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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 2
— Ele saiu — respondeu a Sra. Figg, torcendo as mãos. — Saiu para ver alguém a propósito de uma remessa de caldeirões que caiu da garupa de uma vassoura! Eu disse que o esfolaria vivo se ele fosse, e agora veja o que aconteceu! Dementadores! Foi uma sorte eu ter posto o Sr. Tibbles no caso! Mas não temos tempo para ficar parados! Corra agora, você tem de voltar para casa! Ah, a confusão que isso vai provocar! Eu vou matar aquele homem!
A revelação de que sua vizinha gagá com mania de gatos sabia o que eram dementadores foi quase um choque tão grande para Harry quanto encontrar dois deles na travessa.
— A senhora é bruxa?
— Não consegui ser, e Mundungo sabe muito bem disso, então como é que eu ia poder ajudar a espantar os dementadores? Ele deixou você completamente descoberto e eu o avisei...
— Esse tal Mundungo andou me seguindo? Espere aí — foi ele! Desaparatou na frente da minha casa!
— Isso mesmo, mas por sorte eu tinha mandado o Sr. Tibbles ficar debaixo de um carro, só por precaução, e ele veio me avisar, mas quando cheguei você já tinha saído de casa — e agora — ah, que é que o Dumbledore vai dizer? Você!
— gritou ela para Duda, ainda inerte no chão da travessa. — Levanta essa bunda gorda do chão, anda logo!
— A senhora conhece Dumbledore? — perguntou Harry olhando fixamente para a velhota.
— Claro que conheço Dumbledore, quem não conhece Dumbledore? Mas, vamos logo. Não vou poder ajudar você se eles voltarem. Eu nunca consegui transfigurar nem um saquinho de chá.
Ela se abaixou, agarrou o braço maciço de Duda com as mãos enrugadas e puxou.
— Levanta, seu monte de carne inútil, levanta!
Mas Duda ou não podia ou não queria se mexer. Continuou no chão, trêmulo, de cara pálida, a boca hermeticamente fechada.
— Eu faço isso. — Harry agarrou Duda pelo braço e puxou. Com enorme esforço, conseguiu pô-lo de pé. Duda parecia prestes a desmaiar. Seus olhos miúdos giravam nas órbitas e o suor gotejava em seu rosto; no momento em que Harry o largou, ele balançou precariamente.
— Anda depressa! — disse a Sra. Figg, nervosa.
O garoto passou um dos braços maciços de Duda por cima dos próprios ombros e arrastou-o em direção à rua, ligeiramente curvado sob o peso. A Sra. Figg acompanhou-os com passos vacilantes, espiando, ansiosa, pela esquina.
— Mantenha a varinha preparada — recomendou a Harry ao entrarem na Alameda das Glicínias. — Não se preocupe com o Estatuto de Sigilo agora, de qualquer jeito vai haver uma confusão dos diabos, e é melhor sermos enforcados por causa de um dragão do que por um ovo. E ainda falam da Restrição à Prática de Magia por Menores... era exatamente disso que o Dumbledore tinha medo... Que é aquilo ali no fim da rua? Ah, é só o Sr. Prentice... não guarde a sua varinha, menino, quantas vezes já lhe disse que não sirvo para nada?
Não era fácil empunhar a varinha com firmeza e ao mesmo tempo arrastar Duda. Harry deu uma cotovelada impaciente nas costelas do primo, mas ele parecia ter perdido toda a vontade de se movimentar sozinho. Estava derreado no ombro de Harry, arrastando os pés enormes pelo chão.
— Por que a senhora não me contou que era quase bruxa, Sra. Figg? — perguntou Harry, ofegando com o esforço de continuar andando. — Todas aquelas vezes que fui à sua casa... por que a senhora não falou nada?
— Ordens do Dumbledore. Era para eu ficar de olho em você, mas sem dizer nada, você era muito criança. Desculpe ter sido tão chata, Harry, mas os Dursley nunca o teriam deixado me visitar se achassem que você estava se divertindo. Não foi fácil, sabe... mas, minha nossa — exclamou ela tragicamente, torcendo as mãos —, quando Dumbledore souber — como é que o Mundungo pôde sair, devia ter ficado de serviço até à meia-noite — onde é que ele se meteu? Como é que vou contar ao Dumbledore o que aconteceu? Não sei aparatar.
— Eu tenho uma coruja, posso lhe emprestar. — Harry gemeu, receando que sua coluna se partisse sob o peso do primo.
— Harry, você não entende! Dumbledore vai precisar agir o mais rápido possível, o Ministério tem meios próprios de detectar mágicas realizadas por menores, eles já sabem, pode escrever o que estou dizendo.
— Mas eu estava me livrando dos dementadores, tinha de usar magia: com certeza estariam mais preocupados se os dementadores estivessem andando pela Alameda das Glicínias.
— Ah, querido, eu gostaria que fosse assim, mas receio... MUNDUNGO FLETCHER, EU VOU MATAR VOCÊ!
