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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 35
— A mim, Potter — repetiu a voz arrastada de Lúcio Malfoy en quanto estendia a mão, de palma para cima.
As entranhas de Harry despencaram, provocando náuseas. Eles estavam encurralados e em inferioridade numérica de dois para um.
— A mim — repetiu Malfoy ainda uma vez.
— Onde está Sirius? — perguntou Harry.
Vários Comensais da Morte riram; uma voz estridente de mulher, no meio das figuras sombrias à esquerda de Harry, disse triunfante:
— O Lorde das Trevas sempre tem razão!
— Sempre — repetiu Malfoy suavemente. — Agora, me dê a profecia, Potter.
— Eu quero saber onde está o Sirius!
— Eu quero saber onde está o Sirius! — imitou a mulher à esquerda. Ela e seus companheiros Comensais tinham se aproximado, e estavam a pouco mais de um metro de Harry e dos outros, a luz de suas varinhas cegava os olhos do garoto.
— Vocês o pegaram — disse Harry, ignorando o pânico que crescia em seu peito, o pavor com que vinha lutando desde que haviam entrado no corredor noventa e sete. — Ele está aqui. Eu sei que está.
— O bebezinho acordou com medo e pensou que seu sonho era realidade — disse a mulher numa horrível imitação de voz de bebê. Harry sentiu Rony se mexer ao seu lado.
— Não faça nada — murmurou Harry. — Ainda não... A mulher que o imitara soltou uma gargalhada rouca.
— Vocês o ouviram? Vocês o ouviram? Dando instruções às outras crianças como se pensasse em nos enfrentar!
— Ah, você não conhece Potter como eu, Belatriz — disse Malfoy mansamente. — Ele tem um grande fraco por heroísmos: o Lorde das Trevas conhece essa mania dele. Agora me entregue a profecia, Potter.
— Eu sei que Sirius está aqui — disse Harry, embora o pânico comprimisse seu peito e ele se sentisse incapaz de respirar direito. – Eu sei que vocês o pegaram!
Mais Comensais da Morte riram, embora a mulher risse mais alto que todos.
— Já está na hora de você aprender a diferença entre vida e sonho, Potter – disse Malfoy. – Agora me entregue a profecia, ou vamos começar a usar as varinhas.
— Use, então – disse Harry, erguendo a própria varinha à altura do peito. Ao fazer isso, as cinco varinhas de Rony, Hermione, Neville, Gina e Luna se ergueram a cada lado dele. O nó no estômago de Harry apertou. Se Sirius não estivesse realmente ali, teria, então, trazido seus amigos para a morte à toa...
Mas os Comensais da Morte não atacaram.
— Entregue a profecia e ninguém precisará se machucar — disse Malfoy tranqüilamente.
Foi a vez de Harry rir.
— É, certo! Eu lhe entrego essa... profecia é? E o senhor nos deixa ir embora para casa, não é mesmo?
As palavras ainda não haviam acabado de sair de sua boca quando a
Comensal mulher gritou:
— Accio prof...
Harry estava preparado: gritou "Protego!" antes que ela terminasse de lançar o feitiço, e, embora a esfera de vidro tivesse escorregado para a ponta dos seus dedos, ele conseguiu segurá-la.
— Ah, ele sabe brincar, o bebezinho Potter — disse a mulher, seus olhos desvairados encarando-o pelas fendas do capuz. — Muito bem, então...
— EU JÁ DISSE A VOCÊ, NÃO! – berrou Lúcio Malfoy para a mulher. — Se você quebrá-la...!
O cérebro de Harry trabalhava em alta velocidade. Os Comensais da Morte queriam essa esfera de vidro empoeirada. Ele não tinha o menor interesse nela. Só queria tirar todos dali vivos, garantir que nenhum dos seus amigos pagasse um preço terrível por sua burrice...
A mulher se adiantou, afastando-se dos companheiros, e tirou o capuz. Azkaban descarnara o rosto de Belatriz Lestrange, tornando-o feio e escaveirado, mas estava vivo com um fulgor fanático e febril.
— Você precisa de mais persuasão? — disse ela, o peito arfando rápido. — Muito bem: pegue a menor — ordenou Belatriz a um Comensal da Morte. Deixe que ele veja torturarmos a menininha. Eu faço isso.
Harry sentiu os companheiros rodearem Gina; ele deu um passo para o lado de modo a ficar na frente dela, a profecia segura contra o peito.
— Você terá de quebrar isto se quiser atacar um de nós — disse ele a Belatriz.
— Acho que o seu chefe não vai ficar muito satisfeito se você voltar sem a esfera, ou vai?
Ela não se mexeu; meramente encarou-o, umedecendo a boca fina com a ponta da língua.
— Então – disse Harry –, afinal que profecia é essa de que estamos falando?
Não conseguia pensar no que mais fazer, exceto continuar a falar. O braço de Neville estava colado ao dele, e Harry sentia o amigo tremer; sentia também a respiração curta de mais alguém atrás de sua cabeça. Esperava que todos estivessem pensando em maneiras de saírem desse impasse, porque sua mente estava vazia.
— Que profecia? — repetiu Belatriz, o sorriso se apagando do rosto. — Você está brincando, Harry Potter.
— Não, não estou brincando — disse Harry, seu olhar saltando de um Comensal da Morte para outro, procurando um elo fraco, uma brecha por onde escapar. — Por que Voldemort a quer?
Vários Comensais da Morte deixaram escapar assobios baixinho.
— Você se atreve a dizer o nome dele? — sussurrou Belatriz.
— Claro — disse Harry, mantendo as mãos firmes na esfera de vidro, esperando um novo ataque para tirá-la dele. – Claro, não tenho problema algum em dizer Vol...
— Cale a boca! — gritou Belatriz. — Você se atreve a dizer o nome dele com a sua boca indigna, você se atreve a manchá-lo com a sua língua mestiça, você se atreve...
— Você sabia que ele também é mestiço? — disse imprudentemente. Hermione gemeu em sua orelha. – Voldemort? É, a mãe dele era bruxa mas o pai era trouxa: ou será que ele andou dizendo para vocês que é puro-sangue?
— ESTUPEF...
— NÃO!
