Posted by : Unknown junho 06, 2014

Capítulo 12


No alto da escada eles desceram, a Profª. McGonagall bateu a uma porta que se abriu silenciosamente, e eles entraram. A professora disse a Harry que esperasse e o deixou ali, sozinho.
Harry olhou à volta. Uma coisa era certa: de todas as salas de professores que visitara até aquele dia, a de Dumbledore era de longe a mais interessante.
Se não estivesse apavorado com a iminência de ser expulso da escola, ele teria ficado muito feliz com a oportunidade de examiná-la.
Era uma sala bonita e circular, cheia de ruídos engraçados. Havia vários instrumentos de prata curiosos sobre mesas de pernas finas, que giravam e soltavam pequenas baforadas de fumaça. As paredes estavam cobertas de retratos de antigos diretores e diretoras, todos eles cochilavam tranqüilamente em suas molduras. Havia também uma enorme escrivaninha de pés de garra, e, pousado sobre uma prateleira atrás dela, um chapéu de bruxo surrado e roto — o Chapéu Seletor.
Harry hesitou. Lançou um olhar desconfiado às bruxas e bruxos que dormiam nas paredes. Certamente não faria mal se ele apanhasse o chapéu e o experimentasse outra vez? Só para ver... Só para se certificar de que ele o pusera na casa certa...
Sem fazer barulho, deu a volta à escrivaninha, tirou o chapéu da prateleira e colocou-o devagarinho na cabeça. Era largo demais e lhe cobriu os olhos, exatamente como acontecera da primeira vez em que o experimentara. Harry ficou olhando a escuridão dentro do chapéu, à espera. Então uma vozinha disse em seu ouvido "Caraminholas na cabeça, Harry Potter?”
— Ah, é — murmurou Harry. — Ah, desculpe incomodá-lo, eu queria perguntar...
— Você anda se perguntando se o coloquei na casa certa — disse o chapéu inteligente. — Sei... Você foi particularmente difícil de classificar. Mas mantenho o que disse antes — o coração de Harry deu um salto —, você teria se dado bem na Sonserina...
O estômago de Harry afundou. Agarrou a ponta do chapéu e o tirou. Ele pendeu inerte em sua mão, encardido e desbotado. Harry o devolveu à prateleira, sentindo-se mal.
— Você está enganado — disse em voz alta para o chapéu imóvel e silencioso que não se mexeu. Harry recuou, observando-o. Então, um ruído estranho e sufocado atrás dele o fez virar.
Afinal não estava sozinho. Encarapitado em um poleiro dourado, atrás da porta, achava-se um pássaro de aparência decrépita que lembrava um peru meio depenado.
Harry o encarou, e o pássaro sustentou funestamente o seu olhar, tornando a fazer o mesmo ruído sufocado. Harry achou que ele parecia muito doente. Seus olhos estavam opacos e, mesmo enquanto Harry o observava, caíram mais algumas penas de sua cauda.
Harry estava pensando que só o que lhe faltava era o pássaro de estimação de Dumbledore morrer, enquanto estavam sozinhos ali na sala, quando o pássaro pegou fogo.
Harry gritou chocado e se afastou da mesa. Olhou ansioso em volta para ver se encontrava um copo de água em algum lugar, mas não viu nenhum; o pássaro, entrementes, transformara-se numa bola de fogo; o pássaro deu um grito alto e no segundo seguinte não restava nada dele, exceto um monte de cinzas fumegantes no chão.
A porta da sala se abriu. Dumbledore entrou com o ar muito grave.
— Professor — ofegou Harry. — Seu pássaro, eu não pude fazer nada, ele simplesmente pegou fogo...
Para surpresa de Harry, Dumbledore sorriu.
— Já não era sem tempo. Ele tem andado com uma aparência medonha há dias; e venho dizendo a ele para se apressar.
E deu uma risadinha ao ver a cara de espanto de Harry.
— Fawkes é uma fênix, Harry. As fênix pegam fogo quando chega a hora de morrer e tornar a renascer das cinzas. Olhe ele...
Harry olhou em tempo de ver um pássaro minúsculo, amarrotado, recém-nascido botar a cabeça para fora das cinzas. Era tão feio quanto o anterior.
— É uma pena que você a tenha visto no dia em que queimou — disse Dumbledore, sentando-se na escrivaninha. — Na realidade ela é muito bonita quase o tempo todo, tem uma plumagem vermelha e dourada. Criaturas fascinantes, as fênix. São capazes de sustentar cargas pesadíssimas, suas lágrimas têm poderes curativos e são animais de estimação muitíssimo fiéis.
