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Unknown
junho 05, 2014
Capítulo 36
— Minerva, posso pedir a você que fique de guarda aqui enquanto levo Harry para cima?
— Naturalmente. — Ela parecia ligeiramente nauseada, como se tivesse acabado de ver alguém vomitar. Contudo, quando puxou a varinha e a apontou para Bartô Crouch, sua mão estava bem firme.
— Severo — virou-se Dumbledore para Snape — por favor, peça a madame Pomfrey para vir até aqui. Precisamos levar Alastor Moody para a ala hospitalar. Depois desça aos jardins, procure Cornélio Fudge e traga-o para esta sala. Com certeza ele vai querer interrogar Crouch pessoalmente. Diga-lhe que estarei na ala hospitalar dentro de meia hora, caso precise de mim.
Snape concordou silenciosamente com um aceno de cabeça e saiu da sala.
— Harry? — chamou Dumbledore gentilmente.
Harry se levantou e cambaleou; a dor na perna, que ele mal sentira todo o tempo em que estivera ouvindo Crouch, agora voltava com força total. O garoto também percebeu que estava tremendo.
Dumbledore segurou-o pelo braço e ajudou-o a sair para o corredor escuro.
— Quero que venha primeiro ao meu escritório, Harry — disse ele baixinho, enquanto seguiam pelo corredor. — Sirius está nos esperando lá.
Harry concordou com a cabeça. Uma sensação de dormência e de total irrealidade se apoderara dele, mas o garoto não ligou, ficou até feliz com isso. Não queria ter que pensar em nada que acontecera desde que pusera a mão, pela primeira vez, na Taça Tribruxo. Não queria ter que examinar as lembranças, frescas e nítidas como fotografias, que não paravam de lampejar em sua mente.
Olho-Tonto Moody dentro do malão, Rabicho caído no chão, aninhando o toco do braço. Voldemort ressurgindo do caldeirão fumegante. Cedrico... Morto...
Cedrico pedindo para ele levar seu corpo para os pais...
— Professor — murmurou Harry — onde estão o Sr. e a Sra. Diggory?
— Estão com a Professora Sprout. — A voz de Dumbledore que estivera tão calma durante o interrogatório de Bartô Crouch tremeu levemente pela primeira vez. — Ela é a diretora da Casa de Cedrico e o conhecia melhor.
Tinham chegado à gárgula de pedra. Dumbledore disse a senha, ela saltou para o lado, e o diretor e Harry subiram a escada rolante circular até a porta de carvalho. Dumbledore abriu-a. Sirius estava parado ali. Seu rosto branco e ossudo como estivera quando fugira de Azkaban. Num átimo, ele atravessou a sala.
— Harry, você está bem? Eu sabia... Eu sabia que uma coisa assim... Que aconteceu?
As mãos dele tremiam ao ajudar Harry a se sentar em uma cadeira diante da escrivaninha.
— Que aconteceu? — perguntou mais pressuroso.
Dumbledore começou a contar a Sirius tudo que Bartô Crouch dissera.
Harry ouvia apenas com metade de sua atenção. Tão cansado que cada osso do seu corpo doía, ele só tinha vontade de ficar sentado ali, sossegado, durante horas e horas, até adormecer e não precisar mais pensar nem sentir nada. Ouviu-se um leve rumorejo de asas. Fawkes, a fênix, deixara o poleiro, voara pela sala e pousara no joelho de Harry.
— Alô, Fawkes — disse o garoto de mansinho. E alisou a bela plumagem vermelha e dourada da ave. Fawkes piscou sem medo para ele. Havia um certo consolo em seu peso morno.
Dumbledore parara de falar. Sentou-se diante de Harry, à escrivaninha.
Encarou o menino, que procurou evitar os seus olhos. Dumbledore ia interrogá-lo.
Ia fazer Harry desabafar tudo.
— Preciso saber o que foi que aconteceu depois que você tocou a Chave de Portal no labirinto, Harry — disse o diretor.
— Podemos esperar até de manhã para isso, não Dumbledore? — disse Sirius com aspereza. Ele pousou a mão no ombro de Harry. — Deixe o garoto dormir. Deixe-o descansar.
Harry sentiu um assomo de gratidão com relação ao padrinho, mas Dumbledore não deu atenção às palavras de Sirius. Curvou-se para Harry. De má vontade, o garoto ergueu a cabeça e encarou aqueles olhos azuis.
— Se eu achasse que poderia ajudá-lo — disse Dumbledore brandamente — mergulhar você em um sono encantado e permitir que adiasse o momento em que terá de pensar no que aconteceu esta noite, eu faria isso. Mas sei que não posso. Amortecer a dor por algum tempo apenas a tornará pior quando você finalmente a sentir. Você demonstrou uma coragem acima da que eu poderia ter esperado. Estou pedindo que a demonstre mais uma vez. Estou pedindo que nos conte o que aconteceu.
A fênix deixou escapar uma nota branda e trêmula. A nota estremeceu no ar, e Harry sentiu como se uma gota de líquido morno tivesse descido por sua garganta até o estômago, aquecendo-o e lhe dando forças.
