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Unknown
junho 04, 2014
Capítulo 5
— Sua...?— É, minha velha e querida mamãe — confirmou Sirius. — Faz um mês que estamos tentando tirá-la daí, mas achamos que ela pôs um Feitiço Adesivo
Permanente atrás do quadro. Vamos descer, depressa, antes que os outros acordem novamente.
— Mas o que é que um retrato de sua mãe está fazendo aqui? — perguntou
Harry, espantado, quando passaram por uma porta do corredor que dava acesso a uma escada, acompanhados de perto pelos demais.
— Ninguém lhe contou? Esta era a casa dos meus pais. Mas sou o último Black vivo, por isso ela agora é minha. Eu a ofereci a Dumbledore para usar como sede: acho que foi a única coisa útil que pude fazer até o momento.
Harry, que esperara uma recepção mais calorosa, reparou que a voz de Sirius parecia dura e amargurada. Ele acompanhou o padrinho e, ao fim da escada, passaram por uma porta que se abria para a cozinha do porão.
Não era menos sombria do que o corredor acima, um aposento cavernoso com paredes de pedra bruta. Quase toda a iluminação vinha de um grande fogão
ao fundo. Fumaça de cachimbo pairava no ar como a névoa escura sobre um campo de batalha, e nela avultavam as formas ameaçadoras de tachos e panelas penduradas no teto escuro. Muitas cadeiras tinham sido amontoadas no aposento para a reunião e no meio havia uma longa mesa de madeira, coalhada de rolos de pergaminho, cálices, garrafas de vinho vazias e algo que parecia uma pilha de trapos. O Sr. Weasley e seu filho mais velho, Gui, estavam conversando em voz baixa com as cabeças juntas a uma ponta da mesa.
A Sra. Weasley pigarreou. O marido, um homem magro, óculos com aros de tartaruga e cabelos ruivos que começavam a ralear, olhou para os lados e imediatamente se levantou.
— Harry! — exclamou o Sr. Weasley, apressando-se a cumprimentar o garoto, cujas mãos apertou com força. — Que bom ver você.
Por cima do ombro dele, Harry viu Gui, que ainda usava cabelos longos presos em um rabo-de-cavalo, enrolar as folhas de pergaminho deixadas sobre a mesa.
— Boa viagem, Harry? — perguntou Gui, tentando recolher doze pergaminhos de uma só vez. — Então Olho-Tonto não obrigou vocês a passar pela Groenlândia?
— Ele bem que tentou — respondeu Tonks, se aproximando para ajudar Gui, e, logo em seguida, virando uma vela em cima do último rolo. — Ah não... me desculpe...
— Aqui, querido — disse a Sra. Weasley, exasperada, consertando o pergaminho com um aceno da varinha. No lampejo de luz produzido pelo feitiço, Harry vislumbrou algo que parecia a planta de uma construção.
A Sra. Weasley o viu olhar. Recolheu com violência a planta da mesa e meteu-a nos braços sobrecarregados de Gui.
— Essas coisas deveriam ser retiradas assim que terminam as reuniões — disse com rispidez, antes de se dirigir em grandes passadas a um armário antigo de onde começou a retirar pratos de jantar.
Gui puxou a própria varinha e murmurou "Evanesco!", ao que os rolos desapareceram.
— Sente-se, Harry — disse Sirius. — Você já conhece Mundungo, não?
A coisa que Harry pensara ser uma pilha de trapos soltou um ronco prolongado, em seguida acordou com um estremeção.
— Alguém falou meu nome? — resmungou Mundungo sonolento. —
Concordo com Sirius... — E ergueu a mão encardida no ar como se estivesse votando, as pálpebras pesadas e os olhos vermelhos fora de foco.
Gina abafou umas risadinhas.
— A reunião terminou, Dunga — avisou Sirius, enquanto todos se acomodavam ao redor da mesa. — Harry chegou.
— Hein? — disse Mundungo, espiando malignamente por entre os cabelos ruivos embaraçados. — Não é que chegou mesmo! Caramba... você está bem, Arry?
— Estou.
Mundungo apalpou os bolsos, nervoso, ainda olhando para Harry, e puxou um cachimbo preto recoberto por uma camada de sujeira. Meteu-o na boca, acendeu a ponta com a varinha e chupou-o longamente. Enormes nuvens redondas de fumaça esverdeada o envolveram em segundos.
— Estou devendo desculpas a você — grunhiu uma voz no meio da nuvem de fumaça fedorenta.
— Pela última vez, Mundungo — chamou a Sra. Weasley — por favor, não fume essa coisa na cozinha, principalmente antes de comermos!
