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junho 05, 2014
Capítulo 37
Eles não o culparam pelo que acontecera; pelo contrário, ambos lhe agradeceram por ter trazido o corpo do filho de volta. O Sr. Diggory soluçou a maior parte da entrevista. A dor da Sra. Diggory parecia ter ultrapassado o consolo das lágrimas.
— Ele sofreu pouco, então — disse ela, depois que Harry lhe contou como Cedrico havia morrido. — Afinal, Amos... Ele morreu no momento em que venceu o torneio. Devia estar muito feliz.
Ao se levantarem, ela olhou para Harry e disse:
— Cuide-se bem.
Harry apanhou o saco de ouro na mesa-de-cabeceira.
— Podem levar — murmurou para a senhora. — Deveria ter sido de Cedrico, ele chegou à Taça primeiro, levem...
Mas ela se afastou dele.
— Ah, não, é seu, querido, não poderíamos... Fique para você.
Harry voltou à Torre da Grifinória na noite seguinte. Pelo que Hermione e Rony lhe contaram, Dumbledore se dirigira à escola naquela manhã, ao café.
Pedira apenas que deixassem Harry em paz, que ninguém lhe fizesse perguntas nem o aborrecesse pedindo que contasse o que acontecera no labirinto. A maioria dos colegas, reparou Harry, estava lhe dando distância nos corredores, evitando olhá-lo. Alguns cochichavam tampando a boca com as mãos quando o garoto passava. Ele imaginou que muitos teriam acreditado no artigo de Rita Skeeter sobre sua perturbação mental e a possibilidade de ser perigoso.
Talvez estivessem formulando as próprias teorias sobre a morte de Cedrico.
Ele descobriu que não fazia muita diferença. Gostava mais quando estava com Rony e Hermione e conversavam de outras coisas ou então eles o deixavam ficar calado enquanto jogavam xadrez. Sentia que os três haviam chegado a um entendimento que não precisava ser expresso com palavras, que cada um estava à espera de um sinal, uma palavra, sobre o que estava acontecendo fora dos muros de Hogwarts — e que era inútil especular até que soubessem de alguma coisa ao certo. A única vez em que tocaram no assunto foi quando Rony contou a Harry sobre o encontro que a Sra. Weasley tivera com Dumbledore antes de voltar para casa.
— Ela foi perguntar ao diretor se você poderia ir direto para nossa casa no verão. Mas o diretor quer que você vá para a casa dos Dursley, pelo menos no começo.
— Por quê? — perguntou Harry.
— Ela disse que Dumbledore tem lá as razões dele — explicou Rony, balançando a cabeça sombriamente. — Suponho que temos de confiar nele, não é?
A única pessoa além de Rony e Hermione com quem Harry se sentia capaz de falar era Hagrid. E como não havia mais professor de Defesa contra as Artes das Trevas, tinham o tempo dessa aula livre.
Usaram o da tarde de quinta-feira para visitar Hagrid em casa. Fazia um dia claro e ensolarado, Canino saltou pela porta aberta quando eles se aproximaram, latindo e abanando o rabo feito louco.
— Quem está aí? — perguntou Hagrid chegando até a porta. — Harry!
E saiu ao encontro dos garotos, puxando Harry para um abraço com uma das mãos e despenteando os cabelos dele com a outra disse:
— Que bom ver você companheiro. Que bom ver você.
Os três viram duas xícaras do tamanho de baldes sobre a mesa de madeira diante da lareira quando entraram na cabana.
— Tomando uma xícara de chá com Olímpia — disse Hagrid —, ela acabou de sair.
— Quem? — perguntou Rony curioso.
— Madame Maxime, é claro! — explicou Hagrid.
— Vocês dois fizeram as pazes, então? — perguntou Rony;
— Não sei do que você está falando — disse Hagrid com displicência, indo buscar mais xícaras na cômoda. Depois de preparar o chá e oferecer um prato de biscoitos massudos, ele se sentou e examinou Harry mais de perto com aqueles seus olhos de besouros negros.
— Você está bem? — perguntou rouco.
— Claro.
— Não, não está. Claro que não está. Mas vai ficar.