Ouviu-se um grande estalo, e um forte cheiro de bebida misturado ao de fumo curtido impregnou o ar quando um homem atarracado, com a barba por fazer, e vestindo um casaco esfarrapado, se materializou diante do grupo. Tinha pernas curtas e arqueadas, cabelos ruivos e desgrenhados, olhos empapuçados e vermelhos que lhe davam a aparência triste de um cão de caçar lebres. Trazia também nas mãos um embrulho prateado que Harry reconheceu na mesma hora como uma Capa da Invisibilidade.
— Alguma novidade, Figgy? — perguntou ele olhando da velhota para Harry e deste para Duda. — Que aconteceu com a sua vigilância secreta?
— Vou lhe mostrar a vigilância secreta! — exclamou a Sra. Figg. — Dementadores, seu ladrãozinho imprestável e golpista!
— Dementadores? — repetiu Mundungo, horrorizado. — Dementadores, aqui?
— Aqui, seu monte inútil de bosta de morcego, aqui! — gritou ela. — Dementadores atacando o garoto no seu turno de serviço!
— Pombas — praguejou Mundungo baixinho, olhando da Sra. Figg para
Harry e de volta à mulher. — Pombas, eu...
— E você à solta pelo mundo comprando caldeirões roubados! Eu não lhe disse para não ir? Não disse?
— Eu... bem... — Mundungo parecia profundamente constrangido. — Era um ótimo negócio, entende...
A Sra. Figg ergueu o braço em que trazia pendurada uma saca metálica, deu impulso e meteu-a na cara e no pescoço do bruxo; a julgar pelo barulho que a saca fez, estava cheia de comida de gato.
— Ai... pára com isso... pára com isso, sua velha caduca! Alguém vai ter de contar ao Dumbledore!
— E... vai... mesmo! — berrou a Sra. Figg, batendo com a saca de comida de gato em todas as partes do corpo de Mundungo ao seu alcance. — E... é... melhor... que... seja... você... e pode contar a ele... por... que... não... estava... aqui... para... ajudar!
— Não precisa se descabelar! — disse Mundungo, erguendo os braços para proteger a cabeça e encolhendo o corpo. — Eu vou, eu vou!
E, com outro estalo forte, ele desapareceu.
— Espero que o Dumbledore mate ele! — exclamou a Sra. Figg, furiosa. — Agora vamos Harry, que é que você está esperando?
Harry decidiu não gastar o fôlego que lhe restava para explicar que mal conseguia andar sob o peso de Duda. Puxou o primo semi-inconsciente mais para cima e prosseguiu cambaleando.
— Vou levar você até a porta — disse a Sra. Figg, quando entraram na Rua dos Alfeneiros. — Para o caso de haver mais deles por aí... ah, minha nossa, que catástrofe... e você precisou enfrentá-los sozinho... e Dumbledore disse que tínhamos de impedi-lo de fazer mágicas a todo custo... bem, não adianta chorar a poção derramada... agora o gato está solto no meio dos diabretes.
— Então — ofegou Harry — Dumbledore... mandou... gente me seguir?
— É claro — respondeu a velhota, impaciente. — Você esperava que o deixasse andar por aí sozinho depois do que aconteceu em junho? Meu Deus, garoto, me disseram que você era inteligente... certo... agora entre em casa e não saia mais — recomendou ela, quando chegaram ao número quatro. — Imagino que não vai demorar muito para alguém entrar em contato com você.
— Que é que a senhora vai fazer? — perguntou Harry depressa.
— Vou direto para casa — respondeu a velhota, correndo o olhar pela rua e estremecendo. — Preciso aguardar mais instruções. Não saia de casa. Boa noite.
— Não vá, fique mais um pouco. Eu quero saber...
Mas a Sra. Figg já se fora, apressada, as pantufas batendo contra os calcanhares, a saca retinindo.
— Espere! — gritou o garoto. Tinha mil perguntas para fazer a quem estivesse em contato com Dumbledore; mas em segundos a velhota foi engolida pela escuridão. Contrariado, ele tornou a ajeitar Duda sobre os ombros e continuou, lenta e penosamente, em direção à entrada de casa.
A luz do hall estava acesa. Harry tornou a guardar a varinha no cós das jeans, tocou a campainha e observou a silhueta de tia Petúnia ir crescendo, estranhamente distorcida pelo vidro ondulado da porta.
— Duzinho! Até que enfim, eu já estava ficando muito... muito... Duzinho, que é que você tem?
Harry olhou de esguelha para Duda e saiu de baixo dele bem a tempo. O primo oscilou por um momento no mesmo lugar, o rosto verde pálido... então abriu a boca e vomitou no capacho da entrada.
— DUZINHO! Duzinho!, que é que você tem? Válter? VÁLTER!
O tio de Harry acorreu da sala de estar, gingando o corpo pesado, bigodão de morsa sacudindo para cá e para lá como sempre fazia quando estava agitado.
Válter apressou-se a ajudar Petúnia a manobrar o filho de joelhos bambos pelo portal, ao mesmo tempo que evitava pisar na poça de vômito.
— Ele está passando mal, Valter!
— Que foi, filho? Que aconteceu? A Sra. Polkiss lhe serviu alguma coisa exótica para o chá?