Um jato de luz vermelha saíra da ponta da varinha de Belatriz Lestrange, mas Malfoy o desviou; o feitiço dele fez a bruxa bater na prateleira a menos de meio metro à esquerda de Harry e várias esferas de vidro se estilhaçaram.
Dois vultos, branco-perolados como fantasmas, fluidos como fumaça, subiram em espirais dos cacos de vidro no chão e começaram a falar; suas vozes competiam entre si, de modo que se ouviam apenas fragmentos do que diziam em meio aos gritos de Malfoy e Belatriz.
... no solstício virá um novo... — disse a figura de um velho barbudo.
— NÃO ATAQUEM! PRECISAMOS DA PROFECIA!
— Ele se atreveu... ele se atreve... — gritava Belatriz incoerentemente —, ele fica aí... esse mestiço imundo...
— ESPERE ATÉ TERMOS A PROFECIA! – berrou Malfoy.
— ... e não virá outro depois... — disse a figura de uma jovem.
As duas figuras que haviam irrompido das esferas partidas se dissolveram no ar. Nada restou delas ou de suas antigas moradas, exceto caquinhos de vidro no chão. Mas haviam dado a Harry uma idéia. O problema seria comunicá-la aos outros.
— O senhor não me disse o que tem de tão especial nessa profecia que devo lhe entregar — disse o garoto procurando ganhar tempo. Harry deslizou o pé lentamente para o lado, procurando o pé de mais alguém.
— Não brinque conosco, Potter — falou Malfoy.
— Não estou brincando — disse Harry, parte de sua mente na conversa, parte no pé que tateava o chão. Então, ele encontrou os dedos de alguém e pisou-os. Uma súbita sucção de ar atrás o fez saber que pertenciam a Hermione.
— Quê? — sussurrou a garota.
— Dumbledore nunca lhe contou que a razão de você carregar essa cicatriz estava escondida nas entranhas do Departamento de Mistérios? — caçoou Malfoy.
— Eu... quê? — exclamou Harry. E por um momento esqueceu completamente o seu plano. — Que tem a minha cicatriz?
— Quê? — sussurrou Hermione com maior urgência atrás dele.
— Será possível? – disse Malfoy, parecendo maldosamente deliciado; alguns Comensais da Morte recomeçaram a rir, e, acobertado pelas risadas, Harry sibilou para Hermione, mexendo o mínimo possível os lábios:
— Quebre prateleiras...
— Dumbledore nunca lhe contou? — repetiu Malfoy. — Bom, isso explica por que você não veio antes, Potter, o Lorde das Trevas estava intrigado...
— ... quando eu disser agora...
— ... que você não viesse correndo quando ele lhe mostrou em sonho onde a profecia estava escondida. Ele pensou que a curiosidade natural o faria querer ouvir as palavras exatas...
— Pensou, é? — disse Harry. Às suas costas, ele sentiu mais do que ouviu Hermione passar sua mensagem aos outros, e procurou continuar falando para distrair os Comensais da Morte. — Então ele queria que eu viesse apanhá-la, era? Por quê?
— Por quê? — Malfoy parecia incredulamente deliciado. — Porque as únicas pessoas que têm permissão de retirar a profecia do Departamento de Mistérios, Potter, são aqueles de quem ela fala, como descobriu o Lorde das Trevas quando tentou usar terceiros para a roubarem por ele.
— E por que ele queria roubar uma profecia sobre mim?
— Sobre vocês dois, Potter, sobre vocês dois... você nunca se perguntou por que o Lorde das Trevas tentou matá-lo quando criança?
Harry encarou as fendas no capuz onde os olhos cinzentos de Malfoy brilhavam. A profecia era a razão pela qual os pais de Harry haviam morrido, a razão por que ele carregava a cicatriz em forma de raio? A resposta a tudo isso estava segura em sua mão?
— Alguém fez uma profecia sobre mim e Voldemort? — falou ele calmamente, olhando para Lúcio Malfoy, seus dedos apertando a esfera morna na mão. Não era maior do que um pomo e continuava áspera de poeira. — E ele me fez vir aqui para apanhá-la para ele? Por que não pôde vir apanhá-la pessoalmente?
— Apanhá-la pessoalmente? — gritou Belatriz, gargalhando alucinada. — O Lorde das Trevas entrar no Ministério da Magia, quando todos estão gentilmente ignorando o seu retorno? O Lorde das Trevas se revelar aos aurores, quando no momento estão perdendo tempo com o meu querido primo?
— Então, o lorde mandou vocês fazerem o trabalho sujo para ele, foi? Como tentou obrigar Estúrgio a roubar a profecia... e Bode?
— Muito bom, Potter, muito bom... — disse Malfoy lentamente. — Mas o Lorde das Trevas sabe que você não é desprovido de in...
— AGORA! – berrou Harry.
Cinco vozes diferentes bradaram às suas costas: "REDUCTO!" — Cinco feitiços voaram em diferentes direções, e as prateleiras defronte explodiram ao serem atingidas; a enorme estrutura balançou ao mesmo tempo que cem esferas de vidros estouraram, vultos branco-perolados se desdobraram no ar e flutuaram, suas vozes ecoando de um passado já morto, em meio a uma chuva de estilhaços de vidro e madeira que agora caía no chão...
— CORRAM! — berrou Harry, quando as prateleiras balançaram precariamente e mais esferas de vidro começaram a cair. Ele agarrou as vestes de Hermione e a puxou para a frente, erguendo um braço para proteger a cabeça dos cacos de vidro que estrondeavam sobre eles. Um Comensal da Morte atirou-se contra eles através da nuvem de poeira e Harry lhe deu uma cotovelada com força no rosto mascarado; todos berravam, havia gritos de dor e estrondos de prateleiras desabando sobre eles, ecos estranhamente fragmentados dos Videntes libertados de suas esferas...
Harry encontrou livre o caminho à frente e viu Rony, Gina e Luna passarem correndo por ele, os braços sobre a cabeça; alguma coisa pesada golpeou sua face, mas ele meramente abaixou a cabeça e continuou a correr; uma mão agarrou-o pelo ombro; ele ouviu Hermione gritar: "ESTUPEFAÇA!" A mão o soltou imediatamente...
