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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 16
— Se você perguntar isso mais uma vez, vou enfiar este talo de couve...
— Só estou confirmando! — exclamou Rony. Os dois estavam sozinhos junto à pia da cozinha d’A Toca, limpando um monte de couves-de-bruxelas para a Sra. Weasley. A neve passava voando pela janela à sua frente.
— Exatamente, Snape estava se oferecendo para ajudar ele! Disse que tinha prometido à mãe de Malfoy proteger ele, que tinha feito um Juramento Perpétuo ou coisa parecida...
— Um Voto Perpétuo? — admirou-se Rony. — Nah, não pode ser... você tem certeza?
— Claro que tenho. Que quer dizer isso?
— Bem, a gente não pode quebrar um Voto Perpétuo...
— Até aí eu concluí sozinho, por estranho que pareça. E o que acontece se a gente quebra?
— Morre — disse Rony com simplicidade. — Fred e Jorge tentaram me convencer a fazer um quando eu tinha cinco anos. E quase que fiz, eu estava segurando as mãos de Fred e tudo, quando papai nos encontrou. Ele pirou — contou Rony, recordando a cena com um brilho no olhar. — Foi a única vez que vi papai tão furioso como a mamãe. Fred diz que depois disso a nádega esquerda dele nunca mais foi a mesma.
— É, bem, deixando de lado a nádega esquerda de Fred...
— Perdão? — Ouviu-se a voz de Fred, e os gêmeos entraram na cozinha. — Aaah, Jorge, olha só isso. Eles estão usando facas e tudo. Deus os abençoe.
— Vou fazer dezessete anos dentro de dois meses e uns dias — retrucou Rony mal-humorado —, então vou poder usar magia para fazer isto.
— Mas, nesse meio-tempo — comentou Jorge, sentando-se à mesa da cozinha e descansando os pés em cima do móvel —, podemos apreciar a sua demonstração do uso correto de uma... epa!
— A culpa foi sua! — exclamou Rony zangado, chupando o corte no polegar. — Espere até eu fazer dezessete anos...
— Tenho certeza de que vai nos deixar deslumbrados com suas insuspeitadas habilidades em magia — concluiu Fred bocejando.
— E, por falar em insuspeitadas habilidades em magia, Ronald — aproveitou Jorge —, que história é essa, que estamos sabendo pela Gina, entre você e uma jovem chamada... a não ser que a informação esteja errada, Lilá Brown?
Rony corou um pouco, mas não pareceu aborrecido quando voltou a dar atenção às couves.
— Cuide da sua vida.
— Que resposta malcriada — disse Fred. — Não sei aonde vai buscá-las. Não, o que eu queria saber era... como foi que aconteceu?
— Que é que você quer dizer com isso?
— Ela teve um acidente ou coisa parecida?
— Quê?
— Bem, como foi que ela sofreu um dano cerebral tão extenso? Cuidado com isso!
A Sra. Weasley entrou na cozinha em tempo de ver Rony atirando a faca de descascar legumes em Fred, que a transformou em um aviãozinho de papel, com um piparote displicente de varinha.
— Rony! — exclamou a bruxa furiosa. — Nunca mais me deixe ver você atirando facas!
— Não vou deixar — disse Rony — você ver — acrescentou baixinho, voltando ao monte de couves-de-bruxelas.
— Fred, Jorge, lamento, queridos, mas Remo vai chegar hoje à noite e Gui vai ter de se apertar no quarto de vocês!
— Não esquenta — respondeu Jorge.
— E, como Carlinhos não vem, isto deixa Harry e Rony no sótão, e se Fleur dividir o quarto com Gina...
— ...isso é que é um Feliz Natal! — murmurou Fred.
— ...e todos ficarão confortáveis. Bem, pelo menos terão uma cama — acrescentou a Sra. Weasley, um pouco cansada e ansiosa.
— Então Percy não vai mesmo mostrar a carranca dele por aqui? — perguntou Fred. A Sra. Weasley virou de costas antes de responder.
— Não, ele está ocupado, imagino, no Ministério.
— Ah, ele é o maior babaca do mundo — comentou Fred, quando a mãe se retirou da cozinha. — Um dos dois maiores. Bem, vamos indo então, Jorge.
— Que é que vocês vão fazer? — perguntou Rony. — Será que não podiam ajudar a gente a limpar essas couves? É só usarem a varinha e ficaremos livres, também!
— Não, acho que não podemos fazer isso — respondeu Fred sério.
— É bom para a formação do caráter, aprender a limpar couves-de-bruxelas sem recorrer à magia, faz você entender como é difícil para os trouxas e bruxos abortados...
— ...e se quiser que as pessoas o ajudem, Rony — acrescentou Jorge, atirando no irmão um aviãozinho de papel —, não deve ficar arremessando facas nelas. É só uma dica. Nós vamos à aldeia, tem uma garota bonita trabalhando na papelaria que acha que os meus truques com cartas são maravilhosos... até parecem magia de verdade...