Ele inspirou profundamente e começou a contar. Enquanto falava, visões de tudo que se passara àquela noite pareciam desfilar diante de seus olhos, ele viu a superfície borbulhante da poção que revivera Voldemort, viu os Comensais da Morte aparatando entre os túmulos em volta deles, viu o corpo de Cedrico, caído no chão ao lado da Taça.
Uma ou duas vezes, Sirius emitiu um som como se fosse falar alguma coisa, sua mão ainda apertando o ombro do afilhado, mas Dumbledore ergueu a mão para fazê-lo calar, e Harry se sentiu grato por isso, porque era mais fácil continuar agora que já começara. Era até um alívio, o garoto teve a sensação de que alguma coisa venenosa estava sendo extraída dele, custava-lhe toda a determinação que possuía continuar falando, contudo, ele percebia que uma vez que tivesse terminado, iria se sentir melhor.
Quando Harry contou que Rabicho espetara seu braço com o punhal, porém, Sirius deixou escapar uma exclamação veemente e Dumbledore se levantou tão depressa que Harry se assustou. O diretor deu a volta à escrivaninha e pediu a Harry que esticasse o braço. O garoto mostrou aos dois o lugar em que suas vestes estavam rasgadas e o corte sob as mesmas.
— Ele falou que o meu sangue o tornaria mais forte do que se usasse o de outro — disse Harry a Dumbledore. — Falou que a proteção que minha... Minha mãe tinha deixado em mim, seria dele, também. E estava certo, ele pôde me tocar sem se machucar, ele tocou o meu rosto.
Por um instante fugaz, Harry viu um brilho que lembrava triunfo nos olhos do diretor. Mas no segundo seguinte teve certeza de que imaginara, porque quando Dumbledore voltou à cadeira atrás da escrivaninha, pareceu velho e cansado como Harry jamais o vira.
— Muito bem — disse ao se sentar. — Voldemort superou esta barreira. Continue, Harry, por favor. Harry prosseguiu, explicou como Voldemort emergira do caldeirão, e repetiu para eles tudo que conseguiu se lembrar do discurso do lorde aos Comensais da Morte. Então contou como Voldemort o desamarrara, devolvera sua varinha e se preparara para duelar.
Mas quando chegou à parte do raio de luz dourada que ligara sua varinha à de Voldemort, ele descobriu que estava com a garganta embargada. Harry tentou continuar falando, mas as lembranças do que saíra da varinha do bruxo inundavam sua mente. Reviu Cedrico saindo, o velho, Berta Jorkins... Sua mãe... Seu pai...
Ele ficou feliz quando Sirius rompeu o silêncio.
— As varinhas se ligaram? — perguntou ele, olhando de Harry para Dumbledore. — Por quê?
Harry tornou a erguer os olhos para Dumbledore, em cujo rosto havia uma expressão tensa.
— Priori Incantatem — murmurou.
Seus olhos fitaram os de Harry e foi quase como se um raio invisível de compreensão passasse entre os dois.
— A reversão do feitiço? — perguntou Sirius alerta.
— Exatamente — disse Dumbledore. — A varinha de Harry e a de Voldemort têm o mesmo cerne. Cada uma contém uma pena da cauda da mesma fênix. Com efeito, desta fênix — acrescentou ele, apontando para a ave vermelha e dourada, empoleirada tranqüilamente no joelho de Harry.
— A pena da minha varinha veio de Fawkes? — perguntou Harry, admirado.
— Veio — disse Dumbledore. — O Sr. Olivaras me escreveu dizendo que você comprara a segunda varinha, no instante em que você saiu da loja dele, há quatro anos.
— Então o que acontece quando uma varinha encontra sua irmã? — perguntou Sirius.
— Elas não funcionam bem uma contra a outra. Se, no entanto, o dono de uma das varinhas forçar uma luta entre as varinhas... Produzirá um efeito muito raro. Uma das varinhas forçará a outra a regurgitar os feitiços que realizou, na ordem inversa. O mais recente primeiro... Depois os que o antecederam...
O diretor olhou interrogativamente para Harry e o garoto confirmou com a cabeça.
— O que significa — disse Dumbledore lentamente, seus olhos no rosto de Harry — que alguma forma de Cedrico deve ter reaparecido.
Harry tornou a confirmar.
— Diggory voltou à vida? — perguntou Sirius abruptamente.
— Nenhum feitiço pode ressuscitar os mortos — disse Dumbledore em tom sentencioso. — Só o que pode ocorrer é uma espécie de eco inverso. Uma sombra do Cedrico vivente teria emergido da varinha... Estou certo, Harry?
— Ele falou comigo — disse Harry. De repente o garoto voltou a tremer. — O... O fantasma de Cedrico, ou o que seja, falou.
— Um eco — disse Dumbledore — que reteve a aparência e o caráter de Cedrico. Imagino que outras formas semelhantes tenham aparecido... Vítimas menos recentes da varinha de Voldemort...
— Um velho — respondeu Harry, com um aperto na garganta. — Berta Jorkins. E...