— Ah — exclamou o bruxo. — Certo. Desculpe, Molly.
A nuvem de fumaça desapareceu no que Mundungo repôs o cachimbo no bolso, mas um cheiro acre de meias queimadas permaneceu no ar.
— E se vocês quiserem comer antes da meia-noite, vou precisar de ajuda — anunciou a Sra. Weasley a todos na cozinha. — Não, você pode ficar onde está, Harry querido, fez uma viagem muito longa.
— Em que posso ajudar, Molly? — perguntou Tonks, adiantando-se entusiasmada.
A Sra. Weasley hesitou, parecendo apreensiva.
— Hum... não, tudo bem, Tonks, você também precisa descansar, já fez o suficiente hoje.
— Não, não, quero ajudar! — insistiu a bruxa, animada, derrubando uma cadeira ao se precipitar para o armário, no qual Gina apanhava talheres.
Logo, uma coleção de facas estava cortando carne e hortaliças sozinhas, supervisadas pela Sra. Weasley, enquanto ela mexia um caldeirão pendurado sobre as chamas e os demais apanhavam, na despensa, pratos, mais cálices e comida. Harry foi deixado à mesa com Sirius e Mundungo, que ainda piscava os olhos pesarosos para o garoto.
— Viu a velha Figg depois daquele dia? — perguntou.
— Não — disse Harry —, não a vi mais.
— Entendo, eu não teria saído — disse Mundungo, curvando-se para frente, com um tom de súplica na voz —, mas tive uma oportunidade para fazer um negócio...
Harry sentiu uma coisa roçar em seus joelhos e se assustou, mas era só o Bichento, o gato amarelo, de pernas arqueadas, de Hermione, que contornou as pernas do garoto, ronronando, e em seguida saltou para o colo de Sirius e se enrascou. O bruxo, distraído, coçou atrás das orelhas do gato, ao mesmo tempo que se virava ainda sério para o afilhado.
— As férias foram boas até agora?
— Não, uma droga — disse Harry.
Pela primeira vez, a sombra de um sorriso perpassou o rosto de Sirius.
— Eu não sei do que você está se queixando.
— Quê? — exclamou Harry, incrédulo.
— Pessoalmente, eu teria recebido com prazer um ataque de dementadores.
Uma luta mortal pela minha alma teria quebrado essa monotonia numa boa.
Você acha que seu verão foi ruim, mas pelo menos você pôde sair, esticar as pernas, se meter em brigas... eu fiquei trancado aqui o mês inteiro.
— Como assim? — perguntou Harry, franzindo a testa.
— Porque o Ministério da Magia continua me caçando, e Voldemort, a esta altura, já sabe que sou um animago. Rabicho terá contado a ele, portanto o meu disfarce acabou. Não há muito que eu possa fazer pela Ordem da Fênix... ou pelo menos é o que pensa Dumbledore.
Havia alguma coisa no tom ligeiramente inexpressivo com que Sirius disse o nome de Dumbledore que deixou transparecer que ele também não estava muito feliz com o diretor. O garoto sentiu uma repentina afeição pelo padrinho.
— Pelo menos você acompanhou o que estava acontecendo — disse, à guisa de consolo.
— Ah, com certeza — respondeu Sirius sarcasticamente. — Escutando os relatórios de Snape, aturando as ironias dele de que está lá fora arriscando a vida enquanto eu estou aqui sentado no bem-bom... me perguntando como vai a limpeza...
— Que limpeza? — perguntou Harry.
— Estou procurando deixar a casa em condições de ser habitada por humanos
— explicou Sirius, abarcando com um gesto a cozinha sombria. — Ninguém mora aqui há dez anos, ou pelo menos desde que minha querida mãe faleceu, a não ser que se conte o velho elfo doméstico que a servia, e que já perdeu o juízo há muito tempo: não limpa nada há anos.
— Sirius — interrompeu-o Mundungo, que não parecia ter presta do atenção alguma à conversa, mas estivera examinando um cálice vazio. — Isto é prata maciça, cara?
— É — respondeu Sirius, avaliando o cálice com aversão. — A melhor prata lavrada por duendes no século XV, gravada com o brasão da família Black.
— Mas isso sai — murmurou Mundungo, polindo o brasão com o punho do casaco.
— Fred... Jorge... NÃO, É SÓ PARA CARREGAR AS COISAS! — gritou a Sra.
Weasley.