No choque de ver Fawkes pegando fogo, Harry se esquecera por que estava ali, mas tudo voltou à lembrança quando Dumbledore se acomodou no cadeirão à mesa e o encarou com aqueles seus olhos azul-claros e penetrantes.
Mas antes que Dumbledore pudesse dizer outra palavra, a porta da sala se escancarou com estrondo, e Hagrid entrou, um olhar selvagem nos olhos, o gorro encarrapitado no alto da cabeça desgrenhada e o galo morto ainda balançando em uma das mãos.
— Não foi Harry Profº. Dumbledore! — disse Hagrid pressuroso. — Eu estava falando com ele segundos antes daquele garoto ser encontrado, ele nunca teria tido tempo, meu senhor...
Dumbledore tentou dizer alguma coisa, mas Hagrid continuou falando, sacudindo o galo, agitado, fazendo voar penas para todo o lado.
—... Não pode ter sido ele, eu juro até na frente do Ministro da Magia se precisar...
— Hagrid, eu...
—... O senhor pegou o garoto errado, meu senhor, eu sei que Harry jamais...
— Hagrid. — disse Dumbledore em voz alta. — Eu não acho que Harry tenha atacado essas pessoas.
— Ah — acalmou-se Hagrid, o galo pendurado imóvel a um lado. — Certo. Então vou esperar lá fora, diretor.
E saiu num repelão, parecendo constrangido.
— O senhor não acha que fui eu, professor? — repetiu Harry esperançoso enquanto Dumbledore espanava as penas de galo de cima de sua escrivaninha.
— Não, Harry, não acho. — seu rosto novamente grave. — Mas ainda assim quero falar com você.
Harry esperou nervoso enquanto Dumbledore o estudava, as pontas dos seus longos dedos juntas.
— Preciso lhe perguntar, Harry, se tem alguma coisa que você gostaria de me perguntar — disse gentilmente. — Qualquer coisa.
Harry não soube o que dizer. Pensou em Draco gritando:
"Vocês vão ser os primeiros, seus sangues-ruins!" e na Poção de Polissuco que estava cozinhando no banheiro da Murta Que Geme. Depois pensou na voz sem corpo que ouvira duas vezes e se lembrou do que Rony comentara: "Ouvir vozes que ninguém mais ouve não é bom sinal, nem mesmo no mundo dos bruxos." Pensou ainda no que todos andavam dizendo dele, e seu pavor crescente era que estivesse de alguma forma ligado a Salazar Slytherin...
— Não — disse Harry. — Não tem nada, não, professor...
O ataque duplo a Justino e a Nick Quase Sem Cabeça transformou o que até ali fora nervosismo em verdadeiro pânico. Curiosamente, era o destino do fantasma que mais parecia preocupar as pessoas. O que poderia fazer aquilo a um fantasma? Elas perguntavam umas às outras; que poder terrível poderia fazer mal a alguém que já estava morto? Houve quase uma corrida para reservar lugares no Expresso de Hogwarts que iria levar os alunos para casa no Natal.
— Nesse ritmo, seremos os únicos a ficar para trás — disse Rony a Harry e Hermione. — Nós, Draco, Crabbe e Goyle. Que beleza de férias vamos ter!
Crabbe e Goyle, que sempre acompanhavam o que Draco fazia, tinham se inscrito para permanecer na escola durante as férias também. Mas Harry ficou contente de que a maioria das pessoas estivesse partindo. Estava cansado de ser evitado nos corredores, como se achassem que lhe fossem crescer presas e pudesse cuspir veneno a qualquer momento; cansado de ser comentado, de ser apontado, de levar vaias ao passar. Fred e Jorge, porém, achavam muita graça em tudo. Saiam do caminho para andar à frente de Harry nos corredores, gritando: "Abram caminho para o herdeiro de Slytherin, um bruxo realmente maligno vai passar...”
Percy desaprovava inteiramente esse comportamento.
— Não é motivo para graças — disse friamente.
— Ah, sai do caminho, Percy. Harry está com pressa.
— E, ele está indo para a Câmara Secreta tomar uma xícara de chá com seu criado de caninos afiados — disse Jorge, dando uma risadinha debochada.
Gina também não achou graça nenhuma.
— Ah, não façam isso — choramingava todas as vezes que Fred perguntava a Harry em voz alta quem ele pretendia atacar a seguir, ou quando Jorge, ao encontrar Harry fingia afugentá-lo com um grande dente de alho.
Harry não se importava; sentia-se melhor que ao menos Fred e Jorge achassem a idéia de ele ser herdeiro de Slytherin muito ridícula. Mas as brincadeiras dos gêmeos pareciam estar irritando Draco, que amarrava cada vez mais a cara sempre que os via aprontando.