— Seus pais? — perguntou Dumbledore calmamente.
— Foi.
A mão de Sirius no ombro de Harry agora o apertava com tanta força que chegava a doer.
— As últimas mortes executadas pela varinha — confirmou Dumbledore com um aceno de cabeça. — Na ordem inversa. Mais teriam aparecido, é claro, se vocês continuassem a manter a ligação. Muito bem, Harry, esses ecos, essas sombras... Que foi que elas fizeram?
O garoto descreveu como as figuras que haviam saído da varinha tinham ficado rondando o interior da teia dourada, como Voldemort pareceu temê-las, como a sombra do pai de Harry lhe disse o que fazer, como a de Cedrico fizera um último pedido.
Neste ponto, Harry descobriu que não conseguiria continuar. Olhou para Sirius e viu que o padrinho segurava o rosto nas mãos.
Harry de repente tomou consciência de que Fawkes deixara seu joelho. A ave voara para o chão. E descansou a bela cabeça na perna machucada do menino, grossas lágrimas peroladas caíram dos seus olhos sobre a ferida feita pela aranha. A dor desapareceu. A pele se recompôs. A perna ficou boa.
— Vou repetir mais uma vez — disse Dumbledore, quando a fênix levantou vôo e tornou a se acomodar em seu poleiro junto à porta. — Esta noite você revelou uma bravura que ultrapassou o que eu teria esperado de você, Harry. Revelou uma bravura igual à daqueles que morreram combatendo Voldemort no auge do seu poder. Você carregou o fardo de um bruxo adulto e esteve à altura dele, e você agora nos deu tudo o que temos direito a esperar. Você vai me acompanhar à ala hospitalar. Não quero que volte para o dormitório esta noite. Uma Poção do Sono e algum sossego...
— Sirius, você gostaria de ficar com ele?
Sirius confirmou com a cabeça e se levantou. Tornou a se transformar no enorme cachorro preto e saiu com Harry e Dumbledore do escritório, acompanhando-os por um lance de escadas até a ala hospitalar.
Quando o diretor empurrou a porta, Harry viu a Sra. Weasley, Gui, Rony e Hermione reunidos em torno de uma atarantada Madame Pomfrey. Pareciam estar exigindo saber onde estava Harry e o que lhe acontecera.
Todos se viraram rapidamente quando Harry, Dumbledore e o cachorro preto entraram, e a Sra. Weasley deixou escapar um grito abafado:
— Harry! Ah, Harry!
Ela fez menção de correr para o garoto, mas Dumbledore se colocou entre os dois.
— Molly — disse ele, erguendo a mão —, por favor, ouça-me um momento. Harry passou uma provação terrível esta noite. Acabou de desabafá-la comigo. Do que ele precisa agora é de sono, paz e silêncio. Se ele quiser que vocês todos fiquem com ele — acrescentou o diretor, abrangendo com o olhar Rony, Hermione e Gui —, vocês podem ficar. Mas não quero que lhe façam perguntas até que ele esteja pronto para respondê-las e, certamente, não será hoje à noite.
A Sra. Weasley concordou com a cabeça. Estava muito pálida. Ela se virou para Rony, Hermione e Gui, como se eles estivessem fazendo barulho, e sibilou:
— Vocês ouviram? Ele precisa de silêncio!
— Diretor — disse Madame Pomfrey, encarando o cachorro preto que era Sirius —, posso perguntar o que...
— Este cachorro vai ficar com Harry por algum tempo — disse Dumbledore com simplicidade. — Posso lhe assegurar que ele é muitíssimo bem treinado. Harry vou esperar até você se deitar.
Harry sentiu uma inexprimível gratidão a Dumbledore por pedir aos outros que não lhe fizessem perguntas. Não é que não os quisesse ali, mas a idéia de explicar tudo mais uma vez, de reviver tudo mais uma vez, era mais do que ele poderia suportar.
— Voltarei para vê-lo assim que estiver com Fudge, Harry — disse Dumbledore. — Gostaria que você ficasse aqui amanhã também, até eu me dirigir à escola. — E saiu.
Quando Madame Pomfrey levou Harry a uma cama próxima, ele avistou o verdadeiro Moody deitado imóvel em uma cama no fundo da enfermaria. Sua perna de pau e o olho mágico estavam pousados na mesa-de-cabeceira.
— Ele está bem? — perguntou Harry.
— Ele vai ficar bom — respondeu Madame Pomfrey, entregando ao garoto um pijama e colocando os biombos à sua volta. Ele despiu as vestes, pôs o pijama e entrou na cama. Rony, Hermione, Gui, a Sra. Weasley e o cachorro preto contornaram o biombo e se sentaram em cadeiras dos lados da cama. Rony e Hermione espiaram o amigo quase cautelosamente, como se sentissem medo dele.
— Eu estou bem — disse Harry a eles. — Só cansado.
Os olhos da Sra. Weasley se encheram de lágrimas quando alisou as cobertas da cama sem a menor necessidade. Madame Pomfrey, que acabara de sair apressada de sua sala, voltou segurando uma taça e um frasquinho contendo uma poção púrpura.