— Por que é que você está todo sujo, querido? Andou deitando no chão?
— Espere aí: você não foi assaltado, foi, filho? Tia Petúnia gritou:
— Chame a polícia, Valter! Chame a polícia! Duzinho, querido, fale com a mamãe! Que foi que fizeram com você?
Durante todo esse alvoroço, ninguém pareceu ter reparado em Harry, o que lhe convinha perfeitamente. Conseguiu deslizar pela porta pouco antes do tio
Valter batê-la e, enquanto os Dursley avançavam atropeladamente pelo corredor da cozinha, Harry prosseguiu, cauteloso e em silêncio, em direção à escada.
— Quem fez isso, filho? Diga os nomes. Vamos pegá-los, não se preocupe.
— Psiu! Ele está tentando falar alguma coisa, Valter! Que foi, Duzinho? Conte pra mamãe!
O pé de Harry estava no primeiro degrau da escada quando Duda recuperou a voz.
— Ele.
Harry congelou, o pé na escada, o rosto contraído, preparando-se para a explosão.
— MOLEQUE! VENHA JÁ AQUI!
Com uma sensação em que se misturavam o medo e a raiva, Harry tirou o pé da escada e se virou para acompanhar os Dursley.
A cozinha escrupulosamente limpa tinha um brilho irreal depois da escuridão da rua. Tia Petúnia levou Duda para uma cadeira; ele continuava verde e suado. Tio Valter parou diante do escorredor de pratos e encarou Harry com seus olhos miúdos apertados.
— Que foi que você fez com o meu filho? — perguntou com um rosnado ameaçador.
— Nada — respondeu o garoto, sabendo perfeitamente bem que o tio não acreditaria.
— Que foi que ele fez com você, Duzinho? — indagou Petúnia com a voz trêmula, agora limpando o vômito da frente do blusão de couro do filho. — Foi... foi você-sabe-o-quê, querido? Ele usou... a coisa dele?
Lenta e tremulamente, Duda concordou com a cabeça.
— Não usei! — disse Harry com rispidez, enquanto tia Petúnia deixava escapar um guincho e o marido erguia os punhos. — Eu não fiz nada com ele, não fui eu, foi...
Mas, naquele exato momento, uma coruja-das-torres adentrou a janela da cozinha. Passando de raspão por cima da cabeça do tio Valter, a ave voou pela cozinha, largou aos pés de Harry um grande envelope de pergaminho que trazia no bico, fez uma volta graciosa, as pontas das asas apenas roçando o topo da geladeira, e, em seguida, tornou a sair para o jardim.
— CORUJAS! — urrou tio Valter, a grossa veia em sua têmpora pulsando de cólera ao bater a janela da cozinha. — CORUJAS OUTRA VEZ! NÃO VOU
MAIS PERMITIR CORUJAS EM MINHA CASA!
Mas Harry já estava abrindo o envelope e puxando a carta que havia dentro, seu coração palpitava com força como se estivesse no pomo-de-adão.
Prezado Sr. Potter,
Chegou ao nosso conhecimento que V. Sª executou o Feitiço do Patrono às vinte e uma horas e vinte e três minutos de hoje em uma área habitada por trouxas e em presença de um deles.
A gravidade dessa violação do Decreto de Restrição à Prática de Magia por Menores acarretará sua expulsão da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Representantes do Ministério irão procurá-lo em sua residência nos próximos dias para destruir sua varinha.
Como V. Sª já recebeu um aviso oficial por uma infração anterior a Seção 13 do Estatuto de Sigilo em Magia da Confederação Internacional de Bruxos, lamentamos informar que deverá comparecer a uma audiência disciplinar no Ministério da Magia às nove horas do dia doze de agosto.
Fazemos votos que esteja bem,
Atenciosamente,
Mafalda Hopkirk
Seção de Controle do Uso Indevido de Magia
Ministério da Magia
Harry leu a carta inteira duas vezes. Tinha apenas uma vaga consciência de que os tios continuavam falando. Em sua cabeça, tudo ficou congelado e insensível. Um único fato penetrara sua consciência como um dardo paralisante. Fora expulso de Hogwarts. Tudo terminara. Nunca mais poderia voltar.
Ele ergueu os olhos para os Dursley. O tio, de cara púrpura, gritava com os punhos ainda erguidos. A tia passara os braços em torno de Duda, que voltara a vomitar.
O cérebro temporariamente estupidificado de Harry pareceu despertar. Representantes do Ministério irão procurá-lo em sua residência nos próximos dias para destruir sua varinha. Só havia uma solução. Teria de fugir — agora. Para onde, ele não sabia, mas estava certo de uma coisa: em Hogwarts ou fora da escola, precisava da varinha. Em um estado de quase-devaneio, puxou a varinha e virou-se para sair da cozinha.
— Aonde é que você pensa que vai? — berrou o tio Válter. Como o garoto não respondesse, ele avançou decidido pela cozinha para bloquear a saída para o corredor. — Ainda não terminei com você, moleque!
— Sai do meu caminho — disse Harry com a voz controlada.
— Você vai ficar aqui e explicar por que o meu filho...