— É porque está morrendo de vontade de dizer que o herdeiro é ele — disse Rony com ar de quem sabe das coisas. — Vocês sabem que Draco detesta quando alguém o supera em alguma coisa, e você está recebendo todo o crédito pelo trabalho sujo que ele fez.
— Não será por muito tempo — anunciou Hermione com um tom de satisfação. — A Poção Polissuco está quase pronta. Vamos extrair a verdade dele a qualquer momento.
Enfim o período letivo terminou, e um silêncio profundo como a neve desceu sobre o castelo. Harry achou que o lugar ficara tranqüilo, em vez de sombrio, e gostou do fato de que ele, Hermione e os Weasley tivessem a Torre da Grifinória só para eles, assim podiam brincar de snap explosivo à vontade sem incomodar ninguém e praticar duelos sozinhos. Fred, Jorge e Gina tinham preferido ficar na escola à visitar Gui no Egito com o Sr. e a Sra. Weasley. Percy, que desaprovava o que chamava de comportamento infantil dos gêmeos, não passava muito tempo na sala comunal da Grifinória. Tinha declarado pomposamente que ele só ficara para o Natal porque era seu dever, como monitor, ajudar os professores em tempos tão tempestuosos.
A manhã de Natal despontou fria e branca. Harry e Rony, os únicos que tinham restado no dormitório, foram acordados muito cedo por Hermione, que entrou de repente, completamente vestida, trazendo presentes para os dois.
— Acordem — disse em voz alta, afastando as cortinas da janela.
— Mione, você não podia estar aqui... — disse Rony, protegendo os olhos da claridade.
— Feliz Natal para você também — disse a garota lhe atirando um presente. — Estou de pé há quase uma hora, acrescentando hemeróbios à poção. Está pronta.
Harry se sentou, de repente muito acordado.
— Tem certeza?
— Positivo — disse Hermione, empurrando Perebas, o rato, para poder se sentar na beirada da cama de Rony. — Se vamos usá-la, eu diria que deve ser hoje à noite.
Naquele momento, Edwiges entrou voando no quarto, trazendo um pequeno pacote no bico.
— Olá — disse Harry alegremente quando a coruja pousou na cama dele. — Você voltou a falar comigo?
Edwiges deu umas bicadinhas carinhosas na orelha dele, o que foi um presente muito melhor do que o que lhe trouxera, e que ele descobriu ser uma encomenda dos Dursley. Eles tinham enviado a Harry um palito e um bilhete pedindo a ele que verificasse se não poderia ficar em Hogwarts durante as férias de verão também.
Os outros presentes que ganhara de Natal foram bem melhores.
Hagrid lhe mandou uma grande lata de bolinhos de chocolate, que Harry decidiu deixar amolecer junto à lareira antes de comer; Rony lhe deu um livro chamado Voando com os Campeões, um livro de fatos interessantes sobre o seu time, de Quadribol favorito, e Hermione lhe comprou uma caneta de luxo de pena de águia. Harry abriu o último presente e encontrou um suéter tricotado pela Sra. Weasley e um grande bolo de Natal. Leu o cartão dela com uma nova onda de remorsos, pensando no carro do Sr. Weasley (que não era visto desde a colisão com o Salgueiro Lutador), e a nova série de indisciplinas que ele e Rony estavam planejando.
Ninguém, nem mesmo alguém morto de medo de tomar a Poção Polissuco, dali a pouco, poderia deixar de se alegrar com o almoço de Natal em Hogwarts.
O Salão Principal estava magnífico. Não só tinha uma dúzia de árvores de Natal cobertas de cristais de gelo e largas guirlandas de visco e azevinho que cruzavam o teto, como também caía uma neve encantada, morna e seca. Dumbledore puxou o coro de algumas de suas músicas de Natal preferidas.
Hagrid cantava cada vez mais alto a cada taça de gemada de vinho quente que consumia. Percy, que não reparou que Fred havia enfeitiçado o seu distintivo de monitor — agora com os dizeres "Cabeça de Alfinete" — não parava de perguntar aos garotos por que ficavam dando risadinhas.
Harry nem ligou que Draco Malfoy, sentado à mesa da Sonserina, estivesse fazendo comentários altos e debochados sobre seu novo suéter. Com um pouco de sorte, ele receberia o troco dentro de algumas horas.
Harry e Rony mal tinham acabado de comer o terceiro prato de pudim de Natal quando Hermione os levou para fora do Salão para finalizar os planos para aquela noite.