— Você vai precisar beber tudo isso, Harry. É uma poção para dormir sem sonhar.
O garoto tomou o cálice e bebeu alguns goles. Sentiu-se sonolento na mesma hora. Tudo ao seu redor ficou enevoado, as luzes na enfermaria pareceram piscar para ele de um jeito simpático através do biombo que circundava sua cama; ele teve a sensação de que seu corpo afundava cada vez mais no calor do edredom de penas. Antes que pudesse terminar a poção, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, sua exaustão o adormeceu.
Harry acordou, tão quentinho, tão sonolento, que nem abriu os olhos, sentindo vontade de adormecer outra vez. A enfermaria continuava fracamente iluminada, acreditava que ainda era noite e tinha a impressão de que não poderia ter dormido muito tempo. Então ouviu cochichos à sua volta.
— Vão acordá-lo se não calarem a boca!
— Por que é que estão gritando? Não pode ter acontecido mais nada ou pode?
Harry abriu os olhos borrados. Alguém tirara seus óculos. Viu os contornos difusos da Sra. Weasley e de Gui ali perto. A bruxa estava em pé.
— É a voz de Fudge — sussurrou ela. — E a outra é da Minerva McGonagall, não é? Mas por que estão discutindo?
Agora Harry os ouvia também, gente gritando e correndo em direção à ala hospitalar.
— Lamentável, mas mesmo assim, Minerva... — dizia o ministro em voz alta.
— O senhor nunca deveria tê-lo trazido para o interior do castelo! — berrou a professora. — Quando Dumbledore descobrir...
Harry ouviu as portas da enfermaria se escancararem. Sem as pessoas ao redor de sua cama notarem, pois fixaram o olhar na porta quando Gui afastou os biombos, Harry se sentou e tornou a colocar os óculos.
Fudge entrou em grandes passadas pela enfermaria. Os Professores McGonagall e Snape vinham em seus calcanhares.
— Onde está Dumbledore? — Fudge interpelou a Sra. Weasley.
— Não está aqui — disse a senhora zangada. — Isto é uma enfermaria, ministro, o senhor não acha que faria melhor...
Mas a porta se abriu e Dumbledore entrou decidido.
— Que aconteceu? — perguntou energicamente, olhando de Fudge para McGonagall.
— Por que estão incomodando estas pessoas? Minerva, você me surpreende, eu lhe pedi para ficar vigiando Bartô Crouch...
— Não há necessidade de vigiá-lo mais, Dumbledore! — gritou ela. — O ministro já providenciou isso!
Harry nunca vira a professora se descontrolar daquele jeito.
Havia manchas vermelhas de raiva em seu rosto, as mãos estavam fechadas em punhos, ela tremia de fúria.
— Quando informei ao Sr. Fudge que tínhamos apanhado o Comensal da Morteresponsável pelos acontecimentos desta noite — disse Snape, em voz baixa — parece que ele achou que sua segurança pessoal estava ameaçada. Insistiu em chamar um dementador para acompanhá-lo até o castelo. Levou-o para a sala em que Bartô Crouch...
— Avisei a ele que você não concordaria, Dumbledore! — vociferou a Professora Minerva. — Avisei a ele que você não permitiria que dementadores entrassem no castelo, mas...
— Minha cara senhora! — rugiu Fudge, que parecia igualmente mais zangado do que Harry jamais o vira. — Como Ministro da Magia, sou eu quem decide se quero trazer uma proteção pessoal quando vou entrevistar alguém possivelmente perigoso...
Mas a voz da Professora McGonagall abafou a de Fudge.
— No momento em que aquela... Aquela coisa entrou na sala — berrou ela, apontando para Fudge, o corpo todo tremendo — o dementador avançou para Crouch e... E...
Harry sentiu um frio no estômago, enquanto a professora procurava encontrar palavras para descrever o que acontecera. Harry não precisou que ela terminasse a frase. Sabia o que o dementador devia ter feito. Aplicara o beijo fatal em Bartô Crouch. Sugara a alma do rapaz pela boca. Ele estava pior do que morto.
— Pelo que todos dizem, não se perdeu nada! — vociferou Fudge. — Ele parece ter sido responsável por várias mortes!
— Mas ele agora não pode prestar depoimento, Cornélio — disse Dumbledore, encarando Fudge com insistência, como se o visse direito pela primeira vez. — Ele não pode testemunhar por que matou essas pessoas.
— Por que ele as matou? Ora, isso não é mistério, é? — esbravejou o ministro. — Ele é doido de pedra! Pelo que Severo e Minerva me disseram, ele parecia pensar que tinha feito tudo isso seguindo instruções de Você-Sabe-Quem!
— E ele estava seguindo instruções de Lord Voldemort, Cornélio — respondeu Dumbledore. — A morte dessas pessoas foi apenas um produto secundário do plano para restaurar as forças de Voldemort. O plano foi bem sucedido. Voldemort recuperou seu corpo.
Fudge parecia ter levado uma pancada violenta no rosto. Atordoado e piscando, ele olhou para Dumbledore como se não conseguisse acreditar no que acabara de ouvir. Começou a balbuciar, ainda de olhos arregalados para o diretor.
