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Unknown
junho 06, 2014
Capítulo 3
O queixo de Harry caiu quando o impacto do que via o atingiu por inteiro. Rony estava debruçado na janela traseira de um velho carro turquesa, estacionado no ar. Do banco dianteiro sorriam, para Harry, Fred e Jorge, os irmãos gêmeos de Rony, mais velhos que ele.
— Tudo bem, Harry? — perguntou Jorge.
— Que é que está acontecendo? — perguntou Rony. — Por que é que você não tem respondido às minhas cartas? Convidei-o a nos visitar umas doze vezes e então papai chegou em casa e disse que você tinha recebido uma advertência oficial por usar mágica na frente de trouxas...
— Não fui eu... E como é que ele soube?
— Ele trabalha no Ministério. Você sabe que não temos permissão para usar mágica fora da escola...
— Olha quem fala — respondeu Harry olhando para o carro que flutuava.
— Ah, isto não conta — respondeu Rony. — É só emprestado. É do papai, não fomos nós que o enfeitiçamos. Mas fazer mágica na frente desses trouxas com quem você mora...
— Eu já disse que não fiz... Mas vai levar muito tempo para contar agora. Olha, será que você pode avisar em Hogwarts? Os Dursley me trancaram e não vão me deixar voltar e, é claro, não posso sair usando mágica, porque o Ministério vai achar que é a segunda mágica que faço em três dias, e aí...
— Pare de falar coisas sem sentido — disse Rony. — Viemos levá-lo para casa conosco.
— Mas vocês também não podem me tirar usando mágica...
— Não precisamos — disse Rony, indicando com a cabeça o banco dianteiro do carro e sorrindo. — Você esqueceu quem foi que eu trouxe comigo.
— Amarre isso nas grades — mandou Fred, atirando a ponta de uma corda para Harry.
— Se os Dursley acordarem, estou morto — comentou Harry enquanto amarrava a corda bem firme em volta da grade e Fred acelerava o carro.
— Não se preocupe — falou Fred —, e dê distância.
Harry recuou para as sombras próximas, a Edwiges, que parecia ter percebido como aquilo era importante e ficou parada e silenciosa. O carro roncou cada vez mais alto e, de repente, com um ruído de trituração, as grades foram totalmente arrancadas da janela, enquanto Fred continuava a subir no ar Harry correu à janela e viu as grades balançando a pouco mais de um metro do chão. Rony, ofegante, puxou-as para dentro do carro. Harry escutava ansioso, mas não vinha o menor ruído do quarto dos Dursley.
Depois que as grades foram guardadas no banco traseiro do carro, ao lado de Rony, Fred deu marcha a ré até chegar o mais próximo possível da janela de Harry.
— Entre — convidou Rony.
— Mas todo o meu material de Hogwarts... Minha varinha... Minha vassoura...
— Onde está?
— Trancado no armário embaixo da escada, e não posso sair deste quarto...
— Não tem problema — disse Jorge do banco dianteiro do carro. — Saia da frente, Harry.
Fred e Jorge entraram no quarto de Harry pela janela, feito gatos. A pessoa tinha que tirar o chapéu para eles, pensava Harry, quando Jorge puxou um grampo do bolso e começou a arrombar a fechadura.
— Tem muito bruxo que acha que é uma perda de tempo conhecer macetes de trouxas como esse — disse Fred —, mas nós achamos que vale a pena aprender essas habilidades, mesmo que sejam um pouco demoradas.
A porta fez um dique e se abriu.
— Então, vamos apanhar o seu malão, e você pega o que precisar do seu quarto e passa para o Rony – murmurou Jorge.
— Cuidado com o último degrau, ele range — murmurou Harry para os gêmeos que desapareceram no corredor escuro.
Harry correu pelo quarto reunindo seus pertences e passando-os a Rony pela janela. Então, foi ajudar Fred e Jorge a carregar o malão para cima. Harry ouviu o tio Válter tossir.
Finalmente, ofegantes, eles chegaram ao alto da escada e carregaram o malão pelo quarto de Harry até a janela aberta.
Fred pulou a janela de volta ao carro para puxar o malão com Rony, enquanto Harry e Jorge o empurravam pelo lado de dentro.
Pouco a pouco, o malão deslizou pela janela. Tio Válter tossiu outra vez.