Harry, Sirius e Mundungo olharam para os lados e, em uma fração de segundo, mergulharam para longe da mesa. Fred e Jorge tinham enfeitiçado um caldeirão de ensopado, uma jarra de ferro com cerveja amanteigada e uma pesada tábua de cortar, inclusive com a faca, fazendo tudo voar pelo ar em direção à mesa. O caldeirão deslizou por toda a extensão da mesa e parou quase na ponta, deixando uma longa queimadura negra em sua superfície; a jarra caiu com estrépito, espalhando o conteúdo pela cozinha; a faca de pão escorregou da tábua e aterrissou, de ponta para baixo, agitando-se ameaçadoramente, no ponto exato em que a mão de Sirius estivera momentos antes.
— PELO AMOR DE DEUS! — bradou a Sra. Weasley. — NÃO HAVIA A MENOR NECESSIDADE — PARA MIM JÁ CHEGA — SÓ PORQUE AGORA VOCÊS TÊM PERMISSÃO PARA USAR MAGIA, NÃO PRECISAM PUXAR A VARINHA PARA TUDO!
— Só estamos tentando economizar tempo! — respondeu Fred, correndo a arrancar a faca de pão da mesa. — Desculpe, cara — disse a Sirius —, não tive...
Harry e Sirius riram; Mundungo, que caíra para trás, se levantou xingando; Bichento soltou um silvo raivoso e disparou para baixo do armário, de onde seus grandes olhos amarelos brilharam no escuro.
— Meninos — disse o Sr. Weasley, repondo o caldeirão no centro da mesa —, sua mãe tem razão, espera-se que vocês demonstrem responsabilidade, agora que são maiores de idade...
— Nenhum dos seus irmãos criou esse tipo de problema! — ralhou a Sra. Weasley com os gêmeos, batendo uma nova jarra de cerveja amanteigada na mesa com tanta força que quase derramou a mesma quantidade do líquido que os garotos. — Gui não sentia necessidade de aparatar a cada metro! Carlinhos não enfeitiçava tudo que via! Percy...
Ela parou de repente, para tomar fôlego, e lançou um olhar assustado ao marido, cuja expressão enrijecera repentinamente.
— Vamos comer — disse Gui depressa.
— Está com uma cara ótima, Molly — disse Lupin, servindo uma concha do ensopado em um prato e passando-o a ela, sentada à sua frente na mesa.
Durante alguns minutos fez-se silêncio, quebrado apenas pelo ruído dos pratos, talheres e cadeiras à medida que as pessoas se acomodavam para comer. Então a Sra. Weasley se dirigiu a Sirius.
— Estou querendo lhe falar há dias, tem alguma coisa presa na escrivaninha da sala de visitas, não pára de chocalhar e vibrar. É claro que pode ser apenas um bicho-papão, mas pensei que talvez devêssemos pedir a Alastor para dar uma espiada antes de soltarmos o que quer que seja.
— Como quiser — respondeu Sirius, indiferente.
— As cortinas de lá também estão cheias de fadas mordentes – continuou a
Sra. Weasley. — Pensei que a gente talvez pudesse tentar resolver o problema amanhã.
— Estou ansioso para começar — disse Sirius. Harry percebeu o sarcasmo na voz do padrinho, mas ficou em dúvida se todos o haviam percebido.
Em frente a Harry, Tonks divertia Hermione e Gina transformando o próprio nariz entre uma garfada e outra. Contraindo os olhos com a mesma expressão de dor que revelara no quarto de Harry, o nariz da bruxa inchou, formando uma espécie de protuberância alongada que lembrava o nariz do Snape, encolheu e se arredondou como um champignon e em seguida produziu uma quantidade de pêlos em cada narina. Aparentemente aquilo era uma diversão rotineira à hora da refeição, porque Hermione e Gina logo estavam pedindo que fizesse os narizes de que mais gostavam.
— Faz aquele que parece um focinho de porco, Tonks.
Tonks obedeceu, e Harry, erguendo os olhos, teve a momentânea impressão de que a versão feminina de Duda estava sorrindo para ele do lado oposto da mesa.
O Sr. Weasley, Gui e Lupin mantinham uma animada discussão sobre duendes.
— Eles ainda não estão revelando nada — dizia Gui. — Não cheguei à conclusão se acreditam ou não que ele retornou. Claro que talvez prefiram não tomar partido. Ficar de fora.
— Tenho certeza de que eles nunca se aliariam a Você-Sabe-Quem — falou o
Sr. Weasley, balançando a cabeça. — Eles também sofreram perdas; lembra aquela família de duendes que ele assassinou da outra vez, perto de
Nottingham?
— Acho que tudo depende do que oferecerem aos duendes — comentou Lupin.
— E não estou falando de ouro. Se oferecerem a liberdade que vimos negando a eles há séculos, ficarão tentados. Você ainda não teve sorte com o Ragnok, Gui?