— Debilóides — xingou Rony, sombriamente, observando Fred e Jorge atravessarem o quintal coberto de neve. — Gastariam só dez segundos, e então poderíamos sair também.
— Não eu — disse Harry. — Prometi a Dumbledore que não sairia enquanto estivesse aqui.
— Ah, é. — Rony limpou mais algumas couves, então perguntou:
— Você vai contar ao Dumbledore o que ouviu Snape e Malfoy conversando?
— Vou. Vou contar a todo o mundo que puder acabar com isso, e Dumbledore é o primeiro da lista. Talvez eu dê mais uma palavrinha com o seu pai também.
— Pena que você não tenha ouvido o que Malfoy está realmente fazendo.
— Não foi possível, não é? Esse é o problema, ele estava se recusando a contar ao Snape. Por um momento fez-se silêncio, em seguida Rony comentou:
— É claro que você sabe o que todos vão dizer, não? Papai, Dumbledore e todo o resto. Vão dizer que Snape não está realmente tentando ajudar Malfoy, estava só tentando descobrir o que Malfoy vai fazer.
— Eles não ouviram o que ele disse — disse Harry, sem emoção. — Ninguém representa tão bem, nem mesmo o Snape.
— E... só estou lembrando — disse Rony.
Harry virou-se para encarar o amigo, franzindo a testa.
— Mas você acha que eu tenho razão?
— Claro que acho! — apressou-se Rony a confirmar. — Estou falando sério! Mas eles estão convencidos de que Snape faz parte da Ordem, não é mesmo?
Harry não respondeu. Já lhe ocorrera que aquela seria a objeção mais provável ao novo indício; podia até ouvir Hermione dizendo:
“É óbvio, Harry, que ele estava fingindo ajudar para poder fazer Malfoy contar o que está fazendo...”
Isto era pura imaginação, porque ele não tinha tido oportunidade de contar a Hermione o que ouvira. A amiga tinha sumido da festa de Slughorn antes que ele voltasse, ou assim lhe informara um irado McLaggen, e já tinha ido dormir quando ele retornou à sala comunal. Quando ele e Rony viajaram para A Toca, cedo no dia seguinte, Harry mal tivera tempo para lhe desejar um Feliz Natal e dizer que tinha notícias muito importantes para contar quando voltassem das férias. Não estava muito seguro, porém, se Hermione o ouvira; Rony e Lilá estavam fazendo uma despedida totalmente não-verbal às suas costas naquele momento.
Contudo, nem Hermione poderia negar: decididamente Malfoy estava fazendo alguma coisa, e Snape sabia disso, portanto Harry se sentia plenamente justificado em dizer “Eu bem que falei”, como já fizera várias vezes para Rony.
Até a noite de Natal, Harry não teve oportunidade de conversar com o Sr. Weasley, que estava trabalhando até mais tarde no Ministério. Os Weasley e seus convidados estavam sentados na sala de estar; Gina a decorara com tanto exagero que tinham a impressão de estar no meio de uma explosão de papel em cadeia. Fred, Jorge, Harry e Rony eram os únicos que sabiam que o anjo no alto da árvore era, na realidade, um gnomo de jardim que mordera o calcanhar de Fred quando ele arrancava cenouras para a ceia de Natal. Estuporado, pintado de ouro, apertado em um minitutu, com asinhas coladas às costas, ele olhava de cara amarrada para todos, o anjo mais feio que Harry já vira, com uma cabeçorra pelada como uma batata e pés bem cabeludos.
Todos deviam estar ouvindo o programa de Natal apresentado pela cantora favorita da Sra. Weasley, Celestina Warbeck, cuja voz saía tremida de um grande rádio com a caixa de madeira. Fleur, que aparentemente achava Celestina muito chata, falava tão alto a um canto que a Sra. Weasley, aborrecida, a toda hora apontava a varinha para o botão do volume, fazendo com que Celestina berrasse cada vez mais. Aproveitando um número particularmente animado, “Um caldeirão cheio de amor quente e forte”, Fred e Jorge começaram um joguinho de Snap Explosivo com Gina. Rony não parava de lançar olhares sorrateiros a Gui e Fleur, como se esperasse aprender umas dicas. Enquanto isso, Remo Lupin, mais magro e mais roto que nunca, estava sentado à lareira, contemplando suas profundezas como se não ouvisse a voz de Celestina.
“Ah, vem mexer o meu caldeirão,
E se mexer como deve ser
Faço procê um amor quente e forte
Para sua noite aquecer.”
— Dançamos ao som dessa música quando tínhamos dezoito anos! — exclamou a Sra. Weasley, enxugando os olhos no seu tricô. — Você lembra, Arthur?
— Hum? — respondeu o Sr. Weasley, que estivera cochilando enquanto descascava uma tangerina. — Ah, sim... uma canção maravilhosa...
Com esforço, ele se sentou mais aprumado e olhou para Harry, que estava ao seu lado.
— Desculpe isso aí — disse ele, indicando com a cabeça o rádio no qual Celestina desatava a entoar o refrão. — Já vai terminar.