— Ainda precisamos de uns pedacinhos das pessoas em que queremos nos transformar — disse Hermione num tom trivial, como se estivesse mandando os garotos ao supermercado comprar detergente. — E é claro que será melhor se pudermos conseguir alguma coisa de Crabbe e Goyle; eles são os melhores amigos de Malfoy, que contará aos dois qualquer coisa. E também temos que garantir que os verdadeiros Goyle e Crabbe não apareçam de repente enquanto interrogamos Draco.
— Já tenho tudo resolvido —, continuou ela calmamente, não dando atenção às caras espantadas de Harry e Rony. E mostrou dois pedaços de bolo de chocolate. — Recheei estes dois com uma simples Poção do Sono. Vocês só precisam se certificar de que Crabbe e Goyle encontrem os bolos. Sabem como são esganados, com certeza vão querer comê-los. Depois que caírem no sono, arranquem uns fios de cabelo deles e escondam os dois num armário de vassouras.
Harry e Rony se entreolharam, incrédulos.
— Mione, acho que isso não...
— Poderia dar tudo errado...
Mas Hermione tinha um brilho de aço nos olhos, muito semelhante ao que a Profª. McGonagall às vezes exibia.
— A poção será inútil sem os fios de cabelo de Crabbe e Goyle — disse a garota com severidade. — Vocês querem investigar Malfoy, não é?
— Ah, está bem, está bem — disse Harry. — Mas, e você? Vai arrancar o cabelo de quem?
— Já tenho o meu! — disse Hermione, animada, tirando um frasquinho do bolso e mostrando aos dois um único fio de cabelo dentro. — Lembram que a Emilia Bulstrode lutou comigo no Clube do Duelo? Ela deixou o fio de cabelo nas minhas vestes quando estava tentando me estrangular! E como foi passar o Natal em casa... Então só preciso dizer ao pessoal da Sonserina que resolvi voltar.
Quando Hermione saiu apressada para verificar outra vez a Poção Polissuco, Rony se virou para Harry com uma expressão de fim de mundo no rosto.
— Você já ouviu falar de um plano em que tantas coisas pudessem dar errado?
Mas para completa surpresa de Harry e Rony, a primeira etapa da operação transcorreu suavemente, conforme Hermione previra. Eles ficaram rondando o saguão deserto depois do chá de Natal, esperando Crabbe e Goyle que tinham sido deixados sozinhos à mesa da Sonserina, devorando o quarto prato de pão-de-ló com calda de vinho.
Harry equilibrara os bolos de chocolate na ponta do corrimão. Quando viram Crabbe e Goyle saindo do Salão Principal, ele e Rony se esconderam depressa atrás de uma armadura próxima à porta de entrada.
— Como se pode ser tão tapado? — Rony cochichou em êxtase quando Crabbe apontou alegremente os bolos para Goyle e os pegou. Sorrindo, idiotamente, enfiaram os bolos inteiros nas bocas enormes. Por um momento, os dois mastigaram vorazes, com expressões de triunfo no rosto. Depois, sem a menor mudança de expressão, desmontaram de costas no chão.
De longe, a parte mais difícil foi escondê-los no armário do outro lado do saguão.
Quando estavam guardados em segurança entre baldes e esfregões, Harry arrancou uns fios do cabelo curto e duro que cobria a testa de Goyle, e Rony arrancou vários fios do cabelo de Crabbe. Roubaram também os sapatos, porque os seus eram, em comparação, demasiado pequenos. Depois, ainda aturdidos com o que tinham acabado de fazer, correram escada acima para o banheiro da Murta Que Geme.
Mal conseguiam enxergar devido à fumaça que saia do boxe em que Hermione mexia o caldeirão. Puxando as vestes para proteger o rosto, Harry e Rony bateram de leve na porta.
— Mione?
Ouviram um barulho de chave e Hermione apareceu, o rosto brilhando, cheia de ansiedade. Atrás dela ouvia-se o glube-glube da poção viscosa que borbulhava.
Havia três cálices preparados sobre a tampa do vaso sanitário.
— Vocês conseguiram? — perguntou Hermione sem fôlego. Harry mostrou os fios de cabelo de Goyle.
— Ótimo. E eu tirei escondido estas vestes da lavanderia — disse Hermione, mostrando um pequeno saco. — Vocês precisarão de números maiores porque vão ser Crabbe e Goyle.
Os três espiaram dentro do caldeirão. De perto, a poção parecia uma lama escura e espessa que borbulhava devagar.