— Mais um pouquinho — arfou Fred, que estava puxando o malão para dentro do carro. — Mais um bom empurrão...
Harry e Jorge jogaram os ombros contra o malão e ele deslizou da janela para o assento traseiro do carro.
— Muito bem, vamos — cochichou Jorge.
Mas quando Harry subia no parapeito da janela ouviu um guincho alto atrás dele, seguido imediatamente pela voz trovejante do tio Válter.
— ESSA CORUJA DESGRAÇADA!
— Eu esqueci a Edwiges! Harry precipitou-se de volta ao quarto na hora em que a luz do corredor se acendeu — agarrou a gaiola, correu à janela e passou-a a Rony. E estava subindo de volta na cômoda quando o tio Válter socou a porta destrancada e ela se escancarou.
Por uma fração de segundo, o tio Válter parou emoldurado pelo portal, em seguida deixou escapar um urro como o de um touro enfurecido e atirou-se contra Harry prendendo-o pelo tornozelo.
Rony, Fred e Jorge agarraram os braços de Harry e o puxaram com toda a força que tinham.
— Petúnia! — berrou tio Válter. — Ele está fugindo! ELE ESTÁ FUGINDO!
Mas os Weasley deram um puxão gigantesco e a perna de Harry se soltou da garra do tio Válter — e Harry já estava no carro e batia a porta.
— Pé na tábua, Fred! — gritou Rony, e o carro disparou de repente em direção à lua.
Harry não conseguia acreditar — estava livre. Baixou a janela, o ar da noite chicoteou seus cabelos, e ele virou a cabeça para contemplar os telhados da Rua dos Alfeneiros que desapareciam ao longe. Tio Válter, tia Petúnia e Duda estavam todos debruçados, estupefatos, na janela de Harry.
— Vejo vocês no próximo verão! — gritou Harry.
Os Weasley soltaram gargalhadas e Harry se acomodou no banco, sorrindo de orelha a orelha.
— Solte a Edwiges — pediu ele a Rony. — Ela pode voar atrás do carro. Há séculos que não tem uma chance de esticar as asas.
Jorge passou o grampo a Rony e, um momento depois, Edwiges voou feliz pela janela e ficou deslizando ao lado do carro como um fantasma.
— Então, qual é a história, Harry? — perguntou Rony impaciente. — Que aconteceu?
Harry contou tudo sobre Dobby, o aviso que dera a Harry e o desastre com o pudim de violetas. Fez-se um silêncio longo e assombroso quando ele terminou.
— Muito esquisito — disse Fred finalmente.
— Decididamente suspeito – concordou Jorge. — E ele nem quis lhe dizer quem estaria tramando tudo isso?
— Acho que ele não podia — respondeu Harry. — Eu lhe contei, todas as vezes que ele estava quase deixando escapar alguma coisa, começava a bater a cabeça na parede.
Harry viu Fred e Jorge se entreolharem.
— O quê, vocês acham que ele estava mentindo para mim? — perguntou Harry.
— Bom — respondeu Fred —, vamos colocar a coisa assim...
— Elfos domésticos têm poderes mágicos próprios, mas em geral não podem usá-los sem a permissão dos donos. Calculo que o velho Dobby foi mandado para impedir que você voltasse a Hogwarts. Deve ser a idéia que alguém faz de uma brincadeira. Você pode imaginar alguém na escola que tenha raiva de você?
— Claro — disseram Harry e Rony, juntos, na mesma hora.
— Draco Malfoy — explicou Harry. — Ele me odeia.
— Draco Malfoy? — perguntou Jorge, virando-se. — O filho de Lúcio Malfoy?
— Deve ser, não é um nome muito comum, é? — disse Harry.
— Por quê?
— Já ouvi papai falar nele. Era um grande seguidor de Você-Sabe-Quem.
— E quando Você-Sabe-Quem desapareceu — acrescentou Fred, esticando-se para olhar para Harry —, Lúcio Malfoy voltou dizendo que nunca tivera intenção de fazer nada. Um monte de bosta... Papai acha que ele fazia parte do círculo intimo de Você-Sabe-Quem.
Harry já ouvira esses comentários sobre a família Malfoy antes e não se surpreendeu nem um pouco. Draco Malfoy fazia Duda Dursley parecer um menino bom, atencioso e sensível.
— Não sei se os Malfoy têm um elfo doméstico... — disse Harry.