Harry não respondeu nada.
— Eu sabia que ele ia voltar — disse Hagrid, e Harry, Rony e Hermione olharam para ele chocados. — Sei há anos, Harry. Sabia que estava lá fora, esperando a hora. Tinha que acontecer. Bom, agora aconteceu, e vamos ter de conviver com isso. Vamos lutar. Talvez a gente consiga deter o homem antes que ele se firme. Pelo menos esse é o plano de Dumbledore. Grande homem. Dumbledore. Enquanto contarmos com ele, não estou muito preocupado.
Hagrid ergueu as sobrancelhas espessas ao ver a expressão de incredulidade nos rostos dos garotos.
— Não adianta a gente ficar sentado se preocupando. O que tiver que ser será, e nós o enfrentaremos quando vier. Dumbledore me contou o que você fez, Harry.
O peito de Hagrid inchou ao fitar Harry.
— Você fez tanto quanto o seu pai teria feito e não posso lhe fazer elogio maior.
Harry retribuiu o sorriso do amigo. Era a primeira vez que sorria em dias.
— Que foi que Dumbledore lhe pediu para fazer, Hagrid? — perguntou o garoto. — Ele mandou a Professora Minerva convidar você e Madame Maxime para irem à sala dele... Naquela noite.
— Tem um trabalhinho para mim durante o verão — disse Hagrid. — Mas é segredo. Não tenho licença para falar, nem para vocês. Olímpia, Madame Maxime para vocês, talvez vá comigo. Acho que irá. Acho que a convenci.
— Tem ligação com Voldemort?
Hagrid fez uma careta ao ouvir aquele nome.
— Talvez — respondeu evasivamente. — Agora... Quem gostaria de visitar o últimoexplosívín comigo? Brincadeirinha, brincadeirinha! — acrescentou ele depressa, ao ver a cara dos garotos.
Foi com uma opressão no peito que Harry arrumou seu malão no dormitório, na véspera do seu regresso à Rua dos Alfeneiros. Estava com medo da Festa de Despedida, que normalmente era motivo de comemoração, pois nela anunciavam o vencedor do campeonato entre as Casas. Ele andava evitando o Salão Principal quando estava cheio, desde que deixara a ala hospitalar, dando preferência a comer quando ficava quase vazio, para evitar os olhares dos colegas.
Quando ele, Rony e Hermione entraram no salão, notaram imediatamente que não havia as decorações de costume. O Salão Principal em geral era enfeitado com as cores da Casa vencedora na Festa de Despedida. Esta noite, no entanto, havia panos pretos na parede ao fundo onde ficava a mesa dos professores. Harry percebeu instantaneamente que eram um sinal de respeito por Cedrico. O verdadeiro Olho-Tonto Moody estava à mesa, a perna de pau e o olho mágico nos lugares. Mostrava-se extremamente inquieto e assustadiço todas as vezes que alguém lhe falava. Harry não pôde culpá-lo, o medo que Moody tinha de ser atacado com certeza havia crescido depois de ficar preso no seu próprio malão durante dez meses. O lugar do Professor Karkaroff estava vazio. Harry se perguntou, ao sentar-se com os colegas da Grifinória, onde andaria o bruxo, se Voldemort já o teria alcançado.
Madame Maxime continuava em Hogwarts. Estava sentada ao lado de Hagrid. Falavam entre si baixinho. Mais adiante na mesa, ao lado da Professora McGonagall, estava Snape.
Seus olhos se demoraram em Harry por um momento quando o garoto olhou em sua direção. Sua expressão era difícil de traduzir. Parecia tão amargurado e desagradável como sempre. Harry continuou a observá-lo muito depois de o professor ter desviado o olhar.
Que será que Snape fizera por ordem de Dumbledore, na noite em que Voldemort ressurgira? E por que... Por que... Dumbledore tinha tanta convicção de que Snape estava realmente do lado deles? Espionara para eles, dissera Dumbledore na Penseira. "Snape espionara Voldemort correndo grandes riscos pessoais." Seria essa a tarefa que retomara? Teria feito contato com os Comensais da Morte, talvez? Fingira que jamais se passara realmente para o lado de Dumbledore, que estivera, a exemplo do próprio Voldemort, aguardando sua hora?