— Se o senhor não sair do meu caminho vou lhe lançar um feitiço — ameaçou
Harry, erguendo a varinha.
— Não pense que me engana com essa conversa — vociferou o tio. — Eu sei que você não tem permissão de usar magia fora daquele hospício que chama de escola!
— O hospício acaba de me expulsar. Por isso posso fazer o que bem entender. O senhor tem três segundos. Um... dois...
Um forte estampido ecoou na cozinha. Tia Petúnia gritou. Tio Válter berrou e se abaixou, e pela terceira vez naquela noite Harry ficou procurando a fonte de um ruído que não fizera. Localizou-a imediatamente: uma coruja-das-igrejas, tonta e arrepiada, estava pousada do lado de fora do peitoril da cozinha, pois acabara de colidir com a janela fechada.
Sem se importar com o berro angustiado do tio, "CORUJAS!", Harry atravessou correndo o aposento e escancarou a janela. A ave esticou a perna, à qual estava preso um pequeno rolo de pergaminho, sacudiu as penas e levantou vôo assim que Harry desprendeu a carta. As mãos trêmulas, o garoto desenrolou esta segunda mensagem, escrita apressadamente, a tinta preta meio borrada.
Harry,
Dumbledore acabou de chegar ao Ministério e está tentando resolver o problema. NÃO DEIXE A CASA DOS SEUS TIOS. NÃO FAÇA MAIS NENHUMA MÁGICA. NÃO ENTREGUE SUA VARINHA.
Arthur Weasley
Dumbledore estava tentando resolver o problema... que significava isso? Que poder tinha Dumbledore para se sobrepor ao Ministério da Magia? Havia talvez uma chance de voltar a Hogwarts? Um brotinho de esperança começou a nascer no peito de Harry, mas quase imediatamente foi sufocado pelo pânico — como iria se negar a entregar a varinha sem usar a magia? Teria de duelar com os representantes do Ministério e, se fizesse isso, teria sorte de não acabar em Azkaban, isso sem falar na expulsão.
Seus pensamentos voavam... poderia tentar fugir e se arriscar a ser capturado pelo Ministério ou ficar parado e esperar que o encontrassem ali. Sentia-se muito mais tentado pela primeira hipótese, mas sabia que o Sr. Weasley queria o seu bem... e, afinal de contas, Dumbledore já resolvera antes problemas muito piores.
— Tudo bem — disse Harry —, mudei de idéia, vou ficar. Largou-se então à mesa da cozinha e encarou Duda e a tia. Os Dursley pareciam surpresos com sua repentina mudança de idéia. A tia olhou desesperada para o marido. A veia na têmpora do tio Válter pulsava mais que nunca.
— De quem são todas essas corujas? — rosnou ele.
— A primeira era do Ministério da Magia, comunicando minha expulsão — explicou Harry calmamente. Apurava os ouvidos para os ruídos lá fora, tentando identificar se os representantes do Ministério estariam chegando, e era mais fácil e mais silencioso responder às perguntas do tio do que fazê-lo se enfurecer e berrar. — A segunda foi do pai do meu amigo Rony, que trabalha no Ministério.
— Ministério da Magia? — berrou o tio. — Gente de sua laia no governo! Ah, isso explica tudo, tudo mesmo, não admira que o país esteja indo para o brejo.
Como Harry não reagiu, o tio olhou-o zangado e bufou:
— E por que é que você foi expulso?
— Porque usei a magia.
— Ah-ah! — rugiu o tio, dando um murro em cima da geladeira, que se abriu; vários lanchinhos de baixa caloria de Duda caíram e se espatifaram no chão. — Então você admite! Que foi que você fez com o Duda?
— Nada — falou Harry um pouco menos calmo. — Não fui eu...
— Foi — murmurou Duda inesperadamente e, na mesma hora, os pais fizeram acenos para Harry calar a boca, curvando-se para o filho.
— Vamos, filho — disse tio Válter —, que foi que ele fez?
— Diga pra gente, querido — sussurrou tia Petúnia.
— Apontou a varinha para mim — balbuciou o garoto.
— Foi, fiz isso sim, mas não a usei... — Harry começou a dizer aborrecido, mas...
— CALE A BOCA! — berraram os tios em uníssono.
— Continue, filho — repetiu o tio Válter, sua bigodeira esvoaçando furiosamente.
— Tudo ficou escuro — disse Duda, estremecendo. — Tudo escuro. Então eu ouv-vi... coisas. Dentro da minha c-cabeça.
Tio Válter e tia Petúnia se entreolharam cheios de horror. Se a coisa de que menos gostavam na vida era a magia — seguida de perto por vizinhos que burlavam mais do que eles a proibição de usar mangueiras —, gente que ouvia vozes decididamente ficava entre as dez últimas. Obviamente acharam que Duda estava perdendo o juízo.
— Que tipo de coisas você ouviu, fofinho? — sussurrou tia Petúnia, o rosto muito pálido e lágrimas nos olhos.