— Você-Sabe-Quem... Retornou? Absurdo. Ora, vamos, Dumbledore...
— Conforme Minerva e Severo sem dúvida lhe contaram, ouvimos Bartô Crouch confessar. Sob a influência do Veritaserum, ele nos disse como foi contrabandeado para fora de Azkaban e como Voldemort, tendo sabido por Berta Jorkins que ele continuava vivo, foi libertá-lo da guarda do pai, e usou-o para capturar Harry. O plano funcionou, posso lhe garantir. Crouch ajudou Voldemort a retornar.
— Olhe aqui, Dumbledore — disse Fudge, e Harry ficou espantado de ver o sorrisinho que apareceu no rosto do ministro —, você... Você não acredita seriamente nisso. Você-Sabe-Quem voltou? Ora, vamos, ora vamos... Com certeza Crouch deve ter acreditado que estava agindo sob as ordens de Você-Sabe-Quem, mas aceitar a palavra de um doido daqueles, Dumbledore...
— Quando Harry tocou na Taça Tribruxo esta noite, ele foi transportado diretamente até Voldemort — disse Dumbledore com firmeza. — Ele presenciou o renascimento de Lord Voldemort. Explicarei tudo a você se quiser vir ao meu escritório.
Dumbledore olhou para Harry e viu que o garoto estava acordado, mas sacudiu a cabeça e disse:
— Receio que não possa permitir que você interrogue Harry hoje.
O curioso sorriso de Fudge perdurou. Ele também olhou para Harry, depois se voltou para Dumbledore:
— Você está... Hum... Disposto a aceitar a palavra de Harry neste caso, Dumbledore?
Houve um momento de silêncio, interrompido por um rosnado de Sirius. Tinha os pêlos do pescoço em pé e seus dentes se arreganharam para Fudge.
— Certamente que acredito em Harry — disse Dumbledore. Seus olhos brilharam de fúria. — Ouvi a confissão de Crouch e ouvi o relato de Harry sobre o que aconteceu quando ele tocou a Taça Tribruxo, as duas histórias fazem sentido, explicam tudo que tem acontecido desde que Berta Jorkins desapareceu no verão passado.
Fudge ainda conservava aquele sorriso estranho no rosto. Olhou mais uma vez para Harry antes de responder.
— Você está disposto a acreditar que Lord Voldemort voltou, porque assim dizem um assassino louco e um garoto que... Bem... Fudge lançou a Harry mais um olhar, e o garoto subitamente compreendeu.
— O senhor tem andado lendo Rita Skeeter, Sr. Fudge — disse ele calmamente.
Rony, Hermione, a Sra. Weasley e Gui, todos se assustaram. Nenhum deles percebera que Harry estava acordado. Fudge corou ligeiramente, mas surgiu em seu rosto uma expressão de desafio e obstinação.
— E se tiver? — perguntou, fitando Dumbledore. — E se descobri que você me tem ocultado certos fatos sobre o garoto? Ofidioglota, é? E tem desmaios esquisitos a toda hora?...
— Presumo que você esteja se referindo às dores que Harry tem sentido na cicatriz? — perguntou Dumbledore friamente.
— Você admite que ele tem tido dores, então? — perguntou Fudge depressa. — Dores de cabeça? Pesadelos? Possivelmente... Alucinações?
— Escute aqui, Cornélio — disse Dumbledore dando um passo para perto de Fudge, e mais uma vez parecendo irradiar aquela indefinível aura de poder que Harry sentira quando estuporou o jovem Crouch.
— Harry é tão mentalmente são quanto eu ou você. Aquela cicatriz na testa não afetou o cérebro dele. Acredito que doa quando Lord Voldemort está por perto ou experimente sentimentos assassinos.
Fudge se afastara meio passo de Dumbledore, mas não parecia menos obstinado.
— Você vai me perdoar, Dumbledore, mas ouvi falar em uma cicatriz deixada por um feitiço funcionar como uma campainha de alarme antes...
— Olhe, eu vi Voldemort ressurgir! — gritou Harry. Ele tentou novamente se levantar da cama, mas a Sra. Weasley forçou-o a deitar. — Eu vi os Comensais da Morte! Posso dar os nomes! Lúcio Malfoy...
Snape fez um movimento repentino, mas quando Harry se virou, o olhar do professor retornara a Fudge.
— Malfoy foi inocentado! — disse Fudge visivelmente afrontado. — Uma família muito antiga, doações para causas excelentes...
— Mcnair! — continuou Harry.
— Também inocentado! Agora trabalha para o Ministério!
— Avery, Nott, Crabbe, Goyle.
— Você está apenas repetindo os nomes dos que foram absolvidos da acusação de serem Comensais da Morte há treze anos! — disse Fudge zangado. — Poderia ter achado esses nomes em relatórios antigos sobre os julgamentos! Pelo amor de Deus, Dumbledore, o garoto esteve com a cabeça cheia de histórias malucas no fim do ano passado, também, as invencionices dele estão cada vez mais mirabolantes, e você continua a engoli-las, o garoto é capaz de falar com cobras, Dumbledore, e você ainda acha que ele merece confiança?
