vigiar se há alguém se aproximando — disse Dumbledore. — Mas Molly talvez já saiba... aquele relógio maravilhoso que tem...
Harry sabia que o diretor estava se referindo ao relógio que informava não as horas, mas o paradeiro e a condição dos vários membros da família Weasley, e, com uma pontada, lembrou que o ponteiro correspondente ao Sr. Weasley devia, ainda agora, estar apontando para perigo mortal. Mas era muito tarde. A Sra. Weasley provavelmente estava dormindo e não olhando para o relógio.
Harry sentiu um frio ao lembrar do bicho-papão que se transformara no corpo sem vida do Sr. Weasley, seus óculos tortos, o sangue escorrendo pelo seu rosto... mas ele não ia morrer... não podia...
Dumbledore agora remexia em um armário às costas de Harry e Rony. Voltou carregando uma velha chaleira escurecida, que colocou cuidadosamente sobre a escrivaninha. Ergueu a varinha e murmurou:
"Portus!"
Por um momento, a chaleira estremeceu, emitindo uma estranha luz azul; em seguida deu um último estremeção e parou, escura como antes.
Dumbledore se dirigiu a outro retrato, desta vez o de um bruxo de cara inteligente e barba em ponta, que fora pintado usando as cores verde e prata da Sonserina, e, pelo jeito, dormia tão profundamente que não ouvira a voz do diretor tentando acordá-lo.
— Fineus. Fineus.
Os retratados que cobriam as paredes do aposento já não fingiam estar dormindo; mexiam-se em suas molduras para ver melhor o que estava acontecendo. Quando o bruxo inteligente continuou a fingir que dormia, alguns deles gritaram o seu nome também.
— Fineus! Fineus! FINEUS!
Ele não pôde mais fingir; estremeceu teatralmente e arregalou os olhos.
— Alguém me chamou?
— Preciso que você visite outra vez o seu outro quadro, Fineus — disse Dumbledore. — Tenho outra mensagem.
— Visitar meu outro quadro? — exclamou Fineus com voz aguda, fingindo um longo bocejo (seu olhar correu pelo aposento e se fixou em Harry). — Ah, não, Dumbledore, estou cansado demais esta noite.
Alguma coisa na voz de Fineus pareceu familiar a Harry; onde a ouvira? Mas, antes que pudesse se lembrar, os retratos nas paredes à volta prorromperam em protestos.
— Insubordinação, senhor! — bradou um corpulento bruxo de nariz vermelho, erguendo os punhos. — Negligência para com o dever!
— Temos o compromisso de honra de prestar serviços ao atual diretor de Hogwarts! — exclamou um bruxo velho de aparência frágil em quem Harry reconheceu o antecessor de Dumbledore, Armando Dippet. — Que vergonha, Fineus!
— Devo persuadi-lo, Dumbledore? — perguntou uma bruxa de olhos de verruma, erguendo uma varinha incomumente grossa que lembrava um bastão de vidoeiro.
— Ah, muito bem — concordou o bruxo chamado Fineus, espiando a varinha com uma ligeira apreensão —, embora, a essa altura, ele talvez já tenha destruído o meu retrato, já se desfez da maioria da minha família...
— Sirius não sabe destruir o seu retrato — disse Dumbledore, e Harry percebeu imediatamente onde ouvira a voz de Fineus antes: saía da moldura aparentemente vazia em seu quarto no largo Grimmauld. — Dê a ele o recado de que Arthur Weasley foi gravemente ferido e que a esposa dele, filhos e Harry Potter chegarão em sua casa daqui a pouco. Entendeu?
— Arthur Weasley, ferido, mulher, filhos e Harry Potter se hospedarão — recitou Fineus entediado. — Sim, sim... muito bem.
Ele tornou a entrar na moldura do retrato e desapareceu de vista no mesmo instante em que a porta do aposento se abriu. Fred, Jorge e Gina vieram acompanhados pela Profª McGonagall, os três parecendo amarfanhados e em estado de choque, ainda vestindo as roupas de dormir.
— Harry... que é que está acontecendo? — perguntou Gina, que parecia amedrontada. — A Profª McGonagall disse que você viu papai ser ferido...
— Seu pai foi ferido durante um serviço para a Ordem da Fênix — informou Dumbledore antes que Harry pudesse falar. — Foi levado para o Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Vou mandar vocês para a casa de Sirius, que é muito mais próxima do hospital do que A Toca. Vocês vão se encontrar com sua mãe lá.
— Como é que nós vamos? — perguntou Fred, abalado. — Pó de Flu?
— Não. No momento o Pó de Flu não é seguro, a rede está sendo vigiada. Vocês vão usar uma Chave de Portal. — Ele indicou a velha chaleira que descansava inocentemente sobre a escrivaninha. — Estamos apenas aguardando as informações de Fineus Nigelus... quero ter certeza de que não há perigo para despachar vocês...
Apareceu uma labareda bem no meio do aposento, depois uma única pena dourada que flutuou suavemente até o chão.
— É o aviso de Fawkes — disse Dumbledore, recolhendo a pena quando caiu. — A Profª Umbridge já deve saber que vocês estão fora de suas camas... Minerva, vá distraí-la, conte-lhe qualquer história...