— Ele está se sentindo muito antibruxo no momento — respondeu Gui. — Não parou de esbravejar sobre aquela história do Bagman, acha que o Ministério abafou o caso, os duendes nunca receberam o ouro prometido, sabe...
Uma onda de risadas na parte central da mesa abafou as palavras finais de
Gui. Os gêmeos, Rony e Mundungo estavam rolando de rir.
— ... e então — engasgou-se Mundungo, as lágrimas escorrendo pelo rosto —, e então, se dá para acreditar, ele olha para mim, e diz: "Me diz aqui, Dunga, onde foi que você arranjou todos esses sapos? Porque um filho da mãe foi e afanou os meus." E eu digo: "Afanou os seus sapos, cara, e agora? Então você vai querer mais alguns?" E se quiserem acreditar, rapazes, o burro do gárgula tornou a comprar de mim todos os sapos que tinham sido dele por um preço muito mais alto do que pagou da primeira vez.
— Acho que não precisamos continuar ouvindo os seus negócios, Mundungo — disse a Sra. Weasley rispidamente, enquanto Rony caía debruçado sobre a mesa de tanto rir.
— Desculpe, Molly — disse Mundungo na mesma hora, enxugando as lágrimas e piscando para Harry. — Mas, sabe, para começar o Will tinha afanado os sapos do Verruga, por isso eu não estava realmente fazendo nada errado.
— Não sei onde foi que você aprendeu o que é certo e errado, Mundungo, mas pelo jeito andou perdendo algumas aulas fundamentais — disse a Sra. Weasley com frieza.
Fred e Jorge enfiaram a cara nos cálices de cerveja amanteigada; Jorge estava com soluço. Por alguma razão, a Sra. Weasley lançou um olhar muito feio a Sirius antes de se levantar para buscar um grande pudim de ruibarbo. Harry virou-se para o padrinho.
— Molly desaprova o Mundungo — murmurou Sirius.
— Então como é que ele faz parte da Ordem? — perguntou Harry no mesmo tom.
— Ele é útil — murmurou Sirius. — Conhece todos os vigaristas — bem, é claro que sim, já que é um deles. Mas é também muito leal a Dumbledore, que certa vez o ajudou a sair de um apuro. Compensa ter alguém como Dunga por perto, ele ouve coisas que não ouvimos. Mas Molly acha que convidá-lo para jantar já é ir longe demais. Não o perdoou por abandonar o serviço em vez de seguir você.
Três porções de pudim de ruibarbo depois, e a cintura das jeans de Harry começou a apertar demais (o que não era pouca coisa, pois as jeans tinham pertencido a Duda). Quando ele finalmente descansou a colher, tinha havido uma pausa na conversa geral à mesa. O Sr. Weasley se recostara na cadeira, parecendo relaxado e satisfeito; Tonks bocejava abertamente, o nariz agora no feitio normal; e Gina, que atraíra Bichento para fora do vão do armário, estava sentada no chão de pernas cruzadas, atirando rolhas de cerveja para o gato ir buscar.
— Acho que está chegando a hora de dormir — disse a Sra. Weasley bocejando.
— Ainda não, Molly — pediu Sirius, afastando o prato para olhar Harry de frente. — Sabe, estou surpreso com você. Pensei que a primeira coisa que faria ao chegar era perguntar sobre o Voldemort.
A atmosfera na sala mudou com a rapidez que Harry associava à chegada de dementadores. Se segundos antes estava sonolenta e descontraída, agora ficara alerta e até tensa. Correu um arrepio pela mesa à menção do nome de Voldemort. Lupin, que ia tomar um gole de vinho, baixou o cálice lentamente, com ar de preocupação.
— Perguntei! — exclamou Harry, indignado. — Perguntei a Rony e Hermione, mas eles disseram que não podíamos participar da Ordem, então...
— E têm toda a razão — disse a Sra. Weasley. — Vocês são muito jovens.
A bruxa se empertigou na cadeira, as mãos fechadas sobre os braços, sem o menor vestígio de sono.
— Desde quando alguém precisa pertencer à Ordem da Fênix para fazer perguntas? — indagou Sirius. — Harry ficou preso naquela casa de trouxas um mês inteiro. Tem o direito de saber o que andou acontecendo...
— Calma aí! — interrompeu-o Jorge, em voz alta.
— Por que é que o Harry recebe respostas às perguntas dele? – protestou Fred aborrecido.
— Faz um mês que tentamos tirar informações de você e não conseguimos absolutamente nada! — disse Jorge.
— Você é jovem demais, não pertence à Ordem — disse Fred, com uma voz esganiçada que lembrava estranhamente a da mãe. — E Harry não é nem maior de idade!