— Seu tolo! — exclamou a Professora McGonagall. — Cedrico Diggory! O Sr. Crouch! Estas mortes não foram o trabalho aleatório de um doido!
— Não vejo nenhuma evidência em contrário! — gritou Fudge, agora equiparando sua raiva à da professora, o rosto roxo. — Parece-me que vocês estão decididos a começar uma onda de pânico que irá desestabilizar tudo pelo que trabalhamos nesses últimos treze anos!
Harry não conseguiu acreditar no que estava ouvindo. Sempre pensara em Fudge como uma pessoa bondosa, um pouco espalhafatosa, um pouco pomposa, mas de índole essencialmente boa. Mas agora via à sua frente um bruxo baixo e furioso, que se recusava terminantemente a aceitar a perspectiva de um esfacelamento do seu mundo confortável e ordeiro, a acreditar que Voldemort pudesse ter ressurgido.
— Voldemort retornou — repetiu Dumbledore. — Se você aceitar imediatamente este fato, Fudge, e tomar as medidas necessárias, talvez ainda possamos salvar a situação. O primeiro passo, e o mais essencial, é retirar Azkaban do controle dos dementadores...
— Que despropósito! — gritou outra vez Fudge. — Retirar os dementadores! Eu seria chutado do Ministério se sugerisse uma coisa dessas! Metade da população só se sente segura quando se deita à noite porque sabe que os dementadores estão guardando Azkaban!
— A outra metade não dorme tão bem, Cornélio, porque sabe que você deixou os seguidores mais perigosos de Lord Voldemort aos cuidados de criaturas que irão se juntar a ele no momento em que ele pedir! — retorquiu Dumbledore. — Eles não irão permanecer leais a você, Fudge! Voldemort pode oferecer um espaço muito maior para os poderes e prazeres deles do que você! Com os dementadores a apoiá-lo, e a volta dos seus antigos seguidores, você vai ter muita dificuldade para impedi-lo de reconquistar o poder que tinha há treze anos!
Fudge abria e fechava a boca como se não tivesse palavras para expressar sua indignação.
— A segunda medida que você precisa tomar, e imediatamente — continuou Dumbledore —, é mandar enviados aos gigantes.
— Enviados aos gigantes! — gritou o ministro em tom agudo, afinal recuperando a fala. — Que loucura é essa?
— Estenda-lhes a mão da amizade, agora, antes que seja tarde demais ou Voldemort irá persuadi-los, como já fez antes, que somente ele entre os bruxos concederá aos gigantes direitos e liberdade!
— Você... Você não pode estar falando sério! — exclamou Fudge, sacudindo a cabeça e se afastando um pouco mais de Dumbledore. — Se a comunidade mágica ouvir falar que eu procurei os gigantes, as pessoas os odeiam, Dumbledore... A minha carreira termina...
— Você está cego de amor — disse Dumbledore, sua voz elevando-se agora, a aura de poder palpável ao seu redor, seus olhos mais uma vez em brasas — pelo cargo que ocupa Cornélio! Você atribui demasiada importância, como sempre fez, à chamada pureza do sangue! Você não consegue reconhecer que não faz diferença quem a pessoa é ao nascer, mas o que ela vai ser ao crescer! O seu dementador acabou de destruir o último membro de uma família de sangue puro tão antiga quanto a de outros, e veja em que foi que ele transformou a própria vida! Digo-lhe agora, tome as medidas que sugeri e você será lembrado, no cargo ou fora dele, como um dos Ministros da Magia mais corajosos e sábios que já conhecemos. Não faça nada, e a história irá lembrá-lo como o homem que se omitiu e permitiu que Voldemort tivesse uma segunda oportunidade de destruir o mundo que tentamos reconstruir!
— Está demente — sussurrou Fudge, ainda se afastando. — Enlouqueceu...
E então, todos se calaram. Madame Pomfrey estava postada, imóvel aos pés da cama de Harry, as mãos cobrindo a boca. A Sra. Weasley continuava curvada para Harry, a mão no ombro do garoto para impedi-lo de se levantar. Gui, Rony e Hermione tinham os olhos arregalados para Fudge.
— Se a sua determinação de fechar os olhos levou você a esse ponto, Cornélio — disse Dumbledore —, chegou o momento em que os nossos caminhos se separam. Você fará o que acha que deve. E eu agirei como acho que devo.
A voz de Dumbledore não continha sequer uma sugestão de ameaça, parecia fazer uma simples constatação, mas Fudge se encrespou como se Dumbledore estivesse avançando para ele com a varinha em punho.
— Agora, escute aqui Dumbledore — disse sacudindo o dedo na cara do diretor. — Eu sempre o deixei agir livremente. Tenho muito respeito por você. Posso não ter concordado com algumas de suas decisões, mas fiquei calado. Não existe muita gente que deixaria você contratar lobisomens ou manter Hagrid ou decidir o que ensinar aos seus alunos, sem consultar o Ministério. Mas se você vai trabalhar contra mim...