— Bom, seja quem for, os donos dele devem ter uma família de bruxos antiga e rica — disse Fred.
— É, mamãe sempre desejou que a gente tivesse um elfo doméstico para passar a roupa — comentou Jorge. — Mas só o que temos é um vampiro velho e incompetente no sótão e gnomos por todo o jardim. Elfos domésticos combinam com grandes casas senhoriais, castelos e lugares do gênero; você não toparia com um na nossa casa...
Harry estava calado. A julgar pelo fato de que Draco Malfoy em geral tinha do bom e do melhor, a família devia rolar em dinheiro de bruxo; ele podia até imaginar Malfoy se pavoneando por uma grande casa senhorial. Mandar o criado da família impedir Harry de voltar a Hogwarts também parecia bem o tipo de coisa que Malfoy faria. Ele teria sido tão burro a ponto de levar Dobby a sério?
— Em todo o caso, fico contente que a gente tenha vindo buscá-Lo. Eu estava ficando realmente preocupado quando você, não respondeu minhas cartas. Primeiro pensei que tinha sido culpa de Errol...
— Quem é Errol?
— Nossa coruja. Ele é velhíssimo. Não seria a primeira vez que desmaia ao fazer uma entrega. Então tentei pedir o Hermes emprestado...
— Quem?
— A coruja que mamãe e papai compraram para Percy quando ele foi nomeado monitor — explicou Fred do banco da frente.
— Mas Percy não quis me emprestar. Disse que precisava dele.
— Percy anda se comportando de forma muito estranha este verão — disse Jorge franzindo a testa. — E tem despachado um bocado de cartas e passado um tempão trancado no quarto... Quero dizer, tem limite o número de vezes que a pessoa pode querer dar brilho num distintivo de monitor... Você está se afastando demais para oeste, Fred — acrescentou, apontando a bússola no painel do carro. Fred corrigiu o rumo girando o volante.
— E seu pai sabe que você está dirigindo o carro? — perguntou Harry, já adivinhando a resposta.
— Ah, não — disse Rony —, ele teve que trabalhar hoje à noite. Com sorte conseguiremos guardar o carro de volta na garagem antes que mamãe note que saímos com ele.
— Afinal, que é que seu pai faz no Ministério da Magia?
— Ele trabalha no departamento mais monótono de todos — disse Rony. — O do Controle do Mau Uso dos Artefatos dos Trouxas.
— O quê?
— Tratam do feitiço lançado em objetos feitos pelos trouxas, sabe, no caso de acabarem indo parar numa loja ou numa casa de trouxas. Como no ano passado, uma velha bruxa morreu e o seu serviço de chá foi vendido a uma loja de antiguidades.
— Uma mulher trouxa comprou o serviço, levou para casa e tentou servir chá aos amigos. Foi um pesadelo, papai ficou trabalhando depois do expediente durante semanas.
— Que aconteceu?
— O bule de chá endoidou e espirrou chá fervendo para todo lado, e um homem foi parar no hospital com as pinças de açúcar presas no nariz. Papai quase ficou louco, só existe ele e um velho bruxo chamado Perkins no escritório, e os dois tiveram que usar feitiços para apagar lembranças e outros tipos de recursos para abafar o caso...
— É, papai é doido por tudo que os trouxas produzem; nosso barraco de ferramentas é cheio de coisas de trouxas. Ele desmonta um objeto, enfeitiça e torna a montá-lo. Se ele revistasse a nossa casa teria que se dar ordem de prisão. Mamãe fica danada.
— Aquela é a estrada principal — disse Jorge, espiando para baixo pelo pára-brisa. — Estaremos lá em dez minutos... Antes assim, já está clareando...
Uma ligeira claridade rosada tornava-se visível na linha do horizonte a leste.
Fred fez o carro baixar um pouco, e Harry viu uma colcha de retalhos feita de campos e arvoredos.
— Moramos um pouquinho fora da cidade — disse Jorge. — Ottery St. Catchpole...
O carro voador continuava a descer. A auréola escarlate do sol agora brilhava por entre as árvores.
— Pousamos! — exclamou Fred quando, com um ligeiro solavanco, eles tocaram o chão.