— Tenho certeza de que fiz tudo direito — disse Hermione, nervosa, relendo a página manchada de Pociones Muy Potentes. — Parece que o livro diz que deve... Depois que bebermos a poção, teremos exatamente uma hora antes de voltarmos a ser nós mesmos.
— E agora? — sussurrou Rony.
— Separamos a poção nos três cálices e acrescentamos os cabelos.
Hermione serviu grandes conchas da poção em cada cálice.
Depois, com a mão trêmula, sacudiu o fio de cabelo de Emilia Bulstrode do frasco para dentro do primeiro cálice.
A poção assobiou alto como uma chaleira fervendo e espumou feito louca. Um segundo depois, mudou de cor para um amarelo doentio.
— Grrr, essência de Emilia Bulstrode — disse Rony, olhando-a com nojo. — Aposto que tem um gosto horrível.
— Ponha os fios na sua, então — disse Hermione.
Harry deixou cair os fios de cabelo de Goyle no cálice do meio, e Rony pôs os de Crabbe no último. Os dois cálices assobiaram e espumaram: o de Goyle mudou para um cáqui cor de piolho, e o de Crabbe para um castanho encardido e escuro.
— Calma aí — disse Harry quando Rony e Hermione estenderam a mão para os cálices. — É melhor não bebermos tudo aqui... Quando nos transformarmos em Crabbe e Goyle não vamos caber no boxe. E Emilia Bulstrode não é nenhuma fadinha.
— Bem pensado — disse Rony, destrancando a porta. — Ficaremos em boxes separados.
Tomando cuidado para não derramar nem uma gota de Poção Polissuco, Harry entrou no boxe do meio.
— Pronto? — perguntou.
— Pronto — responderam as vozes de Rony e Mione.
— Um... Dois... Três...
Apertando o nariz, Harry bebeu a poção em dois grandes goles. Tinha gosto de repolho passado do ponto de cozimento.
Imediatamente seu estômago começou a revirar como se ele tivesse acabado de engolir duas cobras — dobrado ao meio, ele se perguntou se ia enjoar — depois uma sensação de queimação se espalhou rapidamente da barriga até as pontinhas dos dedos dos pés e das mãos — em seguida, ele caiu de quatro, sem ar e teve a sensação de que estava se derretendo, quando a pele de todo o seu corpo borbulhou como cera quente — e, antes que seus olhos e mãos começassem a crescer, os dedos engrossaram, as unhas alargaram, os nós dos dedos se estufaram como parafusos de cabeça de lentilha — os ombros se esticaram dolorosamente e um formigamento na testa lhe informou que seus cabelos estavam crescendo em direção às sobrancelhas — as vestes se rasgaram quando o peito se alargou como uma barrica rompendo os aros — os pés se tornaram um suplicio dentro dos sapatos quatro números menor...
Tão de repente quanto começara, tudo cessou. Harry estava deitado de borco no piso frio como pedra, ouvindo Murta gargarejar mal-humorada no boxe da ponta.
Com dificuldade, sacudiu fora os sapatos e ficou em pé. Então era assim que a pessoa se sentia, na pele de Goyle. Com a mão enorme tremendo, ele despiu as vestes antigas, que estavam agora no meio das canelas, vestiu as novas e amarrou os sapatos abotinados de Goyle. Ergueu a mão para afastar os cabelos dos olhos e só encontrou fios duros e curtos, que vinham até o meio da testa. Então percebeu que os óculos estavam anuviando sua visão porque Goyle obviamente não precisava deles, tirou-os e perguntou:
— Vocês dois estão bem? — a voz baixa e irritante de Goyle saiu de sua boca.
— Estou — veio o rosnado profundo de Crabbe da sua direita. Harry destrancou a porta e foi até o espelho rachado.
Goyle o encarou com aqueles olhos opacos e fundos. Harry coçou a orelha. Goyle também.
A porta de Rony se abriu. Eles se entreolharam. Exceto que parecia pálido e chocado, Rony era indistinguível de Crabbe, do corte de cabelo em cuia até os braços compridos de gorila.
— Isso é incrível — disse Rony, aproximando-se do espelho e cutucando o nariz chato de Crabbe. — Incrível.
— É melhor irmos andando — disse Harry, afrouxando o relógio que ficara apertadíssimo no pulso grosso de Goyle. — Ainda temos que descobrir onde fica a sala comunal da Sonserina. Só espero que a gente encontre alguém para seguir...
Rony, que estivera observando Harry, disse:
— Você não sabe como é esquisito ver o Goyle pensando. — Bateu então na porta de Hermione. — Vamos, precisamos ir...
Uma voz aguda respondeu.