As indagações de Harry foram interrompidas pelo Professor Dumbledore, que se levantou à mesa dos professores. O Salão Principal, que por sinal tinha estado menos barulhento do que costumava ser em uma Festa de Despedida, ficou muito silencioso.
— O fim — disse Dumbledore olhando para todos — de mais um ano.
Ele fez uma pausa e seu olhar pousou na mesa da Lufa-Lufa. A mais silenciosa de todas antes do diretor se levantar, e continuava a ser a mais triste e de rostos mais pálidos do salão.
— Há muita coisa que eu gostaria de dizer a todos vocês esta noite, mas primeiro, quero lembrar a perda de uma excelente pessoa, que deveria estar sentado aqui — ele fez um gesto em direção à mesa da Lufa-Lufa —, festejando conosco. Eu gostaria que todos os presentes, por favor, se levantassem e fizessem um brinde a Cedrico Diggory.
Todos obedeceram; os bancos se arrastaram e os alunos no salão se levantaram e ergueram seus cálices e ouviu-se um eco uníssono, alto, grave e ressonante: “Cedrico Diggory”.
De relance, Harry viu Cho entre os colegas. Havia lágrimas silenciosas correndo pelo seu rosto. Ele baixou os olhos para a própria mesa quando todos tornaram a se sentar.
— Cedrico era o aluno que exemplificava muitas das qualidades que distinguem a Casa da Lufa-Lufa — continuou Dumbledore. — Era um amigo bom e leal, uma pessoa aplicada, valorizava o jogo limpo. Sua morte nos afetou a todos, quer vocês o conhecessem bem ou não. Portanto, creio que vocês têm o direito de saber exatamente como aconteceu.
Harry ergueu a cabeça e encarou Dumbledore.
— Cedrico Diggory foi morto por Lord Voldemort.
Um murmúrio de pânico varreu o Salão Principal. As pessoas olharam para Dumbledore incrédulas, horrorizadas. Ele parecia perfeitamente calmo ao observar os presentes até pararem de murmurar.
— O Ministro da Magia — continuou Dumbledore — não quer que eu lhes diga isto. É possível que alguns pais se horrorizem com o que acabo de fazer, ou porque não acreditam que Lord Voldemort tenha ressurgido ou porque acham que eu não deva lhes informar isto por serem demasiado jovens. Creio, no entanto, que a verdade é, em geral, preferível às mentiras, e qualquer tentativa de fingir que Cedrico Diggory morreu em conseqüência de um acidente ou de algum erro que cometeu é um insulto à sua memória.
Atordoados e temerosos, cada rosto no salão voltava-se para Dumbledore agora... Ou quase todos. Na mesa da Sonserina, Harry viu Draco Malfoy cochichar alguma coisa para Crabbe e Goyle. O garoto sentiu no estômago um espasmo nauseante e quente de raiva. Forçou-se a olhar para Dumbledore.
— Há mais alguém que deve ser mencionado com relação à morte de Cedrico — continuou Dumbledore. — Estou me referindo, naturalmente, a Harry Potter.
Um murmúrio atravessou o salão e algumas cabeças se viraram em direção ao garoto antes de tornarem a fitar Dumbledore.
— Harry Potter conseguiu escapar de Lord Voldemort. E arriscou a própria vida para trazer o corpo de Cedrico de volta a Hogwarts. Ele demonstrou, sob todos os aspectos, uma bravura que poucos bruxos jamais demonstraram diante de Lord Voldemort e, por isso, eu o homenageio.
Dumbledore virou-se solenemente para Harry e ergueu sua taça mais uma vez. Quase todos os presentes no Salão Principal seguiram seu exemplo. E murmuraram seu nome, conforme tinham murmurado o de Cedrico, e beberam em sua homenagem. Mas, por uma brecha entre os que estavam de pé, Harry viu que Malfoy, Grabbe, Goyle e muitos alunos da Sonserina, num gesto de desafio, tinham permanecido sentados, os cálices intocados. Dumbledore, que afinal de contas não possuía olhos mágicos, não os viu. Quando todos se sentaram mais uma vez, o diretor continuou:
— O objetivo do Torneio Tribruxo era aprofundar e promover o entendimento no mundo mágico. À luz do que aconteceu, o ressurgimento de Lord Voldemort, esses laços se tornam mais importantes do que nunca.