Mas Duda parecia incapaz de responder. Estremeceu de novo e sacudiu sua enorme cabeça loura e, apesar da sensação entorpecida de pavor que se instalara em Harry desde a chegada da primeira coruja, ele sentiu uma certa curiosidade. Os dementadores faziam a pessoa reviver os piores momentos da vida. Que é que o mal-acostumado, mimado, implicante Duda fora obrigado a ouvir?
— Como foi que você caiu, filho? — perguntou tio Válter, em um tom calmo e anormal, o tom que se adotaria à cabeceira de alguém muito doente.
— T-tropecei — gaguejou Duda. — E aí...
Ele apontou para o peito maciço. Harry compreendeu que o primo estava revivendo o frio pegajoso que invadira seus pulmões quando a esperança e a felicidade foram arrancadas dele.
— Horrível — comentou com a voz rouca. — Frio. Realmente frio.
— Tudo bem — disse o pai, esforçando-se para falar com calma, enquanto sua mulher, ansiosa, levava a mão à testa de Duda para sentir sua temperatura. — Que aconteceu então, Duda?
— Senti... senti... senti... como se... como se...
— Como se jamais fosse voltar a ser feliz — completou Harry sem emoção.
— Foi — sussurrou o primo, ainda tremendo.
— Então! — disse tio Válter, a voz recuperando seu completo e sonoro volume, endireitando-se. — Você lançou um feitiço maluco no meu filho para que ele ouvisse vozes e acreditasse que estava... condenado a ser infeliz ou outra coisa do gênero, foi isso que fez?
— Quantas vezes vou precisar repetir? — disse Harry, a voz e a raiva aumentando. — Não fui eu! Foram dois dementadores!
— Dois o quê?... que tolice é essa?
— De-men-ta-do-res — disse o garoto lenta e claramente. — Dois.
— E que diabo são dementadores?
— São os guardas da prisão dos bruxos, Azkaban — disse tia Petúnia.
Dois segundos de retumbante silêncio seguiram-se a essas palavras antes que Tia Petúnia levasse a mão à boca como se tivesse deixado escapar um palavrão. Tio Válter arregalou os olhos para a mulher. O cérebro de Harry rodopiou. A Sra. Figg era uma coisa — mas a tia Petúnia?
— Como é que você sabe disso? — perguntou-lhe o marido, perplexo.
Tia Petúnia pareceu muito espantada consigo mesma. Olhou para o marido num pedido mudo de desculpas, depois baixou um pouquinho a mão mostrando seus dentes cavalares.
— Ouvi... aquele rapaz horrível... contando a ela sobre os guardas... há muitos
anos — respondeu sem jeito.
— Se a senhora está se referindo à minha mãe e ao meu pai, por que não diz o nome deles? — protestou Harry em voz alta, mas a tia não lhe deu atenção. Parecia extremamente embaraçada.
Harry ficou aturdido. Exceto por um desabafo há muitos anos, durante o qual a tia gritara que a mãe dele era anormal, o garoto nunca a ouvira mencionar a irmã. Espantava-se que ela tivesse guardado durante tanto tempo essa pequena informação sobre o mundo da magia, quando em geral concentrava todas as suas energias em fingir que ele não existia.
Tio Válter abriu a boca, tornou a fechá-la, depois, aparentemente se esforçando para se lembrar de como falar, abriu-a uma terceira vez e disse, rouco:
— Então... então... eles... hum... eles... hum... eles realmente existem, esses...
hum... esses tais de dementis ou lá o que sejam?
Tia Petúnia concordou com um aceno de cabeça.
Válter olhou da mulher para o filho e dele para o sobrinho, como se esperasse alguém gritar "Primeiro de abril!". Mas como ninguém gritou, ele tornou a abrir a boca, mas foi-lhe poupado o trabalho de encontrar palavras pela chegada da terceira coruja da noite. Ela entrou com a velocidade de um bólide emplumado pela janela ainda aberta e pousou com estardalhaço na mesa da cozinha, fazendo os três Dursley pularem de susto. Harry puxou um segundo envelope de aspecto oficial do bico da coruja e abriu-o, enquanto a ave arrancava de volta à noite.
— Chega... pombas... dessas corujas — resmungou o tio distraído, dirigindo-se decidido à janela e fechando-a com violência.
Prezado Sr. Potter,
Em aditamento a nossa carta enviada há aproximadamente vinte e dois minutos, o Ministério da Magia revisou a decisão de destruir a sua varinha imediatamente. V. Sª poderá conservá-la até a audiência disciplinar marcada para o dia doze de agosto, ocasião em que tomaremos uma decisão oficial.
Após discutir o assunto com o diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, o Ministério concordou que a questão de sua expulsão será igualmente decidida na mesma oportunidade. V. Sª deverá, portanto, considerar-se suspenso da escola até o término das investigações.
Com os nossos melhores votos,
Atenciosamente,
Mafalda Hopkirk
Seção de Controle do Uso Indevido de Magia
Ministério da Magia
Harry leu esta carta do princípio ao fim três vezes seguidas. O aperto de infelicidade em seu peito diminuiu um pouquinho ao saber que não estava definitivamente expulso, embora os seus temores não estivessem de modo algum extintos. Tudo parecia estar dependendo dessa tal audiência do dia doze de agosto.