A Profª McGonagall saiu num ruge-ruge de tecido escocês.
— Ele diz que ficará encantado — disse uma voz cheia de tédio atrás de Dumbledore; o bruxo chamado Fineus reaparecera diante de sua bandeira da Sonserina. — Meu trineto sempre teve um gosto esquisito em termos de hóspedes.
— Venham aqui, então — falou Dumbledore a Harry e aos Weasley. — E depressa, antes que mais alguém apareça.
Harry e os outros se agruparam em torno da escrivaninha de Dumbledore.
— Vocês já usaram uma Chave de Portal antes? — perguntou ele, e os garotos confirmaram com a cabeça, cada um esticando a mão para tocar em alguma parte da chaleira enegrecida. — Ótimo. Quando eu contar três, então... um... dois...
Aconteceu em uma fração de segundo: na pausa infinitesimal antes de Dumbledore dizer "três", Harry olhou para ele, estavam todos muito juntos, e os olhos azul-claros do diretor passaram da Chave do Portal para o rosto do garoto.
Na mesma hora, a cicatriz de Harry queimou como se fosse tocada por um ferro em brasa, como se a velha cicatriz tivesse se rompido — e involuntário, indesejado, mas apavorantemente forte, nasceu em Harry um ódio tão poderoso que o fez sentir naquele instante que só queria atacar — morder — enterrar as presas no homem à frente dele...
—... três.
Harry sentiu um forte puxão atrás do umbigo, o chão sumiu sob seus pés, sua mão colada à chaleira; colidiu com os outros enquanto avançavam velozmente em uma voragem de cores e uma lufada de vento, a chaleira puxando-os para diante... até que seus pés bateram no chão com tanta força que seus joelhos dobraram, a chaleira caiu no chão com estrépito, e em algum lugar ali perto alguém falou:
— De volta, os pirralhos do traidor do sangue. É verdade que o pai deles está morrendo?
— FORA! — vociferou uma segunda voz.
Harry se levantou depressa e olhou à volta; tinham chegado à sombria cozinha do porão do largo Grimmauld, doze. As únicas fontes de luz eram o fogão e uma vela derretida, que iluminavam os restos de um jantar solitário. Monstro ia desaparecendo pela porta do corredor, lançando-lhes olhares malévolos ao mesmo tempo que repuxava a tanga; Sirius veio correndo ao seu encontro, parecendo ansioso. Estava barbado e com as roupas que usara durante o dia; havia nele também um ligeiro bafo de bebida que lembrava Mundungo.
— Que é que está acontecendo? — perguntou, estendendo a mão para ajudar Gina a se levantar. — Fineus Nigellus falou que Arthur está gravemente ferido...
— Pergunte ao Harry — respondeu Fred.
— É, quero ouvir isso com os meus próprios ouvidos — disse Jorge.
Os gêmeos e Gina olhavam fixamente para o amigo. Os passos de Monstro haviam parado na escada.
— Foi — começou Harry, isso era pior do que contar a McGonagall e a Dumbledore. — Tive uma... uma espécie de... visão...
E contou a todos o que vira, embora alterasse a história para parecer que assistira dos bastidores quando a cobra atacou, e não através dos olhos da própria cobra. Rony que continuava muito pálido, lançou a Harry um olhar fugaz, mas não fez comentários. Quando Harry terminou, Fred, Jorge e Gina continuaram de olhos nele. Harry não sabia se estava ou não imaginando, mas achou que havia um quê de acusação no olhar dos garotos. Bom, se iam culpá-lo só por ver o ataque, estava contente de não ter contado que na hora ele estava dentro da cobra.
— Mamãe já chegou? — perguntou Fred, virando-se para Sirius.
— Provavelmente ela ainda nem sabe o que aconteceu — disse Sirius. — O importante era vocês virem antes que a Umbridge pudesse interferir. Espero que Dumbledore esteja avisando a Molly agora.
— Temos de ir ao St. Mungus — disse Gina em tom urgente. E olhou para os irmãos; eles, é claro, ainda estavam de pijama. — Sirius, você pode nos emprestar capas ou outra coisa qualquer para vestir?
— Esperem, vocês não podem sair correndo para o St. Mungus! — falou Sirius.
— Claro que podemos ir ao St. Mungus se quisermos — disse Fred, com uma expressão obstinada. — Ele é nosso pai!
— E como é que vocês vão explicar como souberam que Arthur foi atacado antes mesmo do hospital avisar a mulher dele?
— Que diferença faz? — perguntou Jorge exaltado.
— Faz diferença, porque não queremos chamar atenção para o fato de que Harry está tendo visões de coisas que acontecem a quilômetros de distância! — disse Sirius aborrecido. — Vocês têm idéia do que o Ministério faria com essa informação?
Fred e Jorge fizeram cara de quem não se importava nem um pouco com o que o Ministério pudesse fazer com coisa alguma. Rony continuava extremamente pálido e silencioso. Gina disse:
— Alguém poderia ter nos contado... poderíamos ter sabido o que aconteceu por outra pessoa que não o Harry.
— Quem, por exemplo? — perguntou Sirius impaciente. — Escutem, seu pai Fo ferido a serviço da Ordem da Fênix e as circunstâncias já são bastante suspeitas sem os filhos dele saberem o que aconteceu segundos depois, vocês poderiam prejudicar seriamente a Ordem...