O olhar do diretor foi de Madame Maxime e Hagrid a Fleur Delacour e seus colegas de Beauxbatons, daí para Krum e os alunos de Durmstrang à mesa da Sonserina. Krum, Harry observou, parecia preocupado, quase temeroso, como se esperasse Dumbledore dizer alguma coisa desagradável.
— Cada convidado neste salão — disse o diretor e seu olhar se demorou nos alunos de Durmstrang — será bem-vindo se algum dia quiser voltar para cá. Repito a todos, à luz do ressurgimento de Lord Voldemort, seremos tão fortes quanto formos unidos e tão fracos quanto formos desunidos. O talento de Lord Voldemort para disseminar a desarmonia e a inimizade é muito grande. Só podemos combatê-lo mostrando uma ligação igualmente forte de amizade e confiança. As diferenças de costumes e língua não significam nada se os nossos objetivos forem os mesmos e os nossos corações forem receptivos.
— Creio — e nunca tive tanta esperança de estar enganado — que estamos diante de tempos negros e difíceis. Alguns de vocês, neste salão, já sofreram diretamente nas mãos de Lord Voldemort. As famílias de muitos já foram despedaçadas. Há apenas uma semana, um aluno foi levado do nosso meio. Lembrem-se de Cedrico Diggory. Lembrem-se, se chegar a hora de terem de escolher entre o que é certo e o que é fácil, lembrem-se do que aconteceu com um rapaz que era bom, generoso e corajoso, porque ele cruzou o caminho de Lord Voldemort. Lembrem-se de Cedrico Diggory.
O malão de Harry estava pronto, Edwiges, presa na gaiola em cima do malão. Harry, Rony e Hermione aguardavam no saguão de entrada lotado, com os demais alunos do quarto ano, as carruagens que deviam levá-los à estação de Hogsmeade. Fazia mais um belo dia de verão. Harry supôs que a Rua dos Alfeneiros estaria quente e cheia de folhas, os canteiros de flores em uma profusão de cores, quando ele chegasse lá à noite. O pensamento não lhe trouxe prazer algum.
— Arry!
Ele olhou. Fleur Delacour vinha entrando no castelo correndo. Para além da garota, lá longe no jardim, Harry viu Hagrid ajudando Madame Maxime a atrelar os cavalos à carruagem. A carruagem de Beauxbatons estava prestes a partir.
— Nos verremes utrra vez, esperro — disse Fleur, que estendeu a mão quando o alcançou. — Estou querrendo arranjar um emprrego aqui para melhorrar o meu inglês.
— Já é bastante bom — disse Rony com a voz meio estrangulada. Fleur sorriu para ele, Hermione amarrou a cara para o amigo.
— Adeus, Arry — disse Fleur, virando-se para ir embora. — Foi um prrazer conhecerr você!
O estado de ânimo de Harry não pôde deixar de melhorar um pouquinho ao observar Fleur correr pelos gramados de volta a Madame Maxime, seus cabelos prateados ondeando ao sol.
— Como será que os alunos de Durmstrang vão voltar para casa? — indagou Rony. — Vocês acham que eles são capazes de comandar aquele navio sem o Karkaroff?
— Karkaroff non comandou — disse uma voz ríspida. — Ficou na cabine e deixou o trrabalho conosco. — Krum viera se despedir de Hermione. — Posso lhe darr uma palavrrinha? — pediu ele.
— Ah... Claro... Tudo bem — respondeu a garota, e parecendo ligeiramente afobada acompanhou. Krum pela aglomeração de alunos até desaparecer de vista.
— É melhor você se apressar! — gritou Rony para ela. — As carruagens vão chegar a qualquer momento!