— Não se preocupe — respondeu Harry sorrindo. — O senhor tem tido muito trabalho no Ministério?
— Muito. Eu não me incomodaria se estivéssemos obtendo algum resultado, mas, nas três prisões que fizemos nos últimos dois meses, duvido que algum dos suspeitos fosse um autêntico Comensal da Morte... mas não repita isso, Harry — acrescentou ele depressa, parecendo subitamente bem mais acordado.
— Mas já soltaram o Lalau Shunpike, não? — perguntou Harry.
— Receio que não. Sei que Dumbledore tentou apelar diretamente para Scrimgeour no caso do Lalau... quero dizer, qualquer um que de fato tenha entrevistado o garoto concorda que ele é tão Comensal da Morte quanto esta tangerina... mas os figurões querem passar a imagem de que estamos fazendo progressos, e “três prisões” parecem melhor do que “três prisões equivocadas seguidas de solturas”... mas, repito, tudo isso é ultra-secreto...
— Não direi nada. — Harry hesitou um momento, imaginando a melhor maneira de abordar o que queria dizer; enquanto organizava seus pensamentos, Celestina Warbeck começou uma balada intitulada “Seu feitiço arrancou meu coração”.
— Sr. Weasley, o senhor se lembra do que lhe contei na estação quando estávamos indo para a escola?
— Eu verifiquei, Harry — respondeu ele na mesma hora. — Revistei a casa dos Malfoy. Não encontrei nada, nem quebrado nem inteiro, que não devesse estar lá.
— É, eu sei, li no Profeta que o senhor tinha revistado... mas isto é diferente... bem, uma coisa mais...
E ele contou ao Sr. Weasley a conversa que escutara entre Malfoy e Snape. Enquanto falava, viu a cabeça de Lupin virar um pouco para o seu lado, absorvendo cada palavra. Quando Harry terminou, fez-se silêncio, exceto pela cantoria de Celestina.
“Ah, onde foi parar o meu pobre coração?
Abandonou-me por um feitiço...”
— Já lhe ocorreu, Harry — perguntou o Sr. Weasley —, que Snape estivesse simplesmente fingindo...
— Fingindo oferecer ajuda, para poder descobrir o que Malfoy está fazendo? — completou Harry depressa. — E, achei que o senhor iria dizer isso. Mas como vamos saber?
— Não temos de saber — disse Lupin inesperadamente. Tinha dado as costas à lareira e encarava Harry do outro lado do Sr. Weasley. — Dumbledore é quem tem. Ele confia em Severo, e isto deve ser suficiente para todos nós.
— Mas digamos... digamos que Dumbledore esteja enganado a respeito do Snape...
— Muita gente tem dito isso muitas vezes. A questão se resume em confiar ou não confiar no julgamento de Dumbledore. Eu confio; portanto, eu confio em Severo.
— Mas Dumbledore pode errar — argumentou Harry. — Ele mesmo diz isso. E você... Ele olhou Lupin diretamente nos olhos.
— ... sinceramente, você gosta do Snape?
— Não gosto nem desgosto do Severo — respondeu Lupin. — Não, Harry, estou falando a verdade — acrescentou, ao ver a expressão descrente de Harry. — Talvez nunca sejamos amigos do peito; depois de tudo que aconteceu entre Tiago, Sirius e Severo, restou muita amargura. Mas não esqueço que, durante o ano que ensinei em Hogwarts, Severo preparou a Poção de Acônito para mim todos os meses, e com perfeição, para eu não precisar sofrer como normalmente sofro na lua cheia.
— Mas deixou escapar “sem querer” que você era um lobisomem, e você teve de ir embora! — lembrou Harry com raiva.
Lupin sacudiu os ombros.
— A notícia teria vazado de qualquer maneira. Nós dois sabemos que ele queria o meu lugar, mas ele poderia ter me causado mais mal se tivesse adulterado a poção. Ele me manteve saudável. Devo ser grato.
— Talvez ele não se atrevesse a adulterar a poção com Dumbledore de olho nele!
— Você está decidido a odiá-lo, Harry — disse Lupin com um leve sorriso. — E eu compreendo; tendo Tiago por pai e Sirius por padrinho, você herdou um velho preconceito. Não se detenha, conte a Dumbledore o que contou ao Arthur e a mim, mas não espere que ele concorde com seu ponto de vista; nem mesmo que se surpreenda com o que ouvir. Talvez Severo tenha até recebido ordem de Dumbledore para interrogar Draco.
“...e você agora o despedaçou. Agradeço que devolva o meu coração!”
Celestina terminou a canção com uma nota muito longa e aguda, e ouviram-se estrondosos aplausos no rádio aos quais a Sra. Weasley fez um coro entusiamado.
— Terrminô? — perguntou Fleur em voz alta. — Grraças a Dês qu’ cois horrro...
— Vamos tomar mais uma para encerrar? — ofereceu o Sr. Weasley também em voz alta, levantando-se, ligeiro. — Quem aceita uma gemada?