Tinham pousado ao lado de garagem desmantelada num pequeno quintal, e Harry olhou pela primeira vez para a casa de Rony. Parecia ter sido no passado um grande chiqueiro de pedra, que foram acrescentando cômodos aqui e ali até ela atingir os andares e era tão torta que parecia ser sustentada por mágica (o que, Harry lembrou a si mesmo, era provável).
Quatro ou cinco chaminés estavam encarrapitadas no alto do teto vermelho. Em um letreiro torto enfiado no chão, próximo à entrada, lia-se A TOCA. Em volta da porta de entrada encontrava-se uma variedade de botas de borracha e um caldeirão muito enferrujado.
Várias galinhas castanhas e gordas ciscavam pelo quintal.
— Não é muita coisa — disse Rony.
— É maravilhosa — comentou Harry feliz, pensando na Rua dos Alfeneiros.
Eles desembarcaram do carro.
— Agora vamos subir muito quietinhos — recomendou Fred e esperar mamãe nos chamar para tomar o café da manhã.
Eles desembarcaram do carro.
— Então Rony, você desce correndo e diz: "Mamãe, olhe só quem apareceu durante a noite!" e ela vai ficar contente de ver o Harry e ninguém vai precisar saber que saímos voando no carro.
— Certo — concordou Rony. — Vamos Harry, eu durmo no... No alto...
O rosto de Rony ganhou um tom verde esquisito, seus olhos se fixaram na casa. Os outros três se viraram.
A Sra. Weasley vinha atravessando o quintal, espantando galinhas, e para uma senhora baixa, gorducha, de rosto bondoso, era incrível como estava parecendo um tigre de dentes de sabre.
— Ah!— exclamou Fred.
— Essa não! — exclamou Jorge.
A Sra. Weasley parou diante deles, as mãos nos quadris, olhando de uma cara culpada para a outra. Vestia um avental florido com uma varinha saindo pela borda do bolso.
— Muito bem — disse ela.
— Bom-dia, mamãe — disse Jorge, no que ele audivelmente pensou que era uma voz lampeira e cativante.
— Vocês fazem idéia da preocupação que tive? — perguntou a Sra. Weasley num sussurro letal.
— Desculpe, mamãe, mas sabe, tínhamos que...
Os três filhos da Sra. Weasley eram mais altos do que ela, mas encolheram à medida que a raiva da mãe ia desabando sobre eles.
— As camas vazias! Nenhum bilhete! O carro desaparecido... Podia ter batido... Louca de preocupação... Vocês se importaram?... Nunca em minha vida... Esperem até seu pai voltar, nunca tivemos problemas assim com o Gui nem com o Carlinhos nem com o Percy...
— O Percy perfeito — resmungou Fred.
— VOCÊS PODIAM SE MIRAR NO EXEMPLO DO PERCY! — berrou a Sra. Weasley, metendo o dedo no peito de Fred.
— Vocês podiam ter morrido, podiam ter sido vistos, podiam ter feito seu pai perder o emprego...
Parecia que o sermão estava durando horas. A Sra. Weasley ficou rouca de tanto gritar até se virar para Harry, que recuou.
— Estou muito contente em vê-lo, Harry, querido — disse ela. — Entre, venha tomar café.
Deu meia-volta e entrou em casa, e Harry, depois de lançar um olhar nervoso a Rony, que acenou com a cabeça animando-o, acompanhou-a.
A cozinha era pequena e um tanto apertada. Havia ao centro uma mesa de madeira muito escovada e cadeiras, e Harry se sentou na beirada de uma, espiando à sua volta. Nunca estivera numa casa de bruxos antes.
O relógio na parede em frente só tinha um ponteiro e nenhum número. Havia escritas em torno do mostrador coisas assim, Hora de fazer chá, Hora de dar comida às galinhas e Você está atrasado. Havia livros arrumados em fileiras triplas sobre o console da lareira, livros com títulos do gênero Enfeitice o seu próprio queijo, O Feitiço no forno e Festas de um minuto — um Encantamento! E, a não ser que os ouvidos de Harry o enganassem, o velho rádio ao lado da pia acabara de anunciar que o próximo programa era "Hora de Encantos, com a popular cantora bruxa, Celestina Warbeck".
A Sra. Weasley batia pratos e panelas, preparando o café da manhã um pouco a esmo, lançando olhares feios aos filhos, enquanto atirava salsichas na frigideira.
De vez em quando resmungava coisas como "não sei o que estavam pensando" e "eu nunca teria acreditado".