— Não estamos interessados nessa Ordem idiota! — gritou Fred.
— Estamos falando do nosso pai que está morrendo! — berrou Jorge
— Seu pai sabia no que estava se metendo e não vai agradecer a vocês por estragarem as coisas para a Ordem! — retorquiu ele igualmente zangado. — É assim que é, e é por isso que vocês não pertencem à Ordem, vocês não entendem, há coisas pelas quais vale a pena morrer!
— E fácil para você falar, preso aqui! — urrou Fred. — Não vejo você arriscando o seu pescoço!
O pouco colorido que restava no rosto de Sirius desapareceu. Por um momento, pareceu que sua vontade era bater em Fred, mas quando voltou a falar, foi em um tom deliberadamente calmo.
— Sei que é difícil, mas todos temos de agir como se ainda não soubéssemos de nada. Temos de ficar quietos, pelo menos até sua mãe dar notícias, está bem?
Fred e Jorge continuavam rebelados. Gina, porém, foi até a cadeira mais próxima e se afundou nela. Harry olhou para Rony, que fez um movimento engraçado entre um aceno de cabeça e uma sacudidela de ombros, e sentaram-se também. Os gêmeos continuaram a olhar feio para Sirius por mais um minuto, então se acomodaram um de cada lado de Gina.
— Muito bem — disse Sirius animando-os —, andem, vamos todos tomar alguma coisa enquanto esperamos. Accio Cerveja amanteigada!
Ele ergueu a varinha, e meia dúzia de garrafas vieram voando da despensa em direção a eles, espalhando os restos da refeição de Sirius e parando em ordem diante de cada um dos seis. Todos beberam e por algum tempo os únicos sons foram a crepitação das chamas no fogão da cozinha e as batidas surdas das garrafas na mesa.
Harry só estava bebendo para ocupar as mãos com alguma coisa. Seu estômago estava cheio de remorsos que ferviam e borbulhavam. Não estariam aqui se não fosse ele; todos ainda estariam dormindo em suas camas. E não adiantava dizer a si mesmo que ao dar o alarme permitira que encontrassem o Sr. Weasley, porque havia ainda a questão inevitável de ter sido ele quem atacara o Sr. Weasley, para começar.
Não seja idiota, você não tem presas, disse mentalmente, tentando se acalmar, embora a mão que segurava a garrafa de cerveja tremesse, você estava deitado na cama, não estava atacando ninguém...
Mas, então, que foi que aconteceu na sala de Dumbledore?, perguntou-se. Senti vontade de atacá-lo também...
Repôs a garrafa na mesa, com um pouco mais de força do que pretendia, e derramou-a. Ninguém lhe prestou atenção. Então uma erupção de chamas no ar iluminou os pratos sujos diante deles e, enquanto gritavam assustados, um pergaminho caiu com um baque surdo na mesa, acompanhado por uma única pena da cauda da fênix.
— Fawkes! — exclamou Sirius na mesma hora, apanhando o pergaminho. — Não é a letra de Dumbledore: deve ser uma mensagem de sua mãe, tome...
Ele entregou a carta na mão de Jorge, que rompeu o lacre e leu em voz alta:

"Papai ainda está vivo. Estou indo para o St. Mungus agora. Fiquem onde estão. Mandarei notícias assim que puder. Mamãe!”

Jorge olhou para todos.
— Ainda está vivo... — disse lentamente. — Mas dá a impressão que...
Ele não precisou terminar a frase. Harry também teve a impressão de que o Sr. Weasley estava entre a vida e a morte. Ainda excepcionalmente pálido, Rony ficou olhando para o verso da carta da mãe como se o pergaminho pudesse dizer alguma coisa que o consolasse. Fred puxou-o da mão de Jorge e leu, depois olhou para Harry, que sentindo novamente a mão tremer na garrafa de cerveja amanteigada, apertou-a com mais força para parar o tremor.
Não se lembrava de ter jamais feito uma vigília noturna mais longa. Sirius sugeriu uma vez, sem muita convicção, que fossem todos dormir, mas os olhares de desagrado dos Weasley foram resposta suficiente. A maior parte do tempo ficaram em silêncio ao redor da mesa, observando o pavio da vela minguar aos poucos até desaparecer na cera líquida, levando ocasionalmente uma garrafa à boca, falando apenas para saber as horas, perguntar em voz alta o que estaria acontecendo, e tranqüilizar um ao outro que se houvesse más notícias eles as saberiam na hora, porque a Sra. Weasley já devia ter chegado havia muito tempo no St. Mungus.
Fred cochilou, a cabeça balançando frouxamente sobre o pescoço. Gina se enrascou como um gato na cadeira, mas mantinha os olhos abertos; Harry os via refletir as chamas do fogão. Rony deitara-se com a cabeça nas mãos, era impossível dizer se acordado ou adormecido. Harry e Sirius se entreolhavam de vez em quando, intrusos no pesar da família, esperando... esperando...
Às cinco e dez da manhã, pelo relógio de Rony, a porta da cozinha abriu e a Sra. Weasley entrou. Estava muito pálida, mas quando todos se viraram e Fred, Rony e Harry fizeram menção de se levantar das cadeiras, ela deu um sorriso abatido.