— Que é que você tem feito ultimamente? — Harry perguntou a Lupin, enquanto o Sr. Weasley se encarregava de apanhar a gemada, e os demais convidados recomeçavam a conversar.
— Ah, ando na clandestinidade. Quase literalmente. Por isso não tenho podido escrever; mandar cartas seria o mesmo que me denunciar.
— Como assim?
— Tenho vivido entre companheiros, meus iguais — respondeu Lupin. — Lobisomens — acrescentou ao ver o olhar de incompreensão de Harry. — Quase todos estão do lado de Voldemort. Dumbledore queria um espião e eu estava ali... pronto.
Sua voz pareceu um pouco amargurada, e talvez ele percebesse, porque sorriu mais calorosamente ao continuar:
— Não estou me queixando, é um trabalho necessário, e quem melhor do que eu para executá-lo? Mas tem sido difícil ganhar a confiança deles. Trago comigo sinais inconfundíveis de que tentei viver entre os bruxos, entende, enquanto eles evitaram a sociedade normal e vivem na marginalidade, roubando e por vezes matando, para comer.
— E por que eles gostam de Voldemort?
— Acham que, sob o domínio dele, terão uma vida melhor — respondeu Lupin. — É difícil argumentar com o Greyback lá fora...
— Quem é Greyback?
— Você nunca ouviu falar? — as mãos de Lupin se fecharam convulsivamente no colo. — Fenrir Lobo Greyback talvez seja o lobisomem mais selvagem que existe hoje. Encara como missão de sua vida morder e contaminar o maior número possível de pessoas; quer criar um número suficiente de lobisomens para superar os bruxos. Voldemort lhe prometeu vítimas como pagamento pelos seus serviços. Greyback se especializa em crianças... morda-as enquanto pequenas, diz, e as crie longe dos pais, faça com que odeiem os bruxos normais. Voldemort tem ameaçado lançá-lo contra os filhos das pessoas; é uma ameaça que normalmente produz bons resultados.
Lupin fez uma pausa, e então continuou:
— Foi Greyback quem me mordeu.
— Quê? — exclamou Harry, perplexo. — Você quer dizer, quando você era criança?
— É. Meu pai o ofendeu. Durante muito tempo eu não soube a identidade do lobisomem que tinha me atacado; cheguei a sentir pena dele, achando que não pudera se controlar, já sabendo, então, o que a pessoa sentia quando se transformava. Mas Greyback não é assim. Na lua cheia, ele se coloca a curta distância da vítima para garantir que esteja bem próximo para atacar. Planeja cada detalhe. E é esse homem que Voldemort está usando para liderar os lobisomens. Não posso fingir que a argumentação que adoto esteja dando resultado contra a insistência de Greyback de que os lobisomens merecem sangue, que devem se vingar de quem é normal.
— Mas você é normal! — exclamou Harry com veemência. — Só tem um... um problema...
Lupin caiu na gargalhada.
— Às vezes você me lembra muito o Tiago. Quando havia pessoas por perto, ele dizia que eu tinha um “probleminha peludo”. Muita gente pensava que eu tinha um coelhinho mal-comportado.
Lupin aceitou um copo de gemada do Sr. Weasley, agradecendo, e pareceu um pouco mais alegre. Harry sentiu uma onda de excitação: a menção do pai lembrou-lhe que havia uma coisa que estava querendo perguntar a Lupin.
— Você já ouviu falar de alguém que se intitula Príncipe Mestiço?
— Príncipe quê?
— Mestiço — disse Harry, observando-o com atenção, à procura de sinais de reconhecimento.
— Não há príncipes bruxos — respondeu Lupin, agora sorrindo. — Esse é o título que você está pensando em adotar? Eu teria achado que “o Eleito” já era o suficiente.
— Não, não tem nada a ver comigo! — exclamou ele indignado. — O Príncipe Mestiço é alguém que freqüentou Hogwarts, tenho o livro de Poções que ele usou. Tem anotações sobre feitiços no livro todo, feitiços que ele inventou. Um deles foi o Levicorpus...
— Ah, esse aí esteve em grande moda em Hogwarts, no meu tempo — disse Lupin, lembrando-se. — Durante alguns meses, no meu quinto ano, a pessoa não podia andar sem ser pendurada no ar pelo tornozelo.
— Meu pai o usou. Vi na Penseira quando o usou contra Snape.
Harry tentou parecer displicente, como se aquele fosse um comentário sem real importância, mas não teve certeza de que obtiver a o efeito pretendido; o sorriso de Lupin foi compreensivo demais.
— Usou, mas ele não foi o único. Como disse, foi muito popular... você sabe como esses feitiços vêm e vão...
— Mas parece que foi inventado enquanto você esteve na escola — insistiu Harry.
— Não necessariamente. Azarações entram e saem de moda como tudo o mais. — Ele encarou Harry e disse em voz baixa: — Tiago tinha sangue puro, Harry, e juro a você, ele nunca nos pediu para chamá-lo de “Príncipe”.
Harry, abandonando os rodeios, perguntou:
— E não foi Sirius? Nem você?