— E então? — perguntou o tio Válter, chamando o sobrinho de volta à cozinha. — E agora? Eles o condenaram a alguma coisa? Gente de sua laia tem sentença de morte? — perguntou esperançoso.
— Tenho de comparecer a uma audiência — respondeu Harry.
— E lá você vai receber a sentença?
— Imagino que sim.
— Então ainda tenho esperanças — comentou o tio perversamente.
— Bom, se já acabou — disse Harry se levantando. Estava doido para se isolar, pensar, talvez mandar cartas a Rony, Hermione e Sirius.
— NÃO, É CLARO QUE NÃO ACABEI, POMBAS! — berrou o tio. — SENTE-SE OUTRA VEZ!
— E agora é o quê? — perguntou Harry impaciente.
— DUDA! — vociferou o tio. — Quero saber exatamente o que aconteceu com o meu filho!
— ÓTIMO! — berrou Harry, e era tanta a raiva que centelhas vermelhas e douradas dispararam da ponta da varinha que ainda segurava na mão. Os três
Dursley se encolheram, parecendo aterrorizados. — Duda e eu íamos pela travessa entre o largo das Magnólias e a Alameda das Glicínias — contou
Harry depressa, procurando não se zangar. — Duda achou que podia se fazer de engraçadinho comigo, saquei a minha varinha, mas não a usei. Então apareceram dois dementadores...
— Mas o que SÃO dementóides? — perguntou o tio, agressivo. — Que é que eles FAZEM?
— Eu já disse: chupam a felicidade que a pessoa traz dentro dela e, se têm uma chance, lhe dão um beijo...
— Dão um beijo? — repetiu o tio, com os olhos saltando ligeiramente. — Dão um beijo?
— É como se diz quando eles sugam a alma de uma pessoa pela boca.
Tia Petúnia deixou escapar um gritinho.
— A alma de Duda? Eles não tiraram... ele ainda tem a alma... Ela agarrou o filho pelos ombros e sacudiu-o, como se quisesse verificar se ainda conseguia ouvir o barulho da alma chocalhando dentro dele.
— É claro que não tiraram a alma dele, a senhora veria se tivessem feito isso — disse Harry, exasperado.
— Você os afugentou, não foi, filho? — falou tio Válter muito alto, passando a impressão de alguém que lutava para trazer a conversa de volta a um plano que pudesse entender. — Meteu-lhes dois socos seguidos, não foi?
— Não se pode meter dois socos seguidos em um dementador – disse Harry cerrando os dentes.
— Então por que é que ele continua normal? — esbravejou o tio Válter. — Por que é que não ficou completamente oco?
— Porque eu usei o Patrono...
VUUUUUUM. Com um estrépito, um bater de asas e uma chuva fina de poeira, uma quarta coruja precipitou-se da chaminé da cozinha.
— PELO AMOR DE DEUS! — rugiu tio Válter, arrancando grandes chumaços de pêlos do bigode, coisa que não o compeliam a fazer havia muito tempo. —
NÃO QUERO CORUJAS AQUI DENTRO, NÃO VOU TOLERAR ISSO, JÁ
DISSE!
Mas Harry já estava soltando um rolo de pergaminho da perna da coruja. Estava tão convencido de que a carta só podia ser de Dumbledore, explicando tudo — os dementadores, a Sra. Figg, o que o Ministério ia fazer, como ele, Dumbledore, pretendia resolver tudo — que pela primeira vez na vida ficou desapontado de reconhecer a letra de Sirius. Ignorando o sermão do tio sobre as corujas e apertando os olhos para se proteger de uma segunda nuvem de poeira quando esta última coruja tornou a subir pela chaminé, Harry leu a mensagem do padrinho.
Arthur acabou de nos contar o que aconteceu. Faça o que quiser, mas não saia mais de casa.
Harry achou a mensagem tão insuficiente depois de tudo que acontecera aquela noite que virou o pergaminho, procurando o resto da mensagem, mas não havia mais nada.
E agora sua irritação recomeçava a crescer. Será que ninguém ia dizer "muito bem" por ele ter afugentado sozinho dois dementadores? Tanto o Sr. Weasley quanto Sirius estavam agindo como se ele tivesse se comportado mal, e estavam guardando a bronca até se certificarem dos estragos que ele fizera.
— ... Uma vorreada, quero dizer, uma revoada de corujas entrando e saindo da minha casa. Não quero isso, moleque, não quero...
— Não posso impedir as corujas de virem — retrucou Harry com rispidez, amarrotando a carta de Sirius.
— Quero saber a verdade sobre o que aconteceu hoje à noite! — gritou o tio. — Se foram os demendores que atacaram Duda, como é então que você foi expulso? Você mesmo admitiu que fez você-sabe-o-quê!
Harry inspirou profundamente para se controlar. Sua cabeça estava começando a doer outra vez. Mais do que tudo no mundo, ele queria sair da cozinha e ficar longe dos Dursley.
— Executei o Feitiço do Patrono para me livrar dos dementadores — respondeu, fazendo força para manter a calma. — É a única coisa que funciona contra eles.