— Não tenho culpa se ninguém lhe contou nada que a Ordem tem feito — respondeu Sirius calmamente. — Isso é uma decisão dos seus pais. Por outro lado, o Harry...
— Não cabe a você decidir o que é bom para o Harry! — retrucou a Sra. Weasley com aspereza. A expressão em seu rosto, normalmente bondoso, parecia perigosa. — Suponho que ainda se lembre do que Dumbledore disse?
— Que parte? — perguntou Sirius educadamente, mas com o ar de um homem que se prepara para uma briga.
— A parte em que disse para não contar a Harry mais do que ele precisa saber — disse a Sra. Weasley, sublinhando as duas últimas palavras.
As cabeças de Rony, Hermione, Fred e Jorge giravam de Sirius para a Sra. Weasley como se estivessem acompanhando uma partida de tênis. Gina estava ajoelhada em meio a uma pilha de rolhas de cerveja, observando a conversa com a boca entreaberta. Os olhos de Lupin estavam pregados em Sirius.
— Não tenho intenção de contar mais do que ele precisa saber, Molly. Mas como foi ele quem viu Voldemort voltar — mais uma vez houve um estremecimento coletivo ao som daquele nome — tem mais direito do que a maioria de...
— Ele não pertence à Ordem da Fênix! — contrapôs a Sra. Weasley. — Tem apenas quinze anos e...
— E já teve de enfrentar tanto quanto a maioria dos participantes da Ordem e mais do que alguns.
— Ninguém está negando o que ele fez! — disse a Sra. Weasley erguendo a voz, os punhos tremendo nos braços da cadeira. — Mas ainda...
— Ele não é mais criança! — retrucou Sirius, impaciente.
— Tampouco é adulto! — disse a Sra. Weasley, a cor afluindo às suas faces. — Ele não é Tiago, Sirius!
— Sei perfeitamente quem ele é, obrigado, Molly — retrucou Sirius com frieza.
— Não tenho muita certeza! Às vezes, pelo jeito com que fala dele passa a impressão de que pensa ter recuperado seu melhor amigo!
— E que é que há de errado nisso? — perguntou Harry.
— O que há de errado, Harry, é que você não é o seu pai, por mais que se pareça com ele! — disse a Sra. Weasley, os olhos ainda fixos em Sirius. — Você ainda está na escola, e os adultos responsáveis por você não deveriam esquecer isso!
— Está dizendo que sou um padrinho irresponsável? — perguntou Sirius, alteando a voz.
— Estou querendo dizer que é conhecido por agir impulsivamente, Sirius, razão pela qual Dumbledore está sempre lembrando a você para ficar em casa e...
— Vamos deixar as instruções que recebi de Dumbledore fora da conversa, quer fazer o favor? — disse Sirius quase gritando.
— Arthur! — chamou a Sra. Weasley, zangando-se com o marido. — Arthur, venha me apoiar!
O Sr. Weasley não falou imediatamente. Tirou os óculos e limpou-os devagar nas vestes, sem olhar para a esposa. Só depois que os recolocou no rosto, começou a responder.
— Dumbledore sabe que houve uma mudança de posição, Molly. Ele aceita que Harry tenha de ser informado, até certo ponto, agora que está hospedado aqui na sede.
— Sei, mas há uma diferença entre isso e convidá-lo a perguntar o que quiser!
— Por mim — disse Lupin em voz baixa, só então afastando o olhar de Sirius, ao mesmo tempo em que a Sra. Weasley se virava para ele, na esperança de ter finalmente conseguido um aliado —, acho melhor que Harry conheça, por nosso intermédio, os fatos, não todos, Molly, mas o quadro geral, em vez de ouvir uma versão truncada pela boca de... outros.
Sua expressão era suave, mas Harry teve certeza de que Lupin, pelo menos, sabia que algumas Orelhas Extensíveis haviam sobrevivido ao expurgo da Sra.
Weasley.
— Bom — começou ela, dando um longo suspiro e olhando ao redor à procura de um apoio que não veio — , bom... estou vendo que vou perder. Mas vou dizer só uma coisa: Dumbledore deve ter tido suas razões para não querer que Harry soubesse demais, e falando como alguém que quer o melhor para Harry...
— Ele não é seu filho — disse Sirius em voz baixa.
— É como se fosse — respondeu ela ferozmente. — Quem mais ele tem?
— Tem a mim!
— Tem — concordou a Sra. Weasley, crispando a boca — , o problema é que foi bastante difícil para você cuidar dele enquanto esteve trancafiado em Azkaban, não foi?