— Decididamente não.
— Ah. — Harry contemplou as chamas da lareira. — Pensei... bem, ele me ajudou muito nas aulas de Poções, o Príncipe.
— Que idade tem o livro, Harry?
— Não sei, nunca olhei.
— Bem, talvez lhe dê uma pista da época em que o Príncipe esteve em Hogwarts.
Pouco depois, Fleur resolveu imitar Celestina cantando “Um caldeirão cheio de amor quente e forte”, que todos entenderam, ao ver a expressão da Sra. Weasley como uma deixa para se retirarem. Harry e Rony subiram até o quarto de Rony no sótão, onde tinha sido posta uma cama de armar para Harry.
Rony adormeceu quase imediatamente, mas Harry, antes de se deitar, foi procurar no malão, de onde tirou o exemplar de Estudos avançados no preparo de poções. Na cama, folheou as páginas com atenção, até encontrar, no início do livro, a data em que fora publicado. Tinha quase cinqüenta anos. Nem seu pai nem seus amigos tinham freqüentado Hogwarts há cinqüenta anos. Desapontado, Harry atirou o livro de volta ao malão, apagou o lampião e se virou para o lado oposto da cama, pensando em lobisomens e Snape, em Lalau Shunpike e no Príncipe Mestiço, mergulhando, por fim, em um sono inquieto, cheio de sombras furtivas e gritos de crianças mordidas...
— Ela tem de estar brincando...
Harry acordou assustado e deparou com uma meia estufada nos pés de sua cama. Pôs os óculos e olhou ao seu redor; a janela minúscula estava quase totalmente escurecida pela neve e diante dela estava Rony, sentado muito reto na cama, examinando um objeto que parecia um cordão de ouro.
— Que é isso? — perguntou Harry.
— É da Lilá — respondeu ele, parecendo revoltado. — Ela não pode pensar seriamente que eu usaria...
Harry se aproximou para olhar e soltou uma grande gargalhada. Pendurada no cordão, em grandes letras de ouro, havia a frase “Meu Namorado”.
— Legal — comentou ele. — Estiloso. Decididamente, você tem de usar isso na frente de Fred e Jorge.
— Se você contar a eles — ameaçou Rony, fazendo o colar desaparecer embaixo do travesseiro —, eu... eu... eu vou...
— Gaguejar para mim? — respondeu Harry, rindo. — Ah, vai, você acha que eu faria isso?
— Mas como é que ela pôde pensar que eu ia gostar de uma coisa dessas? — perguntou Rony, parecendo muito chocado.
— Bem, procure se lembrar. Alguma vez você deixou escapar que gostaria de aparecer em público com as palavras “Meu Namorado” penduradas no pescoço?
— Bem... na realidade não conversamos muito — disse Rony. — Ficamos mais...
— Dando uns amassos — completou Harry.
— Bem, é. — Ele hesitou um momento, então perguntou: — A Hermione está realmente namorando o McLaggen?
— Não sei. Eles estiveram na festa de Slughorn juntos, mas acho que não foi muito legal.
Rony pareceu um pouco mais animado ao enfiar a mão no fundo da meia.
Os presentes de Harry incluíam uma suéter com um grande pomo de ouro no peito, tricotado a mão pela Sra. Weasley, uma grande caixa com produtos da Gemialidades Weasley, dada pelos gêmeos, e um embrulho ligeiramente úmido, cheirando a mofo, com uma etiqueta em que se lia: “Ao Senhor, do Monstro.” Harry arregalou os olhos.
— Você acha que é seguro abrir? — perguntou.
— Não pode ser nada perigoso, toda a nossa correspondência continua a ser verificada pelo Ministério — respondeu Rony, embora olhasse o embrulho com desconfiança.
— Não pensei em dar nada ao Monstro! Normalmente as pessoas dão presentes de Natal aos elfos domésticos? — tornou Harry, cutucando o embrulho com cautela.
— Hermione daria. Mas vamos esperar para ver o que é, antes de você começar a sentir remorsos.
Um instante depois, Harry dava um berro e pulava da cama; o pacote continha numerosas larvas de varejeira.
— Legal — exclamou Rony às gargalhadas. — Quanta consideração!
— Prefiro as larvas a esse colar — disse Harry, fazendo Rony parar de rir na mesma hora.
Todos estavam usando suéteres novos quando se sentaram para o almoço de Natal, todos exceto Fleur (em quem, pelo visto, a Sra. Weasley não quisera desperdiçar um) e a própria Sra. Weasley, com um chapéu de bruxa novo, azul-noite, que brilhava com minúsculos diamantes estrelados, e um espetacular colar de ouro.
— Foram presentes de Fred e Jorge! Não são lindos?
— Bem, descobrimos que gostamos cada vez mais de você, mamãe, agora que temos de lavar as nossas meias — disse Jorge, com um leve aceno de mão. — Pastinaca, Remo?
— Harry, tem uma larva no seu cabelo — disse Gina alegre, debruçando-se sobre a mesa para retirá-la; Harry sentiu subirem pelo seu pescoço arrepios que não tinham relação alguma com a larva.