— Mas o que é que os dementóides estavam fazendo em Little Whinging? — perguntou tio Válter indignado.
— Não sei lhe responder — disse o menino desgostoso. — Não faço idéia.
Sua cabeça agora latejava à luz neon. Sua raiva ia desaparecendo. Sentia-se vazio, exausto. Os Dursley tinham os olhos fixos nele.
— É você — disse o tio com firmeza. — Tem alguma coisa a ver com você, moleque, eu sei que tem. Por que outra razão apareceriam aqui? Por que outra razão estariam naquela travessa? Você deve ser o único — o único... — evidentemente ele não conseguia se forçar a dizer a palavra "bruxo". — O único você-sabe-o-quê em um raio de quilômetros.
— Eu não sei por que eles estavam aqui.
Mas, ao ouvir as palavras do tio, o cérebro exausto de Harry voltou lentamente a entrar em ação. Por que os dementadores tinham vindo a Little Whinging? Como poderia ser coincidência que tivessem chegado à travessa em que Harry estava? Alguém os teria mandado? O Ministério da Magia teria perdido o controle sobre os dementadores? Eles teriam abandonado Azkaban e se juntado a Voldemort, como Dumbledore previra que fariam?
— Esses demembrados guardam uma prisão de gente esquisita? — perguntou o tio Válter, seguindo penosamente o raciocínio de Harry.
— Guardam.
Se ao menos sua cabeça parasse de doer, se ao menos ele pudesse simplesmente sair da cozinha e ir para o seu quarto escuro e pensar...
— Ahh! Eles vieram prender você! — disse o tio, com o ar triunfante de um homem que chega a uma conclusão incontestável. — É isso, não é, moleque? Você é um fugitivo da justiça!
— Claro que não sou — respondeu Harry, sacudindo a cabeça como se quisesse espantar uma mosca, o raciocínio agora em pleno funcionamento.
— Então por quê...?
— Ele deve ter mandado os dementadores — disse o menino em voz baixa, mais para si próprio do que para o tio.
— Que foi que você disse? Quem deve ter mandado os dementadores?
— Lord Voldemort.
Ele registrou vagamente como era estranho que os Dursley, que faziam caretas e estrilavam quando ouviam palavras como "bruxo", "magia" ou "varinha", pudessem ouvir o nome do bruxo mais diabólico de todos os tempos sem o mínimo tremor.
— Lord... espere aí — disse tio Válter, o rosto contraído, uma expressão de lento entendimento aparecendo em seus olhinhos suínos. — Já ouvi esse nome... não foi esse que...
— Matou meus pais, foi — respondeu Harry.
— Mas ele já se foi — disse tio Válter impaciente, sem a menor indicação de que a morte dos pais de Harry pudesse ser um assunto doloroso. — Aquele gigante falou. Ele se foi.
— Ele voltou — explicou o garoto, triste.
Era estranho estar parado ali na cozinha cirurgicamente limpa da tia Petúnia, ao lado de uma geladeira de último tipo e uma enorme tela de televisão, conversando calmamente com o tio sobre Lord Voldemort. A chegada dos dementadores a Little Whinging parecia ter rompido o grande muro invisível que separava o mundo implacavelmente não-mágico da rua dos Alfeneiros e o mundo além. As duas vidas de Harry de alguma forma haviam se fundido e tudo virara de cabeça para baixo; os Dursley estavam pedindo detalhes sobre o mundo mágico, e a Sra. Figg conhecia Dumbledore; os dementadores estavam circulando por Little Whinging, e ele talvez nunca mais voltasse a Hogwarts. Sua cabeça latejou com mais força, doendo ainda mais.
— Voltou? — sussurrou tia Petúnia.
Ela olhou para Harry como nunca o fizera antes. E, de repente, pela primeira vez na vida, Harry pôde apreciar inteiramente o fato de que Petúnia era irmã de sua mãe. Ele não sabia dizer por que isto o atingia com tanta força neste momento. Só sabia que não era a única pessoa naquele aposento a suspeitar o que poderia significar a volta de Lord Voldemort. Tia Petúnia jamais o olhara assim na vida. Seus grandes olhos claros (tão diferentes dos da irmã) não estavam apertados de contrariedade nem de raiva, estavam arregalados e cheios de medo. O fingimento inabalável que mantivera até ali — de que não havia magia e nenhum outro mundo além daquele que habitava com o marido — parecia ter ruído.
— Voltou — respondeu, dirigindo-se agora à tia. — Faz um mês que voltou. Eu o vi.
As mãos dela procuraram os ombros compactos do filho sob o blusão de couro e os apertaram.
— Espere aí — disse o tio, olhando da mulher para o sobrinho e mais uma vez para ela, aparentemente aturdido e confuso pela compreensão sem precedentes que parecia ter nascido entre eles. — Espere aí. Você está dizendo que esse tal Lord Vol das quantas voltou?
— É.
— O que matou seus pais? – É.
— E agora está mandando dementadores atrás de você?
— É o que parece.
— Entendo — disse o tio, olhando de Petúnia para Harry e puxando as calças para cima. Parecia estar inchando, seu enorme rosto púrpura começou a dilatar diante dos olhos do sobrinho. — Então está decidido — disse, a frente da camisa se esticando à medida que ele inchava —, pode sair desta casa, moleque!