— Ele vai ficar bom — disse com a voz enfraquecida pelo cansaço.
— Agora está dormindo. Podemos ir vê-lo mais tarde. Gui está lhe fazendo companhia no momento; vai tirar a manhã de folga.
Fred tornou a se sentar com as mãos no rosto. Jorge e Gina se levantaram, correram a abraçar a mãe. Rony deu uma risada muito trêmula e virou o resto de sua cerveja amanteigada de uma vez.
— Café da manhã! — anunciou Sirius em voz alta e feliz, levantando-se de um salto. — Onde anda aquele maldito elfo doméstico?
— Monstro! MONSTRO!
Mas Monstro não atendeu ao seu chamado.
— Ah, esquece — resmungou Sirius, contando as pessoas presentes. — Então, é café da manhã para... vejamos... sete... bacon e ovos, acho, chá e torradas...
Harry se levantou depressa e foi para o fogão ajudar. Não queria se intrometer na alegria dos Weasley e temia o momento em que a Sra. Weasley iria lhe pedir para contar sua visão. Porém, mal acabara de apanhar os pratos no armário e ela já os tirava de sua mão e o puxava para um abraço.
— Não sei o que teria acontecido se não fosse você, Harry — disse Molly com a voz abafada. — Não teriam encontrado Arthur tão cedo, e então seria tarde demais, mas graças a você ele está vivo e Dumbledore pôde pensar em uma boa desculpa para Arthur estar onde estava, senão você nem faz idéia da encrenca em que ele se meteria, veja o que aconteceu com o coitado do Estúrgio...
Harry mal conseguia suportar essa gratidão, mas felizmente ela o soltou e se virou para Sirius para lhe agradecer ter tomado conta dos seus filhos a noite inteira. Sirius disse que se alegrava de poder ajudar, e esperava que todos ficassem ali até o Sr. Weasley sair do hospital.
— Ah, Sirius, fico tão agradecida... acham que ele vai ficar hospitalizado durante algum tempo, e seria maravilhoso estar mais perto... naturalmente isto talvez signifique passar o Natal aqui.
— Quanto mais melhor! — disse Sirius, com uma sinceridade tão óbvia que a Sra. Weasley sorriu para ele radiante, vestiu um avental e começou a ajudá-lo a fazer o café da manhã.
— Sirius — murmurou Harry, incapaz de agüentar mais um minuto sequer. — Posso dar uma palavrinha? Ah... agora?
Ele entrou na despensa escura e Sirius o seguiu. Sem preâmbulo, contou ao padrinho cada detalhe da visão que tivera, inclusive o fato de que ele próprio fora a cobra que atacara o Sr. Weasley.
Quando parou para tomar fôlego, Sirius perguntou:
— Você contou isso a Dumbledore?
— Contei — disse Harry impaciente —, mas ele não me disse o que significava. Bom, ele não me diz mais nada.
— Tenho certeza de que teria dito se fosse caso para se preocupar — disse Sirius com firmeza.
— Mas não é só isso — disse Harry, num tom só um pouquinho acima de um sussurro. — Sirius, acho... acho que estou ficando doido. Na sala de Dumbledore, pouco antes de embarcarmos na Chave de Portal... por uns dois segundos pensei que era uma cobra, me senti como uma cobra, minha cicatriz doeu muito quando eu olhei para Dumbledore, Sirius, tive vontade de atacá-lo!
Ele só conseguia enxergar uma nesga do rosto de Sirius; o resto estava escuro.
— Isso deve ter sido conseqüência da visão, nada mais — disse Sirius. — Você ainda estava pensando no sonho ou qualquer coisa assim...
— Não foi isso, não — replicou Harry balançando a cabeça —, foi como se uma coisa despertasse dentro de mim, como se houvesse uma cobra dentro de mim.
— Você precisa dormir — falou Sirius com firmeza. — Você vai tomar café e subir para dormir, depois do almoço poderá ir ver o Arthur com os outros. Você está em estado de choque, Harry; está se culpando por uma coisa que apenas presenciou, e foi uma sorte ter presenciado ou Arthur teria morrido. Pare de se preocupar.
Ele deu uma palmada no ombro de Harry e saiu da despensa, deixando o afilhado sozinho no escuro.
Todos menos Harry passaram o resto da manhã dormindo. Ele subiu para o quarto que dividira com Rony nas últimas semanas de férias, mas enquanto seu amigo se enfiou na cama e adormeceu em poucos minutos, ele se sentou completamente vestido, encostou-se nas frias barras metálicas da cama, intencionalmente sem conforto, decidido a não cochilar, aterrorizado com a perspectiva de se transformar em cobra durante o sono e quando acordasse descobrir que atacara Rony, ou então de sair rastejando pela casa em busca de mais alguém...
Quando Rony acordou, Harry fingiu ter dado um cochilo restaurador também.