— Qu’ horrrivell — exclamou Fleur, afetando um arrepio.
— É, não é, Fleur? — concordou Rony. — Molho, Fleur?
Em sua ânsia de ajudar, ele lançou o molho pelos ares; Gui fez um gesto com a varinha, e o molho pairou no ar e voltou obedientemente à molheira.
— Você é ton desastrrade quanto a Tonks — disse Fleur a Rony, quando terminou de beijar Gui para lhe agradecer. — Ela stá semprre derrrubande...
— Convidei a querida Tonks para vir hoje aqui — anunciou a Sra. Weasley, pondo na mesa as cenouras, com desnecessária violência, e encarando Fleur. — Mas ela não aceitou. Você tem falado com ela ultimamente, Remo?
— Não, não tenho tido muito contato com ninguém — disse Lupin. — Mas Tonks tem família para visitar, não?
— Hummm. Talvez. Na realidade, tive a impressão de que estava planejando passar o Natal sozinha.
Molly lançou a Lupin um olhar irritado, como se fosse culpa dele que sua futura nora fosse Fleur em vez de Tonks. Ocorreu a Harry, ao olhar Fleur — que agora oferecia a Gui pedacinhos de peru com o próprio garfo —, que a Sra. Weasley estava travando uma batalha há muito tempo perdida. Lembrou-se, no entanto, de uma pergunta que queria fazer sobre Tonks, e quem melhor para responder a ela do que Lupin, o homem que conhecia tudo sobre Patronos?
— O Patrono de Tonks mudou de forma — disse Harry a ele. — Pelo menos foi o que disse Snape. Eu não sabia que isto podia acontecer. Por que razão um Patrono mudaria?
Lupin demorou algum tempo mastigando o peru, e engoliu-o antes de responder lentamente.
— Às vezes... um grande choque... uma perturbação emocional...
— Parecia grande e era quadrúpede — comentou Harry, tendo uma súbita idéia e baixando a voz. — Ei... não poderia ser...?
— Arthur! — chamou a Sra. Weasley de repente. Levantara-se da cadeira; sua mão apertava o peito e tinha os olhos fixos na janela da cozinha. — Arthur... é o Percy!
— Quê?
O Sr. Weasley se virou. Todos olharam depressa para a janela; Gina ficou em pé para ver melhor. De fato, era Percy Weasley, avançando pelo quintal coberto de neve, seus óculos de aros de tartaruga refletindo o sol. Não vinha, porém, sozinho.
— Arthur, ele está... está com o ministro!
De fato, o homem que Harry vira no Profeta Diário acompanhava os passos de Percy, mancando levemente, a cabeleira grisalha e a capa negra salpicadas de neve. Antes que qualquer um pudesse dizer alguma coisa, antes que o Sr. e a Sra. Weasley pudessem trocar mais que um olhar surpreso, a porta dos fundos se abriu e ali estava Percy. Fez-se um momento de doloroso silêncio. Em seguida, Percy disse formalmente:
— Feliz Natal, mamãe.
— Ah, Percy! — exclamou a Sra. Weasley atirando-se em seus braços. Rufo Scrimgeour parou à porta, apoiando-se na bengala e sorrindo, enquanto observava a comovente cena.
— Perdoem-me a intromissão — disse, quando a Sra. Weasley virou-se para ele, sorrindo e enxugando as lágrimas. — Percy e eu estávamos nas vizinhanças, a trabalho, e ele não pôde resistir à tentação de passar para ver todos vocês.
Mas Percy não deu sinal algum de querer cumprimentar ninguém mais da família. Ficou parado, rígido, sem jeito, olhando por cima das cabeças de todos. O Sr. Weasley, Fred e Jorge o observavam, impassíveis.
— Por favor, entre, ministro, sente! — alvoroçou-se a Sra. Weasley, endireitando o chapéu. — Coma um pouco de peru ou um pouco de pudim..., quero dizer...
— Não, não, minha cara Molly — respondeu Scrimgeour. Harry imaginou que ele tivesse perguntado o nome dela a Percy antes de entrarem na casa. — Não quero incomodar, não estaria aqui se Percy não tivesse querido tanto ver vocês...
— Ah, Percy! — exclamou a Sra. Weasley chorosa, aproximando-se para beijá-lo.
— ...é só uma passadinha de cinco minutos, vou dar uma volta pelo quintal enquanto vocês põem a conversa em dia. Não, não, torno a afirmar que não quero ser inconveniente! Bem, alguém gostaria de me mostrar o seu encantador jardim... ah, aquele jovem já terminou, por que ele não me acompanha no passeio?
A atmosfera em volta da mesa mudou perceptivelmente. Todos olharam de Scrimgeour para Harry. Ninguém parecia achar convincente o ministro fingir que não sabia o nome de Harry, nem natural que o escolhesse para acompanhá-lo pelo jardim quando Gina, Fleur e Jorge também tinham os pratos vazios.