— Não estou culpando você; querido — ela tranqüilizou Harry, servindo oito ou nove salsichas no prato dele. — Arthur e eu estivemos preocupados com você, também. Ainda na outra noite estávamos falando que iríamos buscá-lo pessoalmente se você não escrevesse a Rony até sexta-feira. Mas francamente — (ela agora acrescentava três ovos fritos às salsichas) — atravessar metade do país em um carro ilegal, vocês podiam ter sido vistos...
Ela acenou a varinha displicentemente em direção dos pratos na pia, que começaram a se lavar, entrechocando-se de leve ao fundo.
— Estava nublado, mamãe! — exclamou Fred.
— Você fique de boca fechada enquanto come! — ralhou a Sra. Weasley.
— Estavam matando ele de fome, mamãe! – disse Jorge.
— E você! — disse a Sra. Weasley, mas foi com uma expressão ligeiramente mais branda que ela começou a cortar e passar manteiga no pão para Harry.
Naquele momento surgiu uma distração sob a forma de uma figura pequena, de cabelos vermelhos, que vestia uma longa camisola, e apareceu na cozinha, deu um gritinho e saiu correndo outra vez.
— Gina — disse Rony baixinho para Harry. — Minha irmã. Andou falando em você o verão inteiro.
— É, ela vai querer o seu autógrafo, Harry — disse Fred com um sorriso, mas viu que a mãe o olhava e baixou o rosto para o prato, calando-se. Nada mais foi dito até os quatro pratos ficarem limpos, o que levou um tempo surpreendentemente breve.
— Putz, estou cansado — bocejou Fred, pousando finalmente a faca e o garfo. — Acho que vou me deitar e...
— Não vai, não — retrucou a Sra. Weasley. — A culpa foi sua se ficou a noite toda acordado. Você vai desgnomizar o jardim para mim; eles estão ficando completamente rebeldes outra vez.
— Ah, mamãe...
— E vocês dois — disse ela, olhando feio para Rony e Fred. — Você pode ir se deitar, querido — acrescentou dirigindo-se a Harry. — Você não pediu a eles para voarem naquele carro infernal.
Mas Harry, que se sentia completamente acordado, disse depressa:
— Vou ajudar o Rony. Nunca vi fazer uma desgnomização...
— É muito gentil de sua parte, querido, mas é trabalho monótono — disse a Sra. Weasley. — Agora vamos ver o que Lockhart tem a dizer sobre o assunto.
Ela puxou um livro pesado de cima do console. Jorge gemeu.
— Mamãe, nós sabemos como desgnomizar um jardim.
Harry espiou a capa do livro da Sra. Weasley. Escritas na capa em arabescos dourados havia as palavras Guia de pragas domésticas de Gilderoy Lockhart. Havia na capa uma grande foto de um bruxo bonitão de cabelos louros ondulados e olhos azuis muito vivos. Como sempre no mundo dos bruxos, a foto se mexia; o bruxo, que Harry supunha que fosse o tal Gilderoy Lockhart, não parava de piscar, muito animado, para todos.
— Ah, ele é um assombro — disse a mãe. — Conhece bem as pragas domésticas.
É um livro maravilhoso...
— Mamãe tem um xodó por ele — disse Fred num sussurro muito audível.
— Não seja ridículo Fred — retorquiu a Sra. Weasley, o rosto muito corado. — Está bem, se vocês acham que sabem mais do que Lockhart, podem ir fazer o trabalho, mas tenho pena de vocês se tiver sobrado um único gnomo naquele jardim quando eu sair para inspecioná-lo.
Aos bocejos e resmungos, os Weasley saíram se arrastando, com Harry em sua cola. O jardim era grande e, aos olhos de Harry, exatamente como um jardim devia ser. Os Dursley não teriam gostado — havia muito mato e a grama precisava ser aparada —, mas havia árvores nodosas a toda volta dos muros, plantas que Harry nunca vira saindo de cada canteiro e um grande tanque de águas verdosas cheio de sapos.
— Os trouxas também têm gnomos de jardim, sabe — Harry contou a Rony quando cruzavam o gramado.
— Sei, já vi aquelas coisas que eles acham que são gnomos — disse Rony, com o corpo dobrado e a cabeça enfiada num pé de peônias —, como papais noéis baixinhos e gordinhos segurando varas de pescar...