Mas ele deixou com Harry a tarefa de vigiar a chegada das carruagens e passou os minutos seguintes esticando o pescoço por cima dos colegas para tentar ver o que Krum e Hermione poderiam estar fazendo. Os dois voltaram bem depressa, mas o rosto da garota estava impassível.
— Eu gostava de Diggory — disse Krum abruptamente a Harry. — Erra semprre educado comigo. Semprre. Mesmo eu sendo de Durrmstrrang, com Karkaroff — acrescentou ele, fechando a cara.
— Vocês já têm um novo diretor? — perguntou Harry.
Krum sacudiu os ombros. Depois estendeu a mão, como fizera Fleur, apertou a de Harry e em seguida a de Rony. Rony parecia estar sofrendo um doloroso conflito interior.
Krum já começara a se afastar quando ele falou de supetão.
— Pode me dar seu autógrafo?
Hermione se virou rindo para as carruagens sem cavalos, que agora vinham sacolejando pelo caminho, quando Krum, com ar de surpresa, mas muito satisfeito, assinou um pedaço de pergaminho para Rony.
O tempo não poderia estar mais diferente na viagem de volta a King’s Cross do que estivera na vinda para Hogwarts, em setembro. Não havia uma única nuvem no céu.
Harry, Rony e Hermione tinham conseguido uma cabine só para eles.
Pichitinho mais uma vez viajava escondida sob as vestes a rigor de Rony para não ficar piando continuamente. Edwiges cochilava, a cabeça debaixo de uma asa, e Bichento se enroscara em um lugar vazio como uma grande almofada peluda cor de gengibre. Harry, Rony e Hermione conversaram mais longa e livremente do que haviam feito durante toda a semana, enquanto o trem os levava para o sul.
Harry teve a impressão de que o discurso de Dumbledore na Festa de Despedida de alguma forma o desbloqueara. Tornara-se menos doloroso para ele falar sobre o que acontecera. Os amigos somente interromperam a conversa sobre as medidas que Dumbledore poderia estar tomando naquele instante para deter Voldemort, quando o carrinho de comida chegou.
Ao voltar do carrinho, Hermione guardou o troco na mochila e apanhou um exemplar do Profeta Diário que levava ali. Harry olhou para o jornal, pouco seguro se realmente gostaria de saber o que dizia, mas Hermione, vendo-o olhar, disse calmamente:
— Não tem nada aqui. Pode ver por você mesmo, não tem nada aqui. Estive verificando todos os dias. Só uma pequena noticia no dia seguinte à terceira tarefa, dizendo que você ganhou o torneio. O jornal sequer mencionou Cedrico. Nenhum comentário sobre nada. Se vocês me perguntarem, acho que Fudge está obrigando o jornal a se calar.
— Ele jamais faria Rita se calar — disse Harry. — Não sobre uma história dessas.
— Ah, Rita não tem escrito nada desde a terceira tarefa — disse Hermione, com uma voz estranhamente contida. — Aliás — acrescentou, agora com a voz ligeiramente trêmula —, Rita Skeeter não vai escrever nadinha por algum tempo. A não ser que queira que eu ponha a boca no trombone sobre ela.
— Do que é que você está falando? — perguntou Rony.
— Descobri como é que ela fazia para escutar conversas particulares já que estava proibida de entrar nos terrenos da escola — explicou a garota depressa.
Harry teve a impressão de que Hermione andava há dias doidinha para contar a eles, mas se contivera por conta de tudo o mais que havia acontecido.
— Como é que ela fazia? — perguntou Harry na mesma hora.
— Como foi que você descobriu? — perguntou Rony, olhando admirado para a amiga.
— Bom, na realidade foi você, Harry, quem me deu a idéia.
— Eu? — exclamou Harry perplexo. — Como?
— Grampo — disse a garota satisfeita.
— Mas você disse que não funcionava...
— Ah, não um grampo eletrônico. Não, sabe... Rita Skeeter — a voz de Hermione tremeu de silencioso triunfo — é um animago clandestino. Ela pode se transformar... — Hermione tirou um frasco lacrado de dentro da mochila. —... Em besouro.
— Você está brincando — exclamou Rony. — Você não... Ela não está...