— Ah, eu vou — disse Harry no silêncio que se seguiu.
Ele não se deixara enganar; apesar de toda aquela conversa de Scrimgeour de que estavam nas proximidades, que Percy queria visitar a família, esta devia ser a verdadeira razão por que tinham vindo, para o ministro poder falar a sós com Harry.
— Tudo bem — disse Harry baixinho ao passar por Lupin, que fizera menção de se levantar da cadeira. — Tudo bem — acrescentou, quando o Sr. Weasley abriu a boca para falar.
— Excelente! — disse Scrimgeour, afastando-se para deixar Harry passar primeiro pela porta. — Só vamos dar uma volta pelo jardim, e então Percy e eu vamos embora. Podem continuar!
Harry atravessou o quintal em direção ao jardim descuidado e coberto de neve, com Scrimgeour mancando ao seu lado. O garoto sabia que ele tinha sido chefe da Seção de Aurores; parecia durão e marcado pelas lutas, muito diferente do corpulento Fudge com o seu chapéu-coco.
— Encantador — comentou Scrimgeour, parando junto à cerca do jardim e contemplando o gramado coberto de neve e as plantas indistinguíveis. — Encantador.
Harry ficou calado. Sabia que o ministro o observava.
— Há muito tempo que queria conhecê-lo — disse Scrimgeour após alguns instantes. — Você sabia?
— Não — respondeu Harry com sinceridade.
— Ah, sim, há muito tempo. Mas Dumbledore o protege muito. O que é natural, depois de tudo por que você passou... principalmente o que aconteceu no Ministério...
Ele esperou que Harry dissesse alguma coisa, mas o garoto não correspondeu, então continuou.
— Estou esperando uma oportunidade para conversar com você desde que assumi, mas Dumbledore tem, e, como digo, é compreensível, me impedido.
Ainda assim, Harry nada disse, aguardou.
— Os boatos que têm corrido! Bem, é claro que sabemos que as histórias acabam distorcidas... todos os rumores de uma profecia... de você ser “o Eleito”...
Estavam chegando mais perto agora, pensou Harry, da razão que levara Scrimgeour até ali.
— ...presumo que Dumbledore tenha discutido essas questões com você, não?
Harry debateu mentalmente se devia ou não mentir. Olhou para as pegadinhas dos gnomos em volta dos canteiros, e para um trecho pisoteado que assinalava o lugar onde Fred apanhara o gnomo que agora enfeitava o alto da árvore de Natal, vestido com um tutu. Por fim, decidiu-se pela verdade... ou por parte dela.
— É, temos discutido.
— Têm, têm... — animou-se Scrimgeour. Harry via pelo canto do olho que o ministro o observava de olhos semicerrados, então fingiu estar muito interessado em um gnomo que acabara de pôr a cabeça para fora de um rododendro congelado. — E que é que Dumbledore tem lhe dito, Harry?
— Desculpe, mas isto é só entre nós.
Ele procurou manter a voz a mais agradável possível, e o tom de Scrimgeour também foi leve e simpático quando disse:
— Ah, claro, são confidencias, eu não iria querer que você as revelasse... não, não... e, de qualquer forma, faz diferença se você é ou não “o Eleito”?
Harry precisou remoer a pergunta alguns segundos antes de responder.
— Não sei o que o senhor quer realmente dizer, ministro.
— Bem, naturalmente, para você, fez uma enorme diferença — disse Scrimgeour dando uma risada. — Mas para a comunidade bruxa como um todo... é uma questão de percepção, não é? É aquilo em que as pessoas acreditam que é importante.
Harry não disse nada. Pensou ter percebido difusamente aonde iriam chegar, mas não ia ajudar Scrimgeour a chegar lá. O gnomo sob o rododendro agora escavava à procura de minhocas nas raízes da planta, e Harry manteve os olhos fixos nele.
— As pessoas acreditam que você é “o Eleito”, entende? Acham que você é um herói, o que é claro, você é, Harry, eleito ou não! Quantas vezes você enfrentou Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado até agora? Bem, seja como for — ele prosseguiu sem esperar resposta —, a questão é que você é um símbolo de esperança para muitos, Harry. A idéia de que tem alguém de sentinela que talvez possa, ou até talvez esteja destinado a destruir Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado... bem é natural que isto revigore as pessoas. E não posso deixar de sentir que, quando perceber isto, você talvez considere, bem, quase como um dever, apoiar o Ministério e dar alento a todos.
O gnomo tinha acabado de pegar uma minhoca. Agora puxava-a com muita força, tentando extraí-la da terra gelada. Harry guardou silêncio por tanto tempo que Scrimgeour comentou, desviando o olhar dele para o gnomo:
— São umas criaturinhas engraçadas, não? Mas que me diz, Harry?
— Não compreendo exatamente o que o senhor quer — respondeu ele vagaroso. — Apoiar o Ministério... que quer dizer com isso?