Estavam no fim da fileira noventa e sete; Harry virou à direita e começou a correr a toda velocidade; ouvia passos logo atrás e a voz de Hermione apressando Neville; diretamente à frente, a porta por que haviam passado estava entreaberta; Harry viu a luz faiscante do vidro em forma de sino; ele cruzou a porta de um salto, a profecia ainda a salvo em sua mão, e esperou os outros passarem pela porta antes de batê-la...
— Colloportus! — exclamou Hermione, e a porta se lacrou com um estranho ruído de esmagamento.
— Onde... onde estão os outros? — ofegou Harry.
Pensara que Rony, Luna e Gina tinham ido mais à frente, que estariam à espera nesta sala, mas não havia ninguém.
— Eles devem ter tomado o caminho errado! — sussurrou Hermione, o terror em seu rosto.
— Escute! — murmurou Neville.
Passos e gritos ecoavam do outro lado da porta que Hermione tinha acabado de lacrar; Harry encostou o ouvido à porta para escutar melhor e ouviu Lúcio Malfoy berrar:
— Deixe, Nott, deixe-o aí: os ferimentos dele não significarão nada para o Lorde das Trevas diante da perda da profecia. Jugson, volte aqui, precisamos nos organizar! Vamos nos dividir em pares e fazer uma busca, e não se esqueçam, sejam gentis com Potter até termos a profecia, podem matar os outros se precisarem... Belatriz, Rodolfo, vocês vão para a esquerda; Crabbe, Rabastan, para a direita... Jugson. Dolohov, pela porta em frente... Macnair e Avery, por aqui... Rookwood lá... Mulciber, venha comigo!
— Que faremos? — perguntou Hermione a Harry, tremendo dos pés à cabeça.
— Bom, para começar, não ficaremos aqui parados esperando eles nos encontrarem. Vamos nos afastar desta porta.
Eles correram o mais silenciosamente que puderam, passaram pelo sino fulgurante onde o minúsculo ovo incubava e desincubava, em direção à saída para a sala circular ao fundo. Estavam quase chegando quando Harry ouviu uma coisa pesada colidir contra a porta que Hermione fechara com um feitiço.
— Afastem-se! — disse uma voz ríspida. — Alorromora!
Quando a porta se escancarou, Harry, Hermione e Neville mergulharam embaixo de escrivaninhas. Podiam ver a barra das vestes de dois Comensais da Morte que se aproximaram, seus pés se movendo com rapidez.
— Eles podem ter corrido direto para o corredor – falou a voz rascante.
— Veja embaixo das escrivaninhas — disse outra.
Harry viu os joelhos dos Comensais da Morte se dobrarem; metendo a varinha para fora, ele gritou:
— ESTUPEFAÇA!
Um jato de luz vermelha atingiu o Comensal da Morte mais próximo; ele tombou para trás em cima de um relógio de pêndulo, derrubando-o; o segundo Comensal, porém, saltara para o lado para evitar o feitiço de Harry e estava apontando a própria varinha para Hermione, que se arrastava de sob a escrivaninha para poder mirar melhor.
— Avada...
Harry se atirou pelo chão e agarrou o Comensal da Morte pelos joelhos, fazendo-o cair e desviando sua pontaria. Neville derrubou uma escrivaninha na ansiedade de ajudar; e, apontando a varinha sem mira para os dois, gritou:
— EXPELLIARMUS!
As varinhas de Harry e do Comensal saíram voando de suas mãos para a entrada da Sala da Profecia; os dois se levantaram depressa e se arremessaram atrás delas, o Comensal à frente, Harry em seus calcanhares e Neville mais atrás, visivelmente horrorizado com o que fizera.
— Saia do caminho, Harry! — berrou Neville, claramente decidido a consertar seu erro.
Harry se atirou para o lado, Neville tornou a mirar e ordenou:
— ESTUPEFAÇA!
O jato de luz vermelha passou por cima do ombro do Comensal da Morte e atingiu um armário de portas de vidro na parede cheio de ampulhetas de vários formatos; o armário caiu no chão e se abriu, vidros voaram para todo lado, voltou a se aprumar na parede, inteiramente restaurado, e tornou a cair, e se espatifar...
O Comensal da Morte agarrara sua varinha, caída no chão ao lado do vidro cintilante em forma de sino. Harry se abaixou atrás de outra escrivaninha quando o homem se virou; sua máscara escorregara impedindo-o de ver. Ele a arrancou com a mão livre e gritou:
— ESTUP...
— ESTUPEFAÇA! — bradou Hermione, que acabara de alcançá-los. A luz da varinha atingiu o Comensal da Morte no meio do peito: ele se imobilizou, o braço ainda erguido, sua varinha caiu no chão com estrépito e ele desabou para trás na direção do vidro em forma de sino; Harry esperou ouvir uma pancada, o homem bater no vidro sólido e escorregar para o chão, mas, em vez disso, sua cabeça afundou para dentro do vidro como se este fosse apenas uma bolha de sabão, e ele acabou parando, esparramado de costas sobre a mesa, com a cabeça dentro do vidro cheio de vento cintilante.
— Accio varinha! — ordenou Hermione. A varinha de Harry voou de um canto escuro para a mão de Hermione, que a atirou para ele.
— Obrigado. Certo, vamos dar o fora...
— Cuidado! — disse Neville horrorizado. Olhava fixamente para a cabeça do Comensal da Morte no vidro.
Os três ergueram as varinhas, mas nenhum deles a usou: olhavam boquiabertos, estarrecidos para o que estava acontecendo com a cabeça do homem.
Estava encolhendo rapidamente, ficando cada vez mais pelada, os cabelos e a barba raspada se retraindo para dentro do crânio; as bochechas ficando lisas, a cabeça redonda recobrindo-se de uma penugem como a do pêssego...
Havia agora uma cabeça de bebê encaixada grotescamente no pescoço grosso e musculoso do Comensal da Morte, que se esforçava para se levantar; mas enquanto os garotos olhavam, de boca aberta, a cabeça começou a retomar as proporções anteriores; cabelos negros e espessos recomeçaram a crescer em seu cocuruto e queixo...
— É o Tempo — disse Hermione com assombro na voz. — O Tempo...
O Comensal da Morte sacudiu a cabeça feia mais uma vez, tentando clareá-la, mas, antes que pudesse se recuperar, ela recomeçou a encolher e remoçar mais uma vez...