— Ah, está — respondeu Hermione com ar de felicidade, mostrando o frasco para os amigos. Dentro havia uns gravetos e folhas e um grande e gordo besouro.
— Nunca... Você está brincando... — sussurrou Rony, erguendo o frasco à altura dos olhos.
— Não, não estou — disse Hermione, com um largo sorriso. — Apanhei-a no peitoril da janela da enfermaria. Olhe com atenção e você vai notar as marcas em volta das antenas exatamente iguais as daqueles óculos horrorosos que ela usa.
Harry olhou e viu que a garota tinha razão. E ele também se lembrou de uma coisa.
— Havia um besouro em cima da estátua na noite em que ouvimos Hagrid falando com Madame Maxime sobre a mãe dele!
— Exatamente — confirmou Hermione. — E Vítor tirou um besouro dos meus cabelos quando estávamos conversando na beira do lago. E, a não ser que eu esteja muito enganada, Rita estava no peitoril da janela da classe de Adivinhação no dia em que sua cicatriz doeu. Ela andou besourando pela escola o ano inteiro.
— Quando vimos Malfoy debaixo daquela árvore... — lembrou Rony lentamente.
— Ele estava falando com a Rita segura na mão — disse Hermione. — Ele sabia, é claro. Foi assim que ela fez aquelas entrevistas simpáticas com os alunos da Sonserina. Aqueles garotos não ligariam se ela estivesse fazendo uma coisa ilegal, desde que pudessem contar barbaridades sobre Hagrid e nós.
Hermione apanhou o frasco da mão de Rony e sorriu para o besouro, que zuniu irritado contra o vidro.
— Já avisei a ela que só vou soltá-la quando chegarmos a Londres. Lancei um Feitiço Antiquebra no frasco, entendem, para ela não poder se transformar. E avisei, também, que vai ter que guardar a pena só para ela durante um ano. Vamos ver se ela não perde o hábito de escrever mentiras horríveis sobre as pessoas.
Sorrindo serenamente, Hermione tornou a guardar o besouro na mochila. A porta da cabine se abriu.
— Muito esperta, Granger — exclamou Draco Malfoy.
Crabbe e Goyle vinham atrás dele. Os três pareciam mais satisfeitos com eles mesmos, mais arrogantes e mais ameaçadores, do que Harry jamais os vira.
— Então — disse Malfoy, entrando lentamente na cabine e olhando para os três, um sorrisinho brincando em seus lábios. — Vocês apanharam uma repórter patética, e Potter voltou a ser o aluno favorito de Dumbledore. Grande coisa.
Seu sorriso se alargou. Crabbe e Goyle fizeram cara de desdém.
— Estamos tentando não pensar naquilo, é? — disse ele calmamente, continuando a se dirigir aos três. — Tentando fingir que não aconteceu?
— Dá o fora — disse Harry. Ele não chegava perto de Malfoy desde que o vira cochichando com Crabbe e Goyle durante o discurso de Dumbledore sobre Cedrico. Sentiu uma espécie de zumbido nos ouvidos. Sua mão agarrou a varinha sob as vestes.
— Você escolheu o lado perdedor, Potter! Eu lhe avisei! Eu lhe disse que devia escolher com quem anda com mais cuidado, lembra? Quando nos encontramos no trem, no primeiro dia de Hogwarts? Eu lhe disse para não andar com ralé desse tipo! — Ele indicou Rony e Hermione com a cabeça. — Tarde demais agora, Potter! Eles serão os primeiros a ir, agora que o Lord das Trevas voltou! Sangue-ruins e amantes de trouxas primeiro! Bom, em segundo lugar, Diggory foi o pr...
Foi como se alguém tivesse explodido uma caixa de fogos na cabine pelo clarão dos feitiços que voaram em todas as direções, surdo pela série de estampidos, Harry piscou olhando para o chão. Malfoy, Crabbe e Goyle estavam caídos inconscientes à porta.
Ele, Rony e Hermione estavam de pé, depois de cada um ter usado um feitiço diferente. E não tinham sido os únicos a fazer isso.