— A única pessoa contra quem pretendo trabalhar é Lord Voldemort. Se você é contra ele, então continuamos, Cornélio, do mesmo lado.
Aparentemente Fudge não conseguiu pensar que resposta dar a Dumbledore. Balançou-se para frente e para trás sobre os pés diminutos por um momento, girando o chapéu-coco nas mãos. Finalmente, disse, com um quê de súplica na voz:
— Ele não pode estar de volta, Dumbledore, simplesmente não pode...
Snape se adiantou, passou por Dumbledore, ao mesmo tempo em que levantava a manga esquerda de suas vestes. Esticou o braço e mostrou-o a Fudge, que se retraiu.
— Olhe — disse Snape asperamente. — Olhe. A Marca Negra. Não está tão nítida quanto estava há pouco mais de uma hora, quando ficou realmente negra, mas o senhor ainda pode vê-la. O Lord das Trevas marcou com este sinal todos os Comensais da Morte. Era uma maneira de nos reconhecermos e um meio de nos convocar à presença dele. Quando ele tocava a Marca de qualquer comensal, devíamos desaparatar e aparatar instantaneamente ao seu lado. A Marca se tornou mais nítida durante esse ano. A de Karkaroff também. Por que o senhor acha que o professor fugiu esta noite? Nós dois sentimos a Marca queimar. Nós dois sabíamos que ele havia voltado. Karkaroff teme a vingança do Lord das Trevas. Ele traiu muitos companheiros comensais para ter ilusões de ser bem recebido no seio do rebanho.
Fudge recuou para longe de Snape, também. Sacudiu a cabeça. Não parecia ter absorvido uma única palavra do que Snape dissera. Olhava, aparentemente repugnado, para a feia Marca no braço de Snape, depois ergueu os olhos para Dumbledore e murmurou:
— Não sei do que você e seus professores estão brincando, Dumbledore, mas já ouvi o bastante. Não tenho nada a acrescentar. Entro em contato com você amanhã para discutirmos a administração da escola. Preciso voltar ao Ministério.
Já chegara quase à porta quando parou. Virou-se, voltou para a enfermaria e se deteve junto à cama de Harry.
— Seu prêmio — disse brevemente, tirando uma grande bolsa de ouro do bolso e largando-a na mesa-de-cabeceira do garoto. — Mil galeões. Deveria ter havido uma cerimônia de premiação, mas nas circunstâncias...
E enfiando seu chapéu-coco na cabeça, ele saiu da enfermaria, batendo a porta ao passar. No instante em que desapareceu, Dumbledore se voltou para o grupo ao redor da cama de Harry.
— Temos trabalho a fazer — disse. — Molly... Estou certo em pensar que posso contar com você e Arthur?
— Claro que pode — disse a Sra. Weasley. Estava pálida até nos lábios, mas parecia decidida. — Ele sabe quem Fudge é. É a afeição de Arthur por trouxas que o tem mantido no Ministério todos esses anos. O ministro acha que falta a ele o orgulho que espera de um bruxo.
— Então preciso mandar uma mensagem a ele — disse Dumbledore. — Todos os que pudermos persuadir da verdade devem ser avisados imediatamente, e Arthur está bem colocado para entrar em contato com as pessoas no Ministério que não sejam tão míopes quanto o Cornélio.
— Vou procurar papai — disse Gui, levantando-se. — Vou agora.
— Excelente — exclamou Dumbledore. — Diga-lhe o que aconteceu. Diga-lhe que entrarei em contato com ele em breve. Mas que ele precisa ser discreto. Se Fudge achar que estou interferindo no Ministério...
— Pode deixar comigo — disse Gui.
O rapaz deu uma palmadinha no ombro de Harry, beijou a mãe no rosto, vestiu a capa e saiu rapidamente da enfermaria.
— Minerva — disse Dumbledore virando-se para a Professora McGonagall —, quero ver Hagrid no meu escritório o mais depressa possível. E também, se ela concordar em vir, Madame Maxime.
A professora aquiesceu com um aceno de cabeça e saiu sem dizer nada.
— Papoula — disse Dumbledore a Madame Pomfrey —, será que você me faria a gentileza de ir à sala do Professor Moody, onde acho que encontrará lá um elfo doméstico chamado Winky em grande sofrimento? Faça o que puder por ela e leve-a de volta à cozinha. Acho que Dobby cuidará dela para nós.
— Claro... Claro que sim — respondeu a enfermeira parecendo espantada, e ela também saiu.
Dumbledore certificou-se de que a porta estava trancada e que o ruído dos passos de Madame Pomfrey tinha morrido na distância, antes de tornar a falar.
— E agora — disse ele — está na hora de duas pessoas deste grupo se reconhecerem pelo que são. Sirius... Se puder retomar sua forma habitual.
O cachorrão preto ergueu a cabeça para o diretor, depois, num segundo, voltou a ser homem. A Sra. Weasley gritou e se afastou da cama.
— Sirius Black! — tornou a gritar ela com voz aguda, apontando para o bruxo.