Ouviram um ruído de alguém se debatendo violentamente, o pé de peônia estremeceu e Rony se levantou.
— Isto é um gnomo — disse serio.
— Tire as mãos de cima de mim!Tire as mãos de cima de mim! Guinchou o gnomo.
Decerto não parecia nada com um Papai Noel. Era pequeno, a pele parecia um couro, a cabeçorra cheia de calombos e careca, igualzinha a uma batata. Rony segurou-o à distância enquanto o gnomo o chutava com os pezinhos calosos; o garoto o agarrou pelos tornozelos e o virou de cabeça para baixo.
— Isto é o que a gente tem que fazer — explicou. E ergueu o gnomo acima da cabeça ("Tire as mãos de mim!") e começou rodá-lo em grandes círculos como se fosse laçar um boi. Ao ver a cara de espanto de Harry, Rony acrescentou: — Isto não machuca, você só precisa deixá-los bem tontos para não poderem encontrar o caminho de volta para as tocas de gnomos.
Ele soltou os tornozelos do gnomo: que voou uns seis metros para o alto e caiu com um baque surdo no campo do outro lado da sebe.
— Lamentável — exclamou Fred. — Aposto que posso atirar o meu bem além daquele toco de árvore.
Harry aprendeu depressa a não sentir muita pena dos gnomos. Resolveu simplesmente deixar cair por cima da sebe o primeiro que pegou, mas o gnomo, pressentindo fraqueza, enterrou os dentes afiados como navalhas no seu dedo, e Harry teve muito trabalho para sacudi-lo longe, até que...
— Uau, Harry, esse deve ter caído a uns quinze metros...
O ar não tardou a ficar coalhado de gnomos voadores.
— Está vendo, eles não são muito inteligentes — disse Jorge, agarrando cinco ou seis gnomos de uma vez. — Na hora que descobrem que está havendo uma desgnomização, aparecem correndo para dar uma espiada. Era de se esperar que já tivessem aprendido a ficar quietos.
Logo os gnomos atirados no campo começaram a se afastar em uma linha descontínua, os ombrinhos curvados.
— Eles vão voltar — disse Rony enquanto observavam os gnomos desaparecerem na sebe do outro lado do campo. — Eles adoram isso aqui... Papai é muito mole com eles; acha que são engraçados...
Naquele instante, a porta de entrada bateu.
— Ele voltou! — disse Jorge. — Papai está em casa!
Os garotos atravessaram correndo o jardim e entraram em casa.
O Sr. Weasley estava largado numa cadeira da cozinha, sem óculos e de olhos fechados. Era um homem magro, começando a ficar careca, mas o pouco cabelo que tinha era ruivo como o dos filhos. Usava vestes verdes e longas, que estavam empoeiradas e amarrotadas da viagem.
— Que noite! — murmurou, tateando à procura do bule de chá enquanto todos se sentaram à sua volta. — Nove batidas. Nove! E o velho Mundungus Fletcher ainda tentou me lançar um feitiço quando eu estava de costas...
O Sr. Weasley tomou um longo gole de chá e suspirou.
— Encontrou alguma coisa, papai? — perguntou Fred ansioso.
— Só encontrei umas chaves para portas que encolhem e uma chaleira que morde — bocejou o Sr. Weasley. — Houve as ocorrências feias, mas não foram no meu departamento. Mortlake foi levado para interrogatório sobre umas doninhas muito esquisitas, mas isto foi com a Comissão de Feitiços Experimentais, graças a Deus...
— Mas por que alguém ia se dar o trabalho de fazer chaves que encolhem? — perguntou Jorge.
— Só para aborrecer os trouxas — suspirou o Sr. Weasley. — Vendem a eles uma chave que encolhe até desaparecer, de modo que nunca conseguem encontrá-la quando precisam... É claro que é muito difícil processar alguém porque nenhum trouxa vai admitir que a chave dele não para de encolher, insistem que vivem a perdê-las. Deus os abençoe, eles vão a extremos para fingir que magia não existe, mesmo que esteja no nariz deles... Mas as coisas que o nosso pessoal anda enfeitiçando, vocês não iriam acreditar...
— COMO CARROS, POR EXEMPLO?
A Sra. Weasley aparecera, empunhando um longo atiçador como uma espada. Os olhos do Sr. Weasley se arregalaram.
Ele olhou com cara de culpa para a mulher.