Ouviram, então, um grito de uma sala próxima, um estrondo e um berro.
— RONY? — bradou Harry, dando as costas depressa à monstruosa transformação que se operava diante de seus olhos. – GINA? LUNA?
— Harry! — gritou Hermione.
O Comensal da Morte puxara a cabeça de dentro do vidro. Sua aparência era absolutamente bizarra, a minúscula cabeça de bebê berrando e os braços grossos se agitando perigosamente em todas as direções, por pouco não acertando Harry que se abaixara. O garoto ergueu a varinha mas, para seu espanto, Hermione segurou o seu braço.
— Você não pode machucar um bebê!
Não havia tempo para discutir a questão; Harry ouviu passos cada vez mais fortes na Sala da Profecia e percebeu, tarde demais, que não deveria ter gritado, pois denunciara sua posição.
— Vamos! – disse e, deixando o Comensal da Morte a cambalear com sua feia cabeça de bebê, os garotos correram para a porta que estava aberta na outra extremidade da sala e que os reconduziria de volta à sala escura.
Tinham coberto metade da distância quando Harry viu pela porta aberta mais dois Comensais da Morte correndo pela sala escura em sua direção; virando à esquerda, ele embarafustou para dentro de um pequeno escritório escuro e cheio de móveis, e bateu a porta.
— Collo... — começou Hermione, mas, antes que pudesse completar o feitiço, a porta se escancarou e os dois Comensais da Morte se precipitaram para dentro.
Com um grito de triunfo, os dois bradaram:
— MPEDIMENTA!
Harry, Hermione e Neville foram derrubados de costas; Neville foi atirado por cima da escrivaninha e desapareceu de vista; Hermione colidiu com uma estante e foi prontamente soterrada por uma avalanche de pesados livros; a cabeça de Harry bateu contra a parede de pedra atrás, luzinhas espocaram diante de seus olhos e por um momento ele ficou atordoado e desconcertado demais para reagir.
— PEGAMOS ELE! – berrou o Comensal da Morte mais próximo de Harry. – EM UM ESCRITÓRIO DO LADO...
— Silencio! – exclamou Hermione, e a voz do homem emudeceu. Ele continuou a falar pelo buraco da máscara, mas não saía som algum. Seu companheiro o empurrou para o lado.
— Petrificus Totalus! – bradou Harry, quando o segundo Comensal da Morte ergueu a varinha. Seus braços e pernas se juntaram e ele caiu de borco no tapete ao pé de Harry, duro como uma pedra e incapaz de se mexer.
— Muito bom, Ha...
Mas o Comensal da Morte que Hermione acabara de silenciar fez um repentino gesto horizontal com a varinha; um risco de chamas roxas cortou o peito de Hermione de lado a lado. Ela soltou uma exclamação mínima como alguém surpreso e desmontou no chão, onde permaneceu imóvel.
— HERMIONE!
Harry caiu de joelhos ao seu lado e Neville se arrastou rapidamente de baixo da escrivaninha em direção à amiga, a varinha erguida à frente. O Comensal da Morte deu um forte chute na cabeça de Neville quando ele ia saindo – seu pé partiu a varinha do garoto em dois e atingiu seu rosto. Neville soltou um uivo de dor e se encolheu, agarrando o nariz e a boca. Harry se virou com a varinha no alto, e viu que o Comensal da Morte arrancara a máscara e apontava a varinha diretamente para ele, reconhecendo o rosto comprido, pálido e torto que vira no Profeta Diário: Antônio Dolohov, o bruxo que assassinara os Prewett.
Dolohov sorriu. Com a mão livre, apontou da profecia ainda segura na mão de Harry, para ele próprio, depois para Hermione. Embora não pudesse mais falar, seu gesto não poderia ser mais claro. Me entregue a profecia ou você vai ficar igual a ela...
— Como se você não fosse nos matar de qualquer jeito no momento em que eu a entregar! – disse Harry.
Um zumbido de pânico em sua cabeça o impedia de pensar direito: tinha uma das mãos no ombro de Hermione, que ainda estava quente, mas não ousava olhá-la direito. Faça com que ela não morra, faça com que ela não morra, é minha culpa se tiver morrido...
— Faça o que quiser, Harry – disse Neville com ferocidade de baixo da mesa, baixando as mãos para mostrar o nariz visivelmente quebrado e o sangue escorrendo da boca e do queixo —, mas não entregue.
Ouviu-se então um estrondo do lado de fora da porta e Dolohov olhou por cima do ombro — o Comensal da Morte de cabeça de bebê apareceu no portal, a cabeça berrando, os enormes punhos ainda se agitando a esmo para tudo ao seu redor. Harry aproveitou a oportunidade:
— PETRIFICUS TOTALUS!
O feitiço atingiu Dolohov antes que ele pudesse bloqueá-lo, e o bruxo tombou para a frente por cima do seu companheiro, os dois rígidos como tábuas e incapazes de se mover.
— Hermione – disse Harry imediatamente, sacudindo a cabeça dela enquanto o Comensal da Morte de cabeça de bebê sumia outra vez de vista. — Hermione, acorde...
— Guefoigue ele fez com ela? — perguntou Neville saindo de baixo da escrivaninha e se ajoelhando do outro lado, o sangue escorrendo sem parar do nariz que inchava rapidamente.
— Não sei...
Neville procurou o pulso de Hermione.
— Dem bulsação, Harry, denho cerdeza gue é.
Uma onda tão grande de alívio invadiu Harry que por um momento ele se despreocupou.
— Ela está viva?
— Dá, acho que dá.
Houve uma pausa em que Harry procurou escutar a aproximação de mais passos, mas só conseguiu identificar o berreiro e os desencontros do Comensal da Morte de cabeça de bebê na sala vizinha.
— Neville, não estamos longe da saída — sussurrou Harry —, estamos bem do lado da sala circular... se pudermos atravessá-la e descobrir a porta certa antes que outros Comensais da Morte apareçam, aposto como você pode carregar Hermione pelo corredor e tomar o elevador... depois você podia procurar alguém... dar o alarme...
— E gue é gue você vai fazer? — perguntou Neville, enxugando o nariz sangrento na manga e franzindo a testa para Harry.