Os malões dos garotos chegaram de Hogwarts enquanto estavam almoçando, para poderem se vestir de trouxas e ir ao hospital. Todos menos Harry estavam desmedidamente felizes e tagarelas quando trocaram as vestes por jeans e camisetas. Quando Tonks e Olho-Tonto chegaram para acompanhá-los a Londres, os garotos os receberam com alegria, achando graça no chapéu-coco que Olho-Tonto usava, desabado para o lado para esconder o olho mágico, e lhe garantiram que Tonks, cujos cabelos estavam curtos e rosa vivo outra vez, atrairia muito menos atenção do que ele na viagem de metrô.
Tonks estava muito interessada na visão que Harry tivera do ataque ao Sr. Weasley, assunto que ele não estava nem remotamente interessado em discutir.
— Não há sangue de Vidente em sua família, há? — perguntou ela curiosa, quando se sentaram lado a lado no trem que sacudia em direção ao centro da cidade.
— Não — respondeu Harry, pensando na Profª Trelawney e se sentindo insultado.
— Não — disse Tonks pensativa —, não, suponho que não seja realmente profecia o que você está fazendo, não é? Quero dizer, você não está vendo o futuro, está vendo o presente... é esquisito, não é, não? Mas é útil...
Harry não respondeu; felizmente eles desembarcaram na estação seguinte, uma estação bem no centro de Londres, e, na afobação de descerem do trem, ele conseguiu deixar Fred e Jorge se colocarem entre ele e Tonks, que ia à frente do grupo. Todos a seguiram na subida da escada rolante, Moody mancando atrás, o chapéu-coco inclinado e uma das mãos nodosas enfiada entre os botões do casaco, apertando a varinha. Harry pensou sentir o olho tampado fixo nele. Tentando evitar mais perguntas sobre seu sonho, perguntou a Olho-Tonto onde ficava escondido o St. Mungus.
— Não é muito longe, não — resmungou Moody, quando saíam para o ar gélido de inverno em uma rua larga, cheia de lojas apinhadas de gente que fazia compras de Natal. Ele empurrou Harry para sua frente, e se colocou imediatamente atrás do garoto; Harry sabia que o olho estava girando em todas as direções sob a aba inclinada do chapéu. — Não foi fácil encontrar um bom local para um hospital.
Não havia nenhum bastante grande no Beco Diagonal e não podíamos construí-lo embaixo da terra como fizemos com o Ministério: não seria saudável. Por fim, conseguiram encontrar um edifício à superfície. Em teoria, os bruxos doentes poderiam ir e vir e se misturar com a multidão.
Ele segurou o ombro de Harry para impedir que fossem separados por um grupo animado que fazia compras e tinha a visível intenção de chegar a uma loja de material elétrico próxima.
— Aqui vamos nós — disse Moody logo depois.
Haviam chegado a uma loja de departamentos, grande, antiquada, em um edifício de tijolos aparentes, chamada Purga & Sonda Ltda. O lugar tinha um aspecto malcuidado, miserável; as vitrines exibiam meia dúzia de manequins lascados com as perucas tortas, dispostos aleatoriamente, vestindo roupas de pelo menos dez anos atrás. Grandes letreiros em todas as portas empoeiradas avisavam: "Fechado para Reforma." Harry ouviu uma mulher corpulenta carregada de sacas plásticas comentar com a amiga ao passar: "Esse lugar não abre nunca..."
— Muito bem — disse Tonks, chamando-os para uma vitrine onde não havia nada, exceto um manequim feminino particularmente feio.
Suas pestanas estavam soltando e ela vestia uma bata de náilon verde:
— Todos preparados?
Todos assentiram, agrupando-se em torno dela. Moody deu mais um empurrão nas costas de Harry para ele ficar mais à frente, e Tonks se encostou no vidro, olhando para o manequim horroroso, sua respiração embaçando o vidro:
— E aí, beleza! — cumprimentou. — Estamos aqui para visitar Arthur Weasley.
Harry achou um absurdo Tonks esperar que o manequim a ouvisse falando tão baixo através do vidro, com ônibus rodando às suas costas e a poeira de uma rua cheia de gente. Então lembrou que, de qualquer modo, manequins não ouviam. No momento seguinte sua boca se abriu de espanto quando o manequim fez um leve aceno com a cabeça e um sinal com o indicador, e Tonks segurou Gina e a Sra. Weasley pelos cotovelos, atravessou o vidro e desapareceu.
Fred, Rony e Jorge entraram em seguida. Harry deu uma olhada na multidão que se acotovelava ao seu redor; aparentemente nenhum transeunte se dava o trabalho de olhar para vitrines feias como as do Purga & Sonda Ltda., nem reparavam em seis pessoas que tinham acabado de se dissolver à sua frente.
— Vamos — rosnou Moody, dando mais uma cutucada nas costas de Harry, e juntos atravessaram algo que lhes lembrou uma cortina de água fria, embora emergissem secos e aquecidos do outro lado.
Não havia sinal do feio manequim ou do espaço que ocupara. Encontravam-se em uma recepção movimentada, em que havia filas de bruxos e bruxas sentados em instáveis cadeiras de madeira, alguns pareciam perfeitamente normais e folheavam exemplares antigos do Semanário das Bruxas, outros exibiam medonhas deformações como trombas de elefante ou mãos sobressalentes saindo do peito. A sala não era menos barulhenta do que a rua lá fora, porque vários pacientes faziam ruídos muito estranhos: uma bruxa de rosto suado no meio da primeira fila, que se abanava energicamente com um exemplar do Profeta Diário, não parava de soltar um silvo agudo e vapor pela boca, um bruxo com cara encardida a um canto badalava como um sino toda a vez que se mexia e, a cada badalada, sua cabeça vibrava horrivelmente e ele precisava levar a mão às orelhas para fazê-las parar.