— Eu... Eu acho que afinal não vou. Vão indo sem mim.
— Mione, nós sabemos que a Emilia Bulstrode é feia, ninguém vai saber que é você...
— Não... Verdade... Acho que não vou. Vocês andem de pressa, estão perdendo tempo...
Harry olhou para Rony intrigado.
— Assim você está mais parecido com o Goyle. É assim que ele fica toda vez que um professor faz uma pergunta.
— Mione, você está bem? — perguntou Harry através da porta.
— Muito bem... Muito bem... Vão andando...
Harry consultou o relógio. Cinco dos preciosos sessenta minutos já se tinham passado.
— Na volta nos encontramos aqui, está bem? — falou ele.
Os dois garotos abriram a porta do banheiro com cautela, verificaram se a barra estava limpa e saíram.
— Não balance os braços desse jeito — murmurou Harry para o amigo.
— Hein?
— Crabbe mantém os braços meio duros...
— Que tal assim?
— É, assim está melhor...
Os dois desceram a escada de mármore. Só precisavam agora que aparecesse um aluno da Sonserina para o seguirem até o salão comunal da casa, mas não havia ninguém por perto.
— Alguma idéia? — murmurou Harry.
— Os alunos da Sonserina sempre vêm daquela direção para tomar café da manhã — disse Rony indicando com a cabeça a entrada para as masmorras. Mal as palavras saíram de sua boca e uma menina de cabelos longos e crespos saiu pela entrada.
— Desculpe — disse Rony, correndo para ela. — Esquecemos qual é o caminho para o nosso salão comunal.
— Como? — perguntou a garota empertigada. — Nosso salão comunal? Eu sou da Corvinal.
E se afastou olhando desconfiada para os dois.
Harry e Rony desceram os degraus de pedra mergulhando na escuridão, seus passos ecoando particularmente altos a medida que os enormes pés de Crabbe e Goyle batiam no chão, sentindo que a coisa não ia ser tão fácil quanto tinham esperanças que fosse.
Os corredores que lembravam labirintos estavam desertos. Eles foram se internando cada vez mais fundo por baixo da escola, verificando constantemente os relógios para ver quanto tempo ainda lhes sobrava. Passados quinze minutos, quando iam começando a se desesperar, ouviram um movimento repentino no alto.
— Arre! — gritou Rony excitado. — Aí vem um deles agora!
O vulto vinha saindo de um aposento lateral. Ao se aproximarem, porém, sentiram um aperto no coração. Não era um aluno da Sonserina, era Percy.
— Que é que você está fazendo aqui em baixo? — perguntou Rony surpreso.
Percy fez cara de afrontado.
— Isto — disse se empertigando — não é da sua conta. É o Crabbe, não é?
— Que, ah, sim — disse Rony.
— Muito bem, já para os seus dormitórios — disse Percy com severidade. — Não é seguro ficar andando por corredores escuros hoje em dia.
— Mas como é que você está andando? — lembrou Rony.
— Eu — disse Percy empertigando-se — sou monitor nada vai me atacar.
De repente ecoou uma voz atrás de Harry e Rony. Draco Malfoy vinha em direção ao grupo e, pela primeira vez na vida, Harry teve prazer em vê-lo.
— Aí, até que enfim — disse ele com voz arrastada, olhando para os dois. — Estiveram se empapuçando no Salão Principal esse tempo todo? Andei procurando vocês; quero que vejam uma coisa realmente engraçada.
Malfoy lançou um olhar mortífero a Percy.
— E o que é que você está fazendo aqui em baixo, Weasley? — perguntou com desdém.
Percy parecia indignado.
— Vocês precisam mostrar um pouco mais de respeito por um monitor da escola! — disse. — Não gosto de sua atitude!
Malfoy riu debochado e fez sinal para Harry e Rony o seguirem.
Harry quase pediu desculpas a Percy, mas se conteve bem em tempo. Ele e Rony correram atrás de Draco, que disse assim que viraram o corredor:
— Esse Peter Weasley...
— Percy — Rony corrigiu-o automaticamente.
— O que seja. Tenho visto ele rondando por aqui um bocado ultimamente. E aposto como sei o que está aprontando. Acha que vai pegar o herdeiro de Slytherin sozinho.
Draco deu uma risada curta e debochada. Harry e Rony se entreolharam animados.
O garoto parou junto a um trecho da parede de pedra, liso e úmido.
— Como é mesmo a senha? — perguntou a Harry. — Ah... — hesitou Harry.
— Ah, já sei... Puro-sangue! — disse Draco, sem parar para ouvir, e uma porta de pedra escondida na parede deslizou. Draco entrou e Harry e Rony o seguiram.