— Tenho de procurar os outros.
— Endão, vou brocurar com você — disse Neville com firmeza.
— Mas Hermione...
— Levamos com a gente — contrapôs Neville, decidido. — Caeego Hermione... você luda melhor gom eles gue eu...
Ele ficou em pé e segurou um braço da garota, olhando para Harry, que hesitou, então agarrou o outro braço e ajudou a guindar o corpo inerte de
Hermione para os ombros de Neville.
— Espere — disse Harry, apanhando a varinha de Hermione do chão e enfiando-a na mão do garoto —, é melhor levar isso.
Neville chutou para o lado os pedaços da própria varinha ao saírem andando lentamente em direção à porta.
— Minha avó vai me madar — disse ele com a voz pastosa, o sangue saltando do nariz enquanto falava —, aguela eea a varinha velha do meu bai.
Harry meteu a cabeça para fora da porta e olhou para os lados cauteloso. O Comensal da Morte com cabeça de bebê estava gritando e batendo nas coisas, derrubando relógios de pêndulo e virando escrivaninhas, chorando confuso, enquanto o armário com portas de vidro, que Harry agora suspeitava conter Viratempos, continuava a cair, se espatifar e se restaurar na parede às costas.
— Ele nunca vai reparar na gente — sussurrou Harry. — Vamos... fique logo atrás de mim...
Eles saíram furtivamente do escritório em direção à sala negra, que agora parecia completamente deserta. Avançaram alguns passos, Neville cambaleando ligeiramente sob o peso de Hermione; a porta para a Sala do Tempo se fechou quando passaram, e as paredes recomeçaram a girar. A recente pancada na cabeça de Harry pareceu tê-lo desequilibrado; ele apertou os olhos, oscilou um pouco, até as paredes pararem de rodar. Com desânimo, ele viu que as cruzes de fogo que Hermione fizera nas portas tinham se apagado.
— Então para que lado você cal...?
Mas antes que ele pudesse decidir quanto ao caminho a experimentar, uma porta se escancarou à sua direita e três pessoas despencaram por ela.
— Rony! — exclamou Harry rouco, correndo para os amigos. – Gina... você está...?
— Harry — disse Rony rindo frouxamente, se atirando para a frente, agarrando as vestes de Harry e fixando nele os olhos desfocados —, ah, aqui está você... ha ha ha... está com a cara engraçada Harry... está todo amarrotado...
O rosto de Rony estava muito pálido e uma coisa escura escorria do canto de sua boca. No momento seguinte, seus joelhos cederam, mas ele continuou agarrado às vestes de Harry, fazendo-o se inclinar numa espécie de reverência.
— Gina? — disse Harry receoso. — Que aconteceu?
Mas Gina sacudiu a cabeça e escorregou pela parede até se sentar, ofegando e segurando o tornozelo.
— Acho que ela quebrou o tornozelo — ouvi alguma coisa rachando — sussurrou Luna, que se curvava para a garota e era a única que parecia inteira.
— Quatro deles nos perseguiram por uma sala escura cheia de planetas; era um lugar muito esquisito, parte do tempo ficamos só flutuando no escuro...
— Harry, vimos Urano de perto! — disse Rony, ainda dando risadinhas frouxas. — Sacou, Harry? Vimos Urano... ha ha ha...
Uma bolha de sangue apareceu no canto da boca de Rony e estourou.
—... então, um deles agarrou o pé de Gina, eu usei o Feitiço Redutor e explodi Plutão na cara dele, mas...
Luna fez um gesto desanimado para Gina, que respirava superficialmente, seus olhos ainda fechados.
— E o Rony? — perguntou Harry receoso, pois o garoto continuava a rir, ainda agarrado às suas vestes.
— Não sei com que o acertaram — respondeu Luna triste —, mas ficou meio esquisito, mal consegui fazê-lo nos acompanhar.
— Harry — disse Rony puxando o ouvido do amigo para perto de sua boca, e continuando a rir —, sabe quem é essa garota, Harry? Ela é a Di-lua... Di-lua Lovegood... ha ha ha...
— Temos de sair daqui — disse Harry com firmeza. — Luna, você pode ajudar a Gina?
— Claro — respondeu ela, enfiando a varinha atrás da orelha para guardá-la, e passando o braço pela cintura da amiga para levantá-la.
— É só o meu tornozelo, posso fazer isso sozinha! — disse Gina impaciente, mas no momento seguinte desabou para o lado e agarrou Luna para se apoiar.
Harry puxou o braço de Rony por cima do ombro como fizera tantos meses antes quando carregara Duda. Olhou ao redor: tinham uma chance em doze de escolher a porta certa de primeira...
Ele carregou Rony em direção a uma porta; estava a poucos passos quando outra, do lado oposto da sala, se escancarou, e três Comensais da Morte entraram correndo, liderados por Belatriz Lestrange.
— Eles estão aqui! — gritou ela.
Feitiços Estuporantes cortaram velozmente a sala: Harry adentrou a porta em frente, atirou Rony sem cerimônia no chão e voltou abaixado para ajudar Neville com Hermione; passaram todos pela porta em tempo de batê-la na cara de Belatriz.
— Colloportus! — gritou Harry, e ouviu três corpos baterem contra a porta do outro lado.
— Não faz mal! — disse uma voz masculina. — Há outras maneiras de entrar: ACHAMOS ELES, ESTÃO AQUI!
Harry se virou; estavam de novo na Sala do Cérebro e, realmente, havia portas a toda volta. Ele ouviu passos na sala anterior quando mais Comensais da Morte acorreram para se juntar aos primeiros.
— Luna... Neville... me ajudem!
Os três correram pela sala, selando as portas; Harry bateu contra uma mesa e rolou por cima dela na pressa de chegar à porta seguinte.
— Colloportus!
Havia passos correndo atrás das portas, de vez em quando outro corpo pesado se atirava contra elas, fazendo-as ranger e estremecer; Luna e Neville enfeitiçavam as portas ao longo da parede oposta — então, ao atingir Harry o fundo da sala, ouviu Luna exclamar:
— Collo... aaaaaaaaah...
Virou-se em tempo de vê-la voar pelo ar; cinco Comensais da Morte invadiam a sala pela porta que ela não conseguira alcançar em tempo; Luna bateu em uma escrivaninha, escorregou por sua superfície e caiu, estatelada, no chão do outro lado, mais imóvel que Hermione.