— Quê? — exclamou Harry.
— Você me ouviu — SAIA! — berrou o tio, e até tia Petúnia e Duda pularam.
— FORA! FORA! Eu devia ter feito isso há muito tempo! As corujas tratam esta casa como se fosse um asilo, o pudim explode, metade da sala fica destruída, Duda cria rabo, Guida balança pelo teto e tem Ford Anglia voando — FORA! FORA! Acabou para você! Você agora pertence ao passado! Não vai continuar aqui se tem um maluco caçando você, não vai pôr em perigo a vida da minha mulher e do meu filho, não vai criar problemas para nós. Se vai seguir o mesmo caminho que aqueles inúteis dos seus pais, terminamos AQUI!
Harry ficou pregado no chão. As cartas do Ministério, do Sr. Weasley e de
Sirius amarrotadas em sua mão. Faça o que quiser, mas não saia de casa outra vez. NÃO SAIA DA CASA DOS SEUS TIOS.
— Você me ouviu! — disse tio Válter, curvando-se para o sobrinho e aproximando tanto o enorme rosto púrpura, que Harry chegou a sentir gotas de saliva baterem em seu rosto. — Agora vá andando! Há meia hora você estava muito ansioso para ir embora! Pois estou bem atrás de você! Saia e nunca mais volte a pisar a soleira desta casa! Não sei por que aceitamos você, para começar. Guida tinha razão, você deveria ter ido para um orfanato.
Tivemos o coração mole demais para o nosso próprio bem, pensamos que podíamos arrancar essa coisa de dentro de você, que podíamos transformá-lo em um garoto normal, mas você estava bichado desde o começo, e para mim chegou — corujas!
A quinta coruja entrou tão vertiginosamente pela chaminé que bateu no chão e soltou um pio forte antes de voltar ao ar. Harry ergueu a mão para agarrar a carta em um envelope vermelho, mas a ave passou por cima dele e voou até tia Petúnia, que deixou escapar um berro e se abaixou protegendo o rosto com os braços. A coruja soltou o envelope na cabeça dela, fez a curva e tornou a voar direto para a chaminé.
Harry correu para apanhar a carta, mas Petúnia chegou primeiro.
— A senhora pode abrir, se quiser, mas de qualquer maneira eu vou ouvir o que a carta diz. É um berrador.
— Largue isso, Petúnia! — rugiu o tio. — Não toque, pode ser perigoso.
— Está endereçada a mim — disse ela com a voz trêmula. — Está endereçada a mim, Válter, olhe! Sra. Petúnia Dursley, rua dos Alfeneiros, Número Quatro,
Cozinha...
Ela prendeu a respiração, horrorizada. O envelope vermelho começara a fumegar.
— Abre! — apressou-a Harry. — Acaba logo com isso! O envelope vai se abrir mesmo.
— Não.
A mão de tia Petúnia tremia. Ela olhava a esmo pela cozinha como se procurasse uma saída para fugir, mas tarde demais — o envelope pegou fogo.
Com um grito, tia Petúnia largou-o no chão.
Uma voz horrível saiu da carta em chamas e ecoou pelo aposento fechado.
— Lembre-se da última, Petúnia.
Petúnia pareceu que ia desmaiar. Afundou na cadeira ao lado de Duda, o rosto nas mãos. A carta se consumiu silenciosamente e só restaram cinzas.
— Que foi isso? — perguntou tio Válter rouco. — Quê... eu não... Petúnia?
Tia Petúnia não respondeu, Duda olhou abobado para a mãe, boquiaberto. O silêncio parecia subir em espirais. Harry observou a tia, atônito, sua cabeça latejando tanto que parecia que ia explodir.
— Petúnia, querida? — chamou tio Válter timidamente. — Petúnia?
Ela ergueu a cabeça. Ainda tremia. Engoliu em seco.
— O garoto... o garoto terá de ficar, Válter — disse ela com a voz fraca.
— Q-quê?
— Ele fica — disse Petúnia sem olhar para Harry. Pôs-se de pé.
— Ele... mas Petúnia...
— Se nós o atirarmos na rua, os vizinhos vão falar. — Depressa ela foi recuperando os seus modos secos e meio ríspidos, embora continuasse muito pálida. — Vão fazer perguntas embaraçosas, vão querer saber que fim levou. Teremos de ficar com ele.
Tio Válter começou a murchar como um pneu velho.
— Mas, Petúnia, querida...
Petúnia não lhe deu atenção. Virou-se para Harry.
— Você vai ficar no seu quarto — disse. — Não pode sair de casa. Agora vá se deitar.
Harry não se mexeu.
— De quem era o berrador?
— Não faça perguntas — retorquiu asperamente a tia.
— A senhora tem contato com os bruxos?
— Eu disse para você ir se deitar!
— Que queria dizer o berrador? Lembre-se da última o quê?
— Vá se deitar!
— Como...?
— VOCÊ OUVIU O QUE SUA TIA FALOU, AGORA VÁ SE DEITAR!