— Achamos que devíamos dar uma olhada no que os três iam aprontar — disse Fred factualmente, pisando em cima de Goyle, no que foi imitado por Jorge, que teve o cuidado de pisar em Malfoy ao entrar com o irmão na cabine.
— Que efeito interessante! — exclamou Jorge, olhando para Crabbe. — Quem usou oFeitiço Furunculus?
— Eu — respondeu Harry.
— Que estranho! — disse Jorge descontraído. — Eu usei o das Pernas- Bambas. Parece que não se deve misturar os dois. Brotaram pequenos tentáculos pela cara dele toda. Bom, não vamos deixar os três aqui, eles não contribuem nada para a decoração.
Rony, Harry e Jorge chutaram, rolaram e empurraram os inconscientes Malfoy, Crabbe e Goyle — cada um com a aparência pior, dada a mistura de feitiços com que tinham sido atingidos — até o corredor, depois voltaram para a cabine e fecharam a porta.
— Alguém topa um Snap Explosivo? — convidou Jorge puxando um baralho.
Já estavam no meio da quinta partida quando Harry resolveu fazer a eles a pergunta.
— Então vão nos contar? — dirigiu-se ele a Jorge. — Quem é que vocês estavam chantageando?
— Ah — disse Jorge misteriosamente. — Aquilo.
— Vamos deixar pra lá — disse Fred, balançando a cabeça impaciente. — Não foi nada importante. Pelo menos a essa altura.
— Desistimos — disse Jorge encolhendo os ombros.
Mas Harry, Rony e Hermione continuaram insistindo e finalmente Fred falou:
— Está bem, está bem, se vocês querem mesmo saber... Era Ludo Bagman.
— Bagman? — disse Harry na mesma hora. — Vocês estão dizendo que ele estava envolvido...
— Não — disse Jorge desanimado. — Nada a ver. Um debilóide. Não teria cérebro para tanto.
— Então, quem?
Fred hesitou, depois disse:
— Vocês se lembram da aposta que fizemos com ele na Copa Mundial de Quadribol? Que a Irlanda ia ganhar, mas Krum capturaria o pomo?
— Lembro — disseram Harry e Rony lentamente.
— Bom, o babaca nos pagou com aquele ouro de leprechaun que os mascotes da Irlanda tinham jogado.
— E daí?
— E daí — disse Fred impaciente — desapareceu, não é? Na manhã seguinte, tinha desaparecido!
— Mas... Deve ter sido sem querer, não? — perguntou Hermione.
Jorge riu muito amargurado.
— É, foi o que nós pensamos a princípio. Achamos que se escrevêssemos a ele e disséssemos que tinha havido um engano, ele nos pagaria direito. Mas nada feito. Nem deu bola para a nossa carta. Continuamos tentando falar com ele sobre isso em Hogwarts, mas estava sempre arranjando uma desculpa para se afastar.
— No fim ele começou a engrossar — comentou Fred. — Disse que éramos muito jovens para apostar em jogos de azar e que ele não ia nos dar nada.
— Então pedimos a ele que devolvesse o nosso dinheiro — disse Jorge amarrando a cara.
— Ele não teve a coragem de recusar! — exclamou Hermione.
— Acertou na primeira — disse Fred.
— Mas eram todas as economias de vocês! — disse Rony.
— Me conta uma novidade — disse Jorge. — Claro que acabamos descobrindo o que estava rolando. O pai de Lino Jordan também tinha tido um trabalho danado para receber algum dinheiro de Bagman. O caso é que ele estava encalacrado até o pescoço com os duendes. Tinha pedido emprestado a eles uma montanha de dinheiro. Uma turma encurralou Bagman na floresta depois da Copa Mundial e tirou todo o ouro que ele levava nos bolsos, mas ainda não era suficiente para cobrir as dívidas. Os duendes o seguiram até Hogwarts para ficar de olho nele. O cara tinha perdido tudo no jogo. Não tinha mais nem dois galeões para esfregar um no outro. E sabe como foi que o idiota tentou pagar aos duendes?
— Como? — perguntou Harry.
— Apostou em você companheiro — disse Fred. — Fez uma aposta enorme que você ganharia o torneio. Apostou com os duendes.