— Pegue o Potter! — gritou Belatriz correndo para o garoto; ele se desviou e correu para o outro lado da sala; estava seguro enquanto achassem que poderiam atingir a profecia...
— Ei! — disse Rony, que se pusera em pé cambaleando, e agora vinha como um bêbado em direção a Harry, dando risadinhas. — Ei, Harry, tem cérebros aqui, ha ha ha, não é esquisito, Harry?
— Rony saia do caminho, se abaixe...
Mas Rony já apontara a varinha para o tanque.
— Sério, Harry, são cérebros... olhe... Accio cérebro!
A cena pareceu congelar por um momento. Harry, Gina e Neville e cada um dos Comensais da Morte se viraram involuntariamente para olhar o alto do tanque na hora em que um cérebro saltou do líquido verde como um peixe para fora da água: por um instante ele pareceu suspenso no ar, então voou em direção a Rony, girando, e algo que lembrava fitas de imagens animadas foi saindo dele, desenrolando como um rolo de filme...
— Ha ha ha, Harry, olhe só isso — disse Rony, observando o cérebro expelir suas entranhas coloridas. — Harry, vem, pega nele; aposto como é estranho...
— RONY, NÃO!
Harry não sabia o que podia acontecer se Rony tocasse nos tentáculos que agora voavam na esteira do cérebro, mas tinha certeza de que não seria nada bom. Ele correu, mas Rony já agarrara o cérebro nas mãos estendidas.
No momento em que entraram em contato com sua pele, os tentáculos começaram a se enrolar em torno dos braços de Rony como cordas.
— Harry, olhe só o que acontece... Não... não... não gosto disso... não, parem... parem...
Mas as fitas finas giravam agora em torno do peito do garoto; ele puxou e tentou arrancá-las ao mesmo tempo que o cérebro foi apertado contra Rony como um corpo de polvo.
— Diffindo! — berrou Harry, tentando cortar os tentáculos que se enrascavam em seu amigo bem diante de seus olhos, mas eles não se partiam. Rony tombou, ainda lutando contra as amarras.
— Harry, o cérebro vai sufocá-lo! — berrou Gina, imobilizada no chão pelo tornozelo quebrado... então um jorro de luz vermelha voou da varinha de um Comensal da Morte e a atingiu em cheio no rosto. Ela adernou para um lado e caiu ali inconsciente.
— ESDUBEVAÇA! — gritou Neville, rodando o corpo e acenando a varinha de Hermione contra os Comensais da Morte atacantes —, ESDUBEVAÇA, ESDUBEVAÇA!
Mas nada aconteceu.
Um dos Comensais disparou seu próprio Feitiço Estuporante contra Neville; errou por centímetros. Harry e Neville eram os únicos que restavam na luta contra os Comensais da Morte, dois dos quais lançaram jorros de luz prateada como flechas que não atingiram o alvo mas deixaram crateras na parede atrás deles. Harry fugiu, mas Belatriz correu atrás dele: segurando a profecia acima da cabeça, ele correu para o outro lado da sala; a única coisa que lhe ocorria fazer era afastar os Comensais da Morte uns dos outros.
Aparentemente deu resultado; eles o perseguiram, mandando cadeiras e mesas pelo ar, mas não ousaram enfeitiçá-lo com receio de danificar a profecia, e ele se precipitou para a única porta ainda aberta, aquela por onde os Comensais da Morte haviam entrado; no íntimo, rezava para que Neville ficasse com Rony e encontrasse algum meio de libertá-lo. Ele correu alguns passos pela nova sala e sentiu o chão sumir...
Estava caindo pelos degraus de pedra, um a um, quicando em cada nível, até que, finalmente, com uma pancada que lhe tirou o fôlego, aterrissou chapado de costas no poço em que havia o arco de pedra sobre o estrado. A sala toda ecoava com as risadas dos Comensais da Morte: ele olhou para o alto e viu os cinco que estavam na Sala do Cérebro descer em sua direção, enquanto outros tantos surgiam pelas outras portas e começavam a saltar de nível em nível para alcançá-lo. Harry se levantou, embora com as pernas tão trêmulas que mal conseguiam sustentá-lo: a profecia continuava milagrosamente inteira em sua mão esquerda, a varinha apertada com força na direita. Ele recuou, olhando para os lados, tentando manter todos os Comensais da Morte no seu campo de visão. A parte de trás de suas pernas bateu em alguma coisa sólida: ele chegara ao estrado onde se erguia o arco. Subiu-o de costas.
Todos os Comensais da Morte pararam com os olhos fixos em Harry. Alguns arquejavam tanto quanto o garoto. Um sangrava bastante; Dolohov, livre do Feitiço do Corpo Preso, tinha um olhar malicioso e apontava a varinha direto para o rosto de Harry.
— Potter, terminou a sua corrida — disse a voz arrastada de Lúcio Malfoy tirando o capuz —, agora me entregue a profecia como um bom menino.
— Mande... mande os outros embora e a entregarei ao senhor! — disse Harry desesperado.
Alguns Comensais da Morte soltaram risadas.
— Você não está em posição de barganhar, Potter — disse o bruxo, seu rosto pálido corado de prazer. — Como vê, há dez de nós contra você sozinho... ou será que Dumbledore nunca lhe ensinou a contar?
— Ele não está sozinho! — gritou uma voz do alto. — Ainda tem a mim!
Harry sentiu um aperto no coração: Neville estava descendo os degraus de pedra em direção a eles, a varinha de Hermione apertada na mão trêmula.
— Neville... não... volte para o Rony.
— ESDUBEVAÇA! — gritou Neville outra vez, apontando a varinha para cada um dos Comensais da Morte. — ESDUBE! ESDUB...
Um dos Comensais mais corpulentos agarrou Neville por trás e prendeu seus braços dos lados do corpo. O garoto se debateu e chutou; vários Comensais da Morte riram.
— É o Longbottom, não é? — perguntou Lúcio Malfoy desdenhoso. — Bom, sua avó está acostumada a perder membros da família para a nossa causa... sua morte não será nenhum choque...