— Carros, Molly, querida?
— É Arthur, carros — disse a Sra. Weasley, os olhos faiscando. — Imagine só um bruxo comprar um carro velho e enferrujado e dizer à mulher que só quer desmontá-lo para ver como funciona, quando na realidade o enfeitiçou para fazê-lo voar.
O Sr. Weasley piscou os olhos.
— Bom, querida, acho que você vai descobrir que ele estava agindo dentro da lei quando fez isso, mesmo que... Ah... Tivesse agido melhor se, hum, se tivesse contado a verdade à mulher... Há um furo na lei, você vai descobrir... Desde que ele não tivesse intenção de voar no carro, o fato de que o carro poderá voar não...
— Arthur Weasley, você providenciou para que houvesse um furo nessa lei quando a escreveu! — gritou a Sra. Weasley. — Só para você poder continuar a se distrair com aquela lixaria dos trouxas no seu barraco! E para sua informação, Harry chegou hoje de manhã naquele carro que você não tinha intenção de fazer voar!
— Harry? — exclamou o Sr. Weasley sem entender — Que Harry?
Ele olhou à volta, viu Harry e deu um salto.
— Deus do céu, é Harry Potter? Muito prazer em conhecê-lo. Rony tem falado tanto em...
— Os seus filhos foram naquele carro até a casa de Harry e voltaram de lá ontem à noite!— gritou a Sra. Weasley. — Que é que você me diz disso, hein?
— Vocês fizeram mesmo isso? — perguntou o Sr. Weasley, ansioso. — E o carro voou bem? Eu... Eu quero dizer — gaguejou, enquanto voavam faíscas dos olhos da Sra. Weasley — que... Isso foi muito errado, meninos... Muito errado mesmo...
— Vamos deixar eles discutirem — Rony sussurrou para Harry quando a Sra. Weasley inchou como um sapo-boi. — Vamos, vou-lhe mostrar o meu quarto.
Os dois saíram discretamente da cozinha e seguiram por um corredor estreito até uma escada irregular, que subia em ziguezague pela casa. No terceiro patamar, havia uma porta entreaberta. Harry vislumbrou dois grandes olhos castanhos e vivos que o espiavam antes da porta fechar com um clique.
— Gina — explicou Rony. — Você não sabe como é estranho ela estar tão tímida. Normalmente ela nunca para de falar...
Eles subiram mais dois lances e chegaram a uma porta com a tinta descascada e uma pequena placa onde se lia "Quarto do Ronald".
Harry entrou, a cabeça quase tocando no teto inclinado, e piscou os olhos. Era como entrar num forno. Quase tudo no quarto de Rony era de um tom violentamente laranja: a colcha da cama, as paredes e até o teto. Então Harry percebeu que Rony tinha coberto praticamente cada centímetro do papel de parede gasto com pôsteres dos mesmos sete bruxos e bruxas, todos usando vestes laranja vivo, segurando vassouras e acenando com animação.
— O seu time de Quadribol? — perguntou Harry.
— O Chudley Cannons — disse Rony, apontando para a colcha laranja, que exibia um brasão com dois enormes C’s pretos e uma bala de canhão em movimento. — Nono lugar na divisão.
Os livros escolares de feitiçaria que pertenciam a Rony estavam empilhados de qualquer jeito num canto, junto com um monte de histórias em quadrinhos que pareciam conter a mesma tira, As aventuras de Martin Miggs, o trouxa pirado. A varinha de condão de Rony estava em cima de um aquário cheio de ovas de rã, no peitoril da janela, ao lado do seu rato cinzento e gordo, o Perebas, que tirava um cochilo numa nesga de sol.
Harry pulou por cima de um baralho de cartas auto embaralhantes que estava no chão e espiou pela janelinha. No campo, lá embaixo, ele viu uma turma de gnomos que voltavam sorrateiros, um a um, pela cerca dos Weasley. Depois virou-se para olhar Rony, que o observava quase nervoso, como se esperasse ouvir sua opinião.
— É meio pequeno — disse Rony depressa. — Nada como aquele quarto que você tinha na casa dos trouxas. E estou bem debaixo do vampiro no sótão; sempre batendo nos canos e gemendo...
Mas Harry, com um grande sorriso, disse:
— Esta é a melhor casa que já visitei.
As orelhas de Rony ficaram vermelhas.