Sirius começou a se erguer da cadeira.
— Molly, você não é a única pessoa nesta mesa que se importa com o Harry — disse Lupin secamente. — Sirius, sente-se.
O lábio inferior da Sra. Weasley estava tremendo. Sirius tornou a se sentar lentamente em sua cadeira, o rosto branco.
— Acho que devíamos deixar Harry dar a opinião dele sobre o assunto — continuou Lupin — ele já tem idade para decidir sozinho.
— Eu quero saber o que está acontecendo — disse o garoto imediatamente.
Ele não olhou para a Sra. Weasley. Comovera-se quando a ouviu dizer que era como se fosse seu filho, mas também estava impaciente com seus mimos exagerados. Sirius tinha razão, ele não era criança.
— Muito bem — disse a Sra. Weasley com a voz falhando. — Gina... Rony...
Hermione... Fred... Jorge... quero vocês fora desta cozinha, agora. — Houve um tumulto instantâneo.
— Somos maiores de idade! — berraram Fred e Jorge juntos.
— Se Harry pode, por que eu não posso? — gritou Rony.
— Mamãe, eu quero ouvir! — choramingou Gina.
— NÃO! — bradou a Sra. Weasley, pondo-se de pé, os olhos demasiado
brilhantes. — Proíbo terminantemente...
— Molly, você não pode impedir Fred e Jorge — disse o Sr. Weasley, cansado. — Eles são maiores de idade.
— Ainda são estudantes.
— Mas agora são legalmente adultos — disse o Sr. Weasley, com a mesma voz cansada.
A Sra. Weasley ficou escarlate.
— Eu... ah, está bem, então, Fred e Jorge podem ficar, mas Rony...
— De qualquer jeito Harry vai contar a mim e a Hermione tudo que disserem!
— falou o garoto, zangado. — Não vai... não vai? — acrescentou, inseguro, procurando os olhos de Harry.
Por uma fração de segundo, Harry considerou a possibilidade de responder a Rony que não lhe contaria uma única palavra, que iria fazê-lo experimentar o que é ser deixado no escuro para ver se era bom. Mas o impulso maldoso desapareceu quando se encararam.
— Claro que vou — confirmou Harry. Rony e Hermione abriram largos sorrisos.
— Ótimo! — gritou a Sra. Weasley. — Ótimo! Gina — CAMA! Gina não foi em silêncio. Todos a ouviram zangando e brigando com a mãe na subida das escadas e, quando alcançaram o corredor, os gritos de furar os tímpanos da Sra. Black vieram se somar ao alvoroço. Lupin correu para o quadro para restaurar a calma. Somente depois que voltou, fechou a porta da cozinha e retomou seu lugar à mesa, foi que Sirius falou.
— Muito bem, Harry... que é que você quer saber?
O garoto inspirou profundamente e fez a pergunta que o obcecara durante todo o mês anterior.
— Onde está o Voldemort? — perguntou, não fazendo caso dos renovados arrepios e caretas à menção daquele nome. — Que é que ele está fazendo? Estive tentando assistir ao noticiário dos trouxas, e não houve nada que parecesse coisa dele, nem mortes estranhas nem nada.
— É que ainda não ocorreram mortes estranhas — respondeu Sirius —, pelo menos até onde sabemos... e sabemos muita coisa.
— Pelo menos mais do que ele pensa que sabemos — acrescentou Lupin.
— Por que é que parou de matar gente? — perguntou Harry. Ele sabia que Voldemort matara mais de uma vez só no ano anterior.
— Porque não quer chamar atenção — respondeu Sirius. — Seria arriscado. O retorno não foi bem como ele esperava, entende. Ele estragou tudo.
— Ou melhor, você estragou tudo — disse Lupin, com um sorriso de satisfação.
— Como? — perguntou Harry, perplexo.
— Você não devia ter sobrevivido! — disse Sirius. — Ninguém além dos Comensais da Morte devia saber que ele havia retornado. Mas você sobreviveu para contar.
— E a última pessoa que ele queria que fosse alertada do retorno era Dumbledore — disse Lupin. — E você garantiu que ele ficasse sabendo imediatamente.
— E como foi que isso ajudou? — perguntou Harry.
— Você está brincando? — perguntou Gui incrédulo. — Dumbledore é a única pessoa de quem Você-Sabe-Quem já teve medo na vida!
— Graças a você, Dumbledore pôde reconvocar a Ordem da Fênix uma hora depois do retorno de Voldemort — disse Sirius.
— Então é isso que a Ordem esteve fazendo? — perguntou o garoto, olhando as pessoas ao seu redor.