A sala comunal da Sonserina era um aposento comprido e subterrâneo com paredes de pedra rústica, de cujo teto pendiam correntes com luzes redondas e esverdeadas.
Um fogo ardia na lareira encimada por um console de madeira esculpida e ao seu redor viam-se as silhuetas de vários alunos da Sonserina em cadeiras de espaldar alto.
— Esperem aqui — disse Draco a Harry e Rony, indicando duas cadeiras vazias mais afastadas da lareira. — Vou buscar, meu pai acabou de me mandar...
Imaginando o que Draco iria lhes mostrar, Harry e Rony se sentaram, fazendo o possível para parecer à vontade.
Draco voltou um minuto depois trazendo um papel que parecia ser um recorte de jornal. Enfiou-o na cara de Rony.
— Isso vai fazer vocês darem uma boa gargalhada.
Harry viu os olhos de Rony se arregalarem de choque. Ele leu o recorte depressa, deu uma risada forçada e o entregou a Harry. A notícia fora recortada do Profeta Diário e dizia:

INQUÉRITO NO MINISTÉRIO DA MAGIA
Arthur Weasley, Chefe da Seção de Mau Uso dos Artefatos dos Trouxas foi multado hoje em cinqüenta galeões, por enfeitiçar um carro dos trouxas.
O Sr. Lúcio Malfoy, membro da diretoria da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde o carro enfeitiçado bateu no início deste ano, pediu hoje a demissão do Sr. Weasley.
"Weasley desmoralizou o Ministério" — declarou o Sr. Malfoy ao nosso repórter. "Ficou claro que ele não está qualificado para legislar, e o seu projeto de lei para proteger os trouxas deveria ser imediatamente esquecido.”
O Sr. Weasley não foi encontrado para comentar essas declarações, embora sua mulher tenha dito aos repórteres para se afastarem da casa e ameaçado mandar o vampiro da família atacá-los.

— E aí? — perguntou Draco impaciente quando Harry devolveu o recorte. — Vocês não acham engraçado?
— Ah, ah, ah, ah — riu Harry desanimado.
— Arthur Weasley gosta tanto de trouxas que devia partir a varinha e ir se juntar a eles — disse Draco desdenhoso. — Pela maneira como se comportam, nem dá para dizer que os Weasley são puros-sangues.
A cara de Rony — ou melhor, de Crabbe se contorceu de fúria — Qual é o problema, Crabbe? — perguntou Draco com rispidez.
— Dor de estômago — grunhiu Rony.
— Então vá para a ala hospitalar e dê um chute naqueles sangues-ruins por mim — disse Draco sufocando o riso. — Sabe, estou admirado que o Profeta Diário ainda não tenha noticiado todos esses ataques — continuou, pensativo. — Suponho que Dumbledore esteja tentando abafar o caso. Ele vai ser despedido se isso não parar logo. Meu pai diz que Dumbledore foi a pior coisa que já aconteceu a Hogwarts. Ele adora trouxas. Um diretor decente nunca deixaria escória como o Creevey entrar.
Draco começou a tirar fotografias com uma máquina imaginária e fez uma imitação cruel, mas exata de Colin:
— Potter, posso bater uma foto sua, Potter! Pode me dar o seu autógrafo? Posso lamber os seus sapatos, por favor, Potter?
Ele deixou cair as mãos e olhou para Harry e Rony.
— Que é que há com vocês dois?
Em atraso, Harry e Rony forçaram uma risada, mas Draco pareceu satisfeito; talvez Crabbe e Goyle sempre fossem lentos para entender as coisas.
— São Potter, o amigo dos sangues ruins — disse Draco lentamente. — Ele é outro que não tem espírito de bruxo, ou não andaria por aí com aquela Granger sangue-ruim metida a besta. E tem gente que acha que ele é o herdeiro de Slytherin!
Harry e Rony esperaram com a respiração suspensa: Draco estava certamente a segundos de contar que era ele, mas então...
— Eu bem gostaria de saber quem é — disse com petulância. — Até poderia ajudar.
O queixo de Rony caiu de um jeito que Crabbe pareceu ainda mais tapado do que de costume. Felizmente, Draco não reparou e Harry, pensando rápido, disse:
— Você deve ter uma idéia de quem está por trás disso tudo...