— Então foi por isso que ele ficou tentando me ajudar a ganhar! — disse Harry. — Bom, e eu ganhei, não é mesmo? Então ele já pode pagar o ouro de vocês!
— Não — respondeu Jorge, balançando a cabeça. — Os duendes jogaram sujo com ele. Disseram que você ganhou com Diggory, e Bagman tinha apostado que você ganharia sozinho. Então Bagman teve que se mandar para salvar a pele. E foi o que fez logo depois da terceira tarefa.
Jorge deu um profundo suspiro e começou a dar as cartas outra vez.
O resto da viagem foi bem agradável, Harry na verdade desejou que ela pudesse ter continuado pelo verão afora, e que nunca chegassem a King’s Cross... Mas como aprendera a duras penas aquele ano, o tempo não desacelerava quando alguma coisa desagradável estava à espera da gente, e logo, logo o Expresso de Hogwarts estaria entrando na plataforma 9 e ½. O barulho e a confusão de sempre encheram os corredores do trem quando os alunos começaram a desembarcar. Rony e Hermione lutaram para passar com as malas ao largo de Malfoy, Crabbe e Goyle. Harry, no entanto, ficou parado.
— Fred, Jorge, esperem aí.
Os gêmeos se viraram. Harry abriu o malão e tirou a bolsa com o prêmio do Torneio Tribruxo.
— Para vocês — disse ele, e enfiou a bolsa nas mãos de Jorge.
— Quê? — exclamou Fred, aparvalhado.
— Para vocês — repetiu Harry com firmeza. — Eu não quero.
— Você pirou — disse Jorge, tentando empurrar a bolsa de volta para o garoto.
— Não, não pirei. Fiquem com ele e continuem inventando. É para a loja de logros.
— Ele pirou — disse Jorge, com assombro na voz.
— Escutem — disse Harry decidido. — Se vocês não aceitarem eu vou jogar fora. Não quero o ouro e não preciso dele. Mas dar umas boas gargalhadas bem que ajudaria. Tenho a impressão de que vamos precisar delas mais do que de costume e não vai demorar muito.
— Harry — disse Jorge sem muita convicção, pesando a bolsa de dinheiro nas mãos —, deve ter uns mil galeões aqui.
— Tem — disse Harry sorrindo. — Pensem quantos Cremes de Canário vão poder fabricar.
Os gêmeos ficaram olhando para ele.
— Só não contem à sua mãe onde arranjaram o ouro... Embora, pensando bem, ela talvez não esteja mais querendo tanto que vocês entrem para o Ministério...
— Harry — começou Fred, mas o garoto empunhou a varinha.
— Olhem — disse em tom de quem não admite contestação —, ou levam ou azaro vocês. Conheço umas boas azarações agora. Mas me façam um favor, OK? Comprem umas roupas a rigor diferentes para Rony e digam que é presente de vocês.
Harry deixou a cabine antes que os gêmeos pudessem dizer mais alguma coisa, pulando por cima de Malfoy, Crabbe e Goyle, que continuavam caídos no chão, cobertos de feitiços.
Tio Válter estava aguardando do outro lado da barreira. A Sra. Weasley muito próxima dele. Ela deu um abraço apertado em Harry quando o viu e cochichou em seu ouvido:
— Acho que Dumbledore vai deixar você ficar conosco mais para o fim do verão. Fique em contato, Harry.
— A gente se vê Harry — disse Rony lhe dando uma palmadinha nas costas.
— Tchau, Harry! — disse Hermione e fez uma coisa que nunca fizera antes, deu-lhe um beijo na bochecha.
— Harry, obrigado — murmurou Jorge, enquanto Fred concordava animado acenando com a cabeça, ao lado do irmão.
Harry piscou para os dois, virou-se para o tio Válter e o acompanhou silenciosamente para fora da estação. Não adiantava começar a se preocupar, disse a si mesmo, quando embarcou no banco traseiro do carro dos Dursley.
Conforme dissera Hagrid, o que tiver de ser, será... E ele teria que enfrentar o que fosse quando viesse.