— Trabalhando com o máximo empenho para garantir que Voldemort não possa concretizar seus planos — disse Sirius.
— Como é que vocês sabem quais são os planos dele? — perguntou Harry depressa.
— Dumbledore teve uma idéia astuciosa — disse Lupin —, e as idéias astuciosas de Dumbledore em geral se provam verdadeiras.
— Então que é que Dumbledore imagina que ele esteja planejando?
— Bom, para começar, Voldemort quer reoganizar o exército — explicou Sirius.
— No passado, ele teve efetivos enormes sob seu comando: bruxas e bruxos que intimidou ou enfeitiçou para segui-lo, os fiéis Comensais da Morte, uma grande variedade de criaturas das trevas. Você o ouviu planejando recrutar os gigantes; bom, este é apenas um dos grupos que ele quer aliciar. Com certeza ele não vai tentar assumir o Ministério da Magia com meia dúzia de Comensais da Morte.
— Então vocês estão tentando impedi-lo de recrutar mais seguidores?
— Estamos nos esforçando o máximo — disse Lupin.
— Como?
— Bom, o principal é tentar convencer o maior número possível de pessoas de que Você-Sabe-Quem realmente retornou, deixá-las na defensiva — disse Gui.
— Mas está sendo complicado.
— Por quê?
— Por causa da atitude do Ministério — esclareceu Tonks. — Você viu Cornélio Fudge depois que Você-Sabe-Quem retornou, Harry. Muito bem, ele não mudou de posição. Continua a se recusar a acreditar que seja verdade.
— Mas por quê? — perguntou Harry desesperado. — Por que é que ele está sendo tão burro? Se Dumbledore...
— Ah, você acabou de pôr o dedo na ferida — disse o Sr. Weasley com um sorriso entre divertido e aborrecido. — Dumbledore.
— Fudge tem medo dele, entende — acrescentou Tonks com tristeza.
— Medo de Dumbledore? — repetiu Harry incrédulo.
— Medo do que está pretendendo — disse o Sr. Weasley. — Fudge pensa que Dumbledore está conspirando para derrubá-lo. Acha que Dumbledore quer ser ministro da Magia.
— Mas Dumbledore não quer...
— Claro que não quer — confirmou o Sr. Weasley. —Jamais quis o cargo de ministro, ainda que muita gente quisesse que ele o assumisse quando Emília
Bagnold se aposentou. Mas foi Fudge quem assumiu o poder, e ele jamais esqueceu todo o apoio do povo a Dumbledore, ainda que ele jamais tivesse se candidatado ao cargo.
— No fundo, Fudge sabe que Dumbledore é muito mais esperto que ele, um bruxo muito mais poderoso, e no início do mandato Fudge estava sempre pedindo ajuda e conselhos a Dumbledore — falou Lupin. — Mas parece que Fudge gostou do poder e se tornou muito mais confiante. Adora ser ministro da Magia e conseguiu se convencer de que é o mais inteligente e que Dumbledore está criando confusão simplesmente por criar.
— Como é que ele pode pensar uma coisa dessas? — perguntou Harry indignado. — Como pode pensar que Dumbledore vá simplesmente inventar tudo isso... que eu vá inventar tudo isso?
— Porque aceitar que Voldemort retornou significaria ter problemas que o Ministério não precisa enfrentar há quase catorze anos — disse Sirius amargurado. — Fudge simplesmente não quer encarar a verdade. É muito mais cômodo se convencer de que Dumbledore está mentindo para desestabilizá-lo.
— Você está entendendo o problema? — disse Lupin. — Enquanto o Ministério insistir que não há nada a temer da parte de Voldemort, é muito difícil convencer as pessoas de que ele retornou, principalmente se elas, para começar, não querem acreditar nisso. E mais, o Ministério está confiando em que o Profeta Diário não noticie o que chama de campanha de boatos de Dumbledore e, assim sendo, a maior parte da comunidade bruxa não tem a menor consciência de que alguma coisa tenha acontecido, e com isto se torna um alvo fácil para os Comensais da Morte, se estiverem usando a Maldição Imperius.
— Mas vocês estão contando às pessoas, não estão? — perguntou Harry, olhando para todos ao redor: o Sr. Weasley, Sirius, Gui, Mundungo, Lupin e Tonks. — Vocês estão informando a todos que ele retornou? Todos riram amarelo.
— Bom, como todos acham que sou um louco homicida que mata por atacado, e o Ministério está oferecendo uma recompensa de dez mil galeões pela minha cabeça, não dá para eu sair à rua e começar a distribuir panfletos, dá? — comentou Sirius inquieto.