— Você sabe que não tenho, Goyle. Quantas vezes preciso lhe dizer isso? — retrucou Draco com maus modos. — E meu pai não quer me contar nada sobre a última vez que a Câmara foi aberta, tampouco. E claro, foi há cinqüenta anos, antes do tempo dele, mas ele sabe tudo que aconteceu e diz que o caso foi abafado e que vai levantar suspeitas se eu souber de muita coisa. Mas uma coisa eu sei, a última vez que a Câmara Secreta foi aberta, um sangue-ruim morreu. Então aposto que é uma questão de tempo até um deles ser morto... Espero que seja a Granger — disse com prazer.
Rony crispava os punhos enormes de Crabbe. Harry, sentindo que o amigo poderia se denunciar se avançasse em Draco, lançou a Rony um olhar de alerta e disse:
— Você sabe se a pessoa que abriu a Câmara na última vez foi apanhada?
— Ah, é claro... Seja lá o que for foi expulso — disse Draco. — Com certeza ainda está em Azkaban.
— Azkaban? — perguntou Harry intrigado.
— Azkaban, a prisão de bruxos, Goyle — disse Draco, olhando para ele incrédulo. — Sinceramente, se você fosse mais devagar, andaria para trás.
Mexeu-se inquieto na cadeira e continuou:
— Meu pai diz para eu ficar na minha e deixar o herdeiro de Slytherin fazer o trabalho. Diz que a escola precisa se livrar de toda a sujeira dos sangues-ruins, mas para eu não me meter. É claro que ele está com as mãos cheias nesse momento. Sabem que o Ministério da Magia revistou a nossa propriedade na semana passada?
Harry tentou botar na cara de Goyle uma expressão de preocupação.
— É... — disse Draco. — Felizmente não encontraram muita coisa. Papai tem um material para Artes das Trevas muito valioso. Mas felizmente, temos a nossa câmara secreta embaixo da sala de visitas...
— Ho! — exclamou Rony.
Draco olhou. O mesmo fez Harry. Rony corou. Até seus cabelos começavam a ficar vermelhos. O nariz também estava crescendo — o tempo deles se esgotara e Rony começava a voltar ao normal e, pelo olhar de horror que de repente lançou a Harry, devia estar acontecendo o mesmo com o amigo.
Os dois se levantaram depressa.
— O remédio para o meu estômago — rosnou Rony e, sem mais demora, atravessou correndo toda a extensão do salão da Sonserina, atirou-se à parede de pedra e saiu pelo corredor na esperança de que Draco não tivesse notado nada. Harry sentiu os pés derraparem nos enormes sapatos de Goyle e teve que levantar as vestes à medida que iam encolhendo; os dois se precipitaram pelas escadas que levavam ao saguão de entrada, onde se ouviam as batidas abafadas que vinham do armário em que haviam trancado Crabbe e Goyle. Deixando os sapatos ao lado da porta eles subiram de meias e a toda velocidade a escada de mármore em direção ao banheiro da Murta Que Geme.
— Bom, não foi uma perda total de tempo — ofegou Rony, fechando a porta do banheiro ao passarem. — Sei que não descobrimos quem é o atacante, mas vou escrever a papai amanhã e dizer para ele revistar embaixo da sala de visitas de Malfoy.
Harry contemplou seu rosto no espelho rachado. Voltara ao normal. Colocou os óculos enquanto Rony socava a porta do boxe de Hermione.
— Mione, saia daí, temos um monte de coisas para lhe contar...
— Vão embora! — disse Hermione esganiçada.
Harry e Rony se entreolharam.
— Qual é o problema? — perguntou Rony. — Você já deve ter voltado ao normal agora, nós...
Mas a Murta Que Geme atravessou de repente a porta do boxe. Harry nunca a vira com a cara tão feliz.
— Aaaaaah, esperem até ver. Que horrível...
Eles ouviram o trinco se abrir e Hermione saiu, soluçando, as vestes cobrindo a cabeça.
— Que foi que houve? — perguntou Rony inseguro. — Você continua com o nariz da Emilia ou coisa assim?
Hermione deixou as vestes caírem e Rony recuou contra a pia.
O rosto da garota estava coberto de pêlos negros. Os olhos tinham virado amarelos e orelhas compridas e pontudas espetavam para fora dos cabelos.
— Era um pêlo de gato! Emilia Bulstrode deve ter um gato! E a poção não deve ser usada para transformar animais!
— Uau! — exclamou Rony.
— Vão caçoar de você horrores — exclamou Murta, feliz.
— Tudo bem, Mione — disse Harry depressa. — Levamos você para a ala hospitalar. Madame Pomfrey nunca faz muitas perguntas...
Levou muito tempo para persuadirem Hermione a deixar o banheiro. Murta Que Geme despediu-se dos garotos com uma risada gaiata.
— Espere até todo mundo descobrir que você tem rabo!

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