Bruxos e bruxas de vestes verde-claras iam e vinham pelas filas fazendo perguntas e anotações em pranchetas como a da Umbridge. Harry reparou que usavam um emblema bordado no peito: uma varinha e um osso cruzados.
— Eles são médicos? — perguntou a Rony, com ar de espanto.
— Médicos? Aqueles trouxas doidos que cortam o corpo das pessoas? Nam, são Curandeiros.
— Aqui! — chamou a Sra. Weasley, tentando se sobrepor às renovadas badaladas do bruxo no canto, e eles a acompanharam até a fila que se formara diante de uma bruxa gordinha e loura, a uma mesa marcada Informações. Na parede atrás dela, havia uma quantidade de avisos e cartazes do tipo: UM CALDEIRÃO LIMPO IMPEDE QUE AS POÇÕES VIREM VENENO e NÃO SE DEVEM USAR ANTÍDOTOS A NÃO SER APROVADOS POR UM CURANDEIRO QUALIFICADO.
Havia ainda um grande retrato de uma bruxa com longos cachos prateados com uma placa:

Dilys Derwent
Curandeira do St. Mungus 1722-1741
Diretora da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts
1741-1768

Dilys examinava o grupo dos Weasley como se os contasse; quando seu olhar encontrou o de Harry, a bruxa lhe deu uma piscadela, deslocou-se para o quadro ao lado e desapareceu.
Entrementes, na fila à frente, um jovem bruxo executava um estranho improviso de jiga e tentava, entre ganidos de dor, explicar sua situação à bruxa da recepção.
— São esses... ui... sapatos que meu irmão me deu... ai... estão comendo os
meus... UI... pés... olhe só para eles, devem ter algum tipo de... ARRRRE... azaração neles e não consigo ARRRRRRE... tirá-los. — Ele pulava de um pé para o outro como se dançasse sobre carvões em brasa.
— Os sapatos não o impedem de ler, ou impedem? — disse a bruxa loura, apontando irritada para um quadro à esquerda de sua mesa. — Você precisa ir a Danos Causados por Feitiços, no quarto andar. Exatamente como está listado no quadro dos andares. Próximo!
Quando o bruxo saiu dançando e mancando de lado, os Weasley avançaram alguns passos e Harry leu o quadro:

ACIDENTES COM ARTEFATOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Térreo
Explosão de caldeirão, retroversão de
feitiço, acidentes com vassouras etc.
FERIMENTOS CAUSADOS POR BICHOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1º. andar
Mordidas, picadas, queimaduras,
espinhas encravadas etc.
VÍRUS MÁGICOS.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2º. andar
Doenças contagiosas, tais como
varíola dragonina, doenças
evanescentes, escrofúngulos etc.
ENVENENAMENTO POR PLANTAS E POÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . 3º. andar
Urticárias, regurgitação, acessos
contínuos de riso etc.
DANOS CAUSADOS POR FEITIÇOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4°. andar
Azarações e feitiços irreversíveis,
feitiços malfeitos etc.
SALÃO DE CHÁ DOS VISITANTES/
LOJA DO HOSPITAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5º. andar

SE NÃO TIVER CERTEZA AONDE SE DIRIGIR, NÃO CONSEGUIR FALAR NORMALMENTE OU NÃO SE LEMBRAR DE QUEM É, A NOSSA BRUXA RECEPCIONISTA TERÁ PRAZER EM ORIENTÁ-LO.

Um bruxo muito velho e curvado com uma trompa para surdos arrastara-se até o primeiro lugar da fila.
— Estou aqui para visitar Broderico Bode — disse num sussurro asmático.
— Enfermaria quarenta e nove, mas receio que esteja perdendo o seu tempo — respondeu ela, dispensando-o. — Está completamente confuso, entende, ainda acha que é uma chaleira. Próximo.
Um bruxo atarantado segurava pelo tornozelo a filhinha, que se agitava em volta de sua cabeça usando imensas asas de penas que saíam das costas da roupa.
— Quarto andar — disse a bruxa com a voz entediada sem perguntar nada, e o homem desapareceu pelas portas duplas ao lado da mesa, segurando a filha como se fosse um balão de formato extravagante.
— Próximo!
A Sra. Weasley se aproximou da mesa.
— Olá, meu marido, Arthur Weasley, deveria ter sido transferido para outra enfermaria hoje pela manhã, pode nos dizer...?
— Arthur Weasley? — repetiu a bruxa, correndo o dedo por uma longa lista à sua frente. — Foi, primeiro andar, segunda porta à direita, Enfermaria Daí Llewellyn.
— Obrigada. Vamos gente.
Eles a seguiram pelas portas duplas e pelo corredor longo e estreito enfeitado com mais retratos de bruxos famosos, iluminados por bolhas de cristal cheias de velas que flutuavam junto ao teto e lembravam gigantescas bolhas de sabão. Mais bruxas e bruxos de vestes verde-claras entravam e saíam pelas portas por onde passavam; um gás amarelo e malcheiroso invadiu o corredor quando emparelharam com uma das portas, e de vez em quando eles ouviam gritos distantes. Subiram um lance de escadas e chegaram ao corredor de Ferimentos Causados por Bichos, onde a segunda porta à direita estava sinalizada com o letreiro: Enfermaria Dai Llewellyn para Acidentes "Perigosos": Mordidas Graves. Logo abaixo, havia um cartão em uma moldura de latão no qual alguém escrevera: Curandeiro Responsável: Hipócrates Smethwyck. Curandeiro Estagiário: Augusto Pye.
— Vamos aguardar aqui fora, Molly — disse Tonks. — Arthur não vai gostar de receber tantas visitas ao mesmo tempo... primeiro entra a família.
Olho-Tonto resmungou sua aprovação à idéia e se postou à porta com as costas apoiadas na parede do corredor, o olho mágico girando em todas as direções. Harry se afastou também, mas a Sra. Weasley esticou o braço e puxou-o pela porta, dizendo:
— Não seja tolo, Harry, Arthur quer lhe agradecer.
A enfermaria era pequena e um tanto escura, porque a única janela era estreita e ficava no alto da parede oposta à porta. A maior parte da iluminação vinha de mais bolhas de cristal agrupadas no meio do teto. As paredes eram forradas de painéis de carvalho, e havia na parede um retrato de um bruxo de cara maligna em cuja placa se lia Urquhart Rackharrow, 1612-1697, Inventor do Feitiço para Expelir Tripas.
Só havia três pacientes. O Sr. Weasley ocupava a cama ao fundo da enfermaria ao lado da janelinha. Harry ficou satisfeito e aliviado ao ver que ele estava recostado em vários travesseiros lendo o Profeta Diário, à luz do solitário raio de sol que incidia sobre sua cama. Arthur ergueu os olhos quando o grupo se encaminhou para ele e, vendo quem eram, abriu um grande sorriso.
— Olá! — falou, pondo o Profeta de lado. — Gui acabou de sair, Molly, precisou voltar ao trabalho, mas diz que passa para vê-la mais tarde.
— Como é que você está, Arthur? — perguntou a Sra. Weasley, curvando-se para lhe dar um beijo na bochecha, e examinando com ansiedade o seu rosto. — Você ainda está bem abatido.
— Estou me sentindo perfeitamente bem — respondeu o marido animado, esticando o braço ileso para abraçar Gina. — Se pudessem retirar as bandagens, eu estaria pronto para ir para casa.
— Por que é que não podem retirá-las, papai? — perguntou Fred.
— Bom, começo a sangrar como louco todas as vezes que tentam — explicou o Sr. Weasley animado, apanhando a varinha sobre o armário ao lado da cama e acenando para conjurar seis cadeiras do lado de sua cama, e acomodar todos.
— Parece que havia um veneno incomum nas presas daquela cobra que mantém as feridas abertas. Mas eles têm certeza de que encontrarão um antídoto, dizem que já tiveram casos piores do que o meu, nesse meio-tempo só preciso beber uma Poção para Repor o Sangue de hora em hora. Já aquele sujeito ali — disse baixando a voz e indicando com a cabeça a cama do lado oposto, na qual um homem de aspecto verdoso e doentio olhava fixamente para o teto. — Foi mordido por um lobisomem, coitado. Não tem cura.
— Lobisomem? — sussurrou a Sra. Weasley, fazendo uma cara assustada. — Não tem perigo ele ficar em uma enfermaria coletiva? Não devia estar num quarto particular?
— Faltam duas semanas para a lua cheia — lembrou-lhe o Sr. Weasley, calmo.
— Estiveram conversando com ele hoje de manhã, os Curandeiros, sabem, tentando convencê-lo de que poderá levar uma vida quase normal. Eu disse a ele, não mencionei nomes, é claro, mas disse que conhecia pessoalmente um lobisomem, um sujeito muito bom, que acha fácil administrar esse problema.
— E que foi que ele respondeu? — perguntou Jorge.
— Que me daria mais uma mordida se eu não calasse a boca — disse o Sr. Weasley tristemente. — E aquela mulher lá adiante — ele indicou a outra cama ocupada ao lado da porta — não quis contar aos Curandeiros o que foi que a mordeu, o que faz a gente pensar que devia estar mexendo com alguma coisa ilegal. Mas, fosse o que fosse, arrancou-lhe um pedaço da perna, o cheiro é muito ruim quando removem os curativos.
— Então, o senhor vai nos contar o que aconteceu, papai? — perguntou Fred, aproximando a cadeira da cama.
— Bom, vocês já sabem, não? — disse o Sr. Weasley, dando um sorriso expressivo para Harry. — É muito simples, eu tive um dia muito longo, cochilei, fui apanhado e mordido.
— Saiu no Profeta que você foi atacado? — perguntou Fred apontando para o jornal que o pai pusera de lado.
— Não, é claro que não — respondeu o Sr. Weasley com um sorriso amargurado —, o Ministério não iria querer que todos soubessem que uma enorme cobra me...
— Arthur! — alertou-o a Sra. Weasley.
—... me... ah... mordeu — completou ele apressadamente, embora Harry não tivesse muita certeza de que era aquilo que ele pretendia dizer.
— Então onde é que você estava quando isso aconteceu, papai? — perguntou Jorge.
— Isso é só da minha conta — respondeu o pai, embora dando um sorrisinho. E apanhando o jornal, sacudiu-o para abrir as páginas e disse: — Eu estava lendo sobre a prisão de Willy Widdershins quando vocês chegaram. Sabem que descobriram que era ele quem estava por trás daqueles banheiros que regurgitaram no verão? Uma das azarações saiu pela culatra, o vaso sanitário explodiu e ele foi encontrado, inconsciente, nos destroços que o cobriram dos pés à cabeça em...
— Quando você diz que estava "em serviço" — interrompeu-o Fred em voz baixa —, que é que você estava fazendo?
— Você ouviu o que seu pai disse — sussurrou a Sra. Weasley. — Não vamos discutir isto aqui! Continue a história do Willy Widdershins, Arthur.
— Bom, não me pergunte como, mas o fato é que ele se livrou da acusação do banheiro — comentou o Sr. Weasley, carrancudo. — Só posso supor que correu ouro...
— Você estava guardando ela, não era? — perguntou Jorge em voz baixa. — A arma? A coisa que Você-Sabe-Quem está procurando?
— Jorge, cale a boca! — repreendeu-o a Sra. Weasley.
— Em todo o caso — disse o Sr. Weasley alteando a voz — agora Willy foi apanhado vendendo a trouxas maçanetas que mordem, e acho que desta vez ele não vai conseguir se livrar tão fácil porque, segundo o jornal, dois trouxas perderam os dedos e agora estão no St. Mungus para recuperar os ossos e apagar a memória. Imagine só, trouxas no St. Mungus! Em que enfermaria será que estão?
E ele olhou a toda volta, como se esperasse ver um letreiro.
— Você não disse que Você-Sabe-Quem tem uma cobra, Harry? — perguntou Fred, com os olhos no pai para observar sua reação. — Uma cobra enorme? Você a viu na noite em que ele voltou, não foi?
— Já chega — disse a Sra. Weasley, aborrecida. — Olho-Tonto e Tonks estão no corredor, Arthur, querem entrar para vê-lo. E vocês podem esperar lá fora — acrescentou ela para os filhos e Harry. — Podem vir se despedir depois. Vão andando.
Os garotos saíram em fila para o corredor. Olho-Tonto e Tonks entraram e fecharam a porta da enfermaria ao passar. Fred ergueu as sobrancelhas.
— Ótimo — disse calmamente, vasculhando os bolsos —, que assim seja. Não nos contem nada.
— Está procurando isso? — indagou Jorge, mostrando um emaranhado de fios cor de carne.
— Você leu meus pensamentos — disse Fred, sorrindo. — Vamos ver se o St. Mungus põe Feitiços de Imperturbabilidade nas portas das enfermarias?
Ele e Jorge desembaraçaram os fios, separaram cinco Orelhas Extensíveis e as distribuíram entre todos. Harry hesitou em apanhar a sua.
— Vamos, Harry, apanhe uma! Você salvou a vida de papai. Se alguém tem o direito de escutar atrás da porta é você.
Sorrindo contrafeito, Harry apanhou uma ponta do fio e inseriu-a no ouvido, como haviam feito os gêmeos.
— O.k., agora! — sussurrou Fred.
Os fios cor de carne se agitaram como longos fiapos de vermes e deslizaram por baixo da porta. A princípio, Harry não ouviu nada, em seguida se assustou quando escutou Tonks sussurrando claramente como se estivesse ao seu lado.
—... eles vasculharam a área toda, mas não conseguiram encontrar a cobra em lugar algum. Parece ter desaparecido depois de atacar você, Arthur... mas Você-Sabe-Quem não poderia ter esperado que uma cobra entrasse, poderia?
— Calculo que a tenha mandado para vigiar — rosnou Moody —, porque até agora ele não teve sorte, não é? Imagino que esteja tentando formar um quadro mais claro do que precisa enfrentar, e, se Arthur não estivesse lá, a fera teria tido muito mais tempo para espionar. Então, Potter diz que viu tudo acontecer?
— É – respondeu a Sra. Weasley. Parecia bastante inquieta. — Sabe, Dumbledore chegou a me dar a impressão de que estava aguardando que Harry visse uma coisa dessas.
— Ah, bom — disse Moody —, tem alguma coisa estranha no menino Potter, todos sabemos.
— Dumbledore se mostrou preocupado com Harry quando falei com ele hoje de manhã — cochichou a Sra. Weasley.
— Claro que está preocupado — engrolou Moody. — O garoto está vendo coisas de dentro da cobra de Você-Sabe-Quem. Obviamente, Potter não compreende o que isso significa, mas se Você-Sabe-Quem estiver possuindo ele...
Harry arrancou a Orelha Extensível do ouvido, o coração martelando disparado e o calor afluindo ao seu rosto. Ele olhou para os outros. Todos o encaravam, os fios ainda pendurados nas orelhas, os rostos repentinamente amedrontados.

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