— Longbottom? — repetiu Belatriz, e um sorriso realmente maligno iluminou o seu rosto ossudo. — Ora, tive o prazer de conhecer seus pais, garoto.
— SEI QUE DEVE! — urrou Neville, e se debateu com tanta força contra o abraço do seu captor que o Comensal exclamou:
— Alguém quer estuporar este garoto!
— Não, não, não — pediu Belatriz. Ela parecia arrebatada, viva de excitação ao olhar para Harry e depois para Neville. — Não, vamos ver quanto tempo Longbottom resiste antes de enlouquecer como os pais... a não ser que Potter nos entregue a profecia.
— NÃO DÊ A ELES! — bradou Neville, que parecia fora de si, chutando e se contorcendo ao ver Belatriz se aproximar dele e de seu captor, com a varinha erguida. – NÃO DÊ A ELES, HARRY!
Belatriz ergueu a varinha.
— Crucio!
Neville gritou, as pernas erguidas contra o peito de modo que o Comensal da Morte que o prendia segurou-o momentaneamente fora do chão. O homem largou-o e ele caiu, se torcendo e gritando em tormento.
— Foi só um aperitivo! — exclamou Belatriz, erguendo a varinha e assim interrompendo os gritos de Neville, deixando-o soluçante a seus pés. Ela se virou e olhou para Harry. — Agora, Potter, ou nos entrega a profecia ou vai ver o seu amiguinho morrer sofrendo!
Harry não precisou pensar; não tinha opção. A profecia se aquecera com o calor de sua mão quando a estendeu. Malfoy se adiantou depressa para recebê-la.
Então, no alto, mais duas portas se escancararam e mais cinco pessoas entraram correndo na sala: Sirius, Lupin, Moody, Tonks e Quim.
Malfoy se virou e ergueu a varinha, mas Tonks já disparara um Feitiço Estuporante nele. Harry não esperou para ver se o bruxo fora atingido, mergulhou para longe do estrado e dos disparos. Os Comensais da Morte foram completamente distraídos pela aparição dos membros da Ordem, que agora faziam chover feitiços sobre os adversários enquanto saltavam degrau por degrau em direção ao poço. Através dos corpos que voavam e dos lampejos, Harry viu Neville se arrastando. Ele se desviou de mais um jato de luz vermelha e se atirou de corpo inteiro no chão para alcançar o amigo.
— Você está o.k.? — berrou, quando voou mais um feitiço a centímetros de suas cabeças.
— Dou — disse Neville tentando se levantar.
— E Rony?
— Acho gue esdá bem — ainda esdava ludando com o cérebro guando vim...
O piso de pedra entre os dois explodiu ao ser atingido por um feitiço que produziu uma cratera onde a mão de Neville estivera segundos antes; os dois saíram depressa dali, então um braço grosso se materializou e agarrou Harry pelo pescoço, pondo-o de pé de tal modo que seus pés mal tocavam o chão.
— Me dê isso — rosnou uma voz em sua orelha —, me dê a profecia... O homem apertava tanto sua traquéia que Harry não conseguia respirar. Através dos olhos marejados de lágrimas, ele viu Sirius duelando com um Comensal da Morte a uns três metros de distância, Quim lutava com dois ao mesmo tempo; Tonks, ainda na metade da descida, disparava feitiços contra Belatriz — ninguém parecia perceber que Harry estava morrendo. Ele virou a varinha para trás em direção ao lado do corpo do homem, mas não teve ar para enunciar o encantamento, e a mão livre do homem tentou alcançar a mão em que o garoto segurava a profecia...
— ARRR!
Neville se precipitara de algum lugar; incapaz de articular um feitiço, enfiou a varinha de Hermione na fenda da máscara do Comensal da Morte. O homem largou Harry imediatamente, soltando um uivo de dor. Harry se virou para enfrentá-lo e exclamou:
— ESTUPEFAÇA!
O Comensal da Morte tombou de costas e sua máscara caiu: era Macnair, o quase carrasco de Bicuço, um dos seus olhos agora inchado e injetado.
— Obrigado! — disse Harry a Neville, puxando-o para o lado, no momento em que Sirius e seu Comensal da Morte passaram por eles, duelando com tanta ferocidade que suas varinhas pareciam borrões; então, o pé de Harry bateu em alguma coisa redonda e dura e ele escorregou. Por um momento, pensou que tivesse deixado cair a profecia, então viu o olho de Moody rolando pelo chão.
Seu dono estava deitado de lado, a cabeça sangrando, e o atacante agora avançava para Harry e Neville: Dolohov, seu rosto pálido e comprido torcido de prazer.
— Tarantallegra! – gritou ele, a varinha apontada para Neville, cujas pernas iniciaram imediatamente um sapateado frenético, que o desequilibrou e o fez cair de novo no chão. — Agora, Potter...
Ele fez o mesmo movimento cortante com a varinha que usara contra Hermione na hora em que Harry berrou:
— Protego!
O garoto sentiu alguma coisa correr de um lado a outro de seu rosto como uma faca cega; a força do golpe derrubou-o para o lado e ele caiu em cima das pernas dançantes de Neville, mas o Feitiço Escudo impedira o feitiço de se completar.
Dolohov tornou a erguer a varinha.
— Accio prof...!
Sirius se precipitara de algum lugar, batera em Dolohov com o ombro fazendo-o voar para longe. A profecia mais uma vez escorregara para as pontas dos dedos de Harry, mas ele conseguiu retê-la. Agora Sirius e Dolohov duelavam, suas varinhas cortando o ar como espadas, faíscas voando de suas pontas.
Dolohov puxou a varinha para fazer o mesmo movimento cortante que usara contra Harry e Hermione. Pondo-se em pé de um salto, Harry berrou:
— Petrificus Totalus! — Mais uma vez, os braços e pernas de Dolohov se juntaram e ele adernou para trás, caindo com estrondo.
— Boa! — gritou Sirius, empurrando a cabeça de Harry para baixo quando uns dois Feitiços Estuporantes voaram em direção a eles. — Agora quero que vocês saiam d...
Os dois tornaram a se abaixar; um jato de luz verde quase atingiu Sirius. Do outro lado da sala, Harry viu Tonks cair na subida dos degraus, seu corpo inerte rolou de degrau em degrau e Belatriz, triunfante, voltar correndo para a briga.