— Ah, bem, nada muito oneroso, posso lhe assegurar. Se você fosse visto entrando e saindo do Ministério de vez em quando, por exemplo, daria a impressão correta. E, naturalmente, enquanto estivesse lá, você teria ampla oportunidade de conversar com Gawain Robards, meu sucessor na chefia da Seção de Aurores. Dolores Umbridge me disse que você alimenta a ambição de se tornar auror. Bem, isso poderia ser facilmente arranjado...
Harry sentiu a raiva borbulhar no fundo do estômago: então Dolores Umbridge continuava no Ministério?
— Então, basicamente — falou Harry, como se quisesse apenas esclarecer alguns pontos —, o senhor gostaria de dar a impressão de que estou trabalhando para o Ministério?
— Daria mais ânimo a todos pensar que você participa mais, Harry — disse Scrimgeour, parecendo aliviado que o garoto tivesse entendido tão rápido. — “O Eleito” sabe... é uma questão de dar esperança às pessoas, a sensação de que há coisas emocionantes acontecendo...
— Mas se eu ficar entrando e saindo do Ministério — perguntou Harry, ainda se esforçando para manter um tom amigável —, não irá parecer que eu aprovo o que o Ministério está fazendo?
— Bem — respondeu Scrimgeour, franzindo ligeiramente a testa —, bem, sim, em parte é por isso que gostaríamos...
— Não, acho que não vai dar certo — disse Harry gentilmente. — Veja o senhor, não gosto de algumas coisas que o Ministério está fazendo. Prender o Lalau Shunpike, por exemplo.
Scrimgeour calou-se por um momento, mas sua expressão endureceu instantaneamente.
— Eu não esperaria que você compreendesse — disse ele, mas não foi tão bem-sucedido quanto Harry em ocultar sua raiva. — Vivemos tempos perigosos, e é preciso tomar certas medidas. Você tem dezesseis anos...
— Dumbledore tem muito mais de dezesseis anos e também acha que Lalau não devia estar em Azkaban. O senhor está transformando Lalau em bode expiatório do mesmo modo que quer me transformar em mascote.
Eles se encararam demorada e inflexivelmente. Por fim, Scrimgeour falou, sem fingir cordialidade:
— Entendo. Você prefere, como o seu herói Dumbledore, se desassociar do Ministério?
— Não quero ser usado.
— Alguns diriam que é seu dever se deixar usar pelo Ministério!
— É, e outros diriam que é seu dever verificar se as pessoas são realmente Comensais da Morte antes de metê-las na prisão — respondeu Harry se encolerizando. — O senhor está fazendo o mesmo que Bartô Crouch fez. Os senhores nunca entendem muito bem, não é? Ou temos Fudge, fingindo que tudo está ótimo enquanto as pessoas são assassinadas debaixo do nariz dele, ou temos o senhor, metendo as pessoas erradas na prisão e querendo fingir que “o Eleito” está trabalhando para o Ministério!
— Então você não é “o Eleito”? — indagou Scrimgeour.
— Pensei ter ouvido o senhor dizer que não faria diferença — respondeu Harry com uma risada amargurada. — Pelo menos, não para o senhor.
— Eu não devia ter dito isso — interpôs ligeiro Scrimgeour. — Foi falta de tato...
— Não, foi sincero. Uma das poucas coisas sinceras que o senhor me disse. O senhor não se importa que eu viva ou morra, mas faz questão que eu o ajude a convencer a todos que está ganhando a guerra contra Voldemort. Não esqueci, ministro...
Harry ergueu a mão direita. Ali, nas costas de sua mão fria, destacavam-se, lívidas, as cicatrizes que Dolores Umbridge o obrigara a gravar na própria carne: Não devo contar mentiras.
— Não me lembro do senhor ter corrido em minha defesa quando eu estava tentando dizer a todos que Voldemort tinha retornado. O Ministério não esteve tão interessado em ser meu amigo no ano que passou.
Os dois ficaram parados em um silêncio gelado como o chão sob seus pés. O gnomo finalmente conseguira retirar a minhoca e agora a chupava feliz, encostado nos galhos mais baixos do rododendro.
— Que anda fazendo o Dumbledore? — perguntou Scrimgeour bruscamente. — Aonde vai quando se ausenta de Hogwarts?
— Não faço a menor idéia — respondeu Harry.
— E não me diria se fizesse, não é?
— Não, não diria.
— Bem, então, terei de ver se descubro por outros meios.
— Pode tentar — disse Harry com indiferença. — Mas o senhor parece mais inteligente do que Fudge, por isso seria de imaginar que tivesse aprendido com os erros dele. Fudge tentou interferir em Hogwarts. O senhor deve ter reparado que ele não é mais ministro, mas Dumbledore continua a ser diretor. Eu deixaria Dumbledore em paz, se fosse o senhor.
Houve uma longa pausa.
— Bem, é evidente que ele fez um excelente trabalho com você — disse Scrimgeour, com o olhar frio e duro por trás dos óculos de aros de arame. — Você é por inteiro um homem de Dumbledore, não, Potter?
— Sou. Que bom que deixamos isto claro.
E dando as costas ao ministro da Magia, Harry saiu em direção à casa.