— Mamãe, cala a boca! — berrou Rony. — Está tudo bem!
Snape não gritara nem saltara para trás, mas a expressão do seu rosto era uma mescla de fúria e horror.
— Ele! — rosnou o professor, arregalando os olhos para Sirius, cujo rosto exprimia igual desagrado. — Que é que ele está fazendo aqui?
— Está aqui a meu convite — disse Dumbledore, olhando para ambos — como você, Severo. Confio nos dois. Está na hora de porem de lado as velhas diferenças e confiarem um no outro.
Harry achou que Dumbledore estava pedindo quase um milagre. Sirius e Snape se entreolhavam com a maior repugnância.
— Aceitarei, a curto prazo — disse Dumbledore, com uma certa impaciência na voz —, que suspendam as hostilidades ostensivas. Os dois apertem as mãos. Estão do mesmo lado agora. O tempo é curto e, a não ser que os poucos de nós que conhecem a verdade se mantenham unidos, não haverá esperança para ninguém.
Muito devagar, mas ainda se olhando feio como se não desejassem um ao outro se não o mal, Sirius e Snape se aproximaram e apertaram as mãos. Mas as soltaram bem rápido.
— Já é o bastante para começar — disse o diretor se interpondo aos dois homens mais uma vez. — Agora tenho trabalho para cada um de vocês. A atitude de Fudge, embora não seja inesperada, muda tudo, Sirius. Preciso que você comece imediatamente. Alerte Remo Lupin, Arabella Figg, Mundungo Fletcher, a turma antiga. Fique escondido com Lupin por enquanto, entrarei em contato com você lá.
— Mas... — começou Harry.
O garoto queria que Sirius ficasse. Não queria dizer adeus novamente tão depressa.
— Você voltará a me ver em breve, Harry — disse Sirius, virando-se para o afilhado. — Prometo. Mas preciso fazer o que posso, você compreende, não?
— Claro. Claro... Que sim.
Sirius apertou a mão de Harry brevemente, se despediu de Dumbledore com um aceno da cabeça, voltou a se transformar em cachorro preto e correu para a porta, cuja maçaneta abriu com a pata. Então desapareceu.
— Severo — disse Dumbledore, voltando-se para Snape —, você sabe o que preciso lhe pedir para fazer. Se estiver disposto... Se estiver preparado...
— Estou — disse Snape.
O professor parecia um pouco mais pálido do que o habitual, e seus olhos frios e negros brilharam estranhamente.
— Então, boa sorte — e o diretor acompanhou, com uma certa apreensão no rosto, Snape partir em seguida a Sirius sem dizer palavra. Passaram-se vários minutos até Dumbledore tornar a falar.
— Preciso ir lá embaixo — disse finalmente. — Preciso ver os Diggory. Harry, tome o resto da sua poção. Verei todos vocês mais tarde.
Harry se deixou cair nos travesseiros enquanto Dumbledore desaparecia.
Hermione, Rony e a Sra. Weasley ficaram olhando para o garoto. Nenhum deles falou durante muito tempo.
— Você tem que tomar o resto da sua poção, Harry — disse finalmente a Sra. Weasley. Ao apanhar o frasco e a taça, ela bateu com a mão no saco de ouro à mesa-de-cabeceira.
— Durma bastante. Tente pensar em outra coisa por um tempo... Pense no que vai comprar com o seu prêmio!
— Não quero esse ouro — falou Harry com a voz sem emoção. — Pode ficar com ele. Qualquer um pode ficar com ele. Eu não deveria ter ganho. Deveria ter sido de Cedrico.
A coisa contra a qual ele estivera lutando intermitentemente, desde que saíra do labirinto, ameaçava engolfá-lo. Sentiu uma ardência, um formigamento nos cantos internos dos olhos. Ele piscou e ficou encarando o teto.
— Não foi sua culpa, Harry — sussurrou a Sra. Weasley.
— Eu disse a ele que apanhasse a Taça comigo.
Agora a sensação de ardência passara à garganta, também. Ele desejou que Rony olhasse para outro lado.
A Sra. Weasley deixou a poção em cima da mesinha, abaixou-se e passou os braços em volta de Harry. O garoto não tinha lembrança de jamais ter sido abraçado assim, como faria uma mãe. Todo o peso do que vira aquela noite pareceu desabar sobre ele quando a Sra. Weasley o apertou contra o peito. O rosto de sua mãe, a voz de seu pai, a visão de Cedrico morto no chão, tudo começou a girar em sua cabeça até ele não conseguir mais agüentar, até seu rosto se contrair todo para conter o uivo de infelicidade que lutava para escapar de dentro dele.
Ouviu-se uma pancada e a Sra. Weasley e Harry se separaram. Hermione estava parada junto à janela. Apertava alguma coisa com força na mão.
— Desculpem — sussurrou.
— Sua poção, Harry — disse a Sra. Weasley depressa, enxugando os olhos com as costas da mão.
Harry bebeu a poção de um só gole. O efeito foi instantâneo. Ondas pesadas e irresistíveis de sono sem sonhos o envolveram, ele tombou sobre os travesseiros e não pensou mais.