— Harry, leve a profecia, agarre Neville e corra! — berrou Sirius, correndo ao encontro de Belatriz. Harry não viu o que aconteceu a seguir: Quim passou pelo seu campo de visão, lutando contra o bexiguento Rookwood, já sem capuz; outro jato de luz verde voou por cima da cabeça de Harry quando ele se atirou em direção a Neville...
— Você consegue ficar em pé? — berrou no ouvido do garoto, enquanto as pernas de Neville sacudiam e torciam descontroladas. — Apóie o braço no meu pescoço...
Neville obedeceu — Harry arquejou —, as pernas do amigo continuavam a sacudir para todos os lados, não o sustentariam, e então, sem que vissem, um homem se atirou sobre eles: os dois tombaram de costas. As pernas de Neville se agitavam sem direção como as de um besouro de barriga para cima, Harry com o braço esquerdo erguido no ar tentava impedir que a bolinha de vidro se quebrasse.
— A profecia, me dê a profecia, Potter! — vociferou Malfoy em seu ouvido, e Harry sentiu a ponta de uma varinha cutucá-lo com força nas costelas.
— Não... me... largue... Neville — apanha!
Harry atirou a profecia pelo chão, o garoto se virou para ficar de costas e aparou a bolinha no peito. Malfoy, então, apontou a varinha para Neville, mas Harry espetou a própria varinha por cima do ombro e berrou:
— Impedimenta!
Malfoy voou para longe. Quando Harry conseguiu se levantar, olhou ao redor e viu o bruxo colidir com o estrado em que Sirius e Belatriz agora duelavam.
Malfoy tornou a apontar a varinha para Harry e Neville, mas, antes que pudesse tomar ar para atacar, Lupin pulou entre eles.
— Harry, reúna os outros e VÁ!
Harry agarrou Neville pelos ombros das vestes e o ergueu até o primeiro degrau de pedra; as pernas do garoto se torciam e sacudiam, e não suportavam seu peso; Harry tornou a erguê-lo com todas as forças que tinha e subiram mais um degrau...
Um feitiço atingiu o degrau de pedra junto ao calcanhar de Harry; o degrau desmoronou e ele caiu no degrau abaixo. Neville afundou no chão, as pernas ainda entortando e se agitando, e ele enfiou a profecia no bolso.
— Vamos! — disse Harry desesperado, puxando Neville pelas vestes. — Tente empurrar com as pernas...
Ele deu mais um puxão descomunal e as vestes de Neville se rasgaram ao longo da costura lateral — a bolinha de vidro caiu do seu bolso e, antes que um dos dois pudesse pegá-la, o pé descontrolado de Neville a chutou: a bolinha voou uns três metros para a direita e se espatifou no degrau abaixo.
Quando os dois olharam para o lugar em que ela se quebrara, aterrados com o acontecido, um vulto branco-pérola de olhos enormemente aumentados se ergueu no ar, sem ninguém reparar.
Harry viu a boca do vulto se mover, mas com todas as colisões e gritos e berros que os rodeavam, não conseguiu ouvir uma só palavra da profecia. O vulto parou de falar e se evaporou.
— Harry, sindo muido!— exclamou Neville, seu rosto aflito e as pernas ainda se contorcendo. — Sindo, Harry não dive indenção de...
— Não faz mal! — gritou Harry. — Tente ficar em pé, vamos dar o fora...
— Dubbledore! — disse Neville, seu rosto suarento subitamente arrebatado fixando alguma coisa por cima do ombro de Harry.
— Quê!
— DUBBLEDORE!
Harry se virou para ver o que Neville olhava. Diretamente no alto, emoldurado pela porta da Sala do Cérebro, achava-se Alvo Dumbledore, a varinha no ar, seu rosto pálido e enfurecido. Harry sentiu uma espécie de choque elétrico em cada partícula do seu corpo — estavam salvos.
Dumbledore desceu depressa os degraus passando por Neville e Harry, que não pensava mais em ir embora. Dumbledore já estava ao pé dos degraus quando o Comensal da Morte mais próximo percebeu sua presença e berrou para os outros. Um dos Comensais da Morte correu o mais que pôde, trepando como um macaco pelos degraus de pedra do lado oposto. Um feitiço de Dumbledore o trouxe de volta com a maior facilidade, como se o tivesse fisgado com uma linha invisível...
Somente um par continuava a lutar, aparentemente sem notar o recém-chegado.
Harry viu Sirius se desviar de um raio vermelho de Belatriz: ria dela.
— Vamos, você sabe fazer melhor que isso! — berrou ele, sua voz ecoando pela sala cavernosa.
O segundo jato de luz o atingiu bem no peito.
O riso ainda não desaparecera do seu rosto, mas seus olhos se arregalaram de choque.
Harry soltou Neville, embora nem tivesse consciência do que fazia. Estava novamente descendo os degraus aos saltos, puxando a varinha, ao mesmo tempo que Dumbledore também se voltava para o estrado Sirius pareceu levar uma eternidade para cair: seu corpo descreveu um arco gracioso e ele mergulhou de costas no véu esfarrapado que pendia do arco.
Harry viu a expressão de medo e surpresa no rosto devastado e outrora bonito do seu padrinho quando ele atravessou o arco e desapareceu além do véu, que esvoaçou por um momento como se soprado por um vento forte, depois retomou a posição inicial.
Harry ouviu o grito triunfante de Belatriz Lestrange, mas sabia que não significava nada — Sirius simplesmente atravessara o arco, reapareceria do outro lado a qualquer segundo...
Mas Sirius não reapareceu.
— SIRIUS! – berrou Harry. – SIRIUS!
Ele alcançara o poço, sua respiração ofegante e dolorosa. Sirius devia estar logo além do véu, ele, Harry, o puxaria de volta...
Mas quando chegou ao poço e saltou para o estrado, Lupin o agarrou pelo peito, detendo-o.
— Não há nada que você possa fazer, Harry...
— Apanhá-lo, salvá-lo, ele só atravessou o véu!
—... é tarde demais, Harry.
— Ainda podemos alcançá-lo... — Harry lutou com força e violência, mas Lupin não o largou.
— Não há nada que você possa fazer, Harry... nada... ele se foi.