— E eu não sou um convidado muito popular na maior parte da nossa comunidade — disse Lupin. — É um risco ocupacional ser lobisomem.
— Tonks e Arthur perderiam o emprego no Ministério se começassem a dar com a língua nos dentes — disse Sirius —, e é muito importante para nós ter espiões no Ministério, porque você pode apostar que Voldemort os tem.
— Mesmo assim, conseguimos convencer algumas pessoas — disse o Sr. Weasley. — A Tonks aqui, por exemplo: era muito jovem para participar da Ordem da Fênix da outra vez, e é uma enorme vantagem contar com aurores do nosso lado; Quim Shacklebolt também tem sido realmente valioso. É o responsável pela caça ao Sirius, então tem informado ao Ministério que Sirius está no Tibet.
— Mas se nenhum de vocês está divulgando a notícia de que Voldemort retornou... — começou Harry.
— Quem disse que nenhum de nós está divulgando as notícias? — falou
Sirius. — Por que é que você acha que Dumbledore está tão encrencado?
— Como assim? — perguntou Harry.
— Estão tentando desacreditá-lo — explicou Lupin. — Você não viu o Profeta Diário da semana passada? Noticiaram que a Confederação Internacional de Bruxos votou a dispensa dele da diretoria porque está ficando velho e incapaz, mas não é verdade; votaram a favor da dispensa dele os bruxos funcionários do Ministério depois que ele fez um discurso anunciando o retorno de Voldemort. Ele perdeu o cargo de bruxo-presidente da Suprema Corte dos Bruxos, e estão falando em cassar sua comenda de primeira classe da Ordem de Merlim.
— Mas Dumbledore diz que não se importa com o que estão fazendo, desde que não tirem o seu retrato do baralho de sapos de chocolate — disse Gui rindo.
— Não é caso para risos — censurou seu pai com rispidez. — Se continuar a desafiar o Ministério abertamente, ele pode acabar em Azkaban, e a última coisa que queremos é ver Dumbledore trancafiado. Enquanto Você-Sabe-Quem souber que Dumbledore está livre e bem informado do que ele está fazendo, agirá com cautela. Se Dumbledore estiver fora do caminho... bom, Você-Sabe-Quem terá o campo livre.
— Mas se Voldemort estiver tentando recrutar mais Comensais da Morte, logo vazará a notícia de que retornou, não é mesmo? — perguntou Harry desesperado.
— Voldemort não vai até à casa das pessoas e bate na porta, Harry — ponderou Sirius. — Ele prepara arapucas, enfeitiça e chantageia. Tem muita prática de agir em segredo. Em todo o caso, reunir seguidores é apenas uma das coisas em que está interessado. Ele também tem outros planos, planos que pode pôr em ação discretamente, e, por ora, tem se concentrado neles.
— Que é que ele está querendo conseguir além dos seguidores? — perguntou Harry depressa. Pareceu-lhe ter visto Sirius e Lupin trocarem um brevíssimo olhar antes do seu padrinho responder.
— Coisas que ele só pode obter na surdina.
Como Harry continuasse a fazer cara de intrigado, Sirius explicou:
— Como armas. Uma coisa que não tinha da última vez.
— Quando era poderoso? — É.
— Que tipo de armas? — perguntou Harry. — Coisa pior do que a Avada
Kedavra...?
— Agora chega!
A Sra. Weasley falou das sombras a um lado da porta. Harry não notara sua chegada depois que fora deixar Gina no andar de cima. Tinha os braços cruzados e parecia furiosa.
— Agora vão dormir. Todos vocês — acrescentou, olhando para Fred, Jorge,
Rony e Hermione.
— Você não pode mandar na gente... — começou Fred.
— Então olhe — rosnou a Sra. Weasley. Tremia ligeiramente ao encarar Sirius.
— Você já deu ao Harry muita informação. Mais um pouco e será melhor convencê-lo a entrar na Ordem da Fênix de vez.
— Por que não? — perguntou Harry depressa. — Entro para a Ordem, quero entrar, quero lutar.
— Não.
Não foi a Sra. Weasley quem falou desta vez, mas Lupin.
— A Ordem é formada apenas por bruxos de maior idade — explicou ele. —
Bruxos que já terminaram a escola — acrescentou, quando Fred e Jorge abriram a boca. — Há perigos em jogo de que vocês não têm a menor idéia, nenhum de vocês... Acho que Molly tem razão, Sirius. Já contamos o suficiente.
Sirius começou a sacudir os ombros, mas não discutiu. A Sra. Weasley acenou autoritariamente para os filhos e Hermione. Um a um, eles se levantaram, e Harry, reconhecendo a derrota, os acompanhou.