Posted by : Unknown junho 04, 2014

Capítulo 24


Monstro, acabou-se sabendo, andara escondido no sótão. Sirius contou que o encontrara lá em cima, coberto de pó, sem dúvida procurando mais relíquias da família Black para esconder em seu armário. Embora Sirius parecesse satisfeito com essa história, Harry se sentiu inquieto. Monstro parecia estar mais bem-humorado quando reapareceu, seus resmungos azedos tinham diminuído bastante e passara a obedecer às ordens mais documente do que de costume, embora uma ou duas vezes Harry o tivesse surpreendido encarando-o com avidez, mas sempre desviando rapidamente o olhar quando via que o garoto percebera.
Harry não mencionou suas vagas suspeitas a Sirius, cuja alegria começara a evaporar muito rapidamente agora que passara o Natal. A medida que se aproximava o dia da partida dos garotos a Hogwarts, ele foi se tornando mais inclinado ao que a Sra. Weasley chamava de "macambuzice", quando ficava taciturno e resmungão e muitas vezes se retirava para o quarto de Bicuço durante horas. Sua tristeza infiltrava-se na casa, por baixo das portas, como um gás venenoso, e infectando a todos.
Harry não queria deixar Sirius outra vez apenas em companhia de Monstro; de fato, pela primeira vez na vida, não estava contando os dias que faltavam para regressar a Hogwarts. Voltar à escola significava colocar-se mais uma vez sob a tirania de Dolores Umbridge, que, sem dúvida, conseguira passar à força mais uma dúzia de decretos na ausência dos garotos; não havia partidas de quadribol pelas quais ansiar, agora que fora expulso; havia toda a probabilidade de que a carga de deveres de casa aumentasse à medida que os exames se aproximavam; e Dumbledore continuava distante como sempre. De fato, se não fosse pela AD, Harry achava que teria suplicado a Sirius para deixá-lo abandonar Hogwarts e continuar no largo Grimmauld.
Então, no último dia de férias, aconteceu uma coisa que fez Harry positivamente temer o regresso à escola.
— Harry, querido — disse a Sra. Weasley, metendo a cabeça no quarto que ele ocupava com Rony, onde os dois estavam jogando xadrez de bruxo observados por Hermione, Gina e Bichento —, pode vir à cozinha? O Prof. Snape quer dar uma palavrinha com você.
Harry não registrou imediatamente o que ouvira; uma de suas torres estava travando uma violenta batalha com um peão de Rony, e ele o incentivava com entusiasmo.
— Achata ele... achata ele, é só um peão, seu idiota. Desculpe, Sra. Weasley, que foi que a senhora disse?
— O Prof. Snape, querido. Na cozinha. Gostaria de lhe falar.
O queixo de Harry caiu de terror. Olhou para Rony, Hermione e Gina, todos igualmente boquiabertos para ele. Bichento, a quem Hermione vinha contendo com dificuldade nos últimos quinze minutos, saltou alegremente sobre o tabuleiro fazendo as peças correrem a se proteger, guinchando a plenos pulmões.
— Snape? — repetiu Harry sem entender.
— Professor Snape, querido — corrigiu a Sra. Weasley. — Vamos logo, depressa, ele diz que não pode se demorar.
— Que é que ele quer com você? — indagou Rony, parecendo nervoso quando a Sra. Weasley se retirou do quarto. — Você não fez nada, fez?
— Não! — retrucou Harry indignado, vasculhando os miolos para tentar lembrar o que poderia ter feito que levasse Snape a segui-lo até o largo Grimmauld. Será que o seu último dever merecera um "I"?
Um minuto e pouco depois, ele empurrou a porta da cozinha e encontrou Sirius e Snape sentados à longa mesa do aposento, olhando em direções opostas. O silêncio entre os dois estava carregado de mútua intolerância.
Havia uma carta aberta sobre a mesa diante de Sirius.
— Hã — fez Harry para anunciar sua presença.
Snape se virou para olhá-lo, o rosto emoldurado por cortinas de cabelos oleosos.
— Sente-se, Potter.
— Sabe — disse Sirius em voz alta, se recostando e se apoiando nas pernas traseiras da cadeira, e falando para o teto —, acho que eu preferia que você não desse ordens aqui. É a minha casa, sabe.
Um rubor ameaçador afluiu ao rosto pálido de Snape. Harry sentou-se na cadeira ao lado de Sirius e defronte do professor.
— Eu devia vê-lo sozinho, Potter — disse Snape, o riso desdenhoso crispando sua boca —, mas Black...
— Sou o padrinho dele — disse Sirius, ainda mais alto.
— Estou aqui por ordem de Dumbledore — continuou Snape, cuja voz, em contraposição, ficava cada vez mais baixa e sibilante —, mas, sem dúvida, fique, Black, eu sei que você gosta de se sentir... participante.
— Que é que você quer dizer com isso? — retorquiu Sirius, deixando a cadeira recair nos quatro pés com um forte baque.
— Simplesmente que tenho certeza de que você deve se sentir... ah... frustrado pelo fato de não poder fazer nada de útil— Snape enfatizou delicadamente a frase — "pela Ordem".
Foi a vez de Sirius corar. A boca de Snape se crispou em triunfo ao se dirigir a Harry.
— O diretor me mandou dizer, Potter, que quer que você estude Oclumência neste trimestre.
— Estude o quê? — perguntou Harry sem entender.
O desdém de Snape se tornou mais pronunciado.
— Oclumência, Potter. A defesa mágica da mente contra penetração externa. Um ramo obscuro da magia, mas extremamente útil.
O coração de Harry começou a bater realmente forte. Defesa contra penetração externa? Mas ele não estava sendo possuído, todos tinham concordado com isso...
— Por que tenho de estudar essa Oclu...? — deixou escapar.
— Porque o diretor acha que é uma boa idéia — disse Snape suavemente. — Você receberá aulas particulares uma vez por semana, mas não contará a ninguém o que está fazendo, muito menos a Dolores Umbridge. Entendeu?
— Sim, senhor — disse Harry. — E quem é que vai me ensinar?
Snape ergueu uma sobrancelha.
— Eu — respondeu.
Harry teve a terrível sensação de que suas entranhas estavam derretendo. Aulas extras com Snape: que é que ele fizera para merecer isso? Olhou rápido para Sirius buscando apoio.
— Por que Dumbledore não pode ensinar ao Harry? — perguntou Sirius agressivamente. — Por que você?
— Porque suponho que seja uma prerrogativa do diretor delegar as tarefas menos agradáveis — disse Snape suavemente. — Posso lhe garantir que não pedi esse encargo. — Levantou-se. — Espero você às seis horas da tarde na segunda-feira, Potter. Minha sala. Se alguém lhe perguntar, diga que está tomando aulas particulares de Poções. Ninguém que tenha visto você em minhas aulas poderia negar que precisa de reforço.
Ele se virou para ir embora, a capa preta de viagem se enfunando como uma cauda.
— Espere um momento — pediu Sirius, sentando-se mais reto na cadeira. Snape se virou para encarar os dois, desdenhoso.
— Estou com muita pressa, Black. Ao contrário de você, tenho um tempo limitado de lazer.
— Irei direto ao assunto, então — falou Sirius ficando em pé. Era bem mais alto do que Snape, que, Harry reparou, fechou um punho no bolso da capa, segurando, sem dúvida, o punho da varinha. — Se eu souber que você está usando essas aulas de Oclumência para infernizar a vida de Harry, terá de acertar contas comigo.
— Que comovente! — debochou Snape. — Mas você com certeza já notou que Potter se parece muito com o pai dele, não é?
— Já — respondeu Sirius com orgulho.
— Bom, então sabe que ele é tão arrogante que as críticas simplesmente resvalam nele — disse Snape com voz de seda.
Sirius empurrou a cadeira bruscamente para o lado e contornou a mesa em direção ao outro, ao mesmo tempo que puxava a varinha. Snape puxou a dele. Pararam se medindo, Sirius furioso, Snape calculista, seus olhos correndo da ponta da varinha para o rosto do oponente.
— Sirius! — chamou Harry, mas o padrinho não pareceu ouvi-lo.
— Eu lhe avisei, ranhoso — disse Sirius, seu rosto a menos de meio metro do de Snape —, não me interessa se Dumbledore acha que você se regenerou, eu sei que não...
— Ah, então por que não diz isso a ele? — sussurrou Snape. — Ou tem medo de que ele não leve a sério o conselho de um homem que está há seis meses se escondendo na casa da mãe?
—Me diga, como anda Lúcio Malfoy ultimamente? Imagino que encantado com o fato do seu cachorrinho de estimação estar trabalhando em Hogwarts, não?
— Por falar em cachorros — disse Snape mansamente —, você sabia que Lúcio Malfoy o reconheceu da última vez que arriscou uma escapulida? Idéia brilhante, Black, deixar que o vissem em uma segura plataforma de trem... arranjou uma desculpa irrefutável para nunca mais deixar o buraco em que se esconde, não?
Sirius ergueu a varinha.
— NÃO! — berrou Harry, pulando por cima da mesa para se interpor aos dois. — Sirius, não!
— Você está me chamando de covarde? — berrou Sirius, tentando tirar Harry da frente, mas o garoto não se mexeu.
— Ora, suponho que sim.
— Harry — saia — da – frente! — vociferou Sirius, empurrando-o para o lado com a mão livre.
A porta da cozinha se abriu e toda a família Weasley mais Hermione entraram, todos parecendo muito felizes, trazendo um orgulhoso Sr. Weasley vestindo um pijama e por cima uma capa de chuva.
— Curado! — anunciou animadamente para todos na cozinha. — Completamente curado!
Ele e os outros Weasley ficaram paralisados à porta, contemplando a cena na cozinha, também suspensa, em que Sirius e Snape olhavam para a porta com as varinhas apontadas uma para a cara do outro e Harry, imóvel entre os dois, tentando separá-los.
— Pelas barbas de Merlim! — exclamou o Sr. Weasley, o sorriso desaparecendo do rosto. — Que é que está acontecendo aqui?
Sirius e Snape baixaram as varinhas. Harry olhou de um para outro. Ambos tinham no rosto uma expressão de extremo desprezo, contudo a entrada repentina de tantas testemunhas pareceu tê-los chamado à razão. Snape embolsou a varinha e atravessou a cozinha, passando pelos Weasley sem fazer comentário. À porta, olhou para trás.
— Seis horas da tarde, segunda-feira, Potter.
E foi-se embora. Sirius seguiu-o com um olhar mal-humorado, a varinha segura ao lado do corpo.
— Que é que estava acontecendo? — tornou a indagar o Sr. Weasley.
— Nada, Arthur — respondeu Sirius, ofegante como se tivesse acabado de correr uma longa distância. — Só uma conversa amigável entre dois velhos amigos de escola. — Aparentemente com imenso esforço, ele sorriu. — Então... está curado? Ótima notícia, realmente ótima.
— Não é? — disse a Sra. Weasley, conduzindo o marido até uma cadeira. — Enfim o Curandeiro Smethwyck fez sua mágica, encontrou um antídoto para o que quer que fosse que a cobra tinha nas presas, e Arthur aprendeu a lição de não se meter com medicina de trouxas, não foi querido? — acrescentou ela um tanto ameaçadoramente.
— Foi, Molly, querida — disse o Sr. Weasley, com humildade.
A refeição daquela noite deveria ter sido muito alegre, com a volta do Sr. Weasley. Harry via que Sirius procurava fazer com que assim fosse, mas o padrinho não se esforçava para dar gargalhadas com as piadas de Fred e Jorge nem oferecia aos outros mais comida; seu rosto se fechara numa expressão melancólica e reflexiva. Harry acabou separado dele por Mundungo e Olho-Tonto, que tinham passado para dar os parabéns ao Sr. Weasley. Ele queria dizer a Sirius que não devia dar ouvidos a nada que Snape dissera, que o colega estava instigando-o deliberadamente e que os outros não pensavam que o padrinho fosse um covarde por obedecer a Dumbledore e ficar quieto no largo Grimmauld. Mas não teve oportunidade e, vendo a expressão fechada no rosto de Sirius, Harry chegou a duvidar se teria se atrevido a dizer alguma coisa mesmo se tivesse tido oportunidade. Ao invés, cochichou para Rony e Hermione sobre a ordem que recebera de tomar aulas de Oclumência com Snape.
— Dumbledore quer evitar que você tenha aqueles sonhos com Voldemort — disse Hermione imediatamente. — Bom, você não vai lamentar se não os tiver, vai?
— Aulas particulares com Snape? — exclamou Rony perplexo. — Eu preferia ter os pesadelos!
Os garotos deveriam regressar a Hogwarts de Nôitibus no dia seguinte, acompanhados mais uma vez por Tonks e Lupin, que já se achavam tomando café da manhã na cozinha quando Harry, Rony e Hermione desceram. Os adultos pareciam estar cochichando quando Harry abriu a porta; todos olharam depressa e se calaram.
Depois de um café da manhã apressado, eles vestiram os casacos e cachecóis para se proteger da gélida manhã de janeiro. Harry sentiu um aperto desagradável no peito; não queria dizer adeus a Sirius. Teve uma sensação ruim com relação a essa despedida; não sabia quando voltariam a se ver e se sentiu na obrigação de dizer alguma coisa ao padrinho para impedi-lo de fazer alguma tolice — Harry se preocupava que a acusação de covardia que Snape fizera a Sirius o tivesse ferido tão seriamente que ele pudesse mesmo agora estar planejando alguma saída insensata do largo Grimmauld. Mas antes que conseguisse pensar no que dizer Sirius o chamou para junto dele.
— Quero que você leve isto — disse baixinho, empurrando para Harry um embrulho malfeito com o tamanho aproximado de um livro.
— Que é? — perguntou Harry.
— Um modo de me avisar se Snape estiver infernizando sua vida. Não, não abra aqui! — disse Sirius, lançando um olhar preocupado à Sra. Weasley, que tentava persuadir os gêmeos a calçar luvas de tricô. — Duvido que Molly aprove, mas quero que você o use se precisar de mim, está bem?
— Ok. — disse o garoto, guardando o embrulho no bolso interno do casaco, mas sabia que jamais usaria o que quer que fosse. Não seria ele, Harry, quem iria tirar Sirius do lugar em que estava seguro, por pior que Snape o tratasse nas futuras aulas de Oclumência.
— Vamos, então — disse Sirius, dando uma palmada no ombro do afilhado e sorrindo triste, e antes que Harry pudesse dizer mais alguma coisa, já haviam subido e parado à porta da frente, cheia de trancas, cercados pelos Weasley.
— Adeus, Harry, cuide-se — disse a Sra. Weasley abraçando-o.
— Até outro dia, Harry, e fique de olho nas cobras para mim! — falou o Sr. Weasley, cordialmente apertando sua mão.
— Certo... — respondeu Harry distraído; era sua última chance de dizer a Sirius para ter cuidado; ele se virou, encarou o padrinho e abriu a boca para falar, mas, antes que o fizesse, Sirius estava lhe dando um breve abraço e dizendo com a voz rouca:
— Cuide-se bem, Harry.
No momento seguinte, o garoto se viu conduzido para o inverno gélido lá fora, com Tonks (hoje disfarçada de mulher alta e magra da aristocracia rural, com cabelos grisalhos) apressando-o a descer os degraus.
A porta do número doze bateu às costas do último a sair. Eles acompanharam Lupin. Quando chegaram à calçada, Harry olhou para os lados. O número doze foi encolhendo rapidamente ao mesmo tempo que as casas laterais se ampliavam para o seu lado, fazendo-o desaparecer de vista. Uma piscadela de olhos depois, já não existia.
— Vamos, quanto mais depressa entrarmos no ônibus melhor — disse Tonks, e Harry achou que havia nervosismo no olhar que ela lançou pela praça. Lupin esticou o braço direito.
BANG.
Um ônibus violentamente roxo de três andares materializou-se, tirando um fino do poste de iluminação mais próximo, que saltou para trás para sair do caminho.
Um rapaz magro, de orelhas de abano e espinhas, trajando um uniforme roxo, saltou para a calçada e disse:
— Bem-vindos ao...
— Sei, sei, já sabemos — disse Tonks brevemente. — Subam, subam, subam...
E ela empurrou Harry em direção aos degraus, para além do motorista, que arregalou os olhos quando o garoto passou.
— É... é Arry...!
— Se gritar o nome dele faço você perder a memória — murmurou Tonks, ameaçando-o, e empurrando Gina e Hermione para dentro.
— Eu sempre quis andar nesse ônibus — disse Rony alegre, juntando-se a Harry e examinando tudo.
Fora de noite a última vez que Harry viajara de Nôitibus, e os três andares estavam ocupados por camas de metal. Agora, de manhã cedo, estava mobiliado com uma variedade de cadeiras desparelhadas e dispostas a esmo em torno das janelas. Algumas pareciam ter tombado quando o ônibus parou abruptamente no largo Grimmauld; uns poucos bruxos e bruxas ainda estavam se levantando, resmungando, e a saca de compras de alguém deslizara por toda a extensão do veículo: uma mistura de ovas de sapo, baratas e cremes de ovos espalharam-se pelo chão.
— Parece que vamos ter de nos separar — disse Tonks brevemente, procurando poltronas vazias. — Fred, Jorge e Gina, vão para aquelas poltronas lá no fundo... Remo pode ficar com vocês.
Ela, Harry, Rony e Hermione subiram para o último andar, onde havia duas poltronas vazias bem na frente e duas no fundo. Lalau Hunpike, o condutor, acompanhou pressurosamente os dois garotos até o fundo. As cabeças se voltaram quando Harry passou, mas, ao se sentar, viu todos os rostos tornarem a virar para a frente.
Quando Harry e Rony estavam pagando a Lalau onze sicles cada, o ônibus tornou a partir, balançando sinistramente. Contornou ruidosamente o largo Grimmauld, subindo e descendo pelas calçadas, depois, com outro BANG estrondoso, os passageiros foram atirados para trás; a poltrona de Rony virou, e Píchi, que estava em seu colo, saiu da gaiola voando espavorida para a frente do ônibus onde preferiu pousar no ombro de Hermione. Harry, que escapara de cair agarrando-se a uma arandela, espiou pela janela: o ônibus agora corria pelo que lhe pareceu ser uma rodovia.
— Estamos na periferia de Birmingham — informou Lalau alegremente, em resposta à pergunta muda de Harry, enquanto Rony tentava se erguer do chão. — Você está bem, então, Arry? Vi o seu nome um monte de vezes no jornal durante o verão, mas nunca não era nada de bom. Eu disse ao Ernesto, disse mesmo, ele não parecia pirado quando o conhecemos, o que é uma prova, não é?
Ele entregou os bilhetes aos garotos e continuou a contemplar Harry, fascinado. Pelo jeito, Lalau não se importava que alguém fosse pirado, desde que fosse famoso bastante para aparecer no jornal. O Nôitibus balançava assustadoramente, ultrapassando os carros pelo lado de dentro. Quando olhou para a frente do veículo, Harry viu Hermione cobrir os olhos com as mãos, e Píchi se equilibrar alegremente em seu ombro.
BANG.
As poltronas tornaram a correr para trás quando o Nôitibus saltou da estrada de Birmingham para uma tranqüila estradinha campestre cheia de curvas fechadas. As cercas vivas que ladeavam a via saltaram para longe quando o ônibus avançou sobre as cercaduras. Dali, entraram na rua principal de uma cidade movimentada, depois subiram um viaduto cercado por altas montanhas, desceram para uma estrada assolada pelo vento entre altos prédios de apartamentos, produzindo um estrondo a cada mudança de rumo.
— Mudei de idéia — murmurou Rony, levantando-se do chão pela sexta vez. — Nunca mais quero viajar nessa coisa.
— Escutem, a próxima parada é Ogwarts — anunciou Lalau, animado, cambaleando em direção aos garotos. — A mulher mandona lá na frente que subiu com vocês deu uma gorjeta à gente para passar vocês para o começo da fila. Só vamos deixar Madame Marsh descer primeiro... — eles ouviram alguém vomitando no andar de baixo, e em seguida um horrível barulho de líquido batendo no chão —, ela não está se sentindo muito bem.
Alguns minutos depois, o Nôitibus parou cantando pneus à frente de um pequeno bar, que se espremeu para sair do caminho e evitar uma colisão. Eles ouviram Lalau ajudando a pobre Madame Marsh a desembarcar do ônibus e os murmúrios de alívio dos companheiros de viagem no segundo andar. O ônibus tornou a partir, ganhando velocidade até...
BANG.
E estavam rodando por uma Hogsmeade coberta de neve. Harry viu de relance o Cabeça de Javali na rua lateral, o letreiro com a cabeça cortada rangendo ao vento invernoso. Flocos de neve batiam na enorme janela dianteira do ônibus. E finalmente pararam nos portões de Hogwarts.
Lupin e Tonks ajudaram os garotos a desembarcar com a bagagem, e então desceram também para se despedir. Harry ergueu os olhos para os três andares do Nôitibus e viu todos os passageiros espiando-os com o nariz colado às janelas.
— Vocês estarão seguros quando entrarem — disse Tonks, lançando um olhar cauteloso para a estrada deserta. — Um bom trimestre, o.k.?
— Cuidem-se bem — recomendou-lhes Lupin, apertando as mãos de todos e chegando a Harry por último. — E escute... — ele baixou a voz enquanto os demais trocavam adeuses de último minuto com Tonks — Harry, eu sei que você não gosta de Snape, mas ele é um magnífico Oclumente, e todos nós, inclusive Sirius, queremos que você aprenda a se proteger, então estude para valer, está bem?
— É, tá — disse Harry a custo, olhando para o rosto prematuramente enrugado de Lupin. — Até mais, então.
Os seis subiram penosamente a estrada escorregadia até o castelo, arrastando os malões. Hermione já estava falando em tricotar uns gorros para elfos antes de dormir. Harry olhou para trás quando chegaram às portas de carvalho da entrada; o Nôitibus já partira e ele chegou a desejar, à vista do que o esperava na noite seguinte, que ainda estivesse a bordo.
Harry passou a maior parte do dia seguinte com medo do anoitecer. Os dois tempos de Poções pela manhã nada fizeram para dissipar sua agitação, pois Snape foi desagradável como sempre. Seu desânimo se acentuou porque os membros da AD o procuraram constantemente pelos corredores durante os intervalos das aulas, perguntando, esperançosos, se haveria reunião àquela noite.
— Avisarei a vocês como de costume quando marcar a próxima — repetiu Harry várias vezes —, mas não pode ser hoje à noite, tenho que ir... hum... a uma aula de reforço de Poções.
— Você tem aula de reforço em Poções? — perguntou Zacarias com ar de superioridade, abordando-o no Saguão de Entrada, depois do almoço. — Puxa vida, você deve ser péssimo. Snape não costuma dar aulas particulares, ou costuma?
Quando Zacarias se afastou com irritante vivacidade, Rony acompanhou-o de cara feia.
— Devo azará-lo? Ainda dá para acertar daqui — disse, erguendo a varinha e mirando entre as espáduas de Zacarias.
— Deixa pra lá — disse Harry deprimido. — É o que todos vão pensar, não é? Que sou realmente bur...
— Oi, Harry — disse uma voz a suas costas. Ele se virou e deparou com Cho.
— Ah — exclamou, seu estômago dando um salto desconfortável. — Oi.
— Vamos estar na biblioteca, Harry — disse Hermione com firmeza, agarrando Rony acima do cotovelo e arrastando-o em direção à escadaria de mármore.
— Teve um bom Natal? — perguntou Cho.
— Nada mau.
— O meu foi muito tranqüilo. — Por alguma razão, ela parecia um pouco encabulada. — Aah... tem outro passeio a Hogsmeade no mês que vem, você viu o aviso?
— Quê? Ah, não, ainda não dei uma olhada no quadro de avisos desde que cheguei.
— Tem, no Dia dos Namorados...
— Certo — respondeu Harry, se perguntando por que ela estava dizendo isso.
— Bom, suponho que você queira...
— Só se você quiser — disse ela ansiosa.
Harry arregalou os olhos. Estivera a ponto de dizer: "Suponho que você queira saber quando é a próxima reunião da AD?", mas a resposta dela não parecia se encaixar.
— Eu... aah...
— Ah, tudo bem se você não quiser — retrucou ela, parecendo mortificada. — Não se preocupe. Eu... vejo você por aí.
Ela se afastou. Harry ficou parado olhando, seu cérebro trabalhando freneticamente. Então a ficha caiu.
— Cho! Ei... CHO!
Correu atrás da garota, alcançando-a na subida da escadaria de mármore.
— Aah... você quer ir comigo a Hogsmeade no Dia dos Namorados?
— Ahhh, quero! — respondeu ela, corando e sorrindo.
— Certo... bom... então está combinado — disse Harry, e sentindo que, enfim, o dia não seria uma perda total, ele virtualmente saiu aos pulos até a biblioteca para apanhar Rony e Hermione antes das aulas da tarde.
Às seis da tarde, no entanto, nem o clarão de ter conseguido convidar Cho Chang para sair foi suficiente para desanuviar a sensação agourenta que se intensificava a cada passo que Harry dava em direção à sala de Snape.
Parou à porta ao chegar, desejando estar em qualquer outro lugar, então, tomando fôlego, bateu e entrou.
A sala sombria estava forrada de estantes ocupadas por centenas de frascos de vidro em que flutuavam pedaços viscosos de plantas e bichos, em várias poções coloridas. A um canto, havia um armário cheio de ingredientes, o qual Snape certa vez acusara Harry — com razão — de assaltar. Mas a atenção do garoto foi atraída para a escrivaninha, onde uma bacia rasa, de pedra gravada com runas e símbolos, estava iluminada por um círculo de luz projetado por velas. Harry reconheceu-a na mesma hora — era a Penseira de Dumbledore.
Perguntando-se o que estaria tal objeto fazendo ali, ele se sobressaltou ao ouvir a voz fria de Snape saindo das sombras.
— Feche a porta, Potter.
Harry obedeceu, com a horrível sensação de estar se fechando em uma prisão.
Quando se virou, Snape se deslocara para a luz e apontava silenciosamente para a cadeira diante de sua escrivaninha. Harry se sentou e o professor também, seus olhos frios e negros fixando-se no aluno sem piscar, a antipatia gravada em cada linha do seu rosto...
— Muito bem, Potter, você sabe por que está aqui. O diretor me pediu para lhe ensinar Oclumência. Só espero que você se mostre mais competente nisso do que em Poções.
— Certo — concordou Harry brevemente.
— Esta aula talvez seja diferente, Potter — disse Snape, seus olhos se estreitando malevolamente —, mas continuo sendo seu professor e, portanto, você me chamará sempre de "senhor" ou de "professor".
— Sim... senhor.
— Vamos à Oclumência. Como eu lhe disse na cozinha do seu querido padrinho, este ramo da magia fecha a mente à intrusão e à influência mágicas.
— E por que o Prof. Dumbledore acha que eu preciso aprendê-la, professor? — perguntou Harry, encarando Snape diretamente nos olhos e imaginando se receberia uma resposta.
Snape mirou-o por um momento e em seguida disse com a voz carregada de desprezo:
— Certamente até você poderia ter chegado à resposta sozinho, não, Potter? O Lorde das Trevas é excepcionalmente competente em Legilimência...
— Que é isso? Professor?
— É a capacidade de extrair sentimentos e lembranças da memória de outras pessoas...
— Ele é capaz de ler pensamentos? — perguntou depressa, seus piores receios se confirmando.
— Você não tem sutileza, Potter — comentou Snape, seus olhos negros cintilando. — Você não entende distinções pouco perceptíveis. É um dos defeitos que o torna um lamentável preparador de poções.
Snape fez uma pausa, aparentemente para saborear o prazer de insultar Harry, antes de continuar:
— Somente os trouxas falam de "ler mentes". A mente não é um livro que se abre quando se quer e se examina ao bel-prazer. Os pensamentos não estão gravados no interior do crânio, para serem examinados por qualquer invasor.
A mente é algo complexo e multiestratificado, Potter, ou pelo menos a maioria das mentes é. — Deu um sorrisinho. — Mas é verdade que aqueles que dominam a Legilimência são capazes, sob determinadas condições, de penetrar as mentes de suas vítimas e interpretar suas conclusões corretamente.
O Lorde das Trevas, por exemplo, quase sempre sabe quando alguém está mentindo para ele. Somente os peritos em Oclumência podem ocultar os sentimentos e lembranças que contradiriam a mentira, e conseguem dizer falsidades em sua presença sem serem apanhados.
Snape podia dizer o que quisesse, mas, para Harry, Legilimência parecia leitura da mente, e a idéia não lhe agradava nem um pouco.
— Então ele poderia saber o que estamos pensando neste momento, professor?
— O Lorde das Trevas se encontra a uma considerável distância, e as paredes e terrenos de Hogwarts são guardados por muitos feitiços e encantamentos antigos, para garantir a segurança física e mental dos que vivem aqui. O tempo e o espaço contam na magia, Potter. O contato visual é muitas vezes essencial à Legilimência.
— Bom, então, por que é que eu tenho de aprender Oclumência?
Snape encarou Harry, ao mesmo tempo que passava um dedo fino nos lábios.
— As regras normais não parecem se aplicar a você, Potter. A maldição que não conseguiu matá-lo parece ter forjado algum tipo de ligação entre você e o Lorde das Trevas. As evidências sugerem que por vezes, quando sua mente está mais relaxada e vulnerável, quando você está dormindo, por exemplo, você compartilha os pensamentos e emoções do Lorde das Trevas. O diretor acha que é desaconselhável que isto continue a acontecer. E quer que eu lhe ensine como fechar a mente ao Lorde das Trevas.
O coração de Harry batia acelerado agora. Nada disso fazia sentido.
— Mas por que o Prof. Dumbledore quer fazer isto parar? — perguntou inesperadamente. — Não gosto muito, mas tem sido útil, não? Quero dizer... eu vi a cobra atacar o Sr. Weasley e, se não tivesse visto, o Prof. Dumbledore não poderia ter salvo a vida dele, poderia? Professor?
Snape encarou Harry durante uns minutos, ainda passando o dedo nos lábios. Quando tornou a falar, foi devagar e decididamente, como se pesasse cada palavra.
— Pelo que parece o Lorde das Trevas não tinha tomado consciência dessa ligação entre você e ele até muito recentemente. Parece que você sentia as emoções dele e partilhava seus pensamentos, sem ele saber. Contudo, a visão que você teve pouco antes do Natal...
— A da cobra com o Sr. Weasley?
— Não me interrompa, Potter — disse Snape em tom ameaçador. — Como eu ia dizendo, a visão que você teve pouco antes do Natal representou uma incursão tão poderosa nos pensamentos do Lorde das Trevas...
— Eu vi de dentro da cabeça da cobra, e não da dele!
— Acho que acabei de lhe dizer para não me interromper, não foi Potter?
Mas Harry não se importou que Snape estivesse aborrecido, pelo menos parecia estar chegando ao fundo dessa história; sentara mais para a frente na cadeira de modo que, sem perceber, estava encarrapitado na borda, tenso como se estivesse prestes a voar.
— Como é possível eu ter visto através dos olhos da cobra se são pensamentos de Voldemort que estou partilhando?
— Não pronuncie o nome do Lorde das Trevas! — ralhou Snape.
Fez-se um silêncio desagradável. Os dois se encararam por cima da Penseira.
— O Prof. Dumbledore diz o nome dele — contestou Harry calmamente.
— Dumbledore é um bruxo extremamente poderoso — murmurou Snape. — Embora ele possa se sentir seguro em usar o nome... os demais... — Ele esfregou o braço esquerdo, aparentemente sem perceber, no lugar em que Harry sabia que a Marca Negra estava gravada a fogo em sua pele.
— Eu só queria saber — recomeçou Harry, se esforçando para falar com polidez
— por que...
— Você parece ter visitado a mente da cobra porque era onde o Lorde das Trevas estava naquele determinado momento — vociferou Snape. — Estava possuindo a cobra na hora, então você sonhou que estava dentro dela, também.
— E Vol... ele... percebeu que eu estava ali?
— Parece que sim — respondeu Snape tranqüilo.
— Como é que sabe? — perguntou o garoto pressuroso. — Essa é a suposição do Prof. Dumbledore ou...?
— Já lhe pedi — disse Snape, empertigado na cadeira, os olhos apertados — para me chamar de "senhor".
— Sim, senhor — disse Harry impaciente —, mas como é que o senhor sabe...?
— É suficiente que nós saibamos — disse Snape cortando a conversa. — O importante é que o Lorde das Trevas agora tem consciência de que você está conseguindo ter acesso aos seus pensamentos e emoções. Ele também deduziu que o processo provavelmente pode ser invertido; ou seja, percebeu que talvez possa acessar os seus pensamentos e emoções...
— E ele poderia tentar me levar a fazer coisas? — perguntou Harry. — Professor? — acrescentou precipitadamente.
— Poderia — respondeu Snape, em tom aparentemente frio e desinteressado. — O que nos traz de volta à Oclumência.
Snape puxou a varinha do bolso interno das vestes e Harry se enrijeceu na cadeira, mas o professor meramente a ergueu e apontou para a raiz dos seus cabelos oleosos. Quando a retirou, escorreu uma substância prateada da têmpora à varinha como um grosso fio de teia de aranha, que se partiu quando ele a afastou, e caiu graciosamente na Penseira, onde girou branco-prateada, nem gasosa nem líquida. Mais duas vezes, Snape levou a varinha à têmpora e depositou a substância prateada na bacia de pedra, depois, sem oferecer nenhuma explicação para os seus gestos, apanhou a Penseira com cuidado, removeu-a para uma prateleira fora do caminho e voltou a encarar Harry com a varinha em posição.
— Levante-se e apanhe sua varinha, Potter.
Harry obedeceu se sentindo nervoso. Os dois se encararam por cima da escrivaninha.
— Você pode usar sua varinha para tentar me desarmar, ou para se defender de qualquer outra maneira que consiga pensar.
— E o que é que o senhor vai fazer? — perguntou Harry, acompanhando a varinha de Snape com os olhos, apreensivo.
— Vou tentar penetrar sua mente — disse Snape mansamente. — Vamos ver até que ponto você resiste. Me disseram que você já demonstrou aptidão para resistir à Maldição Imperius. Você vai descobrir que precisará de poderes semelhantes para resistir... em guarda, agora: Legilimens!
Snape atacara antes de Harry se aprontar, antes mesmo que tivesse começado a recorrer a qualquer força para resistir. A sala flutuou diante dos seus olhos e desapareceu; imagem após imagem perpassou sua mente em alta velocidade como um filme de cinema mudo, tão vivido que o cegava para o ambiente ao redor.
Tinha cinco anos, e observava Duda andar na nova bicicleta vermelha, e seu peito explodia de inveja... tinha nove anos, e Estripador, o buldogue, acuava-o em uma árvore, e os Dursley riam muito embaixo, no jardim... estava sentado e tinha na cabeça o Chapéu Seletor, que lhe dizia que poderia ter êxito na Sonserina... Hermione estava deitada na ala hospitalar, o rosto coberto por grossos pêlos negros... cem Dementadores avançavam contra ele à margem do lago escuro... Cho Chang se aproximava dele embaixo do ramo de visgo...
Não, disse uma voz na cabeça de Harry quando a lembrança de Cho se tornou mais nítida, você não está assistindo a isto, é uma lembrança íntima...
Sentiu uma dor aguda no joelho, a sala de Snape reaparecera e ele se viu caído no chão; um dos joelhos batera dolorosamente na perna da escrivaninha do professor. Ele ergueu os olhos para Snape, que baixara a varinha e esfregava o punho. Havia um feio vergão ali, como uma marca de queimadura.
— Você teve intenção de produzir uma Azaração Ferreteante? — perguntou Snape calmamente.
— Não – respondeu Harry com rancor, erguendo-se do chão.
— Achei que não — retorquiu Snape com desprezo. — Você me deixou penetrar longe demais. Perdeu o controle.
— O senhor viu tudo que eu vi? — perguntou Harry, inseguro se queria ouvir a resposta.
— Vislumbres – disse Snape, crispando os lábios. — A quem pertencia o cachorro?
— A minha tia Guida — murmurou Harry, odiando Snape.
— Bom, para uma primeira tentativa não foi tão ruim quanto poderia ter sido — disse o professor erguendo novamente a varinha. — Você conseguiu finalmente me paralisar, embora tenha desperdiçado tempo e energia gritando. Precisa se manter concentrado. Me repila com o seu cérebro e não precisará recorrer à varinha.
— Estou tentando — disse Harry zangado —, mas o senhor não está me dizendo como fazer!
— Tenha modos, Potter — disse Snape ameaçador. — Agora, quero que feche os olhos.
O garoto lançou-lhe um olhar zangado antes de obedecer. Não lhe agradava a idéia de ficar parado ali, de olhos fechados, enquanto Snape o encarava, segurando uma varinha.
— Esvazie sua mente, Potter — disse a voz fria de Snape. — Ponha de lado toda emoção...
Mas a raiva de Harry contra Snape continuava a pulsar em suas veias como veneno. Ponha de lado toda emoção? Era mais fácil pôr de lado as pernas...
— Você não está obedecendo, Potter... vai precisar de mais disciplina... concentre-se, agora...
Harry tentou esvaziar a mente, tentou não pensar, nem lembrar, nem sentir...
— Vamos outra vez... quando eu contar três... um – dois – três – Legilimens!
Um enorme dragão negro se empinou diante dele... seu pai e sua mãe lhe acenaram do espelho encantado... Cedrico Diggory caíra no chão de olhos vidrados olhando para ele...
— NÃÃÃÃÃÃÃO!
Harry estava mais uma vez de joelhos, o rosto nas mãos, o cérebro doendo como se alguém estivesse tentando arrancá-lo do crânio.
— Levante-se! — mandou Snape com rispidez. — Levante-se! Você não está tentando, não está fazendo esforço algum. Está me deixando acessar lembranças de que tem medo, está me dando armas!
Harry tornou a se levantar, seu coração batendo descontrolado como se tivesse realmente acabado de ver Cedrico morto no cemitério. Snape estava mais pálido do que o normal, e mais zangado, embora não tão zangado quanto Harry.
— Eu — estou — me — esforçando — disse entre os dentes.
— Eu o mandei se esvaziar de emoções!
— É? Bom, estou achando difícil neste momento — vociferou Harry.
— Então vai descobrir que será uma presa fácil para o Lorde das Trevas! — disse Snape com selvageria. — Tolos que têm orgulho em mostrar seus sentimentos, que não sabem controlar suas emoções, que chafurdam em lembranças tristes e se deixam provocar com tanta facilidade — em outras palavras — gente fraca — não têm a menor chance contra os poderes dele! Ele penetrará sua mente com uma facilidade absurda, Potter!
— Eu não sou fraco — disse Harry em voz baixa, a fúria agora perpassando-o de tal modo que achou que poderia atacar Snape dali a pouco.
— Então prove! Domine-se! — falou Snape com violência. — Controle sua raiva, discipline sua mente! Vamos tentar outra vez! Preparar, agora! Legilimens!
Ele observava o tio Válter pregar a fenda que havia na porta para cartas... cem Dementadores atravessavam o lago da escola em sua direção... ele estava correndo por uma passagem sem janelas com o Sr. Weasley... se aproximaram da porta preta e simples no fim do corredor... Harry esperava que entrassem... mas o Sr. Weasley o desviou para a esquerda, desceram um lance de escadas de pedra...
— EU SEI! EU SEI!
Estava novamente de quatro no chão da sala de Snape, a cicatriz formigando incomodamente, mas a voz que saíra de sua boca era triunfante. Ele se levantou e deparou com Snape encarando-o, de varinha levantada. Parecia que, desta vez, Snape suspendera o feitiço antes mesmo de Harry sequer tentar repeli-lo.
— Que aconteceu então, Potter? — perguntou, observando o garoto atentamente.
— Eu vi... me lembrei — ofegou Harry. — Acabei de perceber...
— Perceber o quê? — perguntou Snape asperamente.
Harry não respondeu imediatamente; ainda estava saboreando o momento da ofuscante percepção enquanto esfregava a testa...
Andava sonhando havia meses com um corredor sem janelas que terminava em uma porta trancada, sem se dar conta de que era um lugar real. Agora, revivendo a lembrança, entendeu que o tempo todo estivera sonhando com o corredor pelo qual correra com o Sr. Weasley no dia doze de agosto, quando se dirigiam apressados para os tribunais no Ministério; era o corredor que levava ao Departamento de Mistérios, e era onde o Sr. Weasley estivera na noite em que a cobra de Voldemort o atacara.
Ele ergueu a cabeça para Snape.
— Que é que tem no Departamento de Mistérios?
— Que foi que você disse? — perguntou Snape em voz baixa e Harry viu, com profunda satisfação, que Snape ficara assustado.
— Eu perguntei o que é que tem no Departamento de Mistérios, professor? — repetiu Harry.
— E por que — perguntou Snape lentamente — você perguntaria isso?
— Porque — disse Harry observando-o atentamente para ver sua reação — aquele corredor que acabei de ver... com que estou sonhando há meses... eu acabei de reconhecê-lo: leva ao Departamento de Mistérios... e acho que Voldemort quer alguma coisa de...
—Já lhe disse para não pronunciar o nome do Lorde das Trevas!
Os dois se encararam. A cicatriz de Harry tornou a queimar, mas ele não ligou. Snape parecia agitado, mas quando falou foi como se estivesse tentando aparentar calma e indiferença.
— Há muitas coisas no Departamento de Mistérios, Potter, poucas das quais você entenderia e nenhuma das quais é da sua conta. Estou sendo claro?
— Está — respondeu Harry, ainda esfregando a cicatriz que doía cada vez mais.
— Quero você aqui à mesma hora na quarta-feira. Continuaremos a trabalhar então.
— Ótimo — disse Harry. Ele estava desesperado para sair da sala de Snape e se reunir a Rony e Hermione.
— Você deve esvaziar sua mente de toda emoção antes de dormir; esvazie-a, deixe-a limpa e calma, compreendeu?
— Sim — assentiu Harry, pouco atento.
— E fique avisado, Potter... eu saberei se você não praticou...
— Certo — murmurou. E apanhando a mochila, atirou-a sobre o ombro e correu para a porta da sala. Ao abri-la, virou-se para olhar Snape, que estava de costas e retirava os pensamentos da Penseira com a ponta da varinha, repondo-os cuidadosamente na própria cabeça. Harry saiu sem dizer nada, fechando a porta cuidadosamente ao passar, a cicatriz ainda latejando dolorosamente.
Harry encontrou Rony e Hermione na biblioteca, onde preparavam uma verdadeira resma de dever que Umbridge passara recentemente. Outros alunos, quase todos do quinto ano, estavam sentados às mesas próximas, iluminadas por abajures, com o nariz grudado nos livros, as penas arranhando o papel febrilmente, enquanto o céu emoldurado pelas janelas de caixilhos escurecia sempre mais. O único outro som que havia era o ligeiro rangido dos sapatos de Madame Pince, que percorria os corredores entre as estantes ameaçadoramente, bufando no pescoço dos que tocavam seus preciosos livros.
Harry sentia arrepios; sua cicatriz ainda doía, sentia-se quase febril. Quando se sentou defronte a Rony e a Hermione, viu seu reflexo na janela; estava muito branco e a cicatriz parecia mais visível do que o normal.
— Como foi? — sussurrou Hermione, e então com o ar preocupado: — Você está bem, Harry?
— Tô... ótimo... não sei — respondeu impaciente, fazendo careta quando tornou a sentir uma pontada na cicatriz. — Escutem... acabei de compreender uma coisa...
E contou aos dois o que acabara de ver e deduzir.
— Então... então você está dizendo... — sussurrou Rony, quando Madame Pince passava, rangendo os sapatos — que a arma, a coisa que Você-Sabe-Quem está procurando... está no Ministério da Magia?
— No Departamento de Mistérios, tem de estar — cochichou Harry. — Vi a porta quando o seu pai me levou à audiência nos tribunais, e decididamente é a mesma que ele estava guardando quando a cobra o mordeu.
Hermione deixou escapar um suspiro longo e lento.
— Claro — sussurrou.
— Claro o quê? — perguntou Rony meio impaciente.
— Rony, pare e pense... Estúrgio Podmore estava tentando passar por uma porta no Ministério da Magia... deve ter sido a mesma, seria coincidência demais!
— Como é que o Estúrgio estava tentando arrombar a porta se ele está do nosso lado? — perguntou Rony.
— Bom, não sei — admitiu Hermione. — É meio estranho...
— Então o que é que tem no Departamento de Mistérios? — perguntou Harry a Rony. — Seu pai alguma vez disse alguma coisa?
— Eu sei que eles chamam as pessoas que trabalham lá de "Inomináveis" — disse Rony, franzindo a testa. — Porque ninguém parece saber realmente o que elas fazem, um lugar esquisito para guardar uma arma.
— Não é nada esquisito, faz absoluto sentido — retrucou Hermione. — Deverá ser alguma coisa ultra-secreta que o Ministério está desenvolvendo, imagino... Harry, você tem certeza de que está se sentindo bem?
Harry acabara de correr as duas mãos com força pela testa, como se estivesse tentando passá-la a ferro.
— Tô... ótimo... — respondeu, baixando as mãos, que tremiam. — Só estou me sentindo um pouco... não gosto muito dessa tal Oclumência.
— Acho que qualquer um se sentiria abalado se tivesse a mente atacada tantas vezes seguidas — consolou-o Hermione. — Olhe, vamos voltar à sala comunal, ficaremos um pouco mais confortáveis lá.
Mas encontraram a sala comunal lotada, cheia de gritos, risos e agitação; Fred e Jorge estavam demonstrando sua última invenção para a loja de logros e brincadeiras.
— Chapéus sem Cabeças! — anunciava Jorge, enquanto Fred apontava para um chapéu cônico decorado com uma pluma cor-de-rosa para os colegas que assistiam a ele. — Dois galeões cada, olhem só o Fred, agora!
Fred levou o chapéu à cabeça com um gesto largo, sorrindo. Por um segundo, ele pareceu realmente idiota; então ambos, chapéu e cabeça, desapareceram. Várias meninas soltaram gritinhos, mas todos os outros deram gostosas gargalhadas.
— Tire o chapéu! — gritou Jorge, e a mão de Fred apalpou por um momento o que parecia ser apenas vento sobre o seu ombro; então a cabeça reapareceu quando, com um novo gesto largo, ele tirou o chapéu emplumado.
— Qual é a mágica desses chapéus, então? — perguntou Hermione, distraindo-se do dever que estava fazendo para apreciar Fred e Jorge. — Quero dizer, obviamente usaram algum tipo de Feitiço da Invisibilidade, mas é muito criativo ampliar o campo da invisibilidade para além dos limites do objeto enfeitiçado... Mas imagino que o feitiço não dure muito tempo.
Harry não respondeu; estava se sentindo mal.
— Vou ter de fazer isso amanhã — murmurou, tornando a enfiar na mochila os livros que acabara de tirar.
— Bom, anote na sua agenda de deveres então! — disse Hermione animando-o. — Para não esquecer.
Harry e Rony se entreolharam quando ele meteu a mão na mochila, tirou a agenda e abriu-a hesitante.
"Não deixe o dever para mais tarde, seu grande preguiçoso!", ralhou o livro enquanto Harry anotava o dever da Umbridge. Hermione sorriu.
— Acho que vou me deitar — disse Harry, guardando a agenda na mochila e registrando mentalmente a intenção de jogá-la na lareira na primeira oportunidade que tivesse.
Atravessou então a sala comunal, fugindo de Jorge, que tentava colocar nele o Chapéu sem Cabeça, e alcançou a paz e o frescor da escada de pedra para o dormitório dos meninos. Sentiu-se novamente mal, como no dia em que tivera a visão da cobra, mas achou que se pudesse deitar um pouco melhoraria.
Abriu a porta do dormitório e dera apenas um passo para dentro quando sentiu uma dor tão forte que parecia que alguém cortara fora o topo de sua cabeça. Não sabia onde estava, se em pé ou deitado, nem sequer sabia o próprio nome.
Uma gargalhada maníaca ecoava em seus ouvidos... fazia muito tempo que ele não se sentia tão feliz... jubiloso, extático, triunfante... uma coisa muito maravilhosa acontecera...
— Harry? HARRY!
Alguém lhe dava tapas no rosto. A gargalhada demente foi pontuada com um grito de dor. A felicidade estava se esvaindo, mas a gargalhada continuava...
Ele abriu os olhos e, ao fazê-lo, tomou consciência de que a gargalhada alucinada saía de sua própria boca. No instante em que percebeu isso, ela cessou; Harry estava caído no chão, arquejante, olhando para o teto, sua cicatriz latejando barbaramente. Rony se curvava para ele, parecendo muito preocupado.
— Que aconteceu? — perguntou.
— Eu... não sei... — ofegou Harry, sentando-se. — Ele está realmente feliz... realmente feliz...
— Você-Sabe-Quem?
— Alguma coisa boa aconteceu — balbuciou Harry. E tremia tanto quanto depois de ver a cobra atacar o Sr. Weasley, além de sentir-se muito enjoado. — Alguma coisa que ele esperava que acontecesse.
As palavras foram saindo de sua boca, exatamente como acontecera no vestiário da Grifinória, como se um estranho falasse através dele, contudo Harry sabia que eram verdadeiras. Ele inspirou profundamente várias vezes, desejando não vomitar em cima de Rony. Ficou satisfeito que desta vez Dino e Simas não estivessem ali para presenciar.
— Hermione me mandou vir ver como você estava — disse Rony em voz baixa, ajudando o amigo a se levantar. — Diz que suas defesas deviam estar muito baixas neste momento, depois do Snape ter mexido com a sua mente... ainda assim, suponho que vá ser útil a longo prazo, não?
Ele olhou para Harry com ar de dúvida enquanto o ajudava a alcançar a cama.
Harry concordou com um aceno de cabeça, sem convicção, e se largou sobre os travesseiros, o corpo doendo por ter caído tantas vezes naquela noite, sua cicatriz ainda formigando dolorosamente. Não pôde deixar de sentir que a sua primeira incursão em Oclumência enfraquecera a resistência de sua mente, ao invés de fortalecê-la, e se perguntou, extremamente agitado, o que deixara Lord Voldemort na maior felicidade dos últimos